4 | REPORTAGEM ESPECIAL PORTO ALEGRE, QUINTA-FEIRA, 10/04/2003 ZERO HORA GUERRA NO IRAQUE – DIA 22 O dia em que Saddam FOTOS JEROME DELAY, AP/ZH caiu ▲ A DERRUBADA da estátua do presidente iraquiano, Saddam Hussein, na Praça Fardus, atraiu centenas de moradores, que aplaudiram e até beijaram (detalhe) os americanos U ma cabeça de ferro com o rosto de Saddam Hussein era chutada por iraquianos na Praça Fardus, no centro de Bagdá, ontem à tarde. A operação de decapitação do regime – assim definida pelos americanos – estava concreta e simbolicamente encerrada, no 21º dia da guerra. O fim do governo foi declarado com a queda de uma estátua do ditador. Pelo menos 300 iraquianos assistiram à derrubada do monumento, no coração de Bagdá. A capital estava sob controle dos americanos, com focos localizados de resistência de franco-atiradores. Os 24 anos da era Saddam ruíram com imagens transmitidas ao vivo pelas TVs. O monumento ao ditador tombou às 18h50min (11h50min em Brasília), arrastado por um blindado. No chão, a estátua de seis metros de altura, que estava desde 1979 sobre um pedestal de cerca de sete metros, passou a ser martelada e chutada e a levar chineladas dos iraquianos. A cabeça foi separada do corpo e rolada pelas ruas. Soldados recebiam abraços de populares e eram beijados no rosto. O povo cuspia em cartazes do ditador e gritava: – Morte a Saddam. De Nova York, o embaixador do Iraque na Organização das Nações Unidas (ONU), Mohammed Aldouri, desfazia as dúvidas de quem ainda suspeitasse do que estava vendo: – O jogo acabou – disse Aldouri. A tomada do centro de Bagdá exigiu apenas 20 tanques Abrams. Os blindados desfilaram até a praça, passando pelas ruas sem enfrentar reações. Estacionaram ao redor do local onde estava a estátua, e os soldados se espalharam pela área. Bagdalis começaram a se aglomerar em torno do monumento, e um iraquiano colocou uma corda no pescoço de Saddam. A destruição ficou a cargo de um dos tanques. A multidão aplaudia, enquanto mães e filhos passeavam e adolescentes pedalavam bicicletas. Bagdá caiu como poucos esperavam. A cidade ouve agora apenas tiros esparsos de armas leves no Centro e no Norte. A Guarda Republicana desapareceu. O ministro da Informação, Mohammed Saeed al-Sahaf, que todos os dias conversava com os jornalistas para dizer que a situação estava sob controle, também sumiu. E ninguém sabe onde Saddam Hussein, a família e seus comandantes se meteram. – Controlamos a maior parte da cidade, mas ainda há combates – admitiu o general Buford Blount, comandante da 3ª Divisão de Infantaria. Estados Unidos e Grã-Bretanha só não dão a guerra por encerrada porque Bagdá ainda pode surpreender com ataques de guerrilha. Até ontem, 7 mil iraquianos eram dados como prisioneiros. Os aliados se preocupam agora com o que pode acontecer em Tikrit, cidade natal de Saddam, para onde boa parte do comando e soldados da guarda teriam fugido. Outro desafio é gerenciar uma cidade sem comando e sem polícia, tumultuada pela ação de saqueadores. Ontem, os americanos esvaziaram muitas cadeias da cidade, libertando prisioneiros. Não há governo no Iraque e não sobrou nada da estrutura administrativa do país. É uma vitória, mas também é, a partir de agora, um novo problema. Por que a estátua levou chineladas TARIQ SALEH ◆ Especial/ZH A cena parecia familiar: a gigantesca estátua de Saddam Hussein sendo derrubada pelo guindaste dos soldados dos EUA lembrava a derrubada da estátua de Lenin quando do colapso da União Soviética. O que difere os dois episódios é que a figura caída do líder russo não levou chineladas dos cidadãos. Ontem, quando os fuzileiros americanos conseguiram levar ao chão a imponente estátua de Saddam Hussein, no centro de Bagdá, as imagens de TV do mundo todo também mostraram uma multidão festiva dando chineladas no monumento como se fosse uma punição pelo péssimo comportamento do ditador nesses 24 anos de governo. ▲ Iraquianos batem na cabeça do MONUMENTO de Saddam com seus calçados O que parece uma brincadeira, na verdade é uma demonstração de falta de consideração no Oriente Médio. Mostrar a sola dos pés – ou atirar um sapato em uma pessoa – é considerada uma atitude desrespeitosa pelos povos árabes. Nos costumes da região, as pessoas não deixam sequer os calçados virados com a sola para cima. Isso é sinal de ofensa a Alá (Deus em árabe). As crianças são ensinadas desde pequenas sobre esse costume, que acaba virando uma mania mesmo para os menos religiosos. Quando os iraquianos batiam com seus chinelos na estátua de Saddam estavam mostrando que não o respeitavam mais. Se você for um turista no mundo árabe, portanto, não esqueça: ao sentar e cruzar as pernas, certifique-se de não mostrar a sola de seus sapatos aos anfitriões. Observação CDI : A cobertura do Conflito no Golfo Pérsico ocupa as páginas 04 a 18.