SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO DO VALE DO IPOJUCA - SESVALE FACULDADE DO VALE DO IPOJUCA – FAVIP COORDENAÇÃO DE PSICOLOGIA LIZA MINELLE SOUZA NASCIMENTO COM QUE ROUPA EU VOU? VESTINDO SENTIDOS DE SER-TRAVESTI EM CARUARU-PE CARUARU-PE 2011 LIZA MINELLE SOUZA NASCIMENTO COM QUE ROUPA EU VOU? VESTINDO SENTIDOS DE SER-TRAVESTI EM CARUARU-PE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Psicologia, da Faculdade do Vale do Ipojuca, como parte dos requisitos para obtenção do título de graduada em Psicologia. Orientadora: Profª Ma. Suely Emilia de Barros Santos CARUARU-PE 2011 N244c Nascimento, Liza Minelle Souza. Com que roupa eu vou? Vestindo sentidos de ser-travesti em CaruaruPE. / Liza Minelle Souza Nascimento. -- Caruaru : FAVIP, 2011. 81 f. : Orientador(a) : Suely Emília de Barros Santos. Trabalho de Conclusão de Curso (Psicologia) -- Faculdade do Vale do Ipojuca. Inclui apêndice. 1. Ser-travesti. 2. Políticas públicas. 3. Violência. I. Título. CDU 159.9[12.1] Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário: Jadinilson Afonso CRB-4/1367 DEDICATÓRIA À minha Dindinha e a Tia Mima, por terem me amado tanto. AGRADECIMENTOS A Deus por estar sempre comigo. Aos meus pais Antônio e Alice por terem embarcado comigo na realização desse sonho, onde permanecemos juntos mesmo na distância geográfica. A minha irmã Gabi, por ser tão doce e amável. A Gilmar por ter compreendido as minhas ausências, sempre me apoiando e amando. Ao meu amigo Bruno, por estar sempre comigo nos momentos de felicidade e tristeza, pelo seu acolhimento e cuidado na hora da angústia. A minha amiga Claudia pelos deliciosos momentos vividos no aconchego do seu lar e a sua família (Emanuel, Marília, Hugo e Gugu) por me aceitarem em suas vidas de maneira tão terna. A Elisângela por me fazer rir nas madrugadas de produção. A Jâmes, Walisson e Sarah por serem tão divertidos e tornarem a minha vida mais alegre. A Suely Emília pela sua presença verdadeira e acolhedora. A Cristiane Calado minha psicóloga, pelo acolhimento. A Jovelino, Suzy e Andréia pelas conversas, estudos e amizade. A turma 0703 por todos os momentos felizes que passamos durante estes anos. A todos os amigos e amigas que estiveram comigo nessa caminhada, pelo apoio e incentivo. As travestis participantes da minha pesquisa pela disponibilidade, credibilidade e confiança. EPÍGRAFE Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Raul Seixas RESUMO Na cidade de Caruaru, chama a atenção o grande número de travestis, e a falta de políticas públicas e sociais que atendam as necessidades desse segmento, nessa direção esse estudo tem como objetivo geral compreender os sentidos possíveis de ser-travesti em Caruaru-PE. Para tanto utilizamos como metodologia a narrativa, a qual se mostra como possibilidade de contação de experiências; como modalidade de intervenção/investigação lançamos mão da “Entrevista Clínica de Pesquisa” com três travestis e, como método de análise das narrativas a “Analítica do Sentido”. Nessa busca pelos sentidos possíveis foram desvelados que sertravesti em Caruaru é estar em situação de violência, preconceitos, discriminação por parte da família, da escola e da sociedade, é também estar em busca do ser-feminino, onde as concepções tradicionais de gênero masculino e feminino são fragmentadas. A partir dessa compreensão, este estudo nos convida a olharmos para a necessidade da construção e efetivação de Políticas Públicas voltadas para o público de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBTT), bem como para uma ação psicossocial na comunidade a qual incida na vida cotidiana da sociedade caruaruense possibilitando qualidade de vida e bem-estar humano para as travestis e a sociedade em geral. Palavras-chave: Ser-travesti; Políticas públicas; Violência. ABSTRACT In the town of Caruaru, amazes by the large number of transvestites, and the lack of public and social policies that meet the needs of those. In that direction,this study aims to realize the possible sense to be transvestite in Caruaru-PE. So we use the narrative as a methodology, which is shown as the possibility of "telling" of experiencies. As a form of intervention /investigation, we use the "Clinical Research Interview" with three transvestites; and as a method of narrative analysis, we use the" Analytics of Sense ". In this search for possibles meanings has been revealed that to be a transvestite in Caruaru is to stay in a situation of violence, prejudice, discrimination by family, school and society,it is also to be in search of female being, where the traditionals conceptions of gender male and female are fragmented. From this understanding, this study invites us to look at the need for the construction and execution of public policies to the public Lesbian, Gay, Bisexual and Transgender (LGBTT), as well as a psychosocial action in the community which focuses everyday in the life of caruaruensis society enabling quality of life and well-being for transvestites and for general society . Keywords: travestites being; violence; public policies. SUMÁRIO 1 APRESENTAÇÃO: TROCANDO ROUPAS ............................................................... 10 2 OLHANDO PARA AS QUESTÕES DE GÊNERO, SEXUALIDADES E DIVERSIDADES .................................................................................................................... 13 3 FOCANDO O OLHAR NA TRAVESTILIDADE ....................................................... 18 4 ENTRE E VISTA: HISTÓRIAS CONTADAS VIA DEPOIMENTOS ..................... 23 4.1 Na estrada: trilhando caminhos para a compreensão da narrativa da experiência ............................................................................................................................... 23 4.2 5 Narrando as experiências ........................................................................................ 26 COSTURANDO SENTIDOS DE SER-TRAVESTI EM CARUARU-PE ................. 70 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 76 10 1 APRESENTAÇÃO: TROCANDO ROUPAS A temática relacionada a gênero sempre me fascinou, sobretudo quando se trata de modelos que escapam à heterossexualidade hegemônica. Nesse contexto, há algum tempo, observo as travestis que fazem “programa” na Praça do Rosário, conhecido ponto de prostituição da cidade de Caruaru-PE. Ficava olhando fixamente para os seus corpos bem definidos, seus cabelos e a maquiagem forte que parecem tentar revelar algo, penso então como é ser travesti? Por que estão naquele lugar? E ainda por que a escolha por profissões ligadas à estética ou a prostituição? A experiência como estagiária do Estágio Básico em Psicologia Social, na Penitenciária Juiz Plácido de Souza, onde trabalhei com travestis também contribuiu para a escolha dessa temática, pois notei que naquele espaço elas eram vítimas de violência e exclusão. Tive a curiosidade de acessar o site de busca Google, procurando por travestis em Caruaru, e me deparei com um resultado impressionante, no qual, a maior parte das notícias que apareceram estavam ligadas à morte por assassinato com suspeita de homofobia ou por aplicação indevida de silicone ou ainda à prostituição. No último dia 17 de agosto de 2011 na rede de TV SBT, foi exibido o programa Conexão Repórter que teve como título “o outro lado da noite”. O programa trazia reportagens a respeito do dia-a-dia de uma travesti, a dificuldade em arrumar um emprego, a violência à qual estão submetidas cotidianamente e comparava uma reportagem feita pela mesma rede televisiva com travestis nos anos 80, chamando a atenção sobre o quanto a realidade para esse segmento ainda é difícil e como pouca coisa mudou. Este fato me inquietou e instigou ainda mais, me impulsionando a voltar o meu olhar para as travestis em Caruaru, pois corrobora com a questão da não-visibilidade das travestis ou o fato de serem ignoradas pela sociedade, bem como com a violência a que são submetidas diariamente. Durante a orientação do meu Trabalho de Conclusão de Curso - TCC meu amigo Bruno Robson lembrou que um dia quando fui questionada sobre o motivo da minha escolha para trabalhar com travestis, respondi firmemente que seria “chocar!”. Naquele momento, eu ainda não havia me dado conta do sentido do que e havia dito, no entanto, quando a Profª Ma. Suely Emilia me perguntou o que é que chocar? Comecei a refletir e descobri que o choque vem da própria aparência das travestis que são perfeitas e sexies ao mesmo tempo em que é diferente e escapa ao padrão e por isso é marginalizada, e ainda, percebo, também, agora, que esta temática causa impacto em muitas pessoas, pois quando digo o título deste trabalho, muitos o recebem com estranheza e até mesmo ficam chocados. 11 No que se refere ao meu envolvimento com a temática, nesse momento me vem à memória cenas de quando eu era criança, às vezes quando brincava colocava um lenço na cabeça dizendo que eram os meus cabelos, usava os sapatos de salto alto de minha mãe e passava um batom escuro, em algumas ocasiões eu assumia diversos papéis, e de certa forma já não era mais eu. Na adolescência o que mais queria era ser diferente de tudo e de todos, e por isso pintava as unhas com esmalte colorido, usava roupas “estranhas”, por diversas vezes eu desejei não ser mais eu, pois ser eu pesava muito, eu não me achava bonita e muito menos interessante, em dado momento até me tornei super religiosa. Acho que me “travesti” tantas vezes para velar ou revelar como me sentia. Assim fico pensando: será que a mostração da alegria que tantas vezes vi esboçada nos rostos das travestis vela ou revela algo? Será que elas são como eu? Foi a partir dessas inquietações que me vi provocada a trabalhar com as travestis na cidade de Caruaru-PE. Este trabalho tem como objetivo geral compreender alguns sentidos possíveis de ser travesti na cidade de Caruaru-PE e como objetivos específicos, discutir alguns olhares teóricos sobre diversidade sexual, gênero e sexualidades; Cartografar a realidade das travestis na cidade de Caruaru-PE; Compreender as narrativas das travestis na cidade de Caruaru-PE; Analisar os sentidos de ser travesti fazendo articulações com discussões teóricas sobre a temática. Não poderia deixar de expor aqui um importante momento que ocorreu durante a construção do projeto, em que fui convidada pelo presidente do Grupo de Resistência Gay da cidade de Caruaru-PE, para participar de uma palestra sobre a lei que legitima a união estável entre pessoas do mesmo sexo, realizada no ROTARY CLUB, onde estavam presentes muitas pessoas da sociedade caruaruense que debateram sobre a temática e solicitaram que eu também desse a minha contribuição, uma vez que estou estudando sobre a temática de gênero. Este foi o momento em que começou a descortinar-se explicitamente na prática a relevância social deste trabalho, abrindo espaços para discussão e debate nos diversos segmentos da cidade, pretendendo ainda defender a dignidade humana das travestis, bem como lançar um olhar para as políticas públicas e sociais voltadas para esse grupo na cidade de Caruaru-PE. Evidencio ainda que este trabalho pode contribuir socialmente no que diz respeito ao combate à homofobia, trazendo uma reflexão acerca dos direitos humanos que devem ser garantidos, voltados para a elaboração de políticas públicas. No âmbito pessoal este trabalho torna-se importante, pois aqui temos a oportunidade de unir o que aprendemos no curso de Psicologia durante todos estes anos a uma temática que 12 sempre nos chamou a atenção, contribuindo para o nosso crescimento enquanto pessoas e também enquanto profissionais. Destaco ainda a carência de literatura relacionada ao tema travestis no âmbito nacional e quando se trata do tema no município esta é praticamente inexistente, encontrei apenas matérias jornalísticas na imprensa escrita ou na internet que em sua maioria possuem cunho sensacionalista, o que reforça ainda mais o preconceito e a intolerância existentes em nossa sociedade. Academicamente considero primordial a realização de estudos e pesquisas nessa área com fins de produção de conhecimentos, uma vez que a diversidade sexual é um fenômeno presente em nossa realidade social e que, em especial, a ciência psicológica precisa se debruçar. Aqui se revela a relevância acadêmico-científica desse trabalho. Após a escrita do projeto houve a apresentação para a banca, onde várias pessoas estavam presentes dentre elas o presidente do Grupo de Resistência Gay da cidade de Caruaru-PE convidado por mim. Naquele momento eu estava muito apreensiva me sentindo insegura, pois eu sabia falar do que havia escrito e ao mesmo tempo com medo de errar, mas no final me senti aliviada, afinal eu sabia que a minha primeira etapa estava cumprida e o principal é que eu tinha a certeza que havia exposto a relevância social do meu projeto. Muitas contribuições foram dadas pela Prof ª Ma. Etiane Oliveira. Assim sendo agora embarco nessa segunda etapa da construção do trabalho de conclusão de curso. Tenho enfrentado muitas dificuldades com relação à escrita, fico pensando então, será que estou me afastando do meu tema? E depois concluo que não, afinal tenho lido muitos livros e visto tantos vídeos sobre a realidade das travestis brasileiras que agora, posso dizer que já me movimento com muito desejo em desvendar como é ser-travesti em Caruaru-PE. 13 2 OLHANDO PARA AS QUESTÕES DE GÊNERO, SEXUALIDADES E DIVERSIDADES Desde 2008, foi criada a Política de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - LGBTT, que partiu do Programa Brasil sem Homofobia, criado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e a ser implementado pelo Sistema Único de Saúde - SUS (BRASIL, 2008). Tal política visa como já é proposto na Constituição do país, garantir acesso à saúde a todos e todas (BRASIL, 1988). Na cidade de Caruaru-PE chama a atenção o grande número de travestis e a escassez da efetivação de políticas públicas e sociais voltadas para esse segmento. Observamos apenas a existência do Centro de Orientação e Apoio Sorológico - COAS, que trabalha com a questão da prevenção as DST‟s (Doenças Sexualmente Transmissíveis) e o do Centro de Saúde Amélia Pontes que atende pessoas portadoras de HIV/AIDS e outras DST‟s. E quanto aos movimentos organizados pela própria classe LGBTT estes parecem existir ainda de forma tímida na cidade, segundo constatamos em conversas com algumas pessoas que participam deste movimento. Para falar do tema travesti será necessário primeiramente que nos situemos a respeito de alguns caminhos que iremos percorrer. Aqui tomaremos como perspectiva de compreensão, a Fenomenologia Existencial, uma vez que este é um modo que nos aproxima do fenômeno, como nos diz Carmo (2002, p.22): “Não somos nós que interferimos nas coisas: são elas que se mostram a nós, ou melhor, que se deixam revelar”. A sociedade durante muito tempo esteve acostumada a discursos que postam modelos de gênero e sexualidades ditos “normais”, preestabelecidos e naturalizados, à dualidade feminino e masculino. Atualmente assistimos a uma infinidade de “novas” modalidades de gênero, que parecem causar certa estranheza. Concordamos com Portella; Medrado (2004, p. 21, aspas dos autores) quando dizem: [...] aquilo que aparece como óbvio, „homem é homem e mulher é mulher‟, é resultado de uma elaboração cultural engenhosa que investe de significado corpos biológicos diferenciados, inclusive reivindicando a dimensão biológica para configurar essa diferenciação. O corpo travesti parece romper com o modelo heterossexual hegemônico (homem, branco, heterossexual), pois se apresenta como uma mistura entre feminino e o masculino, criando novos modos de se mostrar, como pontua Fernandez (2000 apud PERES, 2005) há uma identificação com o gênero feminino no momento em que a travesti se veste e se pinta e 14 quando busca mudanças corporais como aplicação de silicone e uso de hormônios, ficando estampadas as características femininas, no entanto o sexo masculino continua ali, presente, e a travesti não procura escondê-lo, apenas o considera como algo de sua intimidade sexual (SILVA, 2007). A partir dessa concepção, compreendemos que existe um trans-gênero, aqui entendido como um trânsito entre os gêneros, como foi evidenciado na etnografia escrita por Silva (2007) em que existem as características que culturalmente são estabelecidas como femininas, mas também aparece o que é tido como próprio do modo de ser do gênero masculino em algumas atitudes, como por exemplo, quando reagem em uma briga precisando usar a força. Scott (1995) nos fala de gênero enquanto uma categoria de análise perpassada pela história e cultura, que está em constante transformação. Strey (2007, p. 183) corrobora com esta idéia e ainda sugere que: O sexo biológico com o qual se nasce não determina em si mesmo, o desenvolvimento posterior em relação a comportamentos, interesses, estilos de vida, [...]. Isso tudo seria determinado pelo processo de socialização e outros aspectos da vida em sociedade decorrentes da cultura, que abrange homens e mulheres desde o nascimento e ao longo de toda a vida, em estreita conexão com as diferentes circunstâncias socioculturais e históricas. O movimento feminista na década de 1960 ocupa lugar de destaque na construção das discussões sobre gênero, afinal este movimento político trouxe em seu bojo questionamentos a respeito da opressão, submissão e do lugar das mulheres, nos mais diversos contextos sociais acarretando mudanças significativas no modo de pensar não apenas os papéis das mulheres, mas também dos homens (LOURO, 2010). O debate sobre gênero e sexualidades atualmente parecem estar mais presentes no campo acadêmico, embora no cotidiano social estes temas permaneçam sob resistência, causando ainda grande inquietação. Após tais discussões provocadas pelo movimento feminista, na década de 1970, diante da efervescência política da época, começaram a surgir expressivamente movimentos de luta pela igualdade de direitos homossexuais. Muitos artistas e intelectuais começaram a participar deste momento e o discurso vigente passa a incluir a possibilidade de um modo próprio de ser homossexual e a integração dos mesmos à sociedade. Imagens caricatas de homossexuais dão lugar a outro modo de mostração a partir de imagens positivas, também nessa época surgiram algumas teorias e debates acadêmicos voltados para o fortalecimento da identidade gay. Entretanto, na década de 1980 apareceram os primeiros casos de HIV/AIDS entre homossexuais, a intolerância e a homofobia participaram mais fortemente do cotidiano social, e mais, as críticas à militância gay se acirram e este movimento já demonstrava sua 15 fragilidade, afinal não se questionava a ordem social vigente apenas buscava-se a inserção dos homossexuais ao sistema já estabelecido (LOURO, 2001). Já na década de 1990 a discussão acerca do público homossexual ganha um novo olhar; além de um movimento político, o debate é perpassado efetivamente por estudos teóricos que questionam os posicionamentos anteriores à respeito de identidade. É nesse cenário que se desenvolve a chamada Teoria Queer ou Analítica Queer: As teóricas e teóricos dessa perspectiva partem do pressuposto de que as identidades são sempre múltiplas e descontínuas constituídas por variações infinitas de possibilidades, pois sua configuração traz elementos relacionados com sexualidades, orientação sexual, raças e etnias, classes sociais, expressões de gêneros, posições geracionais, nacionalidades etc. (PERES, 2011, p. 98). Os Estudos Queer, ancoram-se principalmente na concepção pós-estruturalista, contra a normatização, impostos por meio dos discursos e do uso do poder, e os binarismos (homem/mulher, macho/fêmea etc.). Sendo assim, tal teorização busca subsídios nas obras do filósofo Foucault tomando como leme, suas idéias sobre o poder, para falar de gênero e sexualidades (LOURO, 2001; PERES, 2005; PERES, 2011; SOUZA; CARRIERI, 2010). Fávero (2010) considera a temática de gênero partindo da interrelação entre as práticas individuais e coletivas permeadas por crenças e valores, fortemente estabelecidos e chama atenção ainda, para as relações de poder que colaboram para que muitos conceitos e ideologias sejam mantidos. Olhando para a sociedade atual, que colhe os frutos do feminismo aparentemente tudo mudou, no entanto percebemos que não é bem assim, ainda convivemos com muitos paradoxos, a exemplo dos salários das mulheres que ainda são inferiores aos dos homens, ou ainda a estranheza que ainda temos ao ver algum homem chorar! Ela assinala que o poder é utilizado para a dominação, para alcançar algo ou objetivo que se pretende. Nessa direção o poder perpassa todas as relações na sociedade e é lançado no sentido de normatizálas. Butler (2001) lança mão de alguns pressupostos foulcaultianos, como as relações de poder, para elaborar sua concepção a respeito de gênero e sexualidades. Para a autora, existe uma performatividade de gênero, onde os discursos são capazes de produzir normas que regulamentam os modos de pensar e agir do sujeito, chegando a materializar-se em seus próprios corpos, há na realidade uma reiteração constante dos conceitos de sexo/gênero, onde tudo colabora para uma naturalização dos mesmos. E nesse sentido Benedetti (2005, p. 94) concorda dizendo que: 16 O gênero deve ser compreendido então como uma lógica social que institui significado a corpos, práticas, relações, crenças, e valores, Ainda que seja variável e diverso culturalmente, parece fazer parte de um princípio que confere sentido à realidade em que vivemos. Mais do que um fator cultural de diferenciação, deve ser entendido como as próprias condições de produção da lógica que institui as diferenças entre o feminino e o masculino. De acordo com Scott (1995) a palavra “Gênero” ainda está associada às mulheres, em decorrência do seu entrelaçamento com o feminismo, tal conceituação torna-se fundamental por abranger homens e mulheres, rompendo assim com as idéias que tendem a naturalizar as relações entre os sexos: Ademais, o gênero é [...] utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. O seu uso rejeita explicitamente as explicações biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum para várias formas de subordinação no fato de que as mulheres têm filhos e que os homens têm uma força muscular superior. O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as „construções sociais‟: a criação inteiramente social das idéias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres. O gênero é segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado (SCOTT, 1995, p. 5, aspas da autora). A sexualidade vem sendo abordada há muito tempo e de diferentes formas, algumas que inclusive colaboraram com a visão biologizante da sexualidade que é perpetuada até os dias de hoje na sociedade. Beauvoir (1976 apud FÁVERO, 2010) faz uma leitura, apresentando um olhar para a sexualidade pautada num modelo hierárquico patriarcal, em que o pai explicita a autoridade e o poder. Tal concepção começou a estabelecer-se de forma incipiente na pré-história e perdura até século XXI, claro que com modificações, mas preservando basicamente os mesmos moldes de oposição entre mulheres e homens, demarcados pelas diferenças sexuais, que direcionam e dividem o que é naturalmente “coisas” e afazeres femininos e masculinos. Diante desse cenário descortina-se o tema da diversidade sexual. Lima (2007) discorre a respeito desta questão, inicialmente fazendo uma reflexão sobre o termo diversidade trazendo o conceito estrito “diferente, diverso, distinto” (LIMA, 2007, p. 93) e depois fala dos seus usos cotidianos, questionando sobre até que ponto a diversidade sexual não está a favor da desigualdade. É comum escutar as expressões, como será que fulano virou gay? Será que ele já nasceu assim? Parece que é sempre necessária uma prova, um diagnóstico sustentado pelo outro. O autor nos fala ainda da sua experiência na clínica social com travestis que estão em situação de vulnerabilidade social, expostas à violência e exploração. E por fim questiona: “Será que somos livres para ser sermos diversos?” (LIMA, 2007, p. 99). 