RENATA APARECIDA TOLEDO ESTUDO DOS ESTEREÓTIPOS EM PUBLICIDADES IMPRESSAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS: TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA MESTRADO EM LETRAS Outubro de 2006 RENATA APARECIDA TOLEDO ESTUDO DOS ESTEREÓTIPOS EM PUBLICIDADES IMPRESSAS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de São João del-Rei, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras. Área de Concentração: Teoria Literária e Crítica da Cultura Linha de Pesquisa: Discurso e Representação Social Orientadora: Profª Drª Dylia Lysardo-Dias PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS: TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA MESTRADO EM LETRAS Outubro de 2006 2 RENATA APARECIDA TOLEDO ESTUDO DOS ESTEREÓTIPOS EM PUBLICIDADES IMPRESSAS Banca Examinadora ______________________________ Prof ª Drª Dylia Lysardo-Dias – Orientadora Universidade Federal de São João del-Rei ___________________________________ Profª Drª Emília Mendes Lopes Universidade Federal de Minas Gerais – Pró-Doc/CAPES ___________________________________ Prof° Drº Guilherme Jorge de Rezende Universidade Federal de São João del-Rei Dedico este trabalho aos meus pais Mauro e Fátima. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus pela força constante À FAPEMIG pelo apoio financeiro À orientadora Drª Dylia Lysardo-Dias pela disponibilidade, atenção e experiência com que orientou este trabalho À professora Magda Velloso pelo abstract Aos demais professores do Programa de Pós-Graduação em Letras: Teoria Literária e Crítica da Cultura por compartilharem seus conhecimentos Aos colegas pelas valiosas discussões Aos meus pais Mauro e Fátima pelo incentivo Ao meu irmão Thiago pela torcida Ao Mauro pelo amor e compreensão nos momentos de ausência Aos avós Maria, Joaquim e Bernardino pelo carinho À secretária que se fez amiga: Filó A Adriana Teixeira por compartilhar comigo as alegrias e dificuldades desta pesquisa. 5 RESUMO Nesse trabalho, procedemos a uma reflexão acerca dos estereótipos que podem ser revelados através da análise de publicidades impressas veiculadas na revista feminina UMA durante o mês de agosto de 2005. Ao definirmos o estereótipo como uma representação social cristalizada fundada em crenças que são próprias a um grupo social, acreditamos que o seu estudo possa “revelar” os valores reinscritos no discurso publicitário quando este é destinado ao público feminino, mais especificamente, o público leitor da revista UMA. Concebendo a publicidade como produto resultante da articulação entre elementos icônicos e verbais, descrevemos as publicidades do corpus seguindo a proposta de Joly (1996) para o nível icônico e a proposta de Charaudeau (1992) para o nível verbal. A partir de um levantamento quantitativo que visou identificar através de grades descritivas as ocorrências e verificar aquelas que são mais significativas, procedemos a uma análise qualitativa dos elementos mais freqüentes. Ao lado do estereótipo de que “mulher tem que ser bonita”, nossos dados evidenciam o surgimento de um “novo” modelo, que é o da mulher independente, desvinculada de um grupo social, como a família, por exemplo. Contudo, o surgimento deste “novo” modelo constitui uma pseudo-independência, já que ele camufla a relativa dependência feminina dos cuidados com a beleza. Palavras chave: estereótipo – discurso publicitário – representação social 6 ABSTRACT In this work we reflect on the stereotypes which can be revealed through an analysis of advertisements published in the women’s periodical UMA in the month of August 2005. When we define stereotype as a crystallised social representation founded on beliefs belonging to a social group, we take as a starting point that by studying it we may unveil the values underlining the discourse of publicity, when destined to a feminine audience or, more specifically, the reading public of this specific periodical. Seeing publicity as a product of the articulation of iconic and verbal elements, the advertisements chosen as the corpus of this work are described according to Joly’s (1996) proposition as regards the iconic level and Charaudeau’s (1992) proposition as to the verbal level. Starting with a quantitative data which aimed at identifying occurrences through descriptive charts, verifying which are more meaningful, we proceed to a qualitative analysis of the most frequent elements. Alongside the stereotype which affirms that “a woman has to be pretty”, the data shows the appearance of a “new” model, that of the independent woman, detached from a specific social group such as family. Whoever, the appearing of this “new” model constitutes a pseudo-independence, since it disguises the relative feminine dependence as regards her care with her appearance. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................09 CAPÍTULO 1– CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA.......................................14 1.1 A mídia feminina...............................................................................................14 1.2 Análise da capa da revista UMA......................................................................22 1.3 A publicidade impressa: algumas considerações.............................................27 CAPÍTULO 2 – ESTEREÓTIPO.............................................................................37 2.1 A noção de estereótipo....................................................................................37 2.2 O estereótipo como elemento argumentativo..................................................43 2.3 Das relações entre publicidade e estereótipo...................................................50 CAPÍTULO 3 – QUADRO TEÓRICO PARA A ANÁLISE DAS PUBLICIDADES.53 3.1 Análise do visual...............................................................................................53 3.1.1 Os elementos icônicos ou figurativos............................................................56 3.1.2 Os elementos plásticos ou não-figurativos....................................................57 3. 2 Análise do verbal............................................................................................63 3.2.1 Domínios de avaliação..................................................................................64 3.2.2 Os valores......................................................................................................65 CAPÍTULO 4 – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS......................................69 4.1 Descrição..........................................................................................................69 4. 1.1 Descrição do estrato visual...........................................................................69 4.1.2 Descrição do estrato verbal...........................................................................75 4.2 Interpretação.....................................................................................................80 4.2.1 A valorização da aparência feminina.............................................................80 4.2.2 A questão da juventude.................................................................................90 4.2.3 A questão da esbeltez...................................................................................94 4.2.4 O caso Dove..................................................................................................98 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................103 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................110 ANEXO 1: CORPUS............................................................................................115 ANEXO 2: GRADES DESCRITIVAS...................................................................127 8 INTRODUÇÃO A publicidade é uma das múltiplas mensagens produzidas pela indústria cultural e oferece pelo menos três possibilidades de estudo: a primeira visa ao aspecto mercantil, incluindo estratégias de preços, repasse de produtos, concorrência; a segunda diz respeito à recepção da mensagem publicitária junto ao público alvo e a terceira abrange o aspecto discursivo, que busca mostrar como a publicidade expõe símbolos e valores compartilhados socialmente sob o seu aparato retórico. Desta forma, a publicidade