"TOLERÂNCIA QUASE ZERO" RIO — Pedir licença não ajuda muito. A maioria dos profissionais acha inapropriado usar o smartphone durante uma reunião ou em um almoço de trabalho — seja para atender a uma ligação ou enviar e receber mensagens. É o que mostra pesquisa feita pela University of Southern California. O estudo indica que, para 76% dos profissionais, é inaceitável checar mensagens durante reuniões, número que sobe para 87% quando o assunto é atender o celular. E o levantamento, feito entre 554 profissionais nos Estados Unidos, revela, ainda, que os mais jovens são mais tolerantes ao uso do gadget no trabalho: entre os que têm menos de 30 anos de idade, 49% acham inaceitável checar mensagens em reuniões, enquanto, na faixa etária de 51 a 65 anos, a intolerância sobe para 84%. Já as mulheres são mais rigorosas do que os homens quanto a esse comportamento: para 74% delas, interromper um almoço de negócios para atender a uma ligação é inaceitável, atitude que incomoda a 50% dos profissionais do sexo masculino. O objetivo da pesquisa, diz Peter Cardon, um dos coautores, em entrevista por e-mail ao Boa Chance, é investigar meios de se usar com bom senso o smartphone em reuniões de trabalho — afinal, a presença da tecnologia no ambiente corporativo é irreversível. — Pesquisas estão sempre mostrando como as habilidades de comunicação são essenciais aos líderes de negócios. Nossa principal intenção, como professores de gestão da comunicação, é ajudar esses líderes a tomarem as decisões certas como comunicadores — diz Cardon, que afirma, também, que a cultura de cada país pode influenciar a reação mais ou menos negativa ao smartphone no ambiente corporativo. — A cultura importa bastante. Trabalhei por três anos na China e pude perceber que eles têm normas diferentes de uso do celular. Lá, os profissionais mais sêniores usam mais, até mesmo em reuniões, o que pode ser explicado pelo respeito à idade e ao status que é típico do país. Celular a favor ou contra a produtividade E tomar as decisões certas como comunicadores, significa, segundo o professor da USC, ter consciência de que o smartphone pode ser usado a favor ou contra a produtividade. — Há estudos que provam que checar e-mails ou atender a telefonemas costuma causar significativos desvios de concentração e produtividade. Geralmente, após uma interrupção, é necessário de 15 a 20 minutos para retomar a capacidade mental — destaca Cardon, que, por outro lado, chama atenção para a facilidade de acesso à informação trazida pelos smartphones. — Não há dúvidas de que os aparelhos podem tornar profissionais mais produtivos, mas exigem disciplina para serem utilizados apenas em períodos que pedem comunicação e colaboração constantes, não concentração mental. Álvaro Viana, sócio da Alta Geotecnia, start-up de soluções técnicas aplicadas às áreas de geotecnia e meio ambiente, procura usar o bom senso e adota posturas diferentes a cada caso. — Dependendo da reunião, deixo meu telefone com colegas para que eles atendam e anotem o recado. Em outras, vejo quem me ligou, mas não atendo. Em algumas, se a ligação for mais importante, dou uma pausa na reunião — explica Viana. Aos 34 anos, Viana faz parte do grupo em que 80% consideram inadequado atender o telefone no meio de uma reunião. A diferença de percepção entre gerações foi um aspecto que chamou atenção dos pesquisadores. — Certamente os profissionais mais jovens aceitam melhor o uso de e-mails, mensagens e outras coisas via smartphones. Mas, ainda assim, esses jovens também possuem o que podemos chamar de “etiqueta móvel” e reconhecem que precisam ouvir mais e prestar mais atenção aos colegas que sentam do outro lado da mesa. Com frequência, escuto jovens reclamarem que seus chefes usam o smartphone durante reuniões, e isso faz parecer que os gestores não se importam com eles — ressalta Cardon. Mulheres prestam mais atenção nos outros O pesquisador da