17 No cenário atual parece que ainda permanecemos ligados ao modelo normatizado socialmente: homem, branco e heterossexual, o que faz com que todos os outros modos de ser homem sejam desconsiderados ou vistos com estranheza. O autor sugere ainda que a palavra diversidade tem sido utilizada como substituição para LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, e Travestis e transexuais) o que acaba mascarando as dificuldades e entraves enfrentados pelos “diversos” como nomeia Lima (2007). Desse modo, esse autor afirma que a “Diversidade pode mascarar as estruturas subjacentes de desigualdades econômicas, sociais, culturais e sexuais (LIMA, 2007, p. 100). 18 3 FOCANDO O OLHAR NA TRAVESTILIDADE Em 1973, nos Estados Unidos houve uma grande manifestação realizada por homossexuais que reivindicavam o direito a não serem tratados como doentes, em frente ao auditório em que estava acontecendo o Congresso da American Psychiatry Association (APA). Tal protesto foi sufocado violentamente por policiais, no entanto apesar da sociedade estadunidense está comovida com a guerra, tal movimento causou grande repercussão fazendo com que alguns anos depois a homossexualidade começasse a ser pensada não mais como uma patologia, porém vale ressaltar que ainda permanecia uma categoria dos homossexuais egodistônicos e só na versão 9 do CID (OMS, 1975) (Classificação Internacional das Doenças) da Organização Mundial da Saúde e versão 3 do DSM (APA, 1980) (Diagnostican Statistical Manual of Mental Desorders)1 em 1980, que o termo homossexualismo é retirado totalmente desses manuais (TRIPICCHIO, 2007). No que diz respeito às transexuais e travestis na 10ª edição do CID (OMS, 1993) aparecem algumas classificações no grande grupo dos Transtornos de Personalidade da Identidade Sexual, sendo o transexual caracterizado pela inadequação ao seu sexo biológico e desejo de mudança do mesmo através de procedimento cirúrgico, nessa mesma categoria destaca-se a travesti bivalente, que tem o desejo temporário em usar as roupas do sexo oposto para sentir-se pertencente a ele, mas sem o objetivo de obter excitação sexual através das vestimentas; por outro lado, na categoria dos Transtornos da Preferência Sexual aparece o travestismo fetichista que é considerado uma parafilia2: Travestismo Fetichista: Vestir roupas do sexo oposto, principalmente com o objetivo de obter excitação sexual e de criar a aparência de pessoa do sexo oposto. O travestismo fetichista se distingue do travestismo transexual pela sua associação clara com uma excitação sexual e pela necessidade de se remover as roupas uma vez que o orgasmo ocorra e haja declínio da excitação sexual. Pode ocorrer como fase preliminar no desenvolvimento do transexualismo (OMS, 1993, s/p). A repercussão da patologização é notória por alimentar ainda mais o preconceito e a subjugação das pessoas que escapam ao modelo normatizado socialmente, alimentando inclusive atitudes de violência. Quando se fala em relações entre pessoas do mesmo sexo a 1 Diagnostican Statistical Manual of Mental Desorders que uma publicação da American Psychiatric Association, Washington D.C. elaborado para fins de catalogação e generalização dos transtornos mentais, dando suporte aos profissionais de saúde mental no diagnóstico e tratamento de tais perturbações). Disponível em:< http://www.psicologia.com.pt/instrumentos/dsm_cid/dsm.php> Acesso em: 23/05/2011. 2 As Parafilias são caracterizadas por anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos que envolvem objetos, atividades ou situações incomuns e causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo (OMS, 1993). 19 palavra usada é sempre “homossexualismo” sem assim se dar conta que o sufixo “ismo” denota doença, portanto, destacamos que, neste estudo será usada a palavra homossexualidade uma vez que esta, fala da relação entre dois seres humanos e por que não no caso das travestis, enquanto travestilidade no sentido da valorização da diversidade de gênero e das sexualidades. O termo travestilidade aparece no texto de Peres (2005) visando abarcar as muitas possibilidades de existência das travestis, seus modos próprios de ser. Lionço (2009) nos fala a respeito das pesquisas etnográficas relacionadas às travestis, sugerindo que a categorização das travestis citadas acima não abrange os modos de vida evidenciados aqui no Brasil, restringindo as experiências das travestis unicamente ao sexo desconsiderando totalmente o gênero. Nesse contexto a autora diz: Pode-se afirmar que transexuais e travestis são sujeitos que se constituem subjetivamente como indivíduos pertencentes a um gênero que não corresponde linearmente ao sexo de nascimento, sendo a diferença fundamental o fato de as travestis sustentarem uma ambiguidade ou duplicidade sexual na própria afirmação identitária (LIONÇO, 2009, p. 54). Marchi (2011) defende que seja necessária inclusive, uma diferenciação entre os termos homossexualidade, travestilidade e transexualidade, visto que cada categoria tem as suas especificidades. A “transfobia” (aspas da autora), por exemplo, remete a algo extremo, afinal as travestis são impedidas de ir à escola, talvez por serem constantemente rechaçadas e humilhadas, e quando o quesito é trabalho formal, a possibilidade de inserção é muito baixa, como foi evidenciado no programa Conexão Repórter no SBT3 em que uma travesti com uma câmera escondida se dirigiu a várias empresas na tentativa de encontrar um emprego e todas elas nem se quer marcaram uma entrevista e outras nem receberam o seu currículo. Assim sendo, a travesti é tolhida dos seus direitos básicos, educação, saúde, trabalho, moradia, bem estar e na maioria das vezes recorrem à prostituição como única saída possível para o seu provimento, uma vez que todas as portas foram fechadas. Parece que o fenômeno acima citado aponta o quanto a sociedade brasileira discrimina as travestis. Será que isso decorre do fato das travestis explicitarem a diversidade de gênero e plasticidade das sexualidades às quais estamos vivenciando atualmente? É interessante a forma que algumas pessoas em Caruaru-PE se mostram frente ao fenômeno da travestilidade: “Poxa!!... olha só como ele é um rapaz bonito!... ele podia gostar de mulher... ou pelo menos ser só gay!... não precisava se vestir de mulher! (fala de um passageiro num ônibus em que eu me encontrava, enquanto olhava as travestis na Praça do Rosário). E nesse ponto vão 3 Programa exibido no dia 17/08/2011. 20 descortinando-se outros fenômenos, a exemplo da exclusão social, ou será que podemos nomear de “inclusão precária, instável e marginal”, como pontua Martins (1997)? Esta modalidade refere-se a um processo mascarado, onde a travesti é marginalizada ao tempo em que está inclusa em outros serviços como a prostituição, mantendo assim a grande engrenagem da ordem social vigente. Vale apontar que ao se referir a “inclusão precária, instável e marginal”, Martins (1997 p. 26) assinala: [...] exclusão de fato não existe. Ela é na sociedade moderna, apenas um momento da dinâmica de um processo mais amplo: um momento insuficiente para compreender e explicar todos os problemas que a exclusão efetivamente produz na sociedade atual. Ainda sobre o processo de subjugação e inclusão/exclusão das travestis, Rios (2009) sugere que as posturas preconceituosas e discriminatórias partem dos binarismos e do heterossexismo, chamando a atenção para a normatização e institucionalização da heterossexualidade, fazendo com que todas as outras categorias de gênero sejam drasticamente descartadas e repudiadas, impedindo que qualquer atitude positiva proveniente dessas tornem-se invisíveis. O autor pontua a relevância da contextualização acerca dos termos preconceito e discriminação. Entende o primeiro como idéias preconcebidas de caráter negativo que permanecem no campo mental sem a verbalização, já o último acontece de forma materializada, é a prática do preconceito que gera violação de direitos. Todos esses processos nos remetem à violência à qual as travestis estão constantemente expostas, violência esta que se inscreve em seus próprios corpos, muitas vezes desde a infância onde são percebidas as primeiras “diferenças”. Minayo; Souza (1998, p. 514) pontuam que: [...] a violência consiste em ações humanas de indivíduos, grupos, classes, nações que ocasionam a morte de outros seres humanos ou que afetam sua integridade física, moral, mental ou espiritual. Na verdade, só se pode falar de violências, pois se trata de uma realidade plural, diferenciada, cujas especificidades necessitam ser conhecidas. Dessa maneira, a violência apresenta-se como um fenômeno multifacetado, onde é preciso que se considere a sua dimensão histórica e sociocultural. Abramovay; Barreira; Minayo (1999 apud ABRAMOVAY, 2002) expõem que existe a violência direta, indireta e simbólica. A primeira refere-se aos atos que violam o físico como os espancamentos e homicídios, a segunda consiste em todos os atos violentos de cunho psicológico ou emocional e por fim a violência simbólica é aquela que implica em prejuízo moral ou que limite a 21 liberdade de Expressão por meio do uso do poder institucional ou interpessoal. Arblaster (2002 apud ABRAMOVAY, 2002, p.19) afirma que “inclusive uma política que conduza à morte de pessoas pela fome ou doenças pode ser qualificada de violenta”. Será que o poder público ao negar uma série de direitos básicos às travestis não está agindo de forma negligente e violenta? O substantivo travesti que constantemente é usado no masculino, desconsiderando-se totalmente a identificação que é feminina, como nos diz Benedetti (2000 apud PERES, 2005). O autor vai além, citando sua experiência com as travestis de Londrina-PR, em que aparece o desconforto e constrangimento das mesmas ao serem chamadas em alguns lugares públicos pelo nome masculino de registro, ao tempo em que o seu corpo apresenta as características tidas como femininas. Ele salienta ainda que esta aparência das travestis sacode as concepções rígidas de gênero, pois é tão comum uma pessoa confundir uma travesti com uma mulher e vice-versa, pois ambas utilizam as vezes o mesmo modelo de estética (maquiagens, silicone etc.). Com vistas nesse arcabouço teórico apresentado, buscamos refletir sobre as condições de existência das travestis que parece está diretamente ligada às questões de gênero e sexualidades. Chama-nos a atenção ainda que apesar de algumas mudanças no que diz respeito a essas temáticas e a abertura desse debate atualmente, ainda permanece o preconceito que parece tentar conter as travestis ignorando-as ou até assassinando-as. Na I Conferência Regional Agreste LGBT4 a Secretária Especial da Mulher, Louise Caroline Santos de Lima e Silva 5, pontuou que a cidade de Caruaru apresenta um alto índice de morte de LGBT e não existem registros desse fato, provavelmente por negligência, desconhecimento ou até pela própria construção cultural que é homofóbica e ainda, que é inaceitável que em pleno século XXI ainda se diga: gays, lésbicas, travestis e transexuais se tranquem no armário, se escondam!!! Ela vai além e afirma que se foi através da cultura que nos criamos repudiando o diferente, também será através dela que elaboraremos uma cultura de paz e tolerância! Este foi um importante momento para a toda população LGBT do agreste, onde efetivamente buscou-se o diálogo entre a sociedade civil e gestores para a elaboração de políticas públicas e sociais para este seguimento. Contudo apesar de alguns direitos estarem sendo conquistados a exemplo da união estável entre homoafetivos e do Programa Brasil sem 4 A I Conferência Regional Agreste LGBT teve como temática Por um agreste livre da Pobreza e da Discriminação: promovendo a cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.e foi realizada no dia 22 de outubro de 2011 pelo GRGC (Grupo Resistência Gay de Caruaru). 5 Reflexões obtidas através de anotações da palestra de abertura da I Conferência Regional Agreste LGBT em Caruaru, realizada pela secretaria municipal da Secretaria da Mulher de Caruaru em 22 de outubro de 2011. 22 Homofobia (BRASIL, 2004), muito ainda tem para ser feito para que estes direitos sejam de fato garantidos e é nesse cenário que retomemos então a questão norteadora desse estudo: quais os sentidos possíveis de ser travesti na cidade de Caruaru-PE? 23 4 ENTRE E VISTA: HISTÓRIAS CONTADAS VIA DEPOIMENTOS 4.1 Na estrada: trilhando caminhos para a compreensão da narrativa da experiência Nesse movimento em busca dos sentidos possíveis de ser travesti na cidade de Caruaru-PE, lançamos um olhar para o fenômeno através de uma pesquisa qualitativa numa perspectiva Fenomenológica Existencial. A palavra “fenômeno” é de etimologia grega significando o que aparece. “Fenomenologia, é, assim, o estudo do fenômeno [...]. Implica permitir que as coisas se manifestem como são [...]” (CARMO, 2002, p.22). Faz-se mister dizer que o modo de pensar fenomenológico nos aproxima do fenômeno tal como ele se apresenta, como se mostra, não sendo necessário aprioris intelectuais. Nesse sentido para termos acesso ao fenômeno é necessário que estejamos implicados e lancemos mão da interrogação, deixando assim de lado os instrumentais técnicos racionais e tomando o querer saber de algo e como este algo é como nos diz Critelli (2006). O método qualitativo é utilizado para o estudo do universo social, nas atividades humanas, buscando compreender aquilo que não pode ser abrangido pelos números, assim sendo ela é capaz de abarcar o não quantificável, ou seja, os fenômenos humanos subjetivos, crenças, valores, sentimentos (MINAYO, 2002). Nessa perspectiva, nos apropriamos desse método por compreender que nessa pesquisa lidamos diretamente com os fenômenos que surgiram a partir da fala das travestis sobre as suas vidas e realidade. A esse respeito Minayo (2002, p. 22) nos diz que: “A abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas”. A análise da narrativa proposta por Benjamin (1994) é a nossa metodologia, pois acreditamos que são os próprios sujeitos a partir das suas experiências denotadas em depoimentos que nos levarão à compreensão dos fenômenos a serem revelados, quando lançamos a questão provocadora: quais os sentidos possíveis de ser travesti na cidade de Caruaru-PE? Benjamim (1994) nos fala da narrativa enquanto experiência revivida através da fala. Para ele o narrar tem se perdido no tempo, pois a cada dia as experiências deixam de ser expressas através da fala, dando lugar aos livros e romances, a um momento mais intimista, perdendo-se então a magia do contar e mergulhar nas histórias. Sendo assim, “o narrador assimila à sua substância mais intima aquilo que sabe por ouvir dizer. Seu dom é poder contar a sua vida; sua dignidade é poder contá-la inteira” (BENJAMIN, 1994, p. 221). Nessa direção 24 as travestis tiveram a possibilidade de rememorar as suas experiências traduzidas em depoimentos. Para Santos (2005, p. 91, aspas da autora) a narrativa constitui-se como “um dizer no fazer situado” da existência humana. É desse modo que apreendemos os sentidos possíveis de ser-travesti em Caruaru-PE O nosso modo de acesso às narrativas dos sujeitos-narradoras, ou seja, a modalidade de intervenção/investigação para o acolhimento dos depoimentos foi a “Entrevista Clínica de Pesquisa”, pois além da preocupação com os objetivos aqui propostos, existe a elucidação da realidade subjetiva e social vividas pelo entrevistado (LÉVY, 2001). Para este autor esta modalidade de pesquisa apresenta-se como a possibilidade da exploração dos fatos e vivências pelos próprios sujeitos, ao tempo em que se tem uma visão mais ampla dos fenômenos, alcançando-se os objetivos propostos pela pesquisa. O autor salienta ainda que “a situação da entrevista clínica, baseada em uma escuta compreensiva de caráter não diretivo, foi concebida, precisamente, para favorecer, no entrevistado, o trabalho de “elaboração de seu pensamento subjetivo” (LÉVY, 2001. p. 91 aspas do autor). A entrevista clínica, então, para este autor, entrelaça os objetivos da pesquisa a serem alcançados e a rememoração subjetiva dos fatos vivenciados pelas participantes da pesquisa. Quanto ao procedimento técnico a ser utilizado para a interpretação dos sentidos, utilizamos a transcrição das falas colhidas através das entrevistas, a literalização que compreende a textualização das mesmas, a autenticação que é a devolução dos depoimentos às sujeitos-narradoras e a análise dos depoimentos propostas por Santos (2005). Como método de analise dos depoimentos utilizaremos a “Analítica do Sentido” proposta por Critelli (2006). Em seu livro a autora apresenta uma importante compreensão epistemológica da ciência e da cientificidade, fazendo uma crítica ao modelo metafísico que busca uma verdade unívoca e estática e apresentando a fenomenologia como possibilidade para a apreensão do conhecimento, considerando a verdade como relativa e provisória. Tornase impossível então uma neutralidade, pois em toda busca do conhecimento existe sempre uma afetabilidade, onde não apenas os sujeitos/narradores aparecem, mas o pesquisador também surge co-participante. A seguir apresentamos as etapas do “movimento de realização” proposto sobre Critelli (2006), na leitura de Santos (2005, p.92-93, grifos da autora) que está dividida em cinco etapas: a) Desvelamento – modo como sou afetada, enquanto pesquisadora, pelos depoimentos das sujeitos/narradoras (o momento da afetabilidade, ou do sentido sentido). 