é, nos termos de Landowski (1992), um discurso social capaz de definir a representação que os indivíduos dão ao mundo. Por estarmos inseridos num programa de mestrado cuja área de concentração é Teoria Literária e Crítica da Cultura e numa linha de pesquisa intitulada Discurso e Representação Social, estudaremos a publicidade no que tange ao aspecto discursivo. Portanto, consideramos que o nosso trabalho, através do estudo de um bem cultural, possa evidenciar modelos socioculturais cristalizados utilizados pela publicidade e que permitem remeter a um conhecimento próprio da nossa sociedade. A configuração publicitária conjuga texto e imagem a fim de conquistar o consumidor no sentido de adotar uma mudança de atitude por influência da mensagem publicitária. “Mudar de atitude”, neste sentido, envolve a compreensão do conteúdo da mensagem e a aceitação das proposições nela apresentadas explícita ou implicitamente através do consumo efetivo do que está sendo anunciado. Neste caso, revela-se o papel pragmático da publicidade, que é promover a compra. A publicidade quer transformar o consumidor de suas mensagens em consumidor efetivo de seus produtos. Porém, mais do que o valor de uso, o produto anunciado pela publicidade contemporânea recobre-se de valores partilhados no âmbito social. Em função disso, a mensagem publicitária torna-se um produto cultural e veículo de 9 representações previamente conhecidas. Tais representações podem ser definidas em termos de estereótipos. Nossa investigação parte, portanto, da hipótese de que ao utilizar o texto associado à imagem, a publicidade atua tanto consolidando quanto instaurando idéias, valores e crenças. Em função disso, pretendemos fazer uma reflexão acerca dos estereótipos mobilizados por publicidades impressas. Propomo-nos a analisar como o social encontra-se discursivamente organizado e como essa organização se funda em “modelos” culturalmente partilhados no intuito de identificar os modos de funcionamento dos estereótipos no discurso publicitário. Nossa proposta de trabalho se define, basicamente, a partir do objetivo de identificar os estereótipos que figuram nas publicidades impressas veiculadas na revista feminina UMA. A partir desse, outros objetivos mais específicos podem ser definidos: mapear o conceito de estereótipo, identificar e analisar como os estereótipos remetem a “mensagens simbólicas” ligadas ao plano cultural. Duas questões às quais tentaremos responder: quais são os estereótipos que figuram no discurso publicitário quando este é destinado ao público feminino? Até que ponto o discurso publicitário dirigido às mulheres constrói (no discurso que pretende atingi-las) uma representação cristalizada acerca da realidade sociocultural brasileira ? Esperamos, com a análise dos dados, responder esses questionamentos seguindo a orientação de Soulages (1996), que distingue dois tipos predominantes de análise das mensagens publicitárias na literatura a elas pertinente: “a análise imanente do texto”, cujo objetivo é a análise formal do texto publicitário e “a análise feita pelos profissionais da profissão”, os publicitários, com o objetivo de estabelecer o perfil do sujeito psicossocial através de entrevistas e questionários. A estas duas, Soulages (op. cit) acrescenta uma terceira, já que considera as duas primeiras como “riscos potenciais de derivas subjetivas ou mecanicistas”: a proposta de análise desenvolvida pela Análise do Discurso. Os resultados obtidos através dos estudos desta última perspectiva permitem, segundo o autor, evidenciar a consolidação de um certo número de imaginários sociodiscursivos. 10 Nosso trabalho procura seguir essa terceira orientação, já que ao pretendermos analisar a linguagem em ação, através do estudo de um corpus, tentaremos mostrar como se estrutura discursivamente o social. Neste sentido, a linguagem é concebida como um processo dinâmico que envolve as condições de produção e recepção através do levantamento dos efeitos visados. O corpus constitui-se de todas as publicidades impressas veiculadas na revista UMA durante o mês de agosto de 2005 e contabiliza um total de 20 (vinte) publicidades organizadas da seguinte forma por ordem de aparição: Pub1: Linha Ciclos d’Racco com DMAE Pub2: Empresa de cosméticos Mary Kay Pub3: Sistema firmador corporal Dove Pub4: Volkswagen Pub5: Produto alimentício Ferla Pub6: Alongamento capilar Great Lengths Pub7: Linha antitempo Vita Derm Pub8: Tracta gel creme contorno para os olhos Pub9: Academia Curves Pub10: Perfume L’acqua di Fiori Pub11: Tracta coleção outono/inverno 2005 Pub12: Torradas Bauduco Pub 13: Livraria Siciliano Pub 14: Roupas para adolescentes Pub 15: Roupas infanto-juvenil Pub 16: Roupas infantis Pub 17: Produtos para bebê Pub 18: Aparelhos de ginástica Athletic Pub 19: Dove Essential Care Pub 20: Cebion Acreditamos que o estudo deste corpus nos permitirá evidenciar o(s) estereótipo(s) presentes nas publicidades, independentemente, dos produtos e serviços anunciados. A escolha da revista UMA justifica-se pelo fato de ser uma publicação novata1 no mercado editorial brasileiro se comparada com publicações femininas mais antigas como Claudia, Marie Claire e Nova, por exemplo. 1 Uma faz parte do grupo editorial Símbolo e é uma revista de lançamento recente no mercado (desde setembro de 2000). 11 Para a descrição do corpus, utilizaremos grades descritivas, que permitem verificar, mediante uma avaliação quantitativa, quais são as regularidades significativas. O uso desse procedimento é imprescindível para, numa etapa posterior, contrastarmos e interpretarmos os elementos mais recorrentes nas publicidades veiculadas na revista e, finalmente, analisarmos como as regularidades evidenciam estereótipos que, por sua vez, remetem a representações acerca de aspectos da realidade sociocultural contemporânea brasileira. Na primeira parte do trabalho, contextualizaremos a pesquisa. Recorreremos aos trabalhos de Buitoni (1990) para apresentarmos a trajetória histórica do surgimento da mídia feminina. Em seguida, faremos um estudo da capa da revista UMA a fim de identificarmos as condições de produção que envolvem o nosso corpus, para melhor analisá-lo. Os estudos de Abreu (2005) nos auxiliarão a traçar um percurso histórico da publicidade no Brasil, bem como as suas características iniciais para, a partir daí, tecermos algumas considerações sobre a publicidade na atualidade. Na segunda parte, apresentaremos os fundamentos teóricos para o estudo do conceito de estereótipo, a saber, os trabalhos de Lippmann (1972), Stangor e Schaller (1996), Maisonneuve (1977) e Jodelet (2001). Os trabalhos de Amossy (1991), (1994), (1997) e (2000) nos fornecerão a caução necessária para tomarmos a noção de estereótipo enquanto elemento argumentativo. Na terceira parte, exporemos a fundamentação teórica a partir da qual descreveremos os estratos visual e lingüístico das publicidades que compõem o nosso corpus. Nela discutimos aspectos da teoria de Joly (1996) na seção destinada à análise do visual, introduzindo, simultaneamente, as categorias que serão consideradas na descrição e análise dos nossos dados. Para a análise do lingüístico, recorreremos ao estudo dos procedimentos semânticos de acordo com os trabalhos de Charaudeau (1992). Tendo evidenciado as categorias de análise, nos dedicaremos, na quarta parte, à descrição e análise dos dados. Nossa análise parte do pressuposto de que a publicidade é um produto resultante da articulação entre as partes visual e 12 lingüística e que a sua significação depende da relação destes dois planos. Acreditamos que a articulação desses dois níveis permitirá identificar e analisar, independentemente do produto ou serviço anunciado, as regularidades significativas, além de verificar como os estereótipos remetem a representações acerca da realidade sociocultural brasileira. Nas considerações finais, apresentaremos os resultados da nossa análise e algumas reflexões sobre a pesquisa. 