Pimenta. Eis o que estava por trás do ciclo das grandes descobertas portuguesas: uma irrefreável busca por
pimenta. Certo, os livros de História já nos contaram isso. Mas o que eles eventualmente se esquecem de dizer
é por que, afinal, os europeus tanto desejavam a pimenta — e, em uma escala um pouco menor, outras especiarias, como cravo, gengibre, canela e noz-moscada.
A resposta não chega a constituir um mistério: quando o inverno se aproximava, os camponeses da Europa se
viam na contingência de abater a maior parte de seus rebanhos, já que as geadas e as primeiras nevascas logo
acabariam com o pasto e os animais não teriam alimento. A carne, então, precisava ser conservada. O sal era
um dos principais produtos usados para isso. O outro era a pimenta.
Mas os métodos de preservação eram tão ineficientes que, invariavelmente, a carne chegava às mesas deteriorada. Para digeri-las, além de uma boa dose de coragem, era preciso afogá-la em molhos penetrantes... feitos
à base de pimenta. Mesmo os gourmets que tentaram fazer da necessidade uma virtude e se dispuseram a
exaltar a qualidade da carne pútrida, não foram capazes de dispensar a pimenta.
Nativa da Índia, a pimenta era conhecida na Europa desde antes da época das Cruzadas, quando seu comércio
foi incrementado. Calicute, na Índia, era o principal centro produtor. Dali, a pimenta saía em navios para Meca,
depois era levada, através do Mar Ruivo (Mar Vermelho), para Ormuz, seguindo para a Judéia, sendo daí
transportada em camelos para o Cairo, chegando até Roseta, e dali ia para Alexandria. Por onde passava, a
pimenta era tributada. Em Alexandria, a pimenta era recolhida pelas galés vindas de Veneza e Gênova e, então, distribuída para o resto da Europa — a peso de ouro.
Em maio de 1453, os turcos otomanos tomaram Constantinopla e bloquearam aquela milenar rota de comércio. Os venezianos fizeram um acordo com eles e obtiveram o monopólio da distribuição da pimenta. Os g enoveses se injuriaram e passaram a financiar as expedições que zarpavam de Portugal, com o objetivo de contornar a África, chegar à Índia e comprar pimenta por um preço cinco vezes inferior. Iniciou-se assim a primeira aventura globalizante da humanidade — a expansão marítima e comercial do século XV. Vasco da Gama e
seus canhões chegam a Calicute, no dia 22 de maio de 1498.
Vasco da Gama retorna a Portugal carregado de pimenta, cravo, canela, noz-moscada, pérolas, rubis, almíscar,
perfumes raros, musselinas, sedas, porcelanas, e esmeraldas.
Preço salgado
Asiáticos, árabes e europeus comercializavam a pimenta em quintais. Cada quintal equivalia a 60 quilos. Os
venezianos vendiam a pimenta por 60 ducados o quintal. Como cada ducado tinha 3,5 gramas de ouro, 1 quilo
de pimenta valia 3,5 gramas de ouro. Quando Vasco da Gama chegou a Calicute, pôde comprar pimenta por 12
ducados o quintal. Ao retornar para Lisboa, o rei Dom Manuel decidiu vender o produto por 30 ducados, dando início à destruição do comércio controlado pelos turcos, egípcios e venezianos. Em pouco tempo, os portugueses estavam trazendo cerca de 30 mil quintais, quase 2 mil toneladas de pimenta por ano, afogando a
Europa em especiarias.
A expedição de Cabral à Índia
Em março de 1500, Pedro Álvares Cabral seguiu a rota de Vasco da Gama para a Índia e, no meio do caminho,
descobriu o Brasil. Ficou apenas 10 dias em Vera Cruz antes de zarpar rumo às especiarias. Cabral era casado
com Dona Isabel de Castro, uma das mulheres mais ricas de Portugal. Para comandar a frota até a Índia, ele
recebera 10 mil cruzados (1 cruzado era igual a 1 ducado — 3,5 gramas de ouro). Assim, embolsou 35 quilos de
ouro. E o rei Dom Manuel o autorizou a comprar 500 quintais (30 toneladas) de pimenta na Índia, transportála no navio e revendê-la, livre de impostos, em Lisboa. Cabral lucrou outros 10 mil ducados graças ao livre comércio. O negócio lhe permitiu viver tranqüilo pelo resto da vida, mesmo tendo rompido com o rei.
Revista "ÉPOCA" História mal contada, mas bem temperada (07 de junho de 1999).
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