25 b) Revelação – vem do impacto que o desvelamento do fenômeno provoca. No entanto, aqui, a questão já está no nível de revelação porque já estou, como pesquisadora, na busca de um sentido (o momento da compreensibilidade, pelo qual o sentido sentido se transforma em significado sentido). c) Testemunho – é a literalização (dizer a partir das palavras das sujeitos/narradoras). Neste momento, dou à mostra o que me foi revelado; isto é, a partir do depoimento, estou dando o testemunho do que se revelou (o momento da comunicabilidade, pelo qual ocorre a expressão do significado sentido). d) Veracização– é o início da minha dissertação. Nesse momento, dou o meu depoimento acerca desses passos anteriores, articulando-o com os conhecimentos prévios encontrados durante essa produção. Propriamente posso dizer que é o momento da mostração da minha compreensão (mostração argumentativa na minha pesquisa) ou, simplesmente, o início da mostração do sentido. e) Autenticação – é o momento que, por fim, levarei a minha pesquisa a público, autenticando-a. As sujeito-narradoras desta pesquisa foram três travestis da cidade de Caruaru, sendo que uma delas, no final da entrevista, revelou que além de sua experiência com o processo de travestilidade, reconhece-se, também, como transexual não operada, todas elas tem idade superior a 18 anos. Vale acrescentar que os nomes das sujeito-narradoras, assim como de outras pessoas citadas por elas e de instituições que aparecem nas entrevistas são fictícios no intuito de resguardar as identidades. Os nomes fictícios trazidos aqui são de cantoras famosas, que trazem em si um grande glamour admirado frequentemente pela comunidade LGBTT e cada fala está destacada com cores distintas, tendo o sentido de valorização da diversidade e também para melhor identificar a suas falas. Em função da pesquisa qualitativa não visar a generalização, a quantidade de travestis que participaram das entrevistas não foi o nosso foco, mas sim ser travesti em Caruaru-PE. O contato com as mesmas foi facilitado pelo presidente do Grupo de Resistência Gay da cidade de Caruaru-PE, e também por um amigo nosso que, por transitar em muitos espaços que têm a participação do público LGBTT, pode favorecer o nosso acesso. Na entrevista interventiva às vezes nos deparamos com situações inusitadas, sendo assim a primeira entrevista foi realizada com duas travestis conjuntamente, na residência de uma delas por ser mais cômodo para as mesma; já a segunda entrevista ocorreu no local de trabalho da travesti, um salão de beleza. Na primeira etapa foram apresentados os objetivos da pesquisa e lido com as travestis o TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), em que foram explicitados os objetivos da pesquisa e, também, que a entrevista seria áudio gravada, posteriormente ao ser indagadas, as mesmas aceitaram fazer parte da pesquisa. 26 4.2 Narrando as experiências Entrevista com Rihanna e Lady Gaga 14/10/2011 19h Liza: Eu gostaria de saber... qual o sentido de ser travesti em Caruaru? Rihanna: Você ser uma travesti em Caruaru... é você ser motivo de chacota!!! Lady Gaga: Muita turbulência na vida!!! O sentido de você ser uma travesti em Caruaru é ser motivo de agressão!! Não tem sentido bom para ser o que a gente já nasce pré-destinado a ser!!! Rihanna: Por mais que você seja bonita... termina você sendo motivo de chacota!! Ser uma travesti em Caruaru é isso!!! Lady Gaga e Rihanna apontam que ser-travesti em Caruaru é ser motivo de chacota, turbulência e agressão. Lady Gaga ao afirmar que não existe sentido bom para o que já se nasce pré-destinado a ser, estaria ela revelando uma certa “naturalização do gênero”? Benedetti (2005) destaca em sua pesquisa realizada em Porto Alegre que a maior das suas informantes, como nomeia o próprio autor, referem-se a sua sexualidade como algo determinado pela natureza humana, que acontece de maneira inata, o que parece se aproximar do que disse Lady Gaga: “o que a gente nasce pré-destinado a ser”. E Rihanna com ar de pesar, pontua que, por mais que haja beleza ainda não é suficiente para agradar os duros olhares lançados sobre as travestis. Estes depoimentos nos remetem então ao que Silva (2007, p. 64) pontua: O riso, a piada, a ironia envolvem o travesti quase em termos sensoriais, misturados aos vestidos, às calcinhas, ao rímel, num trabalho penetrante e dissolvente. O travesti sente na pele o brilho da purpurina e a acidez da humilhação. Liza: É motivo de chacota? Lady Gaga: A gente tinha que falar assim... é como se a gente tivesse no tempo antigo aqui na cidade! Rihanna: Nunca mudou a cabeça das pessoas aqui em Caruaru!!! Lady Gaga: Em alguns lugares... outros países e outras cidades é diferente!!! Rihanna: Tem gente que olha para você assim... como se fosse uma coisa anormal... não é? Liza: Então vocês estão me dizendo que ser travesti em Caruaru é ser motivo de chacota e de estranheza por parte das outras pessoas! Ambas: É!!! 27 Na fala de ambas aparece que o ser-travesti em Caruaru está ligado à “anormalidade”, a chacotas e ainda que atualmente em outras localidades este fenômeno pareça ser mais bem aceito. Será que a travestilidade coloca a sociedade caruaruense diante das fragilidades do modelo patriarcal tão difundido culturalmente no Brasil? E ainda, será que esta “anormalidade” salientada por Rihanna, tem a ver com o que foi perpetuado por muito tempo pelos aparatos científicos, que a homossexualidade e a travestilidade seriam casos patológicos? Sobre o patriarcado Fávero (2010) nos diz que foi a partir da centralização do poder da família no pai, que os papéis de homem e mulher tornaram-se preestabelecidos e naturalizados com justificativas científicas da inferioridade feminina, inclusive religiosas, então o que escapa a tal modelo é tido como anormal. Bento (2011) afirma que atualmente mundialmente existe uma verdadeira batalha de ativista, estudiosos e organizações, para que ocorra a despatologização de gênero com a exclusão do TIG (Transtorno de Identidade de Gênero) do DSM-IV. Concordamos com Bento (2011) e acrescentamos que todo esse processo histórico e cultural colabora com a legitimação da homolesbotransfobia e de todas as ações discriminatórias contra os LGBTT6. Liza: E como é que vocês se sentem diante dessa realidade? Lady Gaga: Para mim não importa o que as pessoas dizem!! O que importa é a minha família que me aceita!!! Eu sou bem querida pelos meus irmãos... fui bem querida pelo meu pai... e não importa o que outras pessoas dizem!... Eu quero saber entre eu e minha família!! Rihanna: No meu caso quando eu cheguei aqui... vinda de São Paulo eu estranhei porque lá ninguém olhava para mim como se eu fosse um monstro!!! Lady Gaga: Uma pessoa diferente ou coisa assim!!! Rihanna: E eu até então usava bastante roupas femininas!!! Meu cabelo era maior e pintado de vermelho!... Eu tinha seios e com o passar do tempo eu tirei os meus seios... cortei o cabelo! Comecei a adotar uma vida e umas coisas que eu não gosto!!! Não gosto de usar essas blusas!!! Liza: Então você adotou esse novo modo de vida depois que veio para Caruaru? Por causa da população? Rihanna: Sim!! 6 LGBTT é a sigla que designa Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis. 28 Evidenciamos aqui a estranheza de Rihanna frente o comportamento das pessoas em Caruaru com relação à sua aparência e ainda a mudança desta em detrimento dessas pessoas. Será que neste ponto ela está sinalizando que a cultura nordestina traz em si ranços do patriarcado e do machismo? De acordo com Dutra (2000 apud PERES, 2005, p. 32) em pesquisa realizada no Ceará: Na região nordeste brasileira, na qual o machismo é mais acentuado e cujos indicativos sócio-econômicos são precários, se comparados com as regiões sul e sudeste, ocorrem verdadeiras atrocidades contra a cidadania das travestis, que vão desde agressões físicas e letais até discriminações que impedem o acesso à escola, ao trabalho e ao lazer, comprometendo a própria dignidade das travestis, que como último recurso, se apropriam da prostituição como modo de sobrevivência. Nesse sentido a Organização não-governamental GGB (Grupo Gay da Bahia) aponta que nos últimos dois anos o número de agressões e mortes entre LGBTT tem aumentado no Brasil, sendo que em 2010 foram 260 casos e em 2009 198 casos registrados. Chama atenção ainda que os estados da Bahia e Alagoas aparecem no topo da lista, apresentando os maiores números de casos de violência perpetradas contra LGBTT. Para o antropólogo Luiz Mott "a homofobia no Brasil tem muito a ver com a violência que herdamos da escravidão, quando tínhamos 'machos' muito violentos para manter a população dominada".7 Lady Gaga: Quanto a mim... eu passo qualquer barra... qualquer barreira eu tiro assim de letra!! Até por que eu dependo de mim mesma e não das pessoas!!! Não importa o que elas digam!! Mas sim o que eu sou... o que eu faço!!! Eu sou uma pessoa digna!... Eu fui prostituta de avenida... vendi uma coisa que era minha... nunca peguei nada de ninguém... nunca usei drogas na minha vida!!! A droga que eu usei até hoje foi a bebida!!! Eu não estou incomodando terceiros!!! Eu sempre vivi a minha vida... nunca fiz coisas erradas... porque Deus sempre foi um pai poderoso em minha vida como em outras vidas também... estou levando a vida! Eu peço a Ele a força para seguir a batalha... sou uma transexual ainda não operada... sei que ainda vou passar por um pequeno risco em minha vida e saúde mas eu quero!!! Lady Gaga nos fala sobre superação, dignidade e direitos em seguida ela pede a Deus força para seguir a batalha. De qual batalha fala Lady Gaga? Seria a batalha contra a 7 Artigo: BA é o estado com maior nº de homossexuais assassinados. Disponível em: www.ggb.org.br/bahia%20o%20estado%20com%20maior%20nr%20de%20homossexuais%20assassinados%20 2011.html. Acesso em: 26 de dezembro de 2011. 29 indiferença, a intolerância e o preconceito expressos socialmente? Sobre esse fato (SILVEIRA, 2006, p. 237) afirma: O preconceito é uma tentativa de fixar e cristalizar identidades, pois as práticas preconceituosas e discriminatórias negam a possibilidade do outro (da diferença) de ter acesso ao arsenal da igualdade e equidade (humanidade). Isto, todavia, não se constitui apenas de vontades e de ações particulares. O preconceito está imbricado na categoria inclusão/exclusão, presente na sociedade que prega a construção diferenciada e não-plural de seus membros [...]. Então o preconceito, a discriminação e a negação de direitos fazem com que Lady Gaga recorra a prostituição como forma de sobrevivência, afinal na sociedade capitalista fazse necessário que todos participem da engrenagem que a move, nesse sentido percebemos que Lady Gaga é incluída economicamente neste mercado da prostituição, entretanto esta dita inclusão ocorre de forma precária e marginal ocasionando a desintegração social e comprometendo a sua dignidade humana (MARTINS, 1997). Liza: E para você Rihanna é motivo de sofrimento ser tratada dessa forma? Rihanna: É!!! Porque em São Paulo talvez por viver longe da minha família... eu me sentia bem da forma que eu sou!!! E aqui por minha família ser toda evangélica foi um motivo de choque... minha irmã mesmo quando me viu... ela foi me abraçar depois de quase onze anos... antes de me abraçar ela deu dois passos para trás ai depois que me abraçou! Liza: Ela não tinha te visto ainda... travestida? Rihanna: Não! Eu assumi a minha realidade travesti lá fora! Aqui eu sempre fui uma “bicha poica”!! Por mais “pintosa” e afeminada era uma coisa comportada!! Então foi pela rejeição da minha família que eu fui mudando!!! E terminei sendo uma andrógina... porque hoje eu não sou nem uma travesti... nem tão gay... sou uma coisa que as pessoas ficam na dúvida! A narrativa de Rihanna parece descortinar a sua relação com a família de religião evangélica e com a sua própria travestilidade. Rihanna estaria revelando aqui que não encontra possibilidades de ser-travesti em Caruaru, sendo-lhe reservado apenas o lugar da violência? Aqui se evidencia a violência mais cruel ao nosso ver, aquela que demanda do sujeito despir-se de si mesmo para ser um outro não desejado por ele, mas pelos demais. Esta violência causa dor em quem ouvi falar, e em quem é marcado por ela em cada dia da sua 30 vida? Nesse momento rememoramos a letra traduzida da música Hair8 da cantora Lady Gaga que fala exatamente sobre ser quem realmente é: Sempre que me visto bem, meus pais brigam comigo/ (Uh huh, uh huh)/ E se eu estiver/ bonitona, mamãe cortará meu cabelo à noite/ (Uh huh, uh huh)/ De manhã, eu perdi minha identidade/ (Uh huh, uh huh)/ Eu grito, mamãe e papai, por que não posso ser quem eu quero ser?/ (Uh huh, uh huh) Quero ser/ Só quero ser eu mesma, e quero que você me ame/ Pelo que eu sou/ Só quero ser eu mesma, e quero que você saiba/ Eu sou meu cabelo/ Eu cansei, essa é minha oração/ Que eu vou morrer vivendo tão livre quanto o meu cabelo/ Eu cansei, essa é minha oração/ Que eu vou morrer vivendo tão livre quanto o meu cabelo. Lady Gaga: Como se fosse um traveco! Porque o traveco é o começo de tudo... entre a travesti e a transexual... que é o meu caso! A transexual é um dos últimos degraus do homossexualismo!! Liza: Como é que tudo começa? Lady Gaga: Tudo começa na fala das pessoas... “bicha incubada”!!! Outros dizem gay!!! Tudo começa quando você é mais novo... que vai crescendo... e vai entrando um degrau a mais... vai se introduzindo com as outras... umas vão se ”intravecando” e naquela “intravecação” querem colocar o silicone e transformar mais um pedaço!!! É quando vai entrando para o travestilismo... e algumas partem para o transexualismo que é o meu caso! De não aceitar aquilo que tem no corpo... a gente não quer passar por cima da lei de Deus... por que Deus é um pai poderoso e Ele escreve tudo certo!!! No meu caso eu só quero consertar um pequeno erro que nasceu em mim!!! Se o homossexualismo fosse safadeza não nascia o hermafrodita!!! As pessoas tem que estudar isso... o hermafrodita vem dali de dentro da barriga... gerado da mãe! As pessoas não querem ver esse lado!!! E a gente não está na vida homossexual porque nós optamos por isso! Nós nascemos assim!!! Será que Lady Gaga está nos falando que existem etapas para a constituição da identidade de gênero travesti? De acordo com a sujeito/narradora o ser-travesti inicia-se com a descoberta da homossexualidade, despertando o olhar dos outros, que começam a fixar rótulos depreciativos, o que parecem não ser suficientes para impedi-las de se tornarem travestis; o contato com outras travestis também parece colaborar para a construção da sua identidade, afinal o contato com outras que se travestem possibilita o aprendizado das técnicas a serem utilizadas para a metamorfose (PELÚCIO, 2009). 8 Disponível em: <http://letras.terra.com.br/lady-gaga/1835519/traducao.html>. Acesso em: 18 de Nov. de 2011. 31 Na cultura brasileira existe a possibilidade do trânsito entre o feminino e masculino, seus valores e práticas, e estes não estão plenamente demarcados pelos limites do corpo. Já no que concerne aos papéis sexuais: [...] pelo contrário, a rigidez dos valores e significados atribuídos às práticas e desejos sexuais nesse contexto é um dos fatores que enquadra as travestis na categoria mais ampla dos homossexuais, ou, em linguagem êmica, na categoria de viados. Estas é mais uma ambigüidade que cerca as travestis: enquanto o olhar institucional e da sociedade ampla as vê como homossexuais- concebendo-as a partir dos valores atribuídos aos papéis e práticas sexuais -, as travestis se transformam e se fabricam com valores pautados em conceitos de outra ordem, sobretudo aqueles relativos ao gênero e seus usos. (BENEDETTI, 2005, p. 130) Outro aspecto importante salientado por Lady Gaga, é a explicação de não estar indo contra as leis de Deus, que ser homossexual não é safadeza e ainda que já se nasce assim, aqui nos lembramos do que diz Medrado (2008, p. 22): “Hoje já se sabe que ser gay, lésbica, bissexual, ou transgênero não é uma opção, porque não implica em escolha. O homossexual não opta por ser homossexual, assim como o heterossexual não escolhe ser heterossexual. [...]”. Existem, portanto, muitos mitos e tabus diante da nossa sexualidade, sobretudo por influência da ideologia judaico-cristã que vigora em nossa sociedade, fomos ensinados que o sexo serve para ter filhos e todos que escapam a essa regra e o utilizam como fonte de prazer são vistos como “sem vergonha” e promíscuos (MEDRADO, 2008). Liza: Então não é uma escolha? Lady Gaga: Não... não é uma escolha! Com sete... oito anos eu lavava a casa... roupa... eu brincava de boneca... trocava o carrinho de latinha que o meu pai comprou por uma boneca e brincava de casinha!!! Meu pai sentiu que eu não era aquela pessoa que a sociedade queria!!! E por causa disso ele soube que eu tinha que viver a minha vida... e ele aceitou!! Pela pessoa que eu sou! O que o meu pai nunca quis foi que eu vivesse em vida errada! Eu convivi com pessoas dignas e pessoas erradas... mas Deus é um pai muito poderoso em minha vida... me deu força e eu nunca entrei em vida errada! Porque ter homossexualismo não é viver em vida errada!!! Lady Gaga nos fala sobre a aceitação da sua família a respeito do seu processo de transformação, explicando que desde criança já apresentava comportamentos que culturalmente são tidos como femininos, para ela isso não é uma escolha e justifica ainda que 32 ser homossexual não é estar em vida errada. Quando ela nos fala sobre a questão de gênero nos remete ao documentário Memorial da Travestis e Trans de BH9, onde elas expõe: Eu nasci travesti e vou morrer travesti! Sempre gostei de me produzir, me maquiava, penteava as minhas sobrinhas e minhas irmãs; Desde criança eu sempre tive atração física por homens, pelos menininhos, né? Começa assim! [...] Claro que o pessoal lá em casa não ficou feliz, não batia palmas, mas a minha mãe dizia que preferia que eu fosse isso, do que me tornar um marginal, um ladrão alguma coisa! O ser-travesti então está ancorado num desejo e os “seus corpos são fabricados em função desse desejo”, que nem sempre é sexual (KULICK, 2008 apud ANTUNES, 2010, p. 80). Esse desejo parece começar a surgir ainda na infância com o uso de “aparatos femininos” e também o fazer “coisas de meninas”. Pelúcio (2009), Benedetti (2005) e Silva (2007) também perceberam em seus estudos que o começo da travestilidade aparece ainda na infância quando descobrem que existe algo “diferente” do que é desejável socialmente. Rihanna: Eu me sinto triste porque quero usar uma roupa que eu gosto... mas não posso porque eu moro perto da minha família!! No meu trabalho não!... eles me aceitam! Quando eu chego com uma roupinha mais afeminada eles elogiam!!! Eu tenho minhas coisas... minha casa própria! É rejeição que eu sinto por causa da minha família!!! Acho que é carência que a gente sente... eu já fiquei tanto tempo afastada da minha família que eu tento agradar o máximo possível!!! Liza: E não se agrada! Rihanna: É!... não me agrado!... eu fico triste e frustada!!! Não consigo!!! Eu descobri a minha homossexualidade muito cedo e com onze anos de idade a minha mãe me botou para fora de casa!!! Será que Rihanna está dizendo que apesar de ter estabilidade financeira, não consegue mostrar-se de fato como travesti pelo afastamento da sua família e que mesmo tentando agradá-los, sente-se frustrada? Duque (2009, p.149) nos diz que “Na família e na escola se impõe a heteronormatividade, a obrigação de seguir uma relação causal e linear que leva do sexo biológico (genital) ao gênero e daí às práticas sexuais”. A imposição conduz a travesti ao sofrimento e frustração, uma vez que socialmente esta é estabelecida como o porto seguro. 9 O documentário Memorial das Travestis e Trans de BH foi realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais no Projeto Educação sem homofobia. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=jfC5B1dsc2M e http://www.youtube.com/watch?v=g_6YPxjOxH4&feature=related 33 Rihanna também nos conta que no contexto profissional é possível assumir-se enquanto travesti, no entanto na família torna-se difícil, o que a deixa triste e frustrada. Antunes (2010) nos diz existem mecanismos de saber-poder estabelecidos socialmente, onde instituições como o Estado, a igreja e a família são responsáveis pela manutenção das normas de gênero, e quem escapa a este modelo preestabelecido é automaticamente vítima do preconceito e consequentemente excluído. Em relação ao gênero sexual, comportamentos e vestimentas são constantemente reiterados pelo sujeito no sentido de confirmar o que se espera culturalmente do seu corpo. Dessa maneira o mecanismo de controle é reforçado e realimentado. Porém, onde há controle, há resistência. (CASTRO, 2009; FOUCAULT, 1993; LEITE JÚNIOR, 2006 apud ANTUNES, 2010) Rihanna ao usar “roupinhas mais afeminadas”, parece estar resistindo ao que está posto culturalmente, é claro a duras penas, afinal quem resiste a este modelo opressor sofre as conseqüências, no entanto também pode apropriar-se da sua vida. Liza: Ela descobriu? Rihanna: Sim!!! Eu sempre gostei mais do meu pai do que da minha mãe!!! E ela não aceitou e me colocou para fora de casa e eu fui morar na casa de uma família aqui em Caruaru onde passei ainda uns três anos! A dona da casa sempre dizia que eu tinha horário para acordar e não tinha para dormir... que eu era um empregado!!! Então no final de ano eu não ganhava roupa e as que eu ganhava era do filho dela que sobrava !!! Foi uma carência absurda que eu senti!!! Morando perto da casa da minha família e ao mesmo tempo longe!!! Depois de tudo eu optei em ir para fora... para Recife... onde me joguei na avenida e comecei a me prostituir e vi que na prostituição eu tinha uma vida digna... dormia na hora que queria... comia o que queria... e comprava a roupa que queria!!! Então você tinha uma VIDA!!! Não aquela vida que as pessoas dizem... “quem está numa esquina é safado!” NÃO!!! A gente está na esquina porque precisa!!! Do Recife eu fui para Fortaleza e voltei para Caruaru e depois fui para Natal! Fui morar numa casa de prostituição e morei lá um anos e meio... e lá aconteceu uma das piores coisas da minha vida!!! Conheci um cliente e quando chegou no programa ele disse que tinha uma fantasia de ficar na beira da praia... ao chegar tinha mais quatro homens... a gente começou a beber... usar drogas... e eu pensei... vou transar com eles e depois está tudo bem! Só que não foi assim!... quando começamos a transar eles me bateram... transei com os cinco e no final eles me deram três tiros e me deixaram lá!! 34 Nessa narrativa Rihanna estaria trazendo à tona a sua prostituição como saída possível para sobreviver e ter uma vida digna, uma vez que foi expulsa de casa em decorrência da sua travestilidade? Será que ela escancara aqui mais uma vez a violência à qual foi submetida? A este respeito Kulick (2008 apud BENEDETTI, 2005) em pesquisa com travestis em Salvador, afirma que a saída de casa, algumas por vontade própria, por não suportar a violência ou tendo sido expulsas, é o primeiro degrau para a construção da identidade travesti. Quanto a prostituição segundo Carvalho (2006), a negação das possibilidades de emprego para as travestis colaboram para que as mesma busquem a prostituição como forma de sobrevivência e é nessa mesma atividade que se deparam com toda sorte de perigo, dentre eles a agressão física. Parece que a prostituição se configura para Rihanna como o momento em que pôde de fato encontrar uma vida digna e independente, o que não acontecia na casa onde trabalhou, e também foi nessa profissão que atravessou um momento marcante de violência. Lady Gaga: E foi identificado aquele cliente? Rihanna: Não!... até hoje ninguém nunca encontrou aqueles meninos que fizeram aquilo comigo! Eu sempre gostei de transar com camisinha por dois motivos... eu achava que camisinha era para quem era rico!!! Chegar num programa e mostrar a camisinha era “bicha” rica!!! No posto todo mundo que se prostituía só pegava camisinha se fizesse o exame de HIV10!! E quando eu fiz deu positivo! Os médicos acham que foi naquele dia que eu me contaminei com o vírus do HIV... quando eu tinha dezessete anos... e isso aconteceu comigo e com mais três travestis!!! Aí eu pensei... por eu ter uma doença grave a minha família agora vai me aceitar de volta!... mas foi quando a minha família me escorraçou de casa de vez!!! Eu fui para São Paulo! Quando eu cheguei lá eu conheci uma cafetina... e foi lá que eu conheci essas normas... travesti é uma coisa... transexual é outra e gay é outra!... quando eu cheguei gay na casa dela... só bem afeminado... ela não me aceitou! Para morar na casa dela eu tinha que colocar silicone... porque era uma norma das travestis!!! Então eu coloquei silicone!! Rihanna conta que se depara novamente com a violência da rejeição advinda da sua família ao descobrir que tem o vírus HIV. Peres (2008) versa que existe um rede de exclusão e violência no tocante às travestis, que inicia-se pela família, passando pelos vizinhos, escola e espalhando-se em toda a sociedade. O autor defende inclusive que a exclusão e a violência são fatores que predispõe os sujeitos à epidemia do HIV/AIDS. 10 HIV: Sigla em inglês que traduzindo significa Vírus da Imudeficiência Humana. 35 Dando seguimento Rihanna nos fala sobre o começo da sua travestilidade. Neste momento estaria ela nos falando que existem normas para a travestilização? Silva (2007, p. 170) revela a fala de Moema: “Travesti tem que ter silicone, hormônio. Não tem travesti sem hormônio.” Quando Rihanna diz: “quando eu cheguei gay na casa dela... só bem afeminado... ela não me aceitou! Para morar na casa dela eu tinha que colocar silicone... porque era uma norma das travestis!!!” estaria ela evidenciando a normatização do corpo travesti? Surgi então um paradoxo, visto que ao tempo que o corpo travesti rompe com o modelo fixo de identidade de gênero, da heteronormatividade, parece recair novamente na fixidez de modelos. Peres (2011, p. 100) nos fala das tecnologias que disciplinam e docilizam os corpos afirmando que estes são: “indivíduos marcados por uma engrenagem regulatória e disciplinar que se orienta pelo sistema sexo/gênero/desejo/práticas sexuais que determina corporalidades [...]” Liza: Mas você botou silicone só por que era uma norma? Ou foi por que você quis? Rihanna: Não! Era pela norma! Para eu ficar na casa da Marjorie que foi a cafetina que me “bombou” uma norma da casa dela foi essa... ter que colocar silicone!!! E como eu sair daqui sem conhecer ninguém só conhecia ela por telefone! Eu não tive outra opção... então eu apliquei! Eu ia colocar quatro litros mas... quando chegou em um litro e meio eu desmaiei da dor!! Liza: Foi no seio que você colocou? Rihanna: Não!... no seio eu botei uma prótese de silicone... pois eu fiquei com muito medo da dor!!! Eu coloquei os três litros e comecei a trabalhar na Washigton Luis e na Avenida do Socorro em São Paulo! Lady Gaga: Eu com dezesseis anos conheci um empresário do Paraguai... ele tinha duas lojas de sex shop e duas boates onde fazia tatuagem... eu aprendi e trabalho com isso até hoje! E quanto ao silicone... só fazem dois anos que eu coloquei nos seios aqui em minha casa com uma travesti “bombadeira” do Recife e está com nove anos que eu coloquei no rosto na casa daquela que morreu!!... Rihanna: A Carlos... Lady Gaga: Isso! Aí no meu silicone eu cheguei a desmaiar três vezes... cheguei até mijar na roupa! Liza: Muita dor? Lady Gaga: Nem tanto! Eu cheguei a levar oito anestesias em cada seio... mas mesmo assim... tem uma reação muito grande no local... uma gastura ou coisa assim!!! Liza: E quem anestesia é a bombadeira? 36 Lady Gaga: É sim! Ela quem se encarrega de tudo! Rihanna: O silicone é um líquido grosso... estilo uma pasta ou gelatina... e está entrando no seu corpo!!! Quando a bombadeira me bombou... a seringa que ela usou foi seringa de dar injeção em cavalo!!! E os buracos ela tampou com super bonder!!! Lady Gaga: Nesse peito eu levei três furadas... e nesse eu levei duas! (Aponta o local das furadas) Eu paguei por um litro mas... dessa quantidade vazou um copo para cá... (aponta para o braço). Nem parece não é? Lady Gaga e Rihanna em seus depoimentos revelam as dores e desejos da construção do corpo travesti. Elas parecem evidenciar a satisfação da incorporação do feminino, apesar de toda dor. Sobre este processo de mudança corporal Peres (2008, p. 2) destaca que: [...] diante da falta de condições financeiras adequadas que permitam moldar seu corpo com próteses de silicones e incisões cirúrgicas, muitas dessas pessoas se submetem a um processo alternativo de “escultura” corporal, realizado por outra pessoa chamada de “Bombadeira” (que bomba/injeta silicone industrial em outro corpo), muitas vezes sem nenhuma assepsia, correndo riscos de complicação infecciosa ou ainda de morte súbita. Mesmo diante de tantos riscos e de tantas incertezas, as pessoas que pretendem transformar seus corpos são movidas por um desejo intempestivo resistente a qualquer tipo de racionalização, mesmo porque, é através do corpo que são experimentadas as sensações de prazer e de dor Trata-se de uma urgência para que essas pessoas possam se sentir satisfeitas e felizes consigo próprias, e essa urgência se chama “beleza”, muitas vezes traduzida por elas mesmas como “dor da beleza”. Percebemos então a grande dimensão da existência da travestilidade que parece ser a concretização corporal do desejo pela feminilidade, o que muitas vezes sobrepõe a dor e os riscos das injeções do silicone industrial. Lista-se os riscos do silicone escorrer e causar deformações, como foi citado por Lady Gaga, que teve o produto alojado no braço e felizmente não lhe causou danos maiores, e ainda o silicone pode espalhar-se pela corrente sanguínea levando à morte. Aqui em Caruaru existem casos de mortes devido a aplicação de silicone industrial, como o caso da travesti Carlos citada por Rihanna e Lady Gaga, que teve inclusive repercussão na mídia. Peres (2008) chama atenção para a inexistência de programas de saúde voltados ao público travesti, bem como aos maus-tratos sofridos por elas no sistema de saúde, o que segundo o referido autor aumenta ainda mais os níveis de vulnerabilidade ao qual estão expostas, a falta de acesso à informação e cuidados também aparecem como agravante da situação. Peres (2008, p. 4) vai além salientando que há na verdade um problema de saúde pública, em que se faz necessário a criação de políticas sociais e públicas que garantam às travestis brasileiras “o direito de ser e de viver, de acordo com as demandas de seus desejos e 37 necessidades básicas para que possam se sentir cidadãs de direitos e de bem estar bio-psicosocial e político”. Rihanna: Fora o silicone... a gente tem que tomar bastante hormônio!! Liza: E quando é que se pode começar a tomar hormônio? Lady Gaga: Quanto mais nova... mais o hormônio faz efeito!!! Eu cheguei a mandar buscar um comprimido Androcur no Rio de Janeiro por cento e vinte reais!!! Um comprimido só... eu não tinha dinheiro para comprar uma caixa!! Eu cheguei a tomar mais de cem mil reais de hormônio!! Por mês a gente gastava na época cerca de três mil... quatro mil reais de hormônio! O que eu fazia de dinheiro na prostituição eu comprava mais hormônio!! O que mudou as travestis de Pernambuco foi o hormônio Gestadinona que não existe mais... vários e vários? Rihanna: E as injeções também!! Liza: Vocês tomam até hoje? Rihanna: Eu não! Lady Gaga: Tomo até hoje!!! Eu cheguei a botar peito em uns quarenta... cinquenta travestis... peito de hormônio... injeções localizadas! Aí cresce a carne sem precisar silicone... mas eu optei pelo silicone porque eu bebia e se beber corta todo o efeito do hormônio!!! Por isso que elas optam pelo silicone! Para umas o silicone é mãe e para outras é madrasta não é isso? Porque não é em todas que o corpo aceita o silicone! Alguns chegam apodrecer a carne... fica defeituoso... outros o silicone vasa para as pernas... outros o silicone fica “tronxo”!!! Tiveram muitas que não tiveram a mesma sorte que a gente! Rihanna: Quando a bombadeira é consciente ela diz logo... o prazo de validade é de sete anos... depois disso você se vira... porque pode acontecer uma coisa pior com você!!! A Marjorie fazia um teste antes de aplicar... mas quando eu desmaiei enquanto ela aplicava o silicone ela queria me jogar num rio... foi quando uma outra travesti novinha não deixou!!! Pelo desmaio eu tive que pagar oitocentos reais!!! Liza: Queria saber mais do dinheiro... Lady Gaga: É!! E tem outras bombadeiras que preferem bombar as outras em construções... porque se elas morrem... lá mesmo elas ficam!!! Nenhuma tem responsabilidade com a outra!!! Lady Gaga e Rihanna estariam nos contando que para a construção do corpo travesti existiria o preço da dor, da incerteza e até da perda da própria vida. Benedetti (2005) nos fala 38 desse processo que também foi evidenciado em suas pesquisas realizadas com as travestis no Rio Grande do Sul, onde o uso dos hormônios e silicone correspondem aos fatos mais marcantes da transformação das travestis! É a partir daí que torna-se de fato feminina e a dor e o sofrimento torna-se um mal necessário. Surge também outra questão, será que Lady Gaga e Rihanna se dão conta que a aplicação de silicone e hormônios também podem se tornar uma forma de violação? Peres (2005) nos diz que a aplicação destes produtos da forma como acontece é nociva a saúde das travestis, uma vez que ocorrem deliberadamente sem orientação médica, com produtos inadequados, sem as condições necessárias de higiene, o que leva à morte muitas travestis no Brasil e ele cita ainda que este assunto tem sido incluído nas pautas de encontros nacionais de travestis para que seja reivindicado junto ao poder público, para que estes processos sejam custeados pelo Sistema Único de Saúde- SUS. Liza: Vocês estão me dizendo que ser travesti em Caruaru também é sofrer? Rihanna: Eu já sofri discriminação! Certa vez eu fui até o banco... no caixa preferencial por eu ter essa deficiência na perna... onde eu sempre fui atendida... ele não quis me atender! Disse que eu tinha que andar com a carteirinha falando da minha doença... da minha deficiência! Eu vi que ele brincou... foi totalmente preconceituoso!! Eu abri uma ação contra o banco... demorou muito... mas... eu ganhei!!! E isso acontece muito em lojas... principalmente isso... de você está andando e ser motivo de apontar... até hoje eu fico triste! Você está se sentindo bem... Quando sai no meio da rua escuta uma piada... “Oh o cabra safado!! Filha da puta!!! Isso eu acho difícil a gente mudar!! Rihanna nos revela que é vitima constantemente de situações discriminatórias e preconceituosas e narra uma situação que vivenciou. Por fim ela fala das piadas que ouve e aponta a dificuldade em romper com este fenômeno. Estaria Rihanna expressando o seu descrédito em possíveis mudanças sociais? Peres (2004) narra que a própria constituição da história do Brasil, é cerceada pelo estigma e discriminação, em que tais fenômenos vão sendo naturalizados e aceitos pelas pessoas. O autor acrescenta que: Vemos o surgimento de uma cultura de submissão ao invés de uma cultura de resistência, transformando as pessoas e suas relações com o mundo em meras espectadoras da história. Nesse contexto, perde-se a oportunidade de ser sujeito da história (PERES, 2004, p. 22). 39 Considerando o que é dito por Peres (2004) será que Rihanna ao se dar conta que estava sendo vítima de preconceito e discriminação, lançando mão dos seus direitos, não estaria contribuindo para que as mudanças fossem possíveis? Parece que ao perceber a situação de discriminação que viveu, Rihanna busca seus direitos como modo de resistência e contestação. Como em toda cultura existem relações de poder, em contrapartida há também as resistências, que são as estratégias possíveis para a superação das situações de opressão. Nesse sentido, ao questionar o que está posto e buscar possíveis mudanças Rihanna reivindica o direito a ter direitos (PERES, 2009). Lady Gaga: Ser travesti em Caruaru é turbulência em vida!!! Porque até aquelas pessoas que nos criticam de dia... a noite nos procuram!!! E isso precisa ser mudado!!! Porque em quase toda família existe um homossexual!! Chama-nos atenção aqui que Lady Gaga solicita mudança no que diz respeito ao comportamento dos clientes, mas será que ela se reconhece como co-responsável na mudança? Ela parece aceitar quando o cliente solicita seus serviços. Liza: As pessoas querem negar vocês? Lady Gaga: Eles querem negar uma coisa que tem fora... mas que existe dentro da família de muitas pessoas!! Rihanna: É como ela falou... até aqueles que quando estão sozinhos procuram a gente... quando estão com amigos... para dar uma de gostosão tiram piada!!! Quando está sozinho é um amor!!! Rihanna e Lady Gaga estariam evidenciando aqui algumas questões de gênero? Ao falarmos da temática de gênero nos referimos a uma categoria de análise que deve ser pensada considerando-se seus aspectos históricos e culturais e, sobretudo rompendo-se com toda fixidez, afinal ele está em constante mutação (SCOTT, 1995). Em nossa sociedade estamos acostumados a categorizar homens e mulheres por sua condição biológica, desconsiderando os desdobramentos culturais, desta maneira concordamos com que “Gênero se refere, portanto, à forma como nossa cultura diferencia homens e mulheres” (MEDRADO, 2008, p.18). Existe então, uma normatização entre sexo, desejo, e sexualidade, na qual considera-se homem apenas, aquele ser que apresenta características culturalmente estabelecidas como 40 próprias à masculinidade, desempenha o papel sexual ativo, sente-se atraído por mulheres, sendo assim, os modos de ser homem que escapam a este modelo são sobrepujados (RIOS, 2011). Ao lançar mão das piadas e críticas estariam estes homens tentando manter-se na ordem normativa vigente? Por esse motivo Peres (2011, p. 101) discorre que há na realidade um sistema regulador da sociedade, responsável por manter as estruturas e o pensamento “binário e sedentário”, salientando ainda que: Estar fora da ordem da inteligibilidade imposta pelo sistema sexo/gênero/desejo significa estar fora do mundo, ou seja, ocupar o lugar da abjeção, da vida sem reconhecimento e sem direitos, a ter direitos, logo, sem acesso à cidadania, entendida aqui como o direito de participação social e política nas tomadas de decisão da sociedade em que vivemos como um todo. Liza: E para vocês como é ouvir estas coisas dos próprios clientes que vocês atendem? Lady Gaga: Eu... relevo!!! Eu penso por um lado bom!!! Penso em outras coisas... boto a cabeça para o outro mundo... um mundo feliz!!! Pode ser que ele não estava feliz!!! E eu sou feliz assim!!! Para completar minha felicidade eu quero a minha cirurgia de mudança de sexo!!! Rihanna: Eu fico triste porque eu sou um ser humano!!! E não deixo de ser como qualquer um outro!!! E quando acontece isso eu não sei o que fazer! Às vezes me dá até uma depressão!!! Quando estou em casa eu começo a pensar e choro porque isso não existe!!! Será que aqui Lady Gaga procura ser indiferente como forma de minimizar o sofrimento ou será que mais uma vez ela não se dá conta que também é co-partcipante desse processo de discriminação e preconceito ao aceitar sair com estes clientes? Este processo nos faz lembrar da chamada violência simbólica em que sem perceber muitas vezes a vítima contribui com a violência e com outras pessoas que a dissemina (JUNQUEIRA, 2009). Lady Gaga: Nós somos “trabalhadeiras”... nós temos cabeça!!! Nenhuma travesti ou homossexual merece a vida da prostituição... a vida da droga... a vida errada!!! Porque a gente tem a mente ótima para aprender as coisas e para arrumar profissões! Eu fico triste pelas minhas irmãs travestis ou homossexuais que optam por essa vida das drogas... da vida errada de roubo... eu fico triste por eles estarem sujando também a nossa parte!!! Lady Gaga nessa narrativa ao tentar por em evidência as boas qualidades das travestis, também estaria implicitamente dizendo que apesar de todos estes “dotes”, essas 41 possibilidades, o único recurso de satisfação das necessidades básicas das travestis é a prostituição, que tem como consequência para algumas a drogadição e a “vida errada”? Sobre tal fenômeno recorremos a Peres (2009) que revela a violência e estigmatização nas escolas, sofridas pelas travestis participantes da sua pesquisa, em que percebe que tais momentos, segundo elas, colaboram para a sua entrada na prostituição e drogadição, uma vez que não tiveram acesso às condições dignas para estudar e consequentemente de trabalhar, e para suportar o prostituir-se e as marcas das discriminações lançam-se nas drogas. O autor versa ainda que: A intensidade da discriminação e do desrespeito aos quais as travestis são expostas nas escolas em que desejam estudar leva, na maioria das vezes, a reações de agressividade e revolta, ocasionando o abandono dos estudos ou a expulsão da escola, o que conseqüentemente contribui para a marginalização, pois bem sabemos da importância dada aos estudos e à profissionalização em nossa sociedade. (PERES, 2009 p. 245) Como exemplo, vemos no Documentário Memorial das Travestis e Trans de BH, uma travesti que nos diz ter duas graduações e um curso de pós-graduação, no entanto, continua sendo excluída e não pode usufruir do que ela mesma construiu a duras penas, sendo discriminada durante todo percurso escolar. Por mais que a travesti invista e busque ascensão por meio da concretização educacional, que por sinal também é uma exigência social, seus direitos continuam a serem negados. Parece que o universo da prostituição constitui-se como o único território possível para a sua socialização e aceitação (BENEDETTI, 2005; PELÚCIO, 2009; PERES, 2005). Liza: Você falou de trabalho... e a gente percebe que aqui em Caruaru a maior parte das travestis estão na prostituição ou são cabeleireiras! Por que será que estas travestis estão nessas profissões? Lady Gaga: Não só da cidade... mas de todo o país!!! Eles excluem da sociedade a parte do homossexualismo!!! Então alguns optam por ser cabeleireira... porque ele tem sua própria casa e assim ele pode abrir um comerciozinho ali... sem depender de outras pessoas!!! Rihanna: Eu me prostitui...! e a prostituição me deu muitas coisas sim!!! Tem gente que me pergunta se eu tive vergonha ou me arrependi... eu não me arrependi!!! Me envolvi com drogas sim... porque quando chegava na rua eu nunca entrava num carro lúcido... NUNCA!!! Porque eu tinha vergonha!... então para me soltar eu bebia e me drogava! Eu gastei muito!!! 42 Lady Gaga e Rihanna parecem nos falar da negação do direito ao trabalho, restandolhes profissões autônomas ou prostituição como saída. A prostituição parece estar ligada ao processo de exclusão e discriminação à qual estão submetidas e aparece como principal saída de sobrevivência para as travestis, visto que há um leque enorme de direitos que lhes são podados como saúde, educação, moradia dentre outras Silveira (2006). E Carvalho (2006, p. 02) acrescenta que: [...] a exclusão social é uma realidade vivida por esse grupo e que as áreas de trabalho fora da prostituição, concentram-se nos serviços gerais, limpeza e em menor grau salões de beleza. O mercado de trabalho se fecha para as transgêneros, surgindo apenas subempregos, casos de carteira assinada são isolados e muito específicos. Nessa mesma direção Martins (1997) pontua que neste processo de exclusão ao mesmo tempo em que há a inclusão econômica, por outro lado torna-se profundamente excludente socialmente, moralmente e politicamente, isso é o que acontece com as travestis em Caruaru, elas trabalham enquanto profissionais do sexo, as pessoas usufruem dos seus serviços, no entanto elas permanecem à margem vivenciando situações de violência e vulnerabilidade. Podemos perceber ainda no documentário Memorial das Travestis e Trans de BH que, algumas travestis nos apontam ainda que a dificuldade em arranjar emprego parece estar ligada à própria aparência das travestis, como nos dizem algumas entrevistadas: [...] quando eu virei travesti mesmo, de salto e tudo, foi quando as portas começaram a se fechar mais!, Eu trabalhei numa grande rede de supermercados e quando eles descobriram que eu estava me transformando, eles arrumaram uma bela desculpa e me mandaram embora! Eu trabalhei lá durante sete anos, durante este tempo eu era um funcionário exemplar! Diante de todas essas dificuldades surge ainda como fenômeno o uso de drogas lícitas ou ilícitas: “Me envolvi com drogas sim... porque quando chegava na rua eu nunca entrava num carro lúcido... NUNCA!!! Porque eu tinha vergonha!...” Rihanna expõe aqui que o uso de tais substâncias conduz a travesti profissional do sexo à mais situações de vulnerabilidade. Nascimento; Pires; Santos (2009) e Peres (2008) concordam que tais fatores colaboram para que haja mais exclusão e discriminação das pessoas que atuam como profissionais do sexo. Todos estes problemas fazem parte da situação da inclusão precária e marginal e parece que a mesma tem se agravado ainda mais, pois agora notamos que a existência dos “guetos” tem se tornado mais frequente, é como se existisse uma outra humanidade “[...] é uma sub- 43 humanidade em todos os sentidos. Ela se baseia em insuficiência e privações que se desdobram para fora do econômico [...]” (MARTINS, 1997, p. 36). Liza: E você usava o que? Rihanna: Eu só não usei “pico”... porque quando eu fui usar pico um rapaz que estava com a gente teve uma convulsão e eu fiquei com medo! Aí eu usei muito craque... cheirei muito... usei cocaína!!.. Lady Gaga: A maioria delas entram na droga... no meu caso mesmo entrei no vício da bebida!!! Porque a gente enfrentava o cliente que nunca viu e se deitava com ele... além de correr risco!!! Para isso ou agente estava bêbada ou drogada!!! Encorajava mais agente!!! Sobre a prostituição assim... eu não vou “tacar” o pau nas minhas irmãs porque eu sei que outras travestis ou transexuais elas precisam sim da prostituição!!! Para conseguir o que eu conseguir... não foi assim uma boa casa ou um bom apartamento porque na época eu gastei muito com hormônio... bebida e farras... eu tenho essa morada através da prostituição!! Lady Gaga parece estar apontando que para ser prostituta é preciso inevitavelmente lançar mão de alguma substância psicoativa na tentativa de suportar os riscos e enfrentar as situações que se “impõem” ao estar nesse modo de viver a vida. Os riscos na profissão da prostituição são muitos: risco de adquirirem doenças, a violência, dentre outros, então nos reportamos a Macdowell (2010) que nos fala sobre o uso drogas entre as travestis prostitutas em Brasília. Em sua pesquisa de campo ele percebeu que grande parte das travestis lançam mão do álcool e/ou substâncias psicoativas como maconha e cocaína, para suportar a realização do trabalho na prostituição. Chama-nos a atenção também a fala de Lady Gaga: [...] eu não “vou „tacar‟ o pau nas minhas irmãs porque eu sei que outras travestis ou transexuais elas precisam sim da prostituição!!! Para conseguir o que eu conseguir[...]”. Ela parece reconhecer que através da prostituição foi possível alcançar também realizações, apesar de todos os sofrimentos e dificuldades, o que nos reportamos a Pelúcio (2009, p. 73) que narra um fato parecido ocorrido com uma das suas informantes, a Bruna, que pode usufruir dos “benefícios” trazidos pela sua profissão: “um bom padrão de vida e a possibilidade de relacionar-se afetivamente”. Rihanna: O que evolui a travesti é ela ter o “pacote” grande!!! Eu sempre fui um pouco dotada e a Marjorie sabia disso e me apresentou a Dorote que fazia intercâmbio para o exterior... porque uma travesti de esquina... ela faz mais o papel ativo! Então de dez 44 programas... oito você transa com o cliente fazendo o papel de homem e dois você faz o papel de mulher! Lá fora eu saia com os clientes... fazendo mais o papel de homem do que de mulher!!! Eu fui para Rimini na Itália onde morei por três meses... cheguei a pagar trinta e seis mil com o passaporte... e lá eu me envolvi com o êxtase!!! Lá além do frio ser terrível... uma das normas da casa é você só trabalhar de calcinha e com um sobretudo por cima!!! Tinha que ser uma droga mais forte e por isso eu comecei a ter muita convulsão!! Inicialmente eu pensei que era por conta do HIV... mas depois percebi que não!... na verdade as drogas ajudaram a desenvolver uma doença chamada neurotoxoplasmose que é um tumor no cérebro!!! Então eu fui deportada e acabei voltando a Caruaru!! Quando Rihanna nos fala em ter o “pacote grande”, e “fazer o papel ativo” ela estaria discorrendo sobre algumas contradições do gênero das travestis? Através da sua fala Rihanna parece estabelecer uma divisão entre o papel de homem, que seria ser ativo e o de mulher que seria a passiva, isso nos remete às construções socioculturais que estabelecem o que é tipicamente feminino e masculino, e neste caso estes papéis rigidamente construídos parecem ser estilhaçados e as travestis transitam livremente por eles. Pensando nas questões de gênero nos reportamos então a (LOURO, 2001 p. 542) que afirma: [...] o que o torna ainda mais complexo é sua contínua transformação e instabilidade. O grande desafio não é apenas assumir que as posições de gênero e sexuais se multiplicaram e, então, que é impossível lidar com elas apoiadas em esquemas binários; mas também admitir que as fronteiras vêm sendo constantemente atravessadas e – o que é ainda mais complicado – que o lugar social no qual alguns sujeitos vivem é exatamente a fronteira. O gênero da travesti está permanentemente em trânsito costurando feminino e masculino, num movimento que parece causar uma verdadeira reviravolta na sociedade que é calcada em modelos binários e tradicionais de gênero. Os homens que buscam os serviços das travestis ao exercer o papel sexual “passivo”, também encontram-se embaralhando tais concepções de que, embora muitos busquem por resguardar o seu desejo, os home apresentam características tidas como masculinizadas buscando relações sexuais passivas e as mariconas, que no universo travesti aparecem como os enrrustidos e incapazes de assumir a sua identidade (BENEDETTI, 2005, p. 23). Liza: E em relação a violência já aconteceu alguma coisa com vocês aqui em Caruaru? 45 Rihanna: Eu já vi travesti apanhar... levar carreira na Praça do Rosário!!! Teve uma época que na Praça do Rosário tinha a “gangue da bicicleta”!! Lady Gaga: Eles agrediam a gente com aquelas correntes!!! E tinha também outras pessoas que não podemos citar o nome!! Liza: Essas são pessoas influentes na sociedade caruaruense? Eles faziam isso com vocês? Lady Gaga: Sim!!! Tinha o carro do lixo que passava e jogava bolsas de lixo nelas!! Rihanna: Eu falo mesmo!!! Não tenho o rabo preso com ninguém!!! Quem comandava essa gangue era o filho de um cabo aqui da cidade na época... e ele peitava mesmo !! Usavam cabo de aço... corrente de bicicleta... eu via isso!!! Mas tiro não! Lady Gaga: Hoje em dia não!... estamos mais livres! Mas antigamente a gente tinha muito isso!!! Lady Gaga e Rihanna explicitam aqui as situações de violência na qual elas e outras travestis em Caruaru têm sido submetidas, violência esta que parece mais uma vez está ligada à intolerância praticada frequentemente pela população. Será que aqui ambas estão mostrando o que Marchi (2011) nomeia de “transfobia” (aspas da autora)? Para ela, a “transfobia” nos remete à intolerância de gênero, à formação das novas identidades, sobretudo a abdicação por parte da travesti ao seu papel masculino, o que há na verdade é a misoginia, compreendida pela autora como a aversão ao gênero feminino. Avançando nessa discussão, Rios (2009, p.60, aspas do autor) discorre que: As definições valem-se basicamente de duas dimensões, veiculadas de modo isolado ou combinado, conforme a respectiva compreensão. Enquanto umas salientam a dinâmica subjetiva desencadeadora da homofobia (medo, aversão e ódio, resultando em desprezo pelos homossexuais), outras sublinham as raízes sociais, culturais e políticas desta manifestação discriminatória, dada a institucionalização da heterossexualidade como norma, com o conseqüente vilipêndio de outras manifestações da sexualidade humana. Neste último sentido[...], o termo „heterossexismo‟ é apontado como mais adequado, disputando a preferência com o termo „homofobia‟, para designar a discriminação experimentada por homossexuais e por todos aqueles que desafiam a heterossexualidade como parâmetro de normalidade em nossas sociedades. Com base no que nos diz Rios (2009), percebemos que existe a perpetuação da discriminação contra as travestis, manifestos em Caruaru por meio da “gangue da bicicleta” e do “carro do lixo”, que seriam grupos de pessoas que se reuniam para atacá-las por meio da violência física. Mais uma vez parece que a imagem da travesti na Praça do Rosário, atua como uma afronta a moralidade da cidade necessitando de serem banidas daquele lugar. Em decorrência de toda violência, discriminação, preconceito, negação de direitos dentre outros 46 perpetrados contra a população LGBTT, foi criado o Programa Brasil sem Homofobia que tem como objetivo: “promover a cidadania de gays, lésbicas, travestis, transgêneros e bissexuais, a partir da equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação homofóbicas, respeitando a especificidade de cada um desses grupos populacionais” (BRASIL, 2004). A partir dele outros programas e políticas estão em andamento, no entanto ainda assistimos a inúmeras situações de violação de direitos. Rihanna: Eu já fui presa aqui em Caruaru! Eu tenho nove entradas nas delegacias em Caruaru!!! Eu já fui obrigada a transar com outros presos aqui na delegacia! Para sair no outro dia a gente lavava a viatura... fazia faxina na delegacia... e isso tem mais um detalhe... agente de calcinha... e as que eram mais boizinhos de cueca!!! Tudo nesse estilo!!! Só não saía para limpar a delegacia por fora! Tudo isso era motivo de chacota!!! Aqui aparece o fenômeno da violência advinda dos tratamentos da polícia para com as travestis. Em Brasília Macdowell (2010) também percebeu essa prática, inclusive diante do silenciamento da própria polícia, da sociedade e da mídia com relação aos assassinatos de travestis. Tal violência constitui-se enquanto violência estrutural ou institucional, que seria motivada por desigualdades (de orientação sexual, de gênero, étinico-raciais, econômicas etc.) [...] que se formalizam e institucionalizam nas diferentes organizações privadas e aparelhos estatais, como também nos diferentes grupos que constituem as sociedades” (MEDRADO et al., 2008, p. 34). Sendo assim, alguns apoiando-se no poder que detém, e em decorrência da educação heteronormativa que tiveram terminam por realizar atos que violam os direitos dos LGBTT além de cometem também violência física contra as travestis, como nos conta Rihanna. Lady Gaga: Eu cheguei a ser presa por trinta dias no Presídio... pois dois adolescentes menores de idade bateram em minha porta e pediram água! Eles estavam com um casal de periquitos... e através desse casal de periquitos eu fui parar no presídio acusada de traficar animais!!! Botaram muitas gaiolas... para sair na televisão e dizer que eu era uma traficante de pássaros e chegou o IBAMA bateu em cima! Eu fui acusada de uma coisa que eu não fiz... eu vi que ali era um preconceito por eu ser a pessoa que eu sou mas eu superei!!! E lá eu encontrei pessoas mais honestas que aqui fora!! 47 Rihanna: A gente é mais bem tratada quando cai dentro duma delegacia pelos presos do que pelos próprios policiais!!! Lady Gaga: Dentro do presídio eu não tenho o que falar sobre os presidiários porque eles foram pessoas muito bem educadas comigo! Não existe dentro do presídio o que o povo fala... que eles pegam os homossexuais para transar... isso eu não vi!! Lá de dentro eu conheci Drª Carla que é a diretora do presídio e ela descobriu que eu era casada a onze anos na época e ela me tirou da cela em que eu estava com noventa e seis homens e me colocou numa cela com três pastores! Liza: E você Rihanna também chegou a ir para o Presídio? Rihanna: Não! Não! Eu sempre fiquei em delegacia! Lady Gaga: Por eu ter ido para o presídio eu fiquei com o nome sujo na justiça... mas não fiquei na sociedade!!! Porque eu sou uma sacerdote e toda Caruaru conheci a Lady Gaga!!! Eu tenho um candomblé aberto neste bairro a mais de vinte e cinco anos... todos os babalorixás e ialorixás me conhecem!... Eu sai do presídio devido a vários telefonemas ao presídio de policiais amigos meus... que sabem que eu sou direita e que aquilo era uma injustiça!!! Rihanna: Eu não! Como a gente trabalhava em avenida... a gente era pega lá e no máximo que eu cheguei a passar foi dois dias aqui na primeira Delegacia! Teve uma vez que tinha dois presos e o policial queria me ver transando com eles e eu não queria... eu peguei a “pacata” e disse... “eu não transo!... eu faço o que vocês quiserem mas... transar com eles não!!!” Aí eu comi meia barra de SABÃO!!! E eles ficaram rindo!!! Eu comecei a passar mal e eles me levaram para a Casa Santa Socorro onde fizeram uma lavagem em mim!!! Eu não podia dizer o que era!!! O médico que fez exame disse que eu tinha comido sabão mas... ficou como se eu tivesse comido em casa” Não podia dizer de jeito nenhum que tinha sido na delegacia!!! Lady Gaga e Rihanna nos falam das situações que vivenciaram, na qual a polícia parece ter agido de forma extremamente violenta, violando sua integridade físicas e psicológicas, contrariando o que preconiza a Declaração Universal dos Direitos Humanos (Art. V, 1948): “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. Nesse aspecto sabemos que a polícia se constitui também enquanto instituição mantenedora da heteronormatividade na sociedade do controle (ANTUNES, 2010). Atualmente com os acirrados debates à respeito dos direitos humanos LGBTT e as intensas reivindicações dos mesmos, começam a surgir alguns cursos e capacitações que visam 48 informar e ampliar a discussão acerca da segurança pública sem homofobia promovido pela SENASP (Secretaria Nacional de Segurança Pública). Liza: E em relação à oportunidade... vocês percebem se em Caruaru existem oportunidades de emprego... de estudo... para as travestis? Lady Gaga: Para o homossexualismo oportunidade... de dez a cem é dez... noventa por cento das pessoas não dão oportunidade para o homossexualismo!!! Rihanna: Se você for muito afeminada... não adianta nem você gastar seu tempo!!! Lady Gaga: Os dez por cento aí cai para zero por cento! Rihanna: Tem que ser uma “bicha boy”... o mais boy possível!!! E na hora do trabalho... por mais que eles saibam que você é homossexual... não se pode demonstrar!!! Porque se você chegar muito afeminado eles não querem!!! Mandam você vir depois... dizem que não está precisando no momento!!! Lady Gaga: Por mais estudo que você tenha... por mais educação!!... Rihanna: Sempre eles inventam uma desculpa... e... não pega de jeito nenhum!!! Será que aqui Rihanna e Lady Gaga estão indicando que socialmente existe a categorização de gênero e que o feminino ainda é desvalorizado e marginalizado? Rihanna quando fala “Por que se você chegar muito afeminado eles não querem!!!”, parece falar de um feminino que as travestis constroem com tanta dificuldade e que em Caruaru é desprezado. De acordo com Louro (2010, p. 48, grifos da autora) “Aqueles homens que se afastam da forma de masculinidade hegemônica são considerados diferentes, são representados como o outro é, usualmente, experimentam práticas de discriminação ou subordinação”. No caso das travestis elas não apenas rompem com a categorização mas, trazem em seu corpo a marca do feminino, este que em sua construção histórica e cultural sempre foi tido como oprimido. Liza: E vocês tiveram oportunidade de estudar? Lady Gaga: Eu tive!!! Meu pai sempre se interessou em me colocar em escolas... ele sempre aceitou a minha vida!... Eu tive muito apoio do meu pai e dos meus irmãos! Eu sou a última filha entre vinte e oito irmãos... E todos me aceitaram e me aceitam até hoje!!! Liza: E como você se sente com isso? Lady Gaga: Eu amo!!! Eu amo a minha família!!! Eu tenho duzentos e setenta e cinco sobrinhos!... Eu amo todos eles!!! Porque eu fui muito bem acolhido dentro da família!! 49 Rihanna: Eu estudei até a quarta série!!! Porque os piores momentos para mim na escola... eram dois!... era quando eu chegava e tinha que cantar o hino antes de entrar... então eu era motivo de brincadeirinha de empurra empura... de imitação... e eu não gostava!!! E o outro era na hora do recreio!... Eu acho que eu corria mais do que todo mundo!!! Os meninos sempre passavam e me davam tapas e chutes... ou então eu estava com a minha merenda e eles metiam o dedo dentro da sopa e perguntavam se estava gostoso!!! Eu agüentei até os quatorze anos!!! Eu também tive uma atitude um pouco trágica!!! Eu cheguei a reclamar umas três vezes com o diretor sobre um rapaz que tirava muita onda comigo!!! Ele sempre abaixava minhas calças de repente! Até que um dia ele veio com uma brincadeira... peguei e dei uma “bolsada” nele!... Eu estudava no primeiro andar... ele caiu lá de cima!!! Foi bom porque ele caiu bem na diretoria e quebrou a clavícula!!! Daquele dia para cá eu fiquei com medo e não quis mais estudar!!! Não tive mais paciência não!!! E até hoje... uma escola que aceita um pouco as travestis hoje em Caruaru é a Lugar Feliz!!! Mas eu não tenho mais cabeça para isso não!... pois sempre tem isso!!! Essas brincadeirinhas!!! Lady Gaga: Até porque nas escolas de Caruaru... quando eles sabem que existe um homossexual... ou um traveco eles procuram agredir mais ainda!!! As “travecazinhas” aqui da nossa cidade são muito humilhadas e existe muito bullying contra elas!!! Na fala de Rihanna e de Lady Gaga é possível notar a violência à qual as travestis em Caruaru estão submetidas, leia-se violência como toda forma de violação de direitos. Assim sendo desde a infância as travestis carregam em si essas marcas. Isso nos faz lembrar do que Benedetti (2005) vivenciou com as travestis em Porto Alegre em sua etnografia: Ações violentas, físicas ou simbólicas, são dirigidas diariamente contra as travestis. Elas também vivenciam cotidianamente situações de exclusão e estigmatização pautadas pela violência, o que lhes dá certa legitimidade para utilizar esse artifício. Rihanna revela então que foi vítima de bullying que consiste na maneira consciente de humilhar e depreciar o outro a fim de provocar ansiedade e tensão (FANTE, 2005 apud MELO; GROSSI; UZIEL 2009. Nesse sentido chama a atenção que não houve reação da direção da escola diante das insistentes reclamações de Rihanna sobre as piadas e humilhações que sofria, isso nos faz refletir sobre o quanto o contexto escolar colabora com as situações de violência vividas pela comunidade LGBTT, quando ela não se omite frente às situações que solicitam um posicionamento, torna-se ela mesma autora de violação de direitos. Nessa direção concordamos que: 50 A intensidade da discriminação e do desrespeito aos quais as travestis são expostas nas escolas em que desejam estudar leva, na maioria das vezes, a reações de agressividade e revolta, ocasionando o abandono dos estudos ou a expulsão da escola, o que conseqüentemente contribui para a marginalização, pois bem sabemos da importância dada aos estudos e à profissionalização em nossa sociedade. (PERES, 2009, p. 245) A escola atualmente não pode se furtar dos assuntos relativos à sexualidade e gênero, uma vez que ela é constantemente convocada, por mais que relute em permanecer apegada aos modelos heteronormativos, sexistas e estáveis. Rihanna: Essa diretora mesmo do Escola Feliz11... ela já fez trabalho com o grupo... mesmo assim não dá conta!!! Uma coisa é a gente falar com ela que diz que vai ver... mas por trás não acontece nada!!! Aí ela faz aquele planejamento bem bonito... que até você se encanta... mas na realidade não é assim!!! Não é de jeito nenhum!!! Liza: Parece que existe um sistema... não é? Lady Gaga: Aos poucos até as diretoras e professoras vão se saindo daquele aluno afeminado... elas acham também que é errado!!! Agora no meu caso eu tive ótimas professoras! Eu cheguei a morar na casa de uma das minhas professoras... a professora Josefa e estudei até a última série do colégio Estrela! E de lá eu não quis ir para outro colégio e parei de estudar!! Porque os outros colégios aqui do Solaris não iam me aceitar como eu fui aceita no Estrela!!! Vemos então que, é na escola, um lugar em que normalmente as pessoas passam grande parte da vida, socializando-se, onde as travestis em Caruaru são “banidas”. O sistema escolar ainda não conseguiu dar conta das diversas possibilidades de gênero e por isso exclui tudo que foge ao costumeiro binarismo macho/ fêmea, feminino/ masculino, e qualquer traço de respeito às diferenças se perde nesta teia. De acordo com Antunes (2010, p. 111) Muitas não conseguem levar adiante os estudos. Em geral nossas escolas se apresentam como instituições incapazes de lidar com as diferenças e pluralidade. Funcionam como uma das principais instituições, guardiã das normas de gênero e produtora da heterosexualidade. Liza: Ser travesti em Caruaru é ter vários direitos violados? Rihanna: É mais fácil você dizer assim... ser uma travesti em Caruaru não é ter direito a NADA!!! NÃO TEM DIREITO A NADA AQUI EM CARUARU!!! 11 Os nomes das escolas são fictícios utilizados para resguardar a instituição e as sujeito/participantes. 51 Rihanna solicita através dessa fala o direito a ter direitos, uma vez que todas as portas se fecham para elas e o ser sujeito de direitos como travesti, parece inexistir em Caruaru. O que Rihanna reivindica é legítimo e garantido pela Constituição Federal (BRASIL, 1988), que diz que todos tem direito à vida, igualdade, liberdade, segurança e à propriedade. E o Brasil tem dado sinais importantes, no sentido ao menos da criação de estratégias para a garantia dos direitos da população LGBTT como, por exemplo, a criação do Programa Brasil sem Homofobia que tem como princípios: A inclusão da perspectiva da não-discriminação por orientação sexual e de promoção dos direitos humanos de gays, lésbicas, transgêneros e bissexuais, nas políticas públicas e estratégias do Governo Federal, a serem implantadas (parcial ou integralmente) por seus diferentes Ministérios e Secretarias. A produção de conhecimento para subsidiar a elaboração, implantação e avaliação das políticas públicas voltadas para o combate à violência e à discriminação por orientação sexual, garantindo que o Governo Brasileiro inclua o recorte de orientação sexual e o segmento GLTB em pesquisas nacionais a serem realizadas por instâncias governamentais da administração pública direta e indireta. A reafirmação de que a defesa, a garantia e a promoção dos direitos humanos incluem o combate a todas as formas de discriminação e de violência e que, portanto, o combate à homofobia e a promoção dos direitos humanos de homossexuais é um compromisso do Estado e de toda a sociedade brasileira. (BRASIL, 2004) Apesar do avanço significativo da criação deste programa, que por sinal serviu de alicerce para a elaboração de outras políticas como o Plano Nacional de Promoção do Direito da Cidadania e Direitos Humanos e de LGBT (BRASIL, 2009), ainda existem muitos caminhos que precisam ser trilhados, para que haja de fato a efetivação de políticas públicas e sociais para esse segmento, como pôde ser visto na fala de Rihanna, afirmando que sertravesti em Caruaru é não ter direito a nada. Parece-nos, portanto, que o compromisso do Estado de combater todas as formas de violação de direitos não está sendo cumprida na cidade de Caruaru. Lady Gaga: E por conta disso muitas optam por ir para fora do Brasil!!! Eu agora estou berando os quarenta anos e até hoje eu ainda recebo convite para sair para fora do país... por que oportunidade aqui é zero!!! Liza: E lá fora vocês acham que é mais fácil? Rihanna: Eu era mais feliz lá fora!!! Por dois motivos... a minha família.... eu vivia longe deles... mas eu vivia do jeito que eu queria!! Eu vim ver esse negócio de apontar aqui!! Ninguém nunca me apontou... ninguém nunca passou por mim e gritou!!! Aqui você passa e o 52 povo diz... “bota água no fogo!”... e o outro diz... “para quê?” “Para despenar o frango!!!” Nunca escutei lá fora essas piadinhas!!! Lady Gaga: Eles chamam “BICHA LOUCA!!! ISSO É UMA BICHA DOIDA!!! AQUELE DERRUBADO!!!” Neste trecho das narrativas Rihanna e Lady Gaga sinalizam as marcas da violência e exclusão que tatuam as suas existências. Neste momento lembramos da música da cantora Pitty, Comum de dois12, onde ela nos diz: Quis se recriar/ Quis fantasiar/ No quarto de vestir/ Despiu-se do pudor/ Quis se adornar/ Quis se enfeitar/ Vestido e salto/ Enfim pra si tomou/ Se transformou/ Se arriscou/ Reinventou/ E gostou/ Ele se transformou/ Precisou correr/ Uma vida pra entender/ Que ele era assim/ Um comum de dois/ E hoje vai sair/ Com a melhor lingerie/ Não pra afrontar/ só quer se divertir/ Mas ele afrontou/ Provocou/ Assombrou/ Incomodou/ E ele nem ligou.../ Se acabou/E beijou/ E dançou/ Ele aproveitou/ Quando apontam aquele olhar/ Ele sabe e deixa passar/ O salto dói, ele sorri/ Mas machucava ter que omitir/ Prazer e dor de ser mulher/ Por essa noite é o que ele quer/ Degusta bem, bem que valeu/ Ele se transformou.../ Sua dama ao seu lado amparando o motim/ juntos rolam pela noite/ Nunca dantes par assim Como é dito na música, ao se vestir da forma que sente-se melhor, ao se reinventar, a travesti afronta, incomoda, assombra e balança as concepções tradicionais de gênero. Além da existência dos atos de violência direta e verbal contra as travestis em Caruaru, percebemos que há também um processo de exclusão social como pontua Peres (2005, p. 36): A exclusão social vivida pelas travestis [...] também é atravessada por premissas da ordem social que condenam as suas escolhas dos modos de composição existencial, considerando a ousadia que as mesmas se apresenta por alterar os limites de seus próprios corpos, na busca da felicidade. Rihanna: E em Caruaru você não tem nenhum motivo para dizer eu sou uma cidadã caruaruense!... e se você perguntar se eu tenho orgulho da minha cidade... NÃO!!! Nunca abri a boca para dizer eu tenho orgulho da minha cidade! Eu tenho vergonha da minha cidade!!! Nessa parte para agente que é travesti eu tenho vergonha!!! Eu não me sinto bem... eu vivo uma coisa que eu não sou!!! Rihanna estaria realçando que o direito à cidadania também lhe é negado. Na cidade de Caruaru as mobilizações à respeito da busca da cidadania e direitos humanos LGBT ainda acontecem de forma tímida, no entanto existem alguns avanços importantes como a existência 12 Disponível em: <http://letras.terra.com.br/pitty/1792225/>. Acesso em: 11 de novembro de 2011. 53 de dois grupos de resistência que realizam anualmente a parada gay na cidade e um deles, o GRGC (Grupo de Resistência Gay de Caruaru), juntamente com a Secretaria da Mulher promoveu pela primeira vez no agreste pernambucano a conferência LGBTT, como foi dito pelos organizadores do evento. No caso da Parada Gay em Caruaru, são realizadas palestras informativas, discussões, passeatas e culmina com shows e apresentações artísticas na principal avenida da cidade. Estes movimentos sociais são de fundamental importância, possibilitando uma maior visibilidade e reivindicando a promoção dos direitos da população LGBTT em Caruaru. No Brasil o movimento LGBTT tem crescido efetivamente nos últimos anos e a bandeira do arco-íris tem sido reconhecida em quase todos os lugares, trazendo reflexões no campo da despatologização das sexualidades e do gênero, a superação da dualidade entre “condição” e “opção” quando se trata de LGBTT, visibilização das diversidades, no entanto, faz-se necessário que caminhemos ainda mais alguns passos, refletindo sobre o que precisamos alcançar, o que ainda nos falta e questionando: “em que medida toda a visibilidade conquistada pela temática nos últimos anos tem se convertido em direitos ou em legitimidade social das demandas levadas ao espaço público? (FACHINNI, 2011, p. 196-197, aspas da autora). Liza É eu fiquei pensando em você Lady Gaga... teve algum tempo da sua vida que você se considerou travesti? Lady Gaga: Eu tive muito medo! No começo de tudo eu tive medo de aceitar o que eu sou até por eu ter alguns irmãos violentos... e eu não sabia como contar!!! Apesar de que o meu pai já sabia a pessoa que eu era!!! E eu pensava que meu pai não sabia que eu era uma transexual... eu só tenho uns onze anos de transexual!!! Liza: E qual a diferença entre ser uma transexual e uma travesti? Lady Gaga: A mente muito mais afeminada e as partes do corpo!!! Não precisou levar silicone e algumas mudanças em algumas partes... e o jeito de ser e viver!!! Porque o travesti ele chega usar alguns homens... ele chega a ser ativo... e a transexual não!!! Ela só faz a linha feminina!!! Essa linha mulher... isso sustenta a pessoa!!! Lady Gaga estaria demarcando aqui que a feminilidade da transexual é mais determinada e almejada? Ao falar sobre a sua feminilidade Lady Gaga parece estar afirmando com certa fixidez o feminino, enquanto a travesti ostenta o feminino e masculino em sua corporalidade. Sobre a transexualidade Silveira (2006, p. 15) afirma que: 54 O transexual vive numa essencial desarmonia entre quem é, quem acredita ser e a sua aparência externa e, desse modo, desenvolve uma identidade de gênero condizente com a do sexo biológico oposto ao seu. Portanto, para estes indivíduos, é fonte de intenso sofrimento e inconformidade o seu corpo e suas características genitais, os quais rejeitam dramaticamente, não as reconhecendo como possibilidade de nascentes de prazer. Parece que a condição existencial da transexual apresenta-se de forma fixa, o que nos faz questionar o que Lady Gaga nos diz sobre a prática sexual que apresenta-se como sendo um determinante para a distinção entre ser-travesti e ser-transexual, ela então diz “ele chega a ser ativo... e a transexual não!!! Ela só faz a linha feminina!!! Essa linha mulher...”, estariam explicitadas mais uma vez os binarismos que cerceiam a nossa cultura? Rihanna: Como eu disse... tem as três etapas... tem a primeira etapa que todas passam que é a gay! Eu sou uma gay... então eu sou “pintosa!”... andando na rua me requebrando... a etapa dois é da travesti... então para você ser uma travesti você tem que colocar silicone... então se você não colocar silicone você não é uma travesti!!! Elas tomam hormônio... aplicam silicone!!! Lady Gaga: Aí elas vão refazendo o corpo!! Rihanna: Aí ela vira uma travesti!!! A travesti e a gay tem uma coisa que a transexual não usa... que é o pênis!!! Com a maioria dos clientes que saímos a gente faz o papel do homem!!! E a transexual não!... ela não se sente bem!!! Não se sente bem na frente do espelho... se sente mal em ver o pênis dela!!! Eu conheço várias meninas... a gente teve um caso aqui em Caruaru... que um dia ela se sentiu tão mal... que cortou o próprio pênis!!! Ela foi para o Hospital do Nordeste e de lá foi para Recife e eles colocaram de volta o pênis dela!!! E é por isso que muitas enchem a cara!!! E por isso hoje o SUS faz a cirurgia... porque muitas enchem a cara de cachaça e cortam o pênis para fazer a cirurgia!!! Porque a transexual ela não aceita!!! Lady Gaga: Eu com onze anos de idade cheguei a passar o ferro quente no meu órgão!!! Pois eu vi que aquilo não combinava comigo!!! DE MANEIRA NENHUMA!!! Meu pai chegou a se aperrear e eu fui levada para o doutor!!! Fui assistida por psicólogos e psiquiatras para que eu não fizesse algo pior com a minha pessoa!!! E até hoje eu chego às vezes a tomar remédio controlado para a depressão... porque eu tenho depressão através disso... porque eu quero me livrar desse pequeno problema!!! E até para as nossas operações de transexualismo tem a discriminação porque muitas transexuais só estão se operando porque tem dinheiro e tão 55 pagando por debaixo dos panos para ser operada na frente daquelas que realmente são transexuais !!! Porque tem travestis que estão se operando sem ser transexual porque tem dinheiro!!! Aí estão entrando no SUS escondido enquanto outras esperam... fazem dezesseis anos que eu luto pela cirurgia e até agora nada!!! Ao falar do processo transexualizador Rihanna e Lady Gaga estariam trançando diferenças fundamentais entre os modos de ser-travesti e o ser-transexual? Parece que sertravesti é buscar a aparência feminina sem anular as características culturais e biológicas caracterizadas como masculinas, enquanto o ser-transexual estaria ligado à consolidação do projeto de ser-mulher através da retirada do pênis. Benedetti (2005) pontua que a travesti sustenta a ambigüidade entre feminino e masculino e não procura escondê-lo. O uso do papel sexual de ativo e passivo é freqüente em sua sexualidade, enquanto que: [...] as representações construídas pelas transexuais sobre a sua condição afirmam um modelo de gênero definido, rígido, em que a separação entre o masculino e o feminino está nitidamente marcada. As transexuais negam qualquer potencial erótico do órgão genital masculino; elas não aceitam utilizar o pênis para o prazer por que. Por isso desejam tanto a cirurgia de transgenitalização. Outro aspecto importante destacado por Lady Gaga é a dificuldade da realização da cirurgia de transegenitalização, será que aqui ela estaria reivindicando a efetivação dos seus direitos sexuais? Atualmente a cirurgia de transegenitalização é realizada pelo SUS (Sistema Único de Saúde), o que certamente foi um grande avanço na promoção da cidadania e direito à saúde para as transexuais, no entanto, este processo ainda é perpassado pela ideologia da anormalidade, da descompensação que precisam ser reparados como forma de se alcançar um restaurar o seu status de normalidade. E ainda é necessário que a possível transexual preencha todos os pré-requisitos estabelecidos pela nosologia médica para que seja considerada de fato uma transexual (LIONÇO, 2009). Para a realização da intervenção cirúrgica da trangenitalização é preciso que a transexual passe por um rígido acompanhamento com psicólogos, endocrinologista e psiquiatras, este procedimento dura em média dois anos e é utilizado para a comprovação da transexualidade. De acordo com Lionço (2009, p. 56): No caso de transexuais e travestis, o poder médico impõe restrições normativas e interdições para o acesso aos procedimentos que incidem sobre transformações corporais de caracteres sexuais, intermediando de forma reguladora o acesso aos bens e avanços biotecnológicos. 56 Rihanna: A diferença delas também... é que a gente guarda o órgão para trás... coloca o pênis para trás e coloca a calcinha e fica a vagina!! E a transexual não!!! Ela injeta para trás o pênis e coloca o emplasto Sabiá!!! Lady Gaga: Assim agente tem dois sacos aqui em cima... abaixo do umbigo alguns dedos e enfia para dentro os testículos... eu encaixo e enfio o pênis para dentro!!! Rihanna: Só dói no começo!!! A primeira vez que a gente faz isso é uma DOR!!! Depois se acostuma!!! (RISOS) Lady Gaga: Vai se acostumando porque é o jeito né? (RISOS) Rihanna: Mas é uma dor que... como dizem as cafetinas quando tão bombando a gente... é a dor da beleza!!! A gente quer uma coisa que deseja TANTO que temos que passar por isso!!! Mas eu acho normal! Tudo que a gente passou e que a gente passa hoje em dia eu acho normal!!! Eu só não acho normal isso... da gente ser tratada como se fosse um ET... uma coisa do outro mundo!!! Mas o restante é normal!!! Rihanna e Lady Gaga estariam nos falando da construção dos detalhes de todo empreendimento da construção do corpo travesti e as palavra que chamam a atenção é desejo e dor. Peres (2008, p. 2, aspas do autor) afirma que: Mesmo diante de tantos riscos e de tantas incertezas, as pessoas que pretendem transformar seus corpos são movidas por um desejo intempestivo resistente a qualquer tipo de racionalização, mesmo porque, é através do corpo que são experimentadas as sensações de prazer e de dor Trata-se de uma urgência para que essas pessoas possam se sentir satisfeitas e felizes consigo próprias, e essa urgência se chama “beleza”, muitas vezes traduzida por elas mesmas como „dor da beleza‟ Lady Gaga e Rihanna parecem retomar as questões sobre desejo e dor, que se misturam na estética travesti em troca da felicidade e bem- estar consigo mesmas, afinal o corpo “é visto como expressão e realização de intenção, desejos e projetos” (CARMO, 2002, p.79). Liza: Mas e vocês são felizes do jeito que são? Rihanna: Eu... tirando esses dois detalhes eu te disse... de não me sentir bem do jeito que me visto... eu sou!... sou feliz sim!!! Porque eu acho que duas coisas a gente tem que ter!!!... esperança e força de vontade!!! Porque se a gente não tiver isso ninguém é feliz! Então... eu sou feliz não completamente... mas eu sou feliz sim!!! Liza: E o que é que está lhe impedindo de ser completamente feliz? 57 Rihanna: É isso!... eu não poder me vestir como eu gosto e da minha família me aceitar!!! Por ela ter uma mente diferente da minha por ser evangélica... então para eles é uma coisa do demônio!!! É uma coisa do inimigo... então é isso!! As vezes eu estou tão feliz... mas eles nunca estão satisfeitos... sempre me dão uma lapada!!! Lady Gaga: Às vezes eu penso porque tantas pessoas evangélicas criticam a gente homossexual? Porque tem coisas mais além que eles deveriam se preocupar mais do que com a gente! A gente tem um viver... tem uma vida!!! Tem uma profissão... tem de que viver... a gente não incomoda tanto!!! As drogas estão destruindo a humanidade!!! E porque eles não se reúnem contra aquelas coisas? Vem sempre em cima da gente!!! Os que criticam mais a gente é a nação evangélica!!! Lady Gaga e Rihanna estariam narrando aqui que a religião colabora com a cristalização dos preconceitos e estigmas? Ribeiro (2009) salienta que as religiões cristãs tem seus princípios como imutáveis e fixo, que se ancoram na Bíblia e tratam a homossexualidade como pecado. Reis (2011, p.172-173) coloca que: “O fundamentalismo religioso talvez seja um dos maiores problemas hoje enfrentados pela população LGBT, inclusive para a aprovação de leis”. E adiante expõe a fala do pastor Silas Malafaia: “A homossexualidade é uma rebelião consciente contra o que Deus estabeleceu na criação”. Tudo isso conduz Rihanna a tentativa de adequar-se aos desejos da sua família e negar os seus, no entanto as investidas parecem frustradas e a impedem de encontrar-se feliz. Notamos então que existem mecanismos de poder que agem na família, igreja, na mídia e em outras instâncias, atuando no sentido de naturalizar o binarismo de gênero e assim sistematicamente há uma repetição para que a heteronormatividade se torne cristalizada. Os outros, que fogem à norma, poderão na melhor das hipóteses ser reeducados, reformados (se for adotada uma ótica de tolerância e complacência); ou serão relegados a um segundo plano (tendo de se contentar com recursos alternativos, restritivos, inferiores); quando não forem simplesmente excluídos, ignorados ou mesmo punidos. Ainda que se reconheça tudo isso, a atitude mais freqüente é a desatenção ou a conformação (LOURO, 2009 p. 90). Dito desse modo parece que Rihanna por escapar das normas socialmente estabelecidas, tenta adequar-se da maneira que lhe é possível às condições estabelecidas por sua família o que lhe causa sofrimento. 58 Rihanna: É por isso que eu digo que sou mais feliz lá fora!!! E ao mesmo tempo não sou feliz por causa da minha família! Não sei se foi porque eu sai muito cedo de casa.... eu não tive aquele carinho!!! E eu sinto inveja quando eu vejo uma família tratando um amigo meu bem! Porque tem muita mãe que trata bem! A mãe de Doug por exemplo... ela é um amor com Doug! A irmã de Doug é sapatão então ela trata bem!!! Eu sinto inveja!!! Lady Gaga: Eu não brinquei muito na vida porque... quando eu tinha uns quatorze ou quinze anos eu tive que sustentar três crianças... dois meninos e uma menina! Eu tenho uma irmã prostituta e eu sofri um pedaço para dar o melhor para eles!!! De manhã eu estudava... a tarde eu trabalhava... a noite eu me prostituía!! Então o dinheiro servia para pagar um aluguel... água... luz!!!..para que eles freqüentassem o colégio com uma roupinha nova!!! Porque minha irmã ia para os cabarés aqui de Caruaru e região!!! Ela só se encarregava de ficar buchuda e eu me encarregava de cuidar das crianças que ela trazia!!! Eu achava mais importante eu criar porque são meu sangue do que ela doar para outras pessoas!!! Então eu sofri!... esperei as crianças crescerem e então pude tomar outras atitudes para a minha vida!!! Elas cresceram e não me envergonham... tem profissão!!! Não se envolveram com coisa errada!... A mãe deles que é minha irmã até hoje é usuária de craque!!! E eu não quis isso para os meus sobrinhos!!! Então eu cheguei a trabalhar em fábricas de doces... em cerâmicas... fui alfaiate de corte e costura para que eles não sofressem... e não seguissem o caminho da mãe!!! Eles são lindos!!! Lady Gaga estaria nos chamando atenção para as responsabilidades assumidas por uma travesti em relação à sua família? Diferente da relação familiar de Rihanna, Lady Gaga parece não apenas ter sido aceita pelos seus familiares, como também passou a cuidar dos sobrinhos. Liza: Eu quero agradecer a vocês pela participação!! E a fala de vocês foi muito importante para o meu trabalho!!! Lady Gaga: E a gente espera por um dia melhor!!! Rihanna: E se você quiser e precisar eu não tenho problema nenhum de mostrar a cara!... Eu não tenho rabo preso com ninguém!!! Lady Gaga: Nós duas não é? Porque tem sempre que existir dentro da sociedade pessoas que falem por aquelas mais oprimidas!!! Rihanna: Porque eu acho assim... que a partir do momento que a gente está escondendo a nossa identidade... é a gente mostrar uma coisa sem dar nomes... sem mostrar a cara... você não está querendo lutar por um direito que é seu!!! Então se eu corro atrás de um direito que é 59 meu... então eu tenho que dar a cara a tapas... eu tenho que dizer... eu quero!... e preciso disso! Então a sociedade... tem que ver que a gente está pedindo uma coisa que é nossa!... que está para todo mundo ai!!! Então é ser humano!... Se precisar pode me procurar!!! Liza: Ok meninas... eu vou procurar saber com a minha supervisora se pode! Mas desde já eu agradeço a contribuição de vocês!! Entrevista com Madonna 21/11/2011 às 14h. Liza: Madonna, qual é o sentido de ser travesti em Caruaru? Madonna: Para ser bem sincera... ser travesti em Caruaru não é muito fácil!!! Porque Caruaru é uma cidade do interior onde as pessoas têm uma mente muito fechada em relação a tudo!! Você passa no meio da rua e é o centro das atenções! Aqui em Caruaru ninguém me conhece pelo nome da certidão... me conhecem pelo nome profissional... Madonna! Mas em alguns casos as pessoas me chamam pelo nome da carteira de identidade! Então ser travesti em Caruaru é muito difícil porque as pessoas não lhe respeitam... elas olham para você com um olhar assim...como se você fosse um ser muito difícil... um ser estranho... um ser abominável na face da Terra!!! Eu fui para São Paulo cinco vezes e lá as pessoas tem outra cabeça! Eu até cometei com a minha amiga... "mulher... será que eu estou viva?" Porque eu estou acostumada a andar em Caruaru e quando agente passa... é olhada... sendo o centro das atenções!! Em São Paulo eu fui para todo lugar e ninguém me olhava!!! Eu cheguei no shopping... eu que sou o que sou... me choquei... porque eu vi médicas se beijando... em plena praça!!! Lá as pessoas têm a mente mais aberta... são pessoas de capital... São Paulo que é lugar de se morar!!! Aqui em Caruaru você vai a um show... e muitas vezes você vai passar pela fila dos homens e ele diz... "vá para a das mulheres!"...você vai passar pela fila das mulheres... ele diz... "vá para a dos homens! Agora há pouco mesmo... durante um show eu e minha amiga passamos por uma situação difícil onde o chefe de segurança perguntou a mim... com qual direito eu me achava de ir no banheiro feminino? E eu respondi... “a partir do momento que eu passei a ser travesti e fiz mudança no meu corpo para que eu tivesse aparência feminina!”Ele disse... “mas... no seu registro você usa o quê?” “ No meu registro eu uso nome de homem... porque até então a Lei não permite que eu mude! E para que eu pudesse mudar hoje... eu tinha que fazer a mudança de sexo e isso não é o que se passa pela minha cabeça! Mas você está muito mal informado! Deveria... por ser um chefe de segurança... deveria aprender uma coisa... respeitar o direito do outro! Porque se eu estou aqui 60 é porque eu tenho direito! Se eu for ao banheiro masculino eu vou receber piadas ou ser assediada como eu já fui... no banheiro de outra casa de Forró! ”Então assim... é tanto constrangimento que você passa! Eu mesmo... eu só sou o que eu sou porque eu tenho minha identidade própria e eu sou autêntica acima de qualquer coisa!!! Eu luto pelos meus direitos até o último momento!! Madonna aponta aqui as dificuldades que uma travesti enfrenta ao morar na cidade de Caruaru, como a questão da aparência feminina e o nome no documento que ainda é masculino. Ela parece nos dizer que o ser travesti carrega a ambigüidade entre o feminino e masculino, onde até para ir ao banheiro torna-se difícil e constrangedor. Ela nos fala, também, da diferença que demarca o tratamento do público LGBT numa capital como São Paulo e em Caruaru que é uma cidade do interior onde as pessoas se incomodam até com a presença das travestis da Praça do Rosário, como pode ser evidenciado num episódio ocorrido há dois anos em que uma travesti foi presa no local supracitado por estar com uma roupa curta ferindo os preceitos morais da sociedade caruaruense!13 Será que aqui ela nos fala que a infinidade de possibilidades dos gêneros causa certo impacto nas concepções de gênero construídas pela sociedade? A este respeito Peres (2005, p. 21) nos diz que [...] são os modos de existência que escapam das redes de saber-poder, embaralhando os códigos de inteligibilidades e causam mal-estares insuportáveis para os aficionados em identidades cristalizadas. Liza: Então você está dizendo que ser travesti em Caruaru é ser vítima de dificuldades e desrespeito! Madonna: Com certeza!... Então ser travesti em Caruaru é ser autentica! Eu tenho várias amigas que tentaram ser travesti e desistiram por causa disso! Por causa dos olhares... são as indiretas... ser travesti aliás... ser gay em geral não é motivo de vergonha não! Agora você tem que ter uma coisa... identidade própria acima de tudo e exigir seus direitos e também dar respeito! Existem determinados casos em que é uma vergonha ser travesti... porque elas escandalizam e se vulgarizam!!! Para eu me assumir e virar travesti mesmo... que foi quando eu coloquei silicone... eu só fiz isso quando eu estava com a minha profissão! Eu disse... “a partir de hoje eu posso ser o que eu sou”! Porque você sabe... você já viu em algum lugar um travesti trabalhando no comércio? Nos hospitais? Em qualquer repartição? 13 Disponível em: <http://padom.com.br/policia-prende-travesti-em-caruaru-por-causa-de-roupa-curta/>. Acesso em: 20 de Nov. de 2011. 61 Neste ponto Madonna parece reivindicar o seu direito a ter direitos, para isso é preciso autenticidade, e respeito! As dificuldades em ser travesti em Caruaru parecem muitas e para sustentar este ser travesti é preciso travar uma verdadeira batalha, a ponto de algumas não conseguirem assumir o seu ser-travesti. Tal fato nos remete ao que Peres (2005, p. 56) afirma sobre a indiferença que permeia a nossa cultura: [...] que rouba o direito das pessoas em poderem expressar seus desejos e direitos, tendo muitas vezes que viver de aparências, compondo uma imagem externa visualizada como normal, e um mundo interno de horrores, culpabilizações e sofrimentos. Madonna nos diz ainda que só se assumiu após ter uma profissão. Será que neste ponto ela chama a atenção para o fato do modo de ser travesti estar pautado na profissão? No status profissional? Aqui lembramos de Gonzaguinha que nos fala da importância do trabalho: “Um homem se humilha/ Se castram seu sonho/ Seu sonho é sua vida/ E vida é trabalho.../ E sem o seu trabalho/ O homem não tem honra/ E sem a sua honra/ Se morre, se mata [...]”14 Liza: Não! Madonna: Não existe! Pela escolaridade e também pelo preconceito! Você não vê uma travesti em uma repartição pública! Há quantos e quantos anos não se elege uma travesti vereadora? É um mundo muito resumido onde as pessoas não vêem que nós somos o que somos... mas temos os mesmos direitos que os outros têm! A única coisa que mudamos foi a nossa maneira de se vestir... o nosso ego por fora... mas que interiormente somos o mesmo ser humano e devemos ter os mesmos direitos que todos têm! Eu só sou o que sou porque eu tenho a minha profissão!!! Se fosse para eu viver trabalhando para os outros... eu acho que eu não seria o que eu sou! Liza: Você não seria travesti? Madonna: Não! Até porque você iria ter que penar pelo resto da vida e sofrer preconceitos! Mais uma vez ela nos fala da sua profissão como pilar de sustentação da sua travestilidade. Entretanto, parece que quando Madonna fala de profissão, ela nos faz pensar que, para uma travesti, as profissões tem que ser autônomas, sem que haja dependência por parte delas, uma vez que ela diz: “Se fosse para eu viver trabalhando para os outros... eu acho que eu não seria o que eu sou!”. E mais, a escolha da profissão está perpassada também pelo 14 Disponível em: <http://letras.terra.com.br/gonzaguinha/250255/>. Acesso em: 02 de Nov. de 2011. 62 grau de escolaridade das travestis que infelizmente, às vezes, nem freqüenta a escola como afirma Carvalho (2005, p. 1) ao falar do grau de escolaridade das travestis em Curitiba, lançando mão de dados obtidos através de pesquisa realizada pelo Grupo Esperança15: [...] revela que a grande maioria (83%), é ou foi profissional do sexo. Outras ocupações mencionadas são: cabeleireiras, cozinheira, auxiliar de produção, estudante, recepcionista e maquiadora; destacamos que tais atividades são aquelas atribuídas socialmente às mulheres, historicamente menos valorizadas e remuneradas. Entre as profissões desejadas pelas travestis encontram-se: médica, professora, administradora de empresa, enfermeira, estilista, etc; Apenas (2,13%) gostariam de ser profissional do sexo. Quanto a escolaridade, das 94 sujeitos entrevistadas, apenas 5 contaram ter completado o ensino superior, esse dado mostra que uma parcela muito pequena consegue concluir uma graduação, e que possibilitaria realizar o sonho de ser médica ou enfermeira. Liza: E seria um sofrimento você não se assumir? Madonna: Desde criança eu sempre me identifiquei! Pintava unha... me vestia de mulher... colocava hidratante no corpo! Foi uma coisa que veio desde a infância! Tenho uma amiga que diz assim... você deveria ser quem tu és... sem ser travesti! "NÃO!!! Porque eu decidi assim!!! Quem me aceitar e me quiser me aceite como eu sou!!! Quando eu fui colocar meu silicone... duas clientes se afastaram do meu salão... disseram que seria algo além da expectativa delas!! Eu disse.. isso é um problema de vocês! Vocês têm que ver a questão do meu profissionalismo e não a minha opção sexual! Quando é que eu faltei com respeito a alguma de vocês? Eu exijo meu direito e meu respeito! Madonna repete veementemente “sou o que sou!” e revela a aspereza com que é tratada por algumas pessoas que questionam o seu ser-travesti, estaria aqui expressa a violência velada à qual as travestis em Caruaru enfrentam e a negação da visibilidade do seu modo de ser? O direito que Madonna reivindica é verdadeiro, afinal o que percebemos cotidianamente é o desrespeito ao modo de ser das travestis como foi evidenciado na fala da sua própria cliente: “você deveria ser quem tu és... sem ser travesti!”. O direito exigido por ela é legitimado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.” (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948). Referindo-me, agora à violência, esta parece descortinar-se como fenômeno da “violência social”, que surge como um processo de invisibilização sofrido pelas 15 O Grupo Esperança é uma Organização Não Governamental, fundada em 18 de fevereiro de 1994. cuja missão é trabalhar pela integração na sociedade de pessoas excluídas e em situação de vulnerabilidade social em especial as travestis.Tem atividades voltadas aos direitos humanos, cidadania, assistência e prevenção das DSTs/HIV/Aids. Desenvolve cursos de capacitação profissional na busca de renda alternativa como cursos de corte e costura e artesanato. (GRUPO ESPERANÇA, 2005 apud Carvalho, 2006 p. 7) 63 travestis, se expandindo no ambiente cotidiano sorrateiramente, de forma que muitas vezes nem é considerada como uma ação violenta (SEFFNER, 2004 apud PERES, 2005). Este fenômenno parece ser evidenciado na fala da amiga de Madonna e também na sua relação com as suas clientes. Liza: Aqui em Caruaru você acha que as travestis trabalham mais em quê especificamente? Madonna: Para ser sincera... não só em Caruaru... mas em todo o Brasil... de 100% eu classificaria 80% na vida de prostituição!!! Liza: E por que isso acontece? Madonna: Por falta de oportunidade... e às vezes por comodismo... por ser uma vida fácil!!! E isso acontece não só aqui em Caruaru... mas em todos os lugares! Se você procurar travesti trabalhando... é um número mínimo!! Agora... travesti fazendo prostituição é o que mais tem.!!! E infelizmente as prostitutas quando fazem prostituição... elas são capazes de tudo! Liza: Como assim? Madonna: É um mundo fácil!! Elas roubam... usam drogas... quantas saem do Brasil... outras vão e lá mesmo ficam! Eu tenho duas amigas que não tenho mais notícia delas! Não sabemos se estão vivas ou mortas!! E teve outra que foi agora para São Paulo e voltou no mês de junho! Em três meses ela colocou prótese... botou silicone no peito... voltou "montada!" Então... assim... infelizmente é um mundo muito fácil!... Digo fácil em termo de dinheiro! É um mundo que eu jamais queria para mim!!! Parece que Madonna não considera a prostituição como profissão, salientando apenas suas facilidades. Estaria aqui explicitado o preconceito que Madonna sente com relação a esta atividade? Para Nascimento; Pires; Santos (2009) o ato de prostituir-se é muito antigo e mesmo assim ainda é carregado de estereótipos e preconceitos. Carvalho (2006, p. 1) acrescenta que “o preconceito torna a prostituição uma solução imediata e rápida”, em alguns momentos ela constitui além de um lugar de trabalho, também o local onde as travestis mantêm intensas ou únicas relações sociais, é lá nas esquinas que se apropriam ainda mais do feminino (BENEDETTI, 2005), Sendo assim, o preconceito mostrado por Madonna parece partir de uma construção cultural, onde existe uma determinação dos padrões de normalidade e anormalidade (ANTUNES, 2010). No caso da prostituição, esta ocupa um lugar dicotômico, visto que ao mesmo tempo que é recriminada também é mantida, uma vez que existe uma procura pela profissional do sexo. 64 Liza: Você sempre trabalhou como cabeleireira? Madonna: Antes de ser cabeleireira... eu fui professora! Até então... eu não era travesti! Liza: Você trabalhava com educação infantil? Madonna: Sim! E depois de dois anos... terceira e quarta séries...onde trabalhei pelo Estado! Liza: Por que não continuou? Madonna: Porque quando eu optei por ser travesti eu tive que sair do trabalho!!! Foi quando eu comecei a trabalhar num salão... na profissão de cabeleireira! A partir daí eu comecei já a mudança!! Liza: Mas... quando você era professora... você já se percebia? Madonna: Já! Mas eu não podia ser como eu sou hoje!!! Embora eu sempre gostei de usar bolsas... de pintar a unha... eu sempre fui muito vaidosa!!! Eu me tornei travesti a partir do dia em que eu coloquei meu silicone... com 21 anos!!! Mais uma vez Madonna se reporta à importância da sua profissão em seu processo de mudança, apontando que enquanto era professora não havia possibilidade de ser-travesti, estaria exposta aqui o preconceito e discriminação no contexto escolar? Liza: Para ser travesti é preciso usar silicone? Madonna: Eu considero ser travesti como você ter silicone ou tomar hormônios!!! São os hormônios femininos... que com o passar do tempo... vão tirando os formatos masculinos e vão acrescentando formatos femininos!!! Madonna atribui o ser-travesti ao fato das mudanças corporais possibilitadas pelo implante de silicone e uso de hormônios. Anteriormente ela nos disse que já lançava mão de acessórios femininos e vestia-se de mulher; será que ela quer dizer que o ser-travesti está ligado à concretização do feminino corporalmente? Nessa direção Silva (2007, p.154, aspas do autor) versa que: [...] a veleidade de ver no próprio corpo uma roupa que a natureza quis inadequada para, dependendo de quem emita o discurso, „sua alma‟, sua „cabeça‟, „o jeito que me sinto melhor‟. A singela pergunta „com que roupa?‟ se adensa e se torna dramática, quando traduzida para o seu aprofundamento lógico „com que corpo?‟ [...]. 65 O posicionamento assumido por Madonna frente ao feminilizar-se através do uso de hormônio e silicone, nos remete também ao que Pelúcio (2009) nomeia como “cuidar-se”, este se caracteriza como aproximar-se o máximo possível do corpo de mulher, bem como dos seus comportamentos. Liza: Você toma hormônios? Madonna: Já tomei!... hoje não tomo mais! Eu parei de tomar e coloquei o silicone porque é um processo muito lento! Mas... independente disso... eu sou o que eu sou!!! Se eu nascesse de novo... eu queria vir travesti novamente!!! Até porque o preconceito não só existe em relação aos homossexuais em si... mas o preconceito ele existe em relação a tudo! Preto... branco... novo... velho... gordo... magro... então... o preconceito ele existe em relação a tudo! Como nós estamos em pleno século XXI... as coisas estão mudando... e hoje em dia nós temos direitos que antes nós não tínhamos!!! Então o mundo está se globalizando... as pessoas estão ficando com a mente mais aberta... quem sabe daqui há cinco ou dez anos... porque se formos comparar o hoje com o antigamente... já evoluímos bastante!!! Daqui para frente tudo pode evoluir mais! Madonna estaria sinalizando um possível cenário de mudança em nosso país, no que tange à travestilidade? A este respeito Silva (2007, p. 187) sugere que: O que há de novo é a circulação desse personagens em intensa relação com a sociedade abrangente. O travesti hoje no Brasil tem uma inscrição popular e social como um ator reconhecido e com o qual os circunstantes mantêm relações cotidianas, absorvendo, inclusive, seus valores e linguagem. Isso é novo. Isso reverte o quadro histórico. Social e solar, o travesti continua a falar de nós todos, mas, sobretudo, a falar com todos nós. Concordamos com Silva (2007), sobretudo se tomarmos em consideração a situação das travestis na década de 1970 e 1980, como nos contam algumas travestis que foram entrevistadas pelo Programa Conexão Repórter16, e acrescentamos que apesar das mudanças com relação ao lugar da travesti socialmente, ainda será necessário inúmeras mudanças, sobretudo no que tange às políticas públicas e sociais, a diminuição da violência, o reconhecimento da cidadania e da dignidade para o segmento. Liza: Você acha que tem mais algum sentido em ser travesti em Caruaru? 16 Programa Conexão Repórter exibido no dia 17 de agosto de 2011 na rede de televisiva SBT. 66 Madonna: Aqui não!... viu?!! Aqui os serviços são mínimos! Liza: E violência você acha que existe? Madonna: Demais!!... Demais!!... principalmente em relação a quem faz da sua vida uma prostituição! Porque você está aberta a sair com qualquer pessoa... sem conhecer a índole das pessoas...então tudo pode acontecer! A violência é muito grande! Madonna nos fala da violência proveniente da prostituição, no entanto ela parece não se dar conta que os fatos que narrou anteriormente, como por exemplo, quando foi proibida de ir ao banheiro feminino ou quando a sua cliente diz que ela deveria ser quem ela é, mas sem ser travesti, também são formas de violência. Aqui expressa-se como narra Bourdieu (2001, apud ABRAMOVAY, 2002, p. 16) a violência simbólica que “se realiza sem que seja percebida como violência, inclusive por quem é por ela vitimizada, pois se insere em tramas de relações de poder naturalizadas”. Liza: Tem diferença entre o tratamento da sociedade para com as travestis que trabalham em outras profissões e com aquelas que trabalham especificamente com a prostituição? Madonna: Com certeza!!! É como eu sempre digo... uma coisa que eu demorei a fazer foi meu nome como profissional! Então é uma coisa que eu preso por ele!! Eu tenho minha profissão! Me mantenho! E se for olhar em relação às outras colegas... querendo ou não!... elas estão denegrindo a nossa imagem!!! Porque na verdade ao ver uma travesti... as pessoas já partem para o lado de prostituição... de fazer programa! O povo não vê que independente de ser travesti... você pode ter uma profissão!!! Você não deixa de ser uma profissional!!! Com relação ao tratamento... pelo menos comigo é bem diferente! Eu tenho uma cliente que ela já disse que se pudesse... na casa dela seriam todos travesti! Nesse depoimento de Madonna aparece mais uma vez o seu não reconhecimento da prostituição enquanto profissão, e ainda a generalização que existe da profissão das travestis, como se todas trabalhassem nesse ramo. Será que aqui Madonna tenta estabelecer uma linha de separação entre as travestis que trabalham como profissionais do sexo e as outras que exercem outras profissões? Será que aqui Madonna tenta expor que o ser-travesti, por vezes parece encobrir a humanidade do ser que se travesti, e ainda retirando-lhe as possibilidades de existência fora da prostituição? Liza: Por quê? 67 Madonna: Porque ela disse que o trabalho é outra qualidade! As travestis procuram zelar melhor pelas coisas dela... fazem as coisas com amor... são detalhistas em tudo o que fazem!!! Eu particularmente... não dou meu lugar para ninguém!!! Eu procuro fazer o melhor que eu posso fazer! Gosto de prezar por aquilo que eu faço se é pra fazer... então fazer bem!!! Liza: E em relação à família? Madonna: Surgiu o comentário que eu era homossexual! A minha mãe dizia que preferia ter um filho ladrão do que saber que o filho dela era homossexual!!! Quando contei a ela... disse duas coisas... que eu nunca envergonhasse a família e nunca me vestisse de mulher! Aí eu pensei... "meu Deus!... e agora?!"... se era o que eu mais queria! A gente nunca vira travesti do dia para a noite! Você começa usando coisas femininas... depois você termina se montando por completa! Eu sou de outra cidade e vim morar aqui em Caruaru... foi aqui que eu comecei a fazer aquela mudança!!! A minha família no começo não aceitava e alguns diziam que eu era a vergonha da família!!! E... eu disse sempre o seguinte... eu vou mostrar à minha família que independente de eu ser o que eu sou... eu vou passar por cima de trancos e barrancos! Hoje em dia se você conversar com a minha mãe... ela vai dizer que antes fôssemos os três filhos homossexuais!!! Porque nem todos os meus outros irmãos conquistaram o espaço que eu conquistei!!! Eu sou a única pessoa que se preocupa com ela... que tem cuidado!!! Ela hoje... sempre diz que eu sou o orgulho da família!!! A narrativa de Madonna nos leva a pensar sobre a questão das relações familiares no contexto da travestilidade. Será que ela revela que rejeição e afetividade parecem se misturar na descoberta da travestilidade por parte da família? O documentário Memorial Travestis e Trans de BH mostra algumas travestis que como Madonna aos poucos se revelaram homossexuais e depois travestis. A mãe de Priscila em uma cena diz: “Eu ainda não tive na cabeça que ele agora é a minha Priscila, mas continua sendo o meu Gustavo!” Priscila: “E nem quer tirar, né?”. Nos chama atenção também o fato da mãe de Madonna desejar que ela não envergonhe a família e não se vista de mulher, estaria revelado aqui algumas questões de gênero? É sabido que o lugar ocupado pela mulher na sociedade foi sempre subalterno e inferiorizado, então a travesti traz em si o feminino, logo também é vítima da nossa cultura machista, e uma das formas de tratá-la é chamando de “mulherzinha”, categorizando e também na tentativa de diminuí-la. (MEDRADO et al., 2008). Outro ponto importe que Madonna traz à tona é a descoberta da travestilidade que parece ocorrer como um ritual de passagem, onde ela começa a utilizando “coisas de mulher” e depois se monta por completo, 68 materializando em seu próprio corpo o desejo da feminilidade, este aspecto da travestilidade nos faz lembrar do que diz Pelúcio (2009, p. 227, grifos da autora): Uma interioridade que precisa ser externalizada na materialidade do corpo, compondo uma totalidade, que faz do corpo sexualizado o lucus da produção de uma identidade que, mesmo flúida, se alicerça num sistema simbólico no qual as representações de gênero, sexualidade e corporalidade são categorias estruturantes e mutuamente referentes. Um gênero que pode ser transformado a fim de adequar o desejo – e, assim, a sexualidade – valores morais que fixam papéis e prescrevem comportamentos cabíveis ao feminino. Liza: Tem alguma coisa boa em ser travesti em Caruaru? Madonna: Eu gosto de ser travesti porque... tem homens que quando a gente chega num lugar... se identificam melhor com você! Se for analisar assim... a coisa boa em ser travesti porque... aparentemente você é o que você é... não tem como negar! As pessoas que se envolverem com você... estão se envolvendo sabendo com quem estão se envolvendo! O único problema é quando eles se envolvem com a gente pensando eles que somos mulheres... e depois terminam descobrindo que nós não somos... como já aconteceu várias vezes comigo! Mas a gente quebra esse tabu! (risos!) Liza: E dá a volta por cima! Madonna: Com certeza! Eu mesma... aqui e onde for... eu sou o que eu sou e acabou! Independente se as pessoas gostam ou não! Eu digo... “quem paga minhas contas sou eu!... então pronto!” Eu tenho que ser aquilo que eu gosto!!! Eu gosto de ser travesti!!! Infelizmente o preconceito existe muito em Caruaru e pior é nos interiores menores que Caruaru! Madonna estaria apontando aqui as dificuldades em ser-travesti em Caruaru? Estariam expressas aqui algumas questões de gênero, bem como da construção da cultura machista e patriarcal? Durante muito tempo, e por que não até os dias atuais, os modos de ser feminino e masculino estiveram postos, e o que é ou são “coisas de meninas e de meninos” dados como sendo fixos permanentes; desse modo apontam que as mulheres por sua vez nasceram para cuidar dos filhos e do contexto doméstico, privado, enquanto os homens saíam para trabalhar e cultivar a terra, no domínio público. Sendo assim, “[...] o triunfo do patriarcado não foi nem um acaso, nem o resultado de uma revolução violenta: desde a origem da humanidade, seu privilégio biológico permitiu aos homens se afirmarem como sujeitos soberanos (BEAUVOIR, 1976 apud FÁVERO, 2010 p.50). Dito isso, é possível perceber então que o reforço do patriarcado acontece por meio do machismo que busca veementemente a supremacia do homem em detrimento da mulher. No caso das travestis isso se torna mais 69 grave para a sociedade, pois é como se ela abrisse mão do privilégio de ser homem, para ser mulher. Liza: Ok Madonna, muito obrigada pela entrevista! Você colaborou muito com minha pesquisa! 70 5 COSTURANDO SENTIDOS DE SER-TRAVESTI EM CARUARU-PE Porque há o direito ao grito. Então eu grito. (LISPECTOR, 1977) Durante esse percurso na busca dos sentidos possíveis de ser-travesti em Caruaru-PE me deparei com uma realidade inimaginável vivenciada por essas pessoas, que não apenas respigou em mim, mas deixou-me tatuada por suas histórias e experiências de vida. E agora sem saber o que fazer com todas essas histórias que se revelaram de forma tão intensa, penso que seria o tempo de me distanciar, mas depois retomo e percebo que ao contrário, é impossível um afastamento uma vez que elas já estão comigo e em mim. Estar envolvida com a temática de gênero e das sexualidades foi importante por possibilitar uma maior reflexão acerca do quanto a nossa cultura machista e heteronormativa colabora com a proliferação da discriminação, do preconceito e da violência, e também o quanto muitas vezes estes fatos acontecem de maneira velada a ponto de não nos darmos conta, que também contribuímos para que eles aconteçam. Desse modo ao inclinar-me em direção as travestis em Caruaru pude percebê-las de um outro lugar, ampliando o meu olhar, que por também compor a sociedade, em alguns momentos da minha vida pode ter sido enviesado. Afirmo que no caminho percorrido para a construção desse estudo, pensei por vezes em desistir, no entanto quando me reportava à realidade das travestis em Caruaru, ela me impulsionava a dar continuidade mesmo com dificuldades. Lagrimas e sorrisos de misturaram nos contornos dessa construção, onde me vi mergulhada numa dura realidade, que me fez querer fugir, esconder, desaparecer, mas assim como as travestis se vêem impelidas na realização dos seus desejos, me vejo sendo convocada a retomar o meu objetivo que é compreender os sentidos possíveis de ser travesti em Caruaru, por meio da questão provocadora, quais os sentidos possíveis de ser-travesti em Caruaru-PE? Ao começar esse capítulo utilizei a frase “Porque há o direito ao grito. então eu grito” (LISPECTOR, 1977, p. 33), parece que a travesti em Caruaru lança mão desse direito de gritar muitas vezes, a fim de clamar pelo reconhecimento dos seus direitos mínimos, educação, saúde e dignidade, mas esta voz é constantemente silenciada, de forma velada ou até mesmo brutalmente com torturas e com a morte. Trago então algumas narrativas de Rihanna onde ela relata que foi vítima de violência durante toda a sua vida e que 71 parece continuar sendo, violências estas que são provenientes da sua família, escola, polícia e da sociedade. Em sua narrativa Rihanna afirma: Rihanna: Então foi pela rejeição da minha família que eu fui mudando!!! E terminei sendo uma andrógina... porque hoje eu não sou nem uma travesti... nem tão gay... sou uma coisa que as pessoas ficam na dúvida! Rihanna: [...] É!... não me agrado!... eu fico triste e frustada!!! Não consigo!!! Eu descobri a minha homossexualidade muito cedo e com onze anos de idade a minha mãe me botou para fora de casa!!! Rihanna: Por mais que você seja bonita... termina você sendo motivo de chacota!! Ser uma travesti em Caruaru é isso!!! Nesta narrativa desvela-se o fenômeno da violência advinda da família de Rihanna, o que parece lhe causar grande sofrimento, uma vez que é impossibilitada de ser-travesti, vivendo no entre, no não-lugar. A chacota apontada por ela também configura-se como violência, a saber violência moral que é considerada como a “ação destinada a caluniar, difamar ou injuriar a honra ou a reputação de uma pessoa” (MEDRADO et al, 2008). E nesse contexto trago, também, as narrativas de Lady Gaga. Madonna e Rihanna: Madonna: Então ser travesti em Caruaru é muito difícil porque as pessoas não lhe respeitam... elas olham para você com um olhar assim... como se você fosse um ser muito difícil... um ser estranho... um ser abominável na face da Terra!!! Lady Gaga: O sentido de você ser uma travesti em Caruaru é ser motivo de agressão!! Rihanna: [...] até aqueles que quando estão sozinhos procuram a gente... quando estão com amigos... para dar uma de gostosão tiram piada!!! Quando está sozinho é um amor!!! As sujeitos/narradoras revelam que ser-travesti em Caruaru é enfrentar dificuldades, apontando o desrespeito, a estranheza e agressão com que são tratadas. A sociedade caruaruense parece tentar tamponar a presença não apenas das travestis profissionais do sexo, mas das que ocupam outras profissões como no caso de Madonna que é cabeleireira e também sente-se vítima de preconceitos e estereótipos provenientes da sociedade. Parece que essas situações trazem em seu bojo, algumas questões culturais que são estabelecidas, como a naturalização e a patologização do gênero, ou seja, tudo o que escapa ao modelo heterossexual hegemônico é relegado. Nesse sentido concordamos com o que diz Rios (2009, p. 76): A naturalização da heterossexualidade acaba por distinguir, restringir, excluir ou preferir, com a conseqüente anulação ou lesão, o reconhecimento, o gozo ou o 72 exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais de tantos quantos não se amoldem ao parâmetro heterossexista. Chama-nos a atenção ainda ,quando Rihanna nos fala do comportamento dos seus clientes, que as procuram a noite, no entanto quando estão em outros espaços agem de forma grosseira e preconceituosa, estariam eles tentando adapta-se ao modelo heterossexista? Percebemos então que a cultura heterossexista em Caruaru conduz também a outras práticas sociais de violação de direitos, como a negação do direito à educação consequentemente do trabalho, o que percebemos na fala de Rihanna e Lady Gaga: Lady Gaga: Até porque nas escolas de Caruaru... quando eles sabem que existe um homossexual... ou um traveco eles procuram agredir mais ainda!!! As “travecazinhas” aqui da nossa cidade são muito humilhadas e existe muito bullying contra elas!!! Rihanna: Eu estudei até a quarta série!!! Porque os piores momentos para mim na escola... eram dois!... era quando eu chegava e tinha que cantar o hino antes de entrar... então eu era motivo de brincadeirinha de empurra empura... de imitação... e eu não gostava!!! E o outro era na hora do recreio!... Eu acho que eu corria mais do que todo mundo!!! Os meninos sempre passavam e me davam tapas e chutes... ou então eu estava com a minha merenda e eles metiam o dedo dentro da sopa e perguntavam se estava gostoso!!! Vemos que o bullying aparece na fala de ambas mostrando o quanto a escola colabora com a perpetuação de preconceitos, discriminação e violência em Caruaru, o que parece conduzir as travestis à situação de humilhação e sofrimento. Entre as três travestis entrevistadas, apenas Madonna concluiu o ensino médio, tendo sido professora e depois tornado-se cabeleireira para poder, segundo ela, assumir-se enquanto travesti. Lady Gaga e Rihanna recorreram a prostituição como meio de sobrevivência. Compartilhamos do que nos diz Carvalho (2006, p. 1, aspas da autora) “É no escuro da „noite‟ que maioria dessas batalhadoras, ganha o seu „dia‟, o preconceito torna a prostituição uma solução imediata e rápida”. Percebemos então que o preconceito e a discriminação no contexto escolar restringe os direitos básicos de gays, lésbicas e bissexuais, entretanto as travestis “[...] ao construírem seus corpos, suas maneiras de ser, expressar-se e agir, não podem passar incógnitas. Por isso, não raro, ficam sujeitas às piores formas de desprezo, abuso e violência” (JUNQUEIRA, 2009, p. 33). Diante do exposto e também de outras leituras (BENEDETTI, 2005; PELÚCIO, 2009; PERES, 2005) e considerando o que surgiu nessa pesquisa percebi que grande parte das travestis encontram-se inseridas socialmente de maneira precária e marginal, neste caso na 73 prostituição (MARTINS, 1997). Não pela atividade em si, afinal Rihanna e Lady Gaga afirmam que conseguiram dignidade através da prostituição: Rihanna: [...] eu optei em ir para fora... para Recife... onde me joguei na avenida e comecei a me prostituir e vi que na prostituição eu tinha uma vida digna... dormia na hora que queria... comia o que queria... e comprava a roupa que queria!!! Então você tinha uma VIDA!!! Não aquela vida que as pessoas dizem... „quem está numa esquina é safado!‟ NÃO!!! A gente está na esquina porque precisa!!! Lady Gaga: [...] Não importa o que elas digam!! Mas sim o que eu sou... o que eu faço!!! Eu sou uma pessoa digna!... Eu fui prostituta de avenida... vendi uma coisa que era minha... nunca peguei nada de ninguém... A prostituição torna-se então uma forma de inclusão precária e marginal pela negação da possibilidade de escolha e pelos riscos aos quais estão constantemente submetidas, a saber, violências, IST‟s (Infecções Sexualmente Transmissíveis), uso abusivo de drogas, além da montagem dos seus corpos que precisam estar impecáveis, pois além do desejo da feminilidade existe também o fato de ser o seu instrumento de trabalho. A este respeito Rihanna narra a primeira vez que colocou silicone por imposição da cafetina: Rihanna: Para eu ficar na casa da Marjorie que foi a cafetina que me „bombou‟ uma norma da casa dela foi essa... ter que colocar silicone!!! E como eu sair daqui sem conhecer ninguém só conhecia ela por telefone! Eu não tive outra opção. Neste acaso parece que ser-travesti em Caruaru, está ligado aos modos de construção corporal, afinal Madonna e Rihanna afirmam que os hormônios e o silicone são peças fundamentais para travestilização: Rihanna: [...] então para você ser uma travesti você tem que colocar silicone... então se você não colocar silicone você não é uma travesti!!! Elas tomam hormônio... aplicam silicone!!! Madonna: Eu considero ser travesti como você ter silicone ou tomar hormônios!!! São os hormônios femininos... que com o passar do tempo... vão tirando os formatos masculinos e vão acrescentando formatos femininos!!! Percebemos que tais métodos podem comprometer a saúde das travestis, uma vez que na busca pelo feminilizar-se, recorrem à utilização de hormônio sem orientação médica e aplicação de silicone industrial, que acontece de maneira artesanal pela “bombadeira”, visto que na maioria das vezes não possuem condições financeiras para colocar a prótese numa clínica ou hospital. Chama-nos a atenção o desejo expresso pelas travestis em buscar o 74 feminino, ao ponto destes riscos se tornarem mínimos diante da possibilidade de se travestir, e ter um corpo adequado ao seu modo subjetivo de ser. Quanto ao risco do uso abusivo de drogas, este parece está ligado ao suportar a prostituição, como nos diz Rihanna: Rihanna: [...] Me envolvi com drogas sim... porque quando chegava na rua eu nunca entrava num carro lúcido... NUNCA!!! Porque eu tinha vergonha!... então para me soltar eu bebia e me drogava! Eu gastei muito!!! A prostituição apesar de ser uma antiga atividade, ainda é atravessa por moralismo e preconceitos, nesse sentido o ter vergonha expresso por Rihanna, parece estar ligado a este fato. Na narrativa das sujeitos/narradoras foi desvelado também algumas contradições do gênero das travestis, como podemos perceber no depoimento de Rihanna: Rihanna: [...] Então de dez programas... oito você transa com o cliente fazendo o papel de homem e dois você faz o papel de mulher! Lá fora eu saia com os clientes... fazendo mais o papel de homem do que de mulher!! Rihanna parece explicitar aqui uma divisão entre o que é próprio do papel sexual masculino e feminino. Estariam expressas aqui algumas contradições do gênero das travestis? É importante lembrar que a travesti transita entre feminino e masculino como nos diz Benedetti (2005, p. 131) “Elas demonstram, por meio de suas práticas e dos significados atribuídos ao masculino e ao feminino, as características culturais dos processos de fabricação e construção do gênero dos sujeitos.” Envolvida nesse universo das travestis percebo a infinidade das possibilidades de ser dessas pessoas, sendo assim me deparo novamente com a questão provocadora: quais os sentidos possíveis de ser-travesti em Caruaru-PE? Através do desvelar dos sentidos percebo que o ser-travesti em Caruaru é cerceado por preconceitos, estereótipos, discriminação que direcionam as atitudes violentas contras as mesmas dentro da própria família, na sociedade e na escola e também é perpassado pela busca do corpo feminino e pelas questões de gênero. Todos esses fenômenos provocaram em mim questionamentos mediante a experiência com as travestis em Caruaru-PE, o que é preciso para promover bem-estar e qualidade de vida dessas pessoas, que estão imersas numa situação de constante violação de direitos? Como a escola em parceira com a família, enquanto instituições educativas e de socialização podem contribuir para a formação de estratégias de combate à homolesbotransfobia? 75 Aqui me lembro do Programa Brasil sem Homofobia (BRASIL, 2004) que existe no país desde o ano de 2004, e a partir dele surgiram outras políticas voltadas para a comunidade LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), no entanto chama a atenção na cidade de Caruaru-PE a escassez de dados sobre a efetivação de políticas públicas e sociais para este seguimento da população, lembrando que na cidade existem apenas o COAS (Centro de Orientação e Apoio Sorológico), que trabalha no sentido de prevenir as IST‟s e o Centro de Saúde Amélia Pontes, que atende as pessoas que já possuem as IST‟s, ambos tem a atenção voltada não apenas para o público LGBTT, mas para a comunidade em geral. A cidade conta também com dois grupos de resistência que atualmente tem se articulado melhor e já produz alguma visibilidade da comunidade LGBTT, através da parada gay e este ano promovendo a I Conferência Regional Agreste LGBT. Diante dessa problemática explicitada surge o questionamento: Como os movimentos representativos da comunidade LGBTT, tem trabalhado para que haja de fato a efetivação de políticas públicas para a categoria em Caruaru? 76 REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, M. Violência e Vulnerabilidade. literatura e conceitos e conceitos. In: Juventude, Violência e Vulnerabilidade Social na América Latina: desafios para políticas publicas. Brasília: UNESCO, 2002. p. 17-39. ANTUNES, Pedro Paulo Sammarco. Travestis Envelhessem? Dissertação (Mestrado). Pontífícia Universidade Católica de São Paulo: São Paulo, 2010. APA. American Psychiatry Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 3. Ed. 1980. BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política. 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Tenho conhecimento dos objetivos estritamente acadêmicos do estudo, que, em linhas gerais, é compreender os sentidos possíveis de ser travesti na cidade de Caruaru-PE Fui esclarecido de que os usos das informações por mim oferecidas estão submetidos às normas éticas destinadas à pesquisa envolvendo seres humanos, do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade do Vale do Ipojuca. Fui informado ainda que a pesquisa não envolve riscos à minha integridade física ou mental, nem constrangimentos de qualquer ordem, e de que posso me retirar desse estudo a qualquer momento, sem prejuízos ou sanções. Sei que tenho o direito de determinar que sejam excluídas do material da pesquisa informações que já tenham sido dadas. Minha colaboração se fará de forma anônima, por meio de entrevista aberta, a ser áudio-gravado a partir da assinatura desta autorização. O acesso e a análise dos dados coletados se farão apenas pelos (as) alunos(as) e professoras vinculados (as) ao presente estudo. Estou ciente ainda de que, caso eu tenha dúvida ou me sinta prejudicado, poderei contatar as pesquisadoras responsáveis a qualquer momento que julgar necessário, ou ainda o Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade do Vale do Ipojuca. Sei que posso encontrá-los(as) no seguinte endereço Av. Adjair da Silva Casé, 800 Indianópolis CEP:55024-901 Caruaru/PE e que o telefone é: (81) 37238080. O(a) pesquisador(a) me ofertou uma cópia assinada deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme recomendações do Comitê de Ética em Pesquisa. Caruaru, ____ de _________________ de _____ Assinatura do participante:_________________________________________________ Assinatura do(a) responsável: ______________________________________________ Assinatura do(a) pesquisador(a):____________________________________________ Assinatura da testemunha: _________________________________________________ Assinatura da testemunha: _________________________________________________