13 CAPÍTULO 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA Apresentaremos, nas seções seguintes, um panorama histórico acerca do surgimento da mídia feminina. Consideramos importante este procedimento para melhor compreendermos a sua constituição atual, mais especificamente, a constituição da revista feminina nosso objeto de estudo. Em seguida, faremos um estudo da capa da revista UMA na sua edição de agosto de 2005, já que a capa, através das chamadas e da imagem da mulher esteticamente bem produzida constitui a materialização das condições de produção que circundam o nosso corpus. Retomaremos, também, a origem da publicidade no Brasil: veremos que ela primava por um caráter predominantemente informativo na sua configuração primeira. Ela destinava-se a oferecer ao consumidor a apresentação/descrição acerca das características dos bens e serviços anunciados, mas a crescente concorrência e a maior capacidade econômica reconfiguraram a função da publicidade no sentido de torná-la mais simbólica que utilitária. 1.1 A mídia feminina A mídia feminina é, a priori, dirigida às mulheres. Ela engloba tanto programa televisivo e radiofônico quanto revista impressa. Esta é considerada veículo por excelência da mídia feminina, já que seu surgimento é anterior ao da imagem em movimento ou das ondas de rádio. A revista feminina serve, inclusive, de parâmetro para a elaboração de outros meios de comunicação não impressos. Se pensarmos num programa televisivo como “Mais você”, por exemplo, apresentado por Ana Maria Braga e transmitido diariamente durante as manhãs pela Rede Globo, poderemos verificar que ele segue “os moldes” de uma revista impressa no que tange às seções de moda, culinária, beleza e lazer, por exemplo. Este é o universo tido como “feminino”. 14 Segundo Buitoni (1990), o mais antigo título de periódico feminino de que se tem notícia é o Lady’s Mercury , surgido na Inglaterra, em 1693, seguido pelo Ladies’ Diary, que vigorou por mais de um século (1704 – 1840). Destacam-se, ainda, o Akademie der Grazien e Journal fur Deutsche Frauen, na Alemanha; Die Elegante, em Viena; Biblioteca Galante (1775), Giornale delle Donne (1781), revistas católicas como La Donna e La Famiglia Cattolica (século XIX), na Itália, que enfatizava, segundo a tradição italiana, a mãe como base familiar. Durante a revolução francesa, periódicos como Les Annales de l’Education du Sexe (1790), Les Evénements du Jour (1791) e La Feuille du Soir apresentavam engajamento político ao defenderem alguns direitos femininos. Contudo, estes periódicos não podem ser caracterizados como feministas porque o foco principal não era político. Segundo Buitoni (op. cit), o primeiro periódico feminista é o L’Athénée des Dames, surgido na França, mas fechado por ordem do imperador. Enquanto a mídia feminina crescia e assumia um importante papel na Europa durante o século XVIII, no Brasil ela só começou a funcionar no início do século XIX. Para Buitoni (op. cit.), o primeiro periódico feminino brasileiro foi o carioca O Espelho Diamantino (1827). Depois vieram O Espelho das Brazileiras (1831), Jornal de Variedades (1835), Relator de Novellas (1838), Espelho das Bellas (1841), Correio das Modas (1839 –1841) e A Marmota (1849 – 1864). Quanto ao conteúdo, este encontrava na moda e na literatura os temas mais recorrentes: Moda e literatura se uniam para criar uma espécie de necessidade temporal, uma de acompanhamento da narrativa, outra de ‘atualização’ com o que se usava na Europa (BUITONI, 1990:41). Havia, ainda, assuntos que diziam respeito ao “coração”, como conselho sentimental, sexo, romance e melodrama. Isso porque a origem da mídia feminina estava atrelada à literatura de folhetim2. Os folhetins traziam seqüências narrativas 2 Originalmente, o termo folhetim designava uma espécie de rodapé dos jornais no qual havia uma variedade de assuntos como resenhas literárias , crônicas com temas do dia-a-dia, notas sobre teatro, notícias dos acontecimentos da época, moda e outros. Aos poucos, o romance seriado foi ganhando este espaço e o folhetim deixou, então, de ser destinado a generalidades para se transformar no que ficou conhecido como um tipo de ficção (BUITONI, 1990). 15 de romances de autores, como José de Alencar e Machado de Assis. Nesta época, jornal e revista eram parecidos graficamente. Foi a partir do desenvolvimento das técnicas gráficas, bem como o desenvolvimento da fotografia, que a revista passou a ter um caráter mais visual e a mídia feminina a elegeu como o seu veículo por excelência. Quanto ao conteúdo, por volta de 1940, consolidavam-se os quatro editoriais: moda, beleza, casa e culinária. A revista feminina é hoje um veículo midiático que, se comparado a outros espaços, como programas radiofônicos, outdoor, mensagem da televisão, possui uma característica bastante própria: vida útil mais prolongada, podendo ser lida/vista durante meses e até anos em locais os mais diferentes. A leitora3 da revista feminina nem sempre está à procura de informação e a revista pode se apresentar como uma forma prazerosa de passatempo, já que, na maioria das vezes, apresenta uma impressão sofisticada e diagramação bonita com uma variedade de cores. É neste sentido que podemos interpretar as palavras de Buitoni (1990) quando afirma que não se lêem revistas somente pela informação; muitas vezes, o ato de folheá-las já é um prazer (p.18). O fato mesmo de se ver uma revista pode ser até mais significativo do que aquilo que se lê nela, ou seja, o seu conteúdo. Por não se comprometer, muitas vezes, com questões políticas, a revista feminina sofre algumas condenações como aquelas apontadas por Buitoni (op. cit.) que caracteriza os veículos femininos como “alienantes”, já que se dirigem a um público interessado nas rugas do rosto em detrimento das injustiças sociais. Para a autora: A imprensa feminina não mostra a negra, a índia, a japonesa; não mostra a pobre nem a velha – apresenta como ideal a mulher branca, classe média para cima e jovem. A juventude é outro dos mitos modernos que foi totalmente adotado pelos veículos femininos, servindo para estimular o mercado ao exigir eterna renovação (BUITONI, 1990: 78). 3 Apesar da possível objeção que possa existir acerca do público alvo da mídia feminina, trabalhamos com a hipótese de que este é, a priori, um público formado por mulheres apenas. 16 A editora Símbolo, responsável pela publicação da revista UMA, parece estar a par destas condenações e por isso se “defende” caracterizando-se como uma editora marcada pela ousadia e pela criatividade na descoberta de novos nichos de mercado, pela conquista de espaço e quebra de paradigmas. Como veremos mais adiante, a revista UMA se propõe, segundo a sua linha editorial, a quebrar os paradigmas das revistas femininas, buscando retratar a independência da mulher das atividades que dizem respeito aos cuidados domésticos. Hoje, a revista feminina adquiriu um porte empresarial, com altos investimentos financeiros em papel, diagramação, impressão, fotografia, que dão a ela um aspecto bonito e agradável. Se pensarmos em alguns títulos mais novos no mercado editorial como TPM (Trip para mulher), Estilo, Ana Maria, UMA, Ouse ao lado dos já conhecidos Claudia, Marie Claire, Nova e Elle, por exemplo, podemos dizer que a revista feminina constitui um mercado em constante expansão. O aperfeiçoamento das técnicas de impressão tornaram a mídia feminina cada vez mais visual, explorando inclusive a espetacularização4 da beleza feminina através de fotografias. Estas trazem rostos, corpos perfeitos e novidades no campo da moda para serem admirados e imitados e despertam na mulherleitora o desejo de manter-se esbelta, jovem e embelezar-se. Para Lipovetsky (2000), o universo da moda, da fotografia e da publicidade propiciou o surgimento da manequim, que o autor define como sendo um arquétipo de beleza feminina, sempre representada de maneira elegante e maquiada, exibindo um ar indiferente, um olhar frio e inexpressivo: Encarnando uma beleza para-a-moda e não uma beleza para-o-desejo masculino, a manequim com sua linha ‘cabide’ é um espetáculo destinado a seduzir prioritariamente as mulheres como consumidoras e leitoras de revistas (LIPOVETSKY, 2000: 178). A capa destas revistas confirma tal tendência trazendo, na maioria das vezes, uma personalidade feminina, bem vestida e bem maquiada, ou seja, esteticamente bem 4 Inspirados em Debord (1997), entendemos espetáculo como “manifestação da ilusão efetivamente real”. Portanto, para captar a atenção do público-alvo, a mídia comete exageros, chega a excessos, transformando em extraordinário o que é simplesmente ordinário, promovendo a espetacularização dos fatos através da gestão das emoções e da exploração da fantasia. Para tal, um conjunto de dispositivos plástico-estéticos é acionado. 