USC acha, também, que, com mais integrantes da geração Y chegando ao mundo do trabalho, essa “etiqueta móvel” vai acabar se modificando: — O que hoje é considerado indelicado deve acabar mudando, conforme mais gente que já cresceu com os smartphones comece a trabalhar. E também acho que, no futuro, é provável que o aparelho se torne uma parte mais importantes das reuniões de trabalho. Enquanto isso não acontece, as mulheres se mostram mais intolerantes ao smartphone sendo usado tanto em reuniões quanto em almoços de trabalho — resultado que foi considerado uma surpresa para os responsáveis pela pesquisa. O levantamento indica que os homens são quase duas vezes mais propensos que as mulheres a aceitar com tranquilidade que o interlocutor — e eles próprios — verifique e escreva mensagens e e-mails e faça telefonemas. — Antes de começarmos o nosso estudo, esperávamos uma pequena diferença entre homens e mulheres. Afinal, alguns estudos já mostraram como as mulheres se relacionam melhor e são boas ouvintes, além de terem a cortesia como características. Mas, ainda assim, ficamos surpresos com a magnitude da diferença em nossa pesquisa — diz o pesquisador da USC. Cardon conta que, nas palestras nas quais apresentou os resultados, nos Estados Unidos, todas as mulheres presentes tinham histórias do chefe e do colega, ou até mesmo do marido ou namorado, tendo um comportamento grosseiro envolvendo o smartphone. — As mulheres, quando compartilham esses casos, quase sempre enfatizam a importância de prestar atenção total nos outros. Moderação e bom senso devem orientar uso do smartphone Dependendo do segmento de atuação, a empresa pode ter uma cultura menos rígida em relação ao uso do smartphone. Ainda assim, dizem os especialistas, os funcionários e chefes não devem usá-lo o tempo todo. — Empresas mais informais possuem uma cultura mais aberta ao uso da tecnologia e, em alguns casos, criam uma etiqueta própria. Mas, independentemente de segmento de atuação ou da cultura organizacional, o celular deve ser usado com moderação, bom senso e educação — afirma Dayse Gomes, coach de carreira e consultora em desenvolvimento organizacional, para quem, embora o smartphone seja boa ferramenta de comunicação, não deve ser a principal. — O seu uso, fora dos limites, atrapalha não só o convívio e a interação entre as pessoas, mas interfere na produtividade, no engajamento, na concentração e, pode, por distração, causar acidentes. Dayse sugere que, no trabalho, mesmo fora de reuniões, trabalhadores mantenham seus aparelhos no modo silencioso e evitem músicas chamativas. É o que a publicitária Johanna Beringer, de 21 anos, da empresa Mobbr, procura fazer. — Costumo deixar o celular ao meu lado em reuniões, mas coloco o aparelho no modo vibratório, de cabeça para baixo. Utilizo somente como bloco de notas e como possível fonte de pesquisa — conta Johanna. E Peter Cardon, coautor da pesquisa da University of Southern California (USC), diz que o ideal é avisar antes do início do encontro que está esperando um telefonema importante. — Há algumas formas educadas de atender o celular durante uma reunião ou almoço de negócios. Desculpar-se com antecedência e avisar sobre a expectativa de uma ligação importante, explicar que precisa ficar a par das últimas atualizações do projeto, garantir que os demais participantes vejam o que está na tela do seu celular, para que se certifiquem que é trabalho. Tudo isso ajuda — diz Cardon. O pesquisador da USC diz, também, que a etiqueta corporativa vai continuar evoluindo, por isso é importante que as equipes definam as regras quanto ao uso de tecnologia: — Mas a questão básica da etiqueta no trabalho, que não vai mudar, é o quanto você presta atenção no outro. Aqueles que forem considerados bons ouvintes na era de comunicação móvel certamente vão ser mais confiáveis e mais inspiradores — conclui Cardon. Publicado em 01/12/2013 no O Globo.