17 tratada. Segundo Buitoni (1990), Marie-Claire, publicação de origem francesa, foi a primeira revista a inovar, estampando na capa o rosto de uma mulher bonita, jovem, alegre, em close-up. A partir da década de 50, tornou-se comum esse procedimento, que contava com uma diagramação visual moderna em função das tecnologias que iam surgindo na área. Muito mais do que uma nova técnica de diagramação, a predominância do rosto da mulher em close-up, em detrimento do rosto do homem, nas capas das revistas femininas se justifica, segundo Morin (1987), pela necessidade de se estabelecer um modelo identificador entre a mulher leitora da revista e a mulher sedutora estampada na capa. Acrescentaríamos, ainda, que o rosto é a parte do corpo humano em que os sinais da juventude e da beleza são mais visíveis e sedutores: (...) Se na grande imprensa periódica a mulher eclipsa igualmente o homem, é porque ela ainda é sujeito identificador para as leitoras, enquanto ela aparece como objeto de desejo para os leitores. Essa coincidência da mulher-sujeito e da mulher-objeto assegura a hegemonia do rosto feminino. É o reino não só da mulher sujeito-objeto, mas dos valores femininos no seio da cultura. Não há o modelo identificador masculino que se imponha concorrentemente (MORIN, 1987: 144). Da maneira como são expostas nas capas das revistas, as imagens de belas mulheres se dirigem às próprias mulheres, instituindo uma regra de conduta sedutora. Morin (op. cit.) é taxativo ao dizer que existe neste procedimento uma erotização da imagem feminina, principalmente do rosto feminino: O erotismo se especializou e se difundiu. Especializou-se nos produtos de finalidade especialmente erótica, cuja publicidade devora as páginas das revistas (maquilagens, adornos, portaseios, receitas para fortalecer os seios, etc.). Difundiu-se no conjunto do consumo imaginário: não há praticamente filmes sem déshabillés, não há comics sem heroína de decote picante, não há France-Soir sem fotografia de estrelas de cinema, não há revista sem pin-up (MORIN, 1987: 122). 18 Cada vez mais sofisticada, a diagramação investe nas cores enquanto o espaço destinado às fotos cresce consideravelmente em detrimento do texto verbal. Os temas das fotos também são inovadores: antes, eram bonecas em poses que evidenciavam, em ângulos especiais, os detalhes do vestido, por exemplo; depois, as revistas femininas passaram a mostrar fotos de mulheres somente de lingerie. Neste sentido, o olhar torna-se a primeira forma de consumo. Barthes (1987), ao analisar a cozinha ornamental da revista ELLE, mostra que as fotografias aí representadas retratam uma cozinha de sonho, como testemunham, aliás, as fotografias da Elle que apenas captam o prato, sobrevoando-o, como um objeto simultaneamente próximo e inacessível, que pode ser perfeitamente consumido pelo olhar (p.131). Isso mostra uma glamorização e um tratamento estético bem cuidado e eficiente, além de evidenciar que a técnica de close-up constitui uma forma de antecipação do consumo, ou seja, o consumidor cria, por meio da visão, uma expectativa com relação aos resultados proporcionados pelo produto antes mesmo de consumi-lo. Além do desenvolvimento das técnicas gráficas, o desenvolvimento das indústrias voltadas para cosméticos, moda, produtos para a casa e a família tornou a revista feminina uma peça importante para o mercado dos países capitalistas. Ao folhear uma revista, ainda que ela já tenha saído de circulação há alguns meses, a leitora pode ter conhecimento dos produtos ali anunciados e tornar-se uma eventual consumidora deles. Neste sentido, as publicidades, dentro da linha editorial da revista feminina, se tornaram responsáveis pelo equilíbrio econômico além de despertarem nas mulheres, através do consumo de produtos de beleza, os cuidados com a aparência física. A título de ilustração, transcrevemos os dados a seguir, retirados do site da revista UMA5, que revelam os índices de interesse das leitoras desta revista com relação ao consumo de produtos que traduzem um cuidado com o corpo. Esses dados são importantes, ainda, para definir aquilo que a revista UMA chama de perfil psicográfico das suas leitoras, que é o estudo dos interesses de 5 Dados disponíveis em: http://www.revistauma.uol.com.br. Acessado em: 22 nov. 2005. 19 suas consumidoras. Como veremos, a tabela transcrita abaixo representa os principais interesses atribuídos à leitora da revista UMA, segundo levantamento feito pela própria revista. Desta maneira, a publicação escolhe o seu conteúdo em função desse conhecimento sobre o perfil das suas leitoras: Beleza Tem interesse... 71% em beleza Comprou nos últimos 30 dias 42% produtos para tratamento do corpo 37% produtos para maquiagem Usam... 82% perfume 80% batom 79% esmalte 81% lápis para o olho ou sobrancelha 45% shampoo colorante ou tintura 41% base ou pó compacto 21% loção de limpeza 21% creme anti rugas Freqüentou nos últimos 15 dias 54% salão de beleza Lazer Costumam... 73% comer ou passear no shopping 56% fazer compras em shopping 54% ler livros por lazer 49% assistir filmes em vídeo / DVD 49% jantar fora 26% ler livros para fins profissionais Moda Tem interesse... 68% em moda Comprou nos últimos 30 dias... 49% sandálias 43% calçados 43% roupas íntimas femininas 41% jeans 39% malhas e camisetas Lar Comprou nos últimos 30 dias... 17% artigos de cama, mesa e banho Consumo individual e no lar Consomem... 57% produtos light 46% cerveja Pretendem comprar nos próximos 12 meses... 50% vinho 31% móveis novos 23% eletrodomésticos Compras... 25% eletroeletrônicos 91% faz compras em supermercados 26% gastam em média R$ 400,00/ mês no Pet supermercado Tem... 65% cães 21% gatos Automóveis 64% tem auto no lar 46% pretendem comprar auto nos próximos 12 20 31% fazem compras em pet shops Assuntos de interesse 85% Beleza/cuidados c/ beleza/ estética 63% Computação uso pessoal/ profissional 77% Finanças pessoais/ orçamento familiar 81% Medicina alternativa 85% Moda/ vestuário Comprou nos últimos 30 dias 47% Calçados de couro feminino 4% Jóias para uso pessoal/presentes 68% Prod. tratamento da pele/ corpo 55% Produtos para maquiagem 62% Roupas intimas femininas 15% Roupas sociais Consumo individual 89% perfume 53% Xampu colorante/tinturas/he 49% Protetor solar 73% Creme para o corpo 30% Barras de cereal 85% chocolate barra/ bombom/ tablete 55% drops/ balas 78% Iogurte 52% salgadinhos para aperitivos 77% sorvetes 18% Consome adoçante meses 42% são encarregadas na manutenção dos veículos 25% influenciam na escolha da marca e modelo 73% decidem o que comprar antes de ir às compras 61% preferem a última palavra em tecnologia 76% gostam de experimentar novos produtos / marcas 53% sentem-se bem em ser reconhecidos pelo sucesso financeiro Lazer 87% Cost. assistir filmes em videocassete/DVD 76% Cost. comer ou passear em shopping 57% Cost. Fazer compras em lojas de departamento 90% Cost. Fazer compras em Shopping Centers 19% Cost. fazer ginástica em academia 87% Cost. assistir filmes em videocassete/DVD 90% Cost. Fazer compras em Shopping Centers 73% Cost. ler livros p/ fins de lazer 66% Cost. jantar fora A publicidade, além de ser a mola propulsora do capitalismo, por se inscrever num circuito de compra e venda, desempenha um papel social ao vincular os cuidados com a aparência a uma prática eminentemente feminina. Para Soulages (1996), as mensagens publicitárias têm papel regulador nas economias de mercado, além de, atualmente, serem reconhecidas como um processo de produção de formas culturais e se afirmarem no espaço social como um dos suportes mais visíveis das representações das identidades. 21 1.2 Análise da capa da revista UMA UMA faz parte do grupo editorial Símbolo e é uma revista de lançamento recente, já que está no mercado desde setembro de 2000. O Grupo Símbolo foi fundado em 1987 e publicou neste mesmo ano o Guia Corpo a Corpo, que tempos depois daria origem à revista Corpo a Corpo com mais de meio milhão de leitores todos os meses segundo as informações disponíveis no site da empresa. Sete anos mais tarde, surgiu a revista Atrevida, destinada ao público adolescente. Em 1996, é publicada a revista Raça Brasil, definida por seus editores como a revista que veio com a missão de afirmar o orgulho de milhões de negros brasileiros6. O último lançamento da editora Símbolo foi a revista UM-Universo Masculino lançada em novembro de 2004. O Grupo Símbolo conta atualmente com 24 títulos reunidos sob 14 marcas. Estes números são pequenos se comparados com gigantes editoriais como o Grupo Abril, que segundo Palacios (2004) é considerado um dos maiores conglomerados de comunicação da América Latina. Seu parque gráfico utiliza processos digitais e imprime cerca de 350 milhões de revistas por ano (p. 91). De acordo com os dados fornecidos pela própria editora Símbolo, ela é a segunda maior editora de títulos femininos e a terceira maior editora do Brasil. Isso mostra que a Símbolo é uma editora que já possui um relativo alcance junto ao público consumidor. Com uma tiragem de 112.800 exemplares, UMA é definida por seus editores como a revista completa de comportamento e serviços pessoais, direcionada à mulher urbana e “antenada”, que quer acima de tudo conciliar o poder que conquistou na sociedade com sua feminilidade. De periodicidade mensal, ela trata de temas relativos ao cotidiano de mulheres que estão na faixa etária dos 20 aos 39 anos, como a vida emocional e profissional, além de saúde, 6 Dados disponíveis em: Acessado em: 22 nov.2005. http://www.simbolo.com.br/institucional/Conteudo/0/artigo5356-1.asp. 22 beleza, moda, prazeres e atualidades7. Segundo as informações oficiais, o perfil psicográfico das leitoras de UMA é descrito da seguinte forma: Trabalha e é muito centrada na carreira. É responsável por parte das despesas domésticas, quando não é a principal provedora. Administra contas (no trabalho e em casa) e se interessa por investimentos. Está sempre atenta à relação custo-benefício das coisas. É prática, mas não dispensa pequenos (ou grandes) luxos. Comanda sua vida doméstica e familiar, direta ou indiretamente. Se não tem filhos, não descarta a possibilidade de ser mãe. É curiosa, se interessa por vários assuntos e procura se manter informada. Pensa muito no futuro. Se preocupa com a boa imagem - corporal, social, profissional e intelectual. Tem medo de ser considerada vulgar8. Procedemos, a seguir, à análise da capa da revista UMA na edição de agosto de 2005, edição da qual retiramos o corpus da nossa pesquisa. Esta edição traz a foto de Ana Paula Padrão e anuncia uma entrevista com a jornalista que, naquela época, havia encerrado o contrato com a Rede Globo de televisão e estreado no SBT: O rosto da jornalista, estampado na capa, torna-se discurso a partir do momento que adquire valor simbólico através do deslocamento e transformação de uma realidade. Isso significa dizer que ele pode ser sinônimo de afirmação de sucesso profissional e beleza. Com isso, Ana Paula Padrão passa a ser um 7 Dados disponíveis em: http://www.simbolo.com.br/institucional/Conteudo/0/artigo5356-1.asp. Acessado em: 22 nov.2005. 8 Dados disponíveis em: http:// www.revistauma.uol.com.br. Acessado em: 22 nov. 2005. 23 modelo identificador para as leitoras de UMA. Para Morin (1977), se o rosto feminino impera na revista (...) é porque o essencial é o modelo identificador da mulher sedutora, e não o objeto a seduzir (p.144). Ampliando um pouco mais esta questão, poderíamos dizer que ao estampar o rosto da Ana Paula Padrão, que é reconhecida pelo seu trabalho de jornalista, a revista UMA instaura aquilo que Lipovetsky (2000) chama de arquétipo de beleza utilizado pelo cinema desde os anos 10: o da estrela. Segundo o autor: Nunca a beleza feminina esteve tão ligada ao sucesso social, à riqueza, à realização individual, à “verdadeira vida” (p.177). Vale ressaltar que o sucesso social se concretiza graças a um mercado midiático e não sexual: Daí a emergência de um novo poder da beleza feminina: conquistar uma celebridade planetária, ser admirada pelas massas, viver no luxo graças a uma atividade profissional reconhecida socialmente e independente da troca sexual (LIPOVETSKY, 2000: 177-178). Assim, a revista parece instaurar um padrão de beleza associado ao sucesso profissional: mesmo assumindo encargos extra-domésticos, “a mulher tem que ser bonita”. Na capa, há 9 (nove) chamadas, das quais 3 (três) têm como tema a aparência, compreendendo moda/vestuário/corpo; 3 (três) abordam temas relativos ao comportamento, tais como sexo e atitude e 3 (três) possuem temática genérica. As chamadas que têm como tema a aparência são: (1) A nova dieta do Dr. Atkins. Você emagrece até 15 kg sem sofrer; (2) Cabelos compridos e cara lavada: as tendências de beleza da São Paulo Fashion Week e (3) Jeans básicos e chiques para usar à noite. Estas chamadas parecem criar um modelo de mulher próprio da cultura de massa9: uma mulher que é orientada a se preocupar com caracteres secundários (“cabelos” e “cara”), roupas (“jeans”), além de um ideal de beleza esbelto (dieta para emagrecer). A constante busca pelo novo, que se traduz no seguir a “tendência da moda”, como afirma a chamada (2), corresponde, 9 O termo cultura de massa está sendo empregado aqui como uma produção que segue as normas de fabricação industrial e se destina a “uma massa social, isto é, um aglomerado gigantesco de indivíduos compreendidos aquém e além das estruturas internas da sociedade (classes, família, etc.)” (MORIN, 1977: 14). 24 no dizer de Morin, a uma dupla necessidade a da reestimulação sedutora, a da afirmação individual (ser diferente dos outros) (MORIN, 1977: 142). A revista feminina UMA parece, desta forma, oferecer à sua leitora a maneira de suprir as suas possíveis necessidades/carências, lançando mão do processo de identificação/desejo de ser como os modelos expostos. A revista torna-se um importante meio de divulgação de determinados estilos de vida. As chamadas que abordam temas relativos ao comportamento são: (4) Sexo: Espante a preguiça de sua cama. E esquente a relação; (5) Desvendamos a alma dos homens: O que eles realmente querem dizer ao falar que têm medo de compromisso, o que pensam quando estão calados... e muito mais! e (6) Simplifique sua vida: especialistas mostram como tornar seu dia-a-dia mais fácil. Destas chamadas, a que parece ser a principal, já que apresenta uma diagramação diferenciada, dando destaque para a palavra homens, é a (5). Desta maneira, a revista feminina parece colocar o homem como principal centro da atenção da mulher. A chamada (4), Sexo: Espante a preguiça de sua cama. E esquente a relação, parece indicar uma mudança dos tempos: ao assumir encargos extradomésticos, a mulher fica mais cansada, o que coloca em risco a libido. Os verbos “espantar” e “esquentar” parecem associar a idéia de liberdade sexual à diversão, além de definir um guia de comportamento sexual. Trata-se de um discurso da mulher moderna, ativa sexualmente. Para Morin: O modelo da mulher moderna opera o sincretismo entre três imperativos: seduzir, amar, viver confortavelmente. Há, é certo, uma antinomia entre o lar e o amor; o divórcio ou a aventura amorosa clandestina podem resolver ou conciliar a contradição” (1977:145). A chamada (6) Simplifique sua vida: especialistas mostram como tornar seu dia-a-dia mais fácil também traduz um dos temas bastante recorrentes na mídia feminina que é a seção de conselhos práticos para superar alguns obstáculos diários. 25 As chamadas que dizem respeito a temas genéricos são: (7) Ana Paula Padrão. Ela conta tudo sobre a saída da Globo; (8) Perigo: crianças na internet. Como proteger os seus filhos na rede e (9) 50 razões para virar empreendedora. É interessante observar que a chamada (7) anuncia uma entrevista realizada com a jornalista Ana Paula Padrão, cuja foto está estampada na capa da revista. Tal entrevista permite dizer, baseado nas palavras da jornalista, ao falar de como era o relacionamento com seu marido quando ela trabalhava na Rede Globo de Televisão, que a mulher moderna passa por angústias por ter que trabalhar fora de casa. Segundo a própria Ana Paula Padrão, sua relação conjugal não estava satisfatória. Ela confessa que a sobrecarga de trabalho estava distanciando-a do seu marido: Nós só nos víamos às sextas de madrugada, porque ele me esperava voltar da emissora pra gente poder conversar um pouco. Passei os primeiros três anos do meu casamento sem ver meu marido. E uma hora isso começa a pesar, sabe?10 Apesar de ser bem sucedida profissional e financeiramente, o depoimento de Ana Paula Padrão evidencia a posição atual da mulher que quer ter sucesso profissional, e para isso, muitas vezes, sacrifica “antigos” valores como a família e até o seu desempenho sexual como já demonstramos anteriormente através da chamada (4). Como se vê, trabalhar fora de casa, muitas vezes, gera um relativo desconforto familiar para a mulher por ter que se desdobrar entre os afazeres domésticos e os extra-domésticos. Segundo o depoimento da jornalista, dinheiro, para a mulher, não traz felicidade, pois: Trabalho, tudo bem, era bacana na Globo, é bacana no SBT, pode ser bacana na Band. Mas é trabalho. Daqui a 20 anos, você estará em outro lugar, fazendo outra coisa, ou vai estar aposentada... Agora marido, felicidade familiar...é bem mais difícil. Tem uma hora em que você precisa priorizar as coisas.11 10 11 Revista UMA. Ano 6. N° 59. Agosto de 2005. p. 25. Revista UMA. Ano 6. N° 59. Agosto de 2005. p. 25. 26 Ao mesmo tempo em que a revista UMA parece incentivar a mulher a buscar a sua independência, principalmente a financeira, dando-lhe “dicas” de 50 razões para virar empreendedora ou levando-a a se identificar com a profissional Ana Paula Padrão, a revista coloca a mulher no seu tradicional papel de mãe, que precisa estar atenta, como comprova a chamada (8), ao alerta de Perigo: crianças na internet. Como proteger os seus filhos na rede. Percebemos que as chamadas na capa da revista UMA trazem temas diversos, mas que estão sempre ligados ao âmbito doméstico/familiar, o que situa o papel da mulher moderna dentro de um período de transição. Ela é emancipada, mas tal emancipação não atenuou antigas funções estereotipadas como a constante preocupação com a aparência física como forma de sedução e o papel de mãe. Outro estereótipo pode ser evidenciado através do aspecto plástico da tipografia que compõe o título UMA: a cor rosa provoca uma associação interpretativa ligada, na nossa cultura, às mulheres. Podemos dizer, assim, que a capa da revista UMA articula antigos estereótipos com “novas” representações acerca do gênero feminino. 1.3 A publicidade impressa: algumas considerações A prática de se anunciar bens e serviços remonta à história do Brasil colônia. Naquela época, a atividade tipográfica era proibida e somente o decreto publicado em 13 de maio de 1808, criando a Impressão Régia, permitiu que se implantasse este tipo de atividade em território brasileiro. De acordo com Abreu (2005), no primeiro jornal editado no Brasil, Gazeta do Rio de Janeiro, já se encontravam anúncios que objetivavam comercializar bens e anunciar vendas e fugas de escravos. A independência do Brasil, em 1822, proporcionou o surgimento de novos jornais e uma maior circulação dos mesmos através do sistema de navegação a vapor que permitiu o intercâmbio, primeiramente entre Rio e Santos e alguns anos 27 depois entre todas as províncias marítimas. Surge, então, nesta época, um jornal destinado exclusivamente a anúncios publicitários: o Jornal de Anúncios. Segundo Abreu (op.cit.), este jornal teve sua tiragem limitada a sete números, mas os anúncios aí publicados já possuíam um perfil diferenciado, uma vez que os anunciantes eram profissionais liberais e comerciantes. Os estudos de Abreu (op. cit.) mostram que em 1825, os anúncios começaram a ser separados por temas e até a poesia foi utilizada como forma de anúncio. Escritores como Olavo Bilac teria ganhado cem mil réis para escrever a seguinte quadra: Aviso a quem é fumante Tanto o Príncipe de Gales Como o Dr. Campos Salles Usam fósforos Brilhante (ABREU, 2005: 37). Até hoje, observamos que a presença dos anúncios transcendeu o espaço da mídia e se fez presente também na literatura. Em A hora da estrela, de Clarice Lispector, por exemplo, a mídia influenciava a curta trajetória existencial da personagem principal Macabéa, que era fascinada pelo mundo dos anúncios que colecionava. Carlos Drummond de Andrade trabalhou o anúncio como tema principal de um poema intitulado Eu, etiqueta, mostrando que a publicidade permeia grande parte das relações humanas. A terminologia “reclame” foi utilizada pela primeira vez para designar a publicidade em si em 1885. Mais tarde, foi fundada a primeira agência brasileira de propaganda, a Empresa de Publicidade e Comércio, em São Paulo, que se dedicou à publicação de normas técnicas publicitárias através da tradução de artigos de revistas norte-americanas. No Rio de Janeiro, O Mercúrio inovou ao utilizar a publicidade gráfica, que significou o abandono do texto escrito, que se destinava a oferecer ao consumidor a apresentação/descrição acerca dos bens e serviços como o do Almanaque Fontoura, meio utilizado pelo Biotônico Fontoura para se auto-promover. Abreu (2005) assim se refere a este almanaque: 28 Com quarenta páginas e distribuído gratuitamente, a publicação, além de trazer propaganda de remédios, oferecia ao leitor informações úteis, provérbios, curiosidades etc. Na redação de textos e ilustrações teve entre seus colaboradores Monteiro Lobato (1882-1948). Foi nas páginas do Almanaque Fontoura que o escritor paulista publicou a famosa história do Jeca Tatu, uma das mais conhecidas e duradouras peças publicitárias do país (2005: 38). O século XX testemunhou uma série de transformações na publicidade ocorridas em função do aperfeiçoamento das técnicas gráficas bem como por causa do desenvolvimento econômico proporcionado pelas indústrias. A chegada de filiais de grandes agências publicitárias estrangeiras no Brasil propiciou uma “reviravolta” na maneira de se conceber a publicidade. Podemos destacar a utilização de fotografias nos anúncios no lugar de desenhos, a introdução dos programas radiofônicos patrocinados por grandes empresas e a divulgação de pesquisas de opinião pública, que ajudavam a orientar a configuração publicitária. Nesta época, o rádio despontava como um grande meio de comunicação de massa graças à instalação de sistema de ondas curtas, que permitiram uma ampliação do alcance das estações de rádio. Na década de 30, as publicidades eram veiculadas em jornais, revistas, rádios, outdoors e bondes. A publicidade deixou, assim, de ser artesanal para ganhar um porte empresarial. Nos anos 50, a configuração gráfica publicitária sofreu várias mudanças no sentido de tornar as ilustrações menos carregadas que nos períodos anteriores. Nesta época, as revistas começavam a investir nas cores dos anúncios. Slogans12 e jingles13 tiveram maior desenvolvimento nesta época. Com o crescimento da indústria siderúrgica, da instalação da indústria automobilística e dos grandes investimentos em infra-estrutura promovidos nos anos do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960), a imprensa, atenta ao 12 Definiremos slogan na página 35. Segundo Rabaça (1987), jingle é uma mensagem publicitária em forma de música geralmente simples e cativante, fácil de cantarolar e de recordar. 13 29 novo perfil do consumidor brasileiro, cada vez mais urbano, começou a investir em publicidades de automóveis, eletrodomésticos, produtos alimentícios e agrícolas. Baseando-nos nos apontamentos de Lipovetsky (2000), podemos dizer que ocorreu na publicidade brasileira algo parecido com as transformações na publicidade dos Estados Unidos no período entre as duas guerras, que serviu, inclusive, para redefinir o papel social da mulher americana: O aspirador, a máquina de lavar, o fogão a gás, o refrigerador, a alimentação em conserva são saudados pela publicidade como instrumentos libertadores da mulher (2000: 210). Neste período, 28% das verbas publicitárias eram investidas no jornal, 16% nos rádios, 12% nas revistas e 6% na televisão de acordo com os estudos de Abreu (2005). Contudo, esta situação não tardou a se modificar quando, em 1960, a televisão passou a ser a mídia principal, recebendo 43% das verbas. Depois vinham as revistas (22%), o rádio (15%) e os jornais (14,5%). O golpe de estado de 31 de março de 1964 tinha como programa de governo o crescimento econômico a partir do incentivo à livre empresa e dos capitais nacional e internacional, considerados capazes de realizar grandes investimentos empresariais que gerariam lucros e, por conseguinte, aumentariam e diversificariam os investimentos. Este crescimento econômico foi acompanhado pelo desenvolvimento e profissionalização da publicidade através da chegada de empresas publicitárias estrangeiras e da abertura de empresas nacionais, que começaram a integrar arte e redação nas publicidades. Entre 1968 e 1973, ocorre um aumento significativo dos produtos industriais, das exportações de produtos manufaturados, do crédito internacional e das reservas financeiras. Cresce, ainda, o consumo de equipamentos de transporte, de eletricidade, de produtos químicos, além dos investimentos na indústria automobilística. Segundo Toaldo (2005), as campanhas publicitárias, nesta época, tentavam despertar (...) o otimismo na população e estimular o sentimento de brasilidade, o orgulho nacional, a confiança na capacidade do povo construir um grande País (sic) (p. 56). A partir de 1974, começa a crise do crescimento econômico com a diminuição do consumo dos produtos eletrônicos, redução nos índices de 30 produção industrial, déficit da balança comercial, inflação. Atenta a este contexto, a publicidade busca, de acordo com Toaldo (op. cit.), manter o clima de animação dos anos anteriores ao mesmo tempo em que enfatiza que os problemas vivenciados só seriam superados mediante a colaboração de todos. No início da década de 1980, os bens de consumo já são uma realidade no cotidiano das pessoas e a publicidade se torna cada vez mais incentivadora do consumismo, além de reelaborar valores compartilhados no âmbito social. Segundo Abreu (2005), o ano de 1984 marcou a presença da publicidade inclusive nas campanhas eleitorais quando dezenove agências brasileiras formaram o Comitê Nacional de Publicitários Pró-Tancredo. Para a autora, este episódio foi a mola propulsora para a entrada das agências publicitárias na orientação das modernas campanhas eleitorais. Todas essas transformações ocorridas no cenário político, associadas à crescente concorrência, à maior capacidade econômica e ao surgimento das agências publicitárias estabeleceram mudanças na forma de se anunciar os produtos no que tange às configurações visual e verbal das publicidades impressas. Estas têm explorado, atualmente, segundo Lysardo-Dias (2005b), a superposição de imagens, cores e grafismos com o intuito de provocar maior impacto em detrimento da linearidade do texto verbal. Estudos como os de Legrain e Magain (1992) mostram que, com relação à configuração visual, a diagramação tem um papel importante de orientação da leitura da imagem. Existem diferentes modelos de leitura dependendo da localização na página. Dentro de uma mesma página, algumas posições são mais eficazes que outras, como é o caso da construção seqüencial, que consiste em fazer com que o leitor percorra o anúncio para que o seu olhar recaia, no final do percurso, sobre o produto, situado na maioria das vezes, embaixo à direita do anúncio. O modelo mais convencional desse tipo de construção é a construção em Z, que começa no alto à esquerda, faz ler algo que conduza o olhar no alto à direita, para descer para a esquerda embaixo, retomando a leitura de um pequeno texto que termina com a representação do produto, à direita. (JOLY, 1996: 97-98). 31 De acordo com essas considerações é que podemos interpretar a adaptação da tabela a seguir que, segundo Legrain e Magain (op. cit.), mostra os valores de atenção para diferentes posições de uma publicidade que esteja anunciada numa página à direita ou numa página à esquerda: 3 1 23% 33% 4 2 16% 28% (LEGRAIN e MAGAIN,1992:16) Como se vê, anunciar numa página à direita é melhor do que anunciar numa página à esquerda, pois a hierarquização da visão constitui uma importante ferramenta na configuração visual da mensagem publicitária impressa. Para Soulages (1996), a configuração publicitária encontra-se, em parte, limitada pelo dispositivo de mediação escolhido: dos espaços e materiais significantes utilizados no cartaz do metrô, na página dupla de revista, no anúncio radiofônico ou na rápida mensagem da televisão, derivam figuras retóricas específicas e tipos de configurações formais (SOULAGES, 1996:147). Com relação à configuração verbal, o produto anunciado pelas publicidades atuais pode ser simplesmente apresentado ou tornar-se o auxiliar de uma busca. No primeiro caso, a mensagem publicitária se limita à apresentação-exibição do produto, como acontece, por exemplo, nas publicidades especializadas das revistas técnicas. No segundo, o sujeito comunicante deve então fazer um esforço para forjar um elo simbólico, mas sempre hipotético, com os sujeitos interpretantes, recorrendo a saberes, normas, valores e universos de referência supostamente partilhados (SOULAGES, 1996: 150). A escolha de uma dessas qualificações evidenciará o conjunto de estratégias a ser desenvolvido para que cada discurso apresente-se singular em relação aos discursos concorrentes. Charaudeau (1983) propõe três tipos 32 discursivos para o discurso publicitário: tipo enunciativo, tipo narrativo e tipo argumentativo, que são estratégias baseadas nos quatro modos de organização do discurso14. No tipo enunciativo, o locutor procura mostrar ao receptor que o sujeito comunicante (EUc) e o sujeito enunciador (Eue)15 são a mesma pessoa e para isso lança mão de estratégias fundadas nos atos locutivos, que são de três tipos, a saber: delocutivo, elocutivo e alocutivo. No ato delocutivo, que diz respeito à relação entre o locutor e o mundo que o cerca, tanto o enunciador quanto o destinatário estão apagados. Esta estratégia tem por finalidade levar o sujeito interpretante a se identificar com o produto apresentado no texto. Com relação ao ato elocutivo, há uma tomada de posição do enunciador, que manifesta sua opinião apreciativa. O destinatário, por sua vez, participa da emoção manifestada pelo enunciador na posição de espectador-testemunha. Desta forma, o sujeito interpretante é levado a se identificar com uma imagem eufórica do produto anunciado na publicidade: Através do ato alocutivo, o enunciador se institui como benfeitor, aquele que mostrará ao sujeito interpretante que ele tem uma falta. Nesta perspectiva, o enunciador se dirige ao destinatário como se fosse um conselheiro, um aliado. O tipo narrativo do texto publicitário baseia-se em um esquema composto por quatro elementos onde P(produto): P= objeto da busca, P= auxiliar eficaz, P= aliado e P= agente da busca. Em P= objeto da busca, o consumidor é levado a querer possuir o produto, uma vez que através da aquisição do mesmo, o destinatário se apropriará das qualificações de P; em P= auxiliar eficaz, o produto supre a necessidade de poder técnico para aperfeiçoamento; em P= aliado, o produto representa a sociedade produtora e constitui-se num auxiliar da busca; e, por último, P= agente da busca, 14 Para Charaudeau (1992), os quatro modos de organização do discurso são: o modo enunciativo, o modo descritivo, o modo narrativo e o modo argumentativo. 15 Segundo Lysardo-Dias (2005a), o sujeito comunicante, ao se configurar como um ser da palavra, engendra um sujeito enunciador que materializa um propósito comunicativo a partir da imagem que tem do sujeito destinatário. Esse sujeito destinatário é o destinatário idealizado pelo sujeito enunciador, que pode ou não coincidir com o sujeito interpretante, destinatário efetivo (p.25). 33 em que o destinatário é constituído como beneficiário da qualidade de uma determinada Marca. O tipo argumentativo segue, segundo Charaudeau (1983) a fórmula P(M) x q=R, em que (P) é o produto, (M) a marca, (q) as suas qualificações e (R) o que ele oferece. O tipo argumentativo resulta da relação que se trava entre elementos retóricos e enunciativos no espaço textual. As estratégias do tipo argumentativo são a singularização e a pressuposição. Pela estratégia da singularização, o destinatário é levado a crer que P(M) é o melhor dentre os outros da mesma natureza. Pela estratégia da pressuposição, o publicitário pressupõe que o destinatário tem uma Falta e oferece um meio para preenchê-la, para suprir uma necessidade. As estratégias utilizadas pela publicidade podem aparecer nas seguintes formas textuais: (i) chamada: pequeno texto que visa atrair a atenção do leitor: Ex. 1: a. QUE TAL SER MAIS FELIZ HOJE? (Pub 1). b. VOCÊ É O QUE VOCÊ COME (Pub12). (ii) apresentação: pequeno texto em que se expõe o produto anunciado, ressaltando-lhe os benefícios proporcionados e/ou informações sobre o fabricante: Ex.2: A LINHA ANTITEMPO VITA DERM FICOU AINDA MAIS COMPLETA: CÁPSULAS COM DMAE 5% E CERAMIDAS (Pub 7). (iii) descrição: texto que enumera as qualidades dos ingredientes que compõem a fórmula do produto anunciado, ou seja, suas características técnicas: 34 Ex.3: OS ALONGAMENTOS SÃO PRODUZIDOS COM CABELOS 100% NATURAIS E QUANDO APLICADOS FICAM IMPERCEPTÍVEIS AO TACTO, NÃO CAUSANDO QUALQUER TIPO DE DANO A QUEM USA (Pub 6). (iv) slogan: “frase concisa, marcante, geralmente incisiva, atraente, de fácil percepção e memorização, que apregoa as qualidades e a superioridade de um produto, serviço ou idéia” (RABAÇA, 1987): Ex.4: a. TORRADAS BAUDUCCO. A VIDA LEVE É TÃO MAIS GOSTOSA (Pub 12). b. SISTEMA FIRMADOR DOVE. TESTADO EM CURVAS DE VERDADE (Pub 3). (v) depoimento: expressão de uma opinião pessoal que ajuda o texto a se tornar mais convincente: Ex.5: COM GREAT LENGTHS MUDO SEMPRE MEU VISUAL MAS MANTENHO MEU ESTILO! (Pub 6). Portanto, a configuração publicitária tem passado por diversas transformações. Da sua configuração “original”, que primava por um caráter predominantemente apresentação/descrição informativo, acerca das ao oferecer características ao dos consumidor bens e a serviços anunciados, observamos, atualmente, que a publicidade, além da diagramação, lança mão de certos universos de referência a fim de (re)construir uma identidade dos sujeitos nela e por ela projetados. Nesta perspectiva, ela (re)elabora hábitos e estilos de vida e dimensiona o produto anunciado muito mais pelo seu valor ideológico do que pela sua função pragmática. Promovendo o fenômeno da projeção/identificação através do uso de imagens atraentes e de mensagens que se caracterizam pelo apelo ao emocional, a publicidade tende a se transformar em espetáculo para que o leitor/consumidor 35 participe intensamente do que assiste ou lê. Concluímos com Debord (1997) que a “sociedade do espetáculo” é uma sociedade movida pelo consumo e por imagens. Ao se consumir o produto, consome-se a sua imagem e os valores aí embutidos. Desta forma, o objeto não mais se define pelo trabalho que permite realizar, mas pelo contexto social que o transforma em signo de valores, como status, felicidade, beleza e segurança. 36 Capítulo 2 – ESTEREÓTIPO Procuraremos, neste capítulo, mapear o conceito de estereótipo. Como veremos, o fato de o estereótipo basear-se no já-dito permite que ele seja associado à doxa no dizer de Amossy (2000). Neste sentido, o estereótipo pode ser tomado como um elemento argumentativo da publicidade, ainda que esta tenha a sua argumentação configurada de forma implícita. 2.1 A noção de estereótipo A participação social leva o indivíduo a conceber “idéias” baseadas em características como “idade” (O jovem é destemido); “raça” (Os japoneses são inteligentes); “nacionalidade” (O brasileiro sempre dá um jeitinho); “sexo” (A mulher é o sexo frágil), entre outras, a fim de simplificar e “agilizar” o entendimento do complexo mundo social que o cerca. Daí surgirem generalizações que nem sempre condizem com a “realidade” e, muitas vezes, se tornam imagens que se estendem a toda uma categoria de objetos ou grupo de pessoas. Estas imagens foram denominadas estereótipos pelo jornalista americano Walter Lippmann, em 1922, no campo das ciências sociais16, que as definiu, ainda que de maneira imprecisa, como representações mentais que permitem categorizar, compreender ou agir sobre o “real”: Na grande confusão florida e zunzunante do mundo exterior colhemos o que nossa cultura já definiu para nós, e tendemos a perceber o que colhemos na forma estereotipada, para nós, pela nossa cultura (sic) (LIPPMANN, 1972: 151). O estereótipo é, sob esta perspectiva, um processo “natural” e necessário ao convívio social, já que representa as imagens compartilhadas por indivíduos que têm uma base cultural em comum. 16 Segundo Carvalho (1957), o termo estereótipo já era utilizado na psiquiatria para designar perturbações mentais que tinham como característica a repetição de atos, gestos, palavras. 37 Apesar de ser um conceito contemporâneo, a história do vocábulo remonta ao início do século XVIII para designar uma matriz a partir da qual se produzia material impresso em série. Não obstante a sua origem tipográfica, a noção de estereótipo foi retomada na Psicologia Social, em matéria de edificação de conduta ou, mais especificamente, em matéria de representação social sobre a qual intervêm os sistemas de comunicação social. O estereótipo é, assim, uma das interfaces das representações sociais, podendo ser analisado enquanto elemento de representação social. Do ponto de vista literário, o termo estereótipo adquiriu uma conotação negativa, segundo Amossy (1991), por designar toda frase feita que se repetia nos textos impressos. Em função disso, a obra que fazia uso do estereótipo era taxada de “má literatura”, por dar a impressão de ser a cópia das idéias dos grandes escritores. Sob a perspectiva discursiva, a noção de estereótipo é associada ao préconstruído, que foi introduzido por Michel Pêcheux nos anos 70 e diz respeito aos discursos e julgamentos que fundam os enunciados, mas não estão explícitos na superfície textual. A existência do estereótipo é atestada pela observação das reações e opiniões cotidianas das pessoas e através de experiências realizadas por psicólogos sociais, que apontam pelo menos duas formas para o seu tratamento: A primeira perspectiva considera o estereótipo como um processo geral de esquematização e generalização próprio do pensamento humano para se (re)adaptar às situações inéditas em que constantemente se encontra; a segunda, social, concebe o estereótipo enquanto produto das mais diferentes formas de interação dos indivíduos com os pais, professores, líderes políticos e religiosos, mídia entre outros. A primeira perspectiva se limita a uma abordagem puramente “intraindividual”, já que delineia os sistemas cognitivos que permitem ao indivíduo armazenar e recuperar estereótipos. Estudos como os de Stangor e Schaller (1996) apontam três formas distintas acerca do modo como as informações são representadas na memória individual: 38 (i) o esquema coletivo: conjunto de crenças que especificam a definição de características e atributos relevantes de um grupo social. É a base com que os indivíduos fazem seus julgamentos e orientam seus comportamentos. (ii) o modelo dos protótipos: é o conceito mais comum em termos de representação mental. Constitui-se num conjunto de associações entre “rótulos” e características tidas como verdadeiras. (iii) o modelo do exemplar: baseia-se nas noções de senso comum e memória. Na perspectiva social, considera-se que a sociedade constitui o “acervo” das informações compartilhadas entre os indivíduos, que sofrem a ação e a influência do grupo em cujo âmbito eles vivem. Portanto, as idéias, as opiniões e as resoluções individuais são tomadas a partir do confronto com o outro. Os estereótipos surgem, assim, como representações partilhadas que têm origem no corpo social. Tal como as representações sociais, o estereótipo tem como função organizar o mundo tanto físico quanto intelectualmente. Acreditamos que a perspectiva social amplia a perspectiva cognitiva, uma vez que consideramos insuficiente abordar o caráter de apreensão dos estereótipos através de esquemas cognitivos sem levar em consideração que o surgimento dos mesmos depende de situações coletivas. Os estereótipos apresentam aspectos individuais, mas é o campo coletivo o ambiente favorecedor da retomada de velhos ou emergência de novos estereótipos. Enquanto processo de categorização e generalização, o estereótipo facilita a vida em comunidade por fornecer aos indivíduos uma visão comum que lhes assegura uma espécie de “sintonia” social. A título de ilustração, tomemos o termo “calouro”, que qualifica o indivíduo que é novato/iniciante em alguma situação como, por exemplo, a vida universitária. Para o professor, o estereótipo do “calouro” ajuda a direcionar o seu programa de aula para um nível mais introdutório; para os diretórios e centros acadêmicos, a imagem que se tem de um 39 calouro contribui para que sejam promovidos eventos de integração e ajuda mútua. A socialização do indivíduo exige, muitas vezes, que ele absorva valores estabelecidos por outrem, submetendo-se, assim, a regras sociais a fim de não ser excluído do grupo. Em função disso, ao se comunicar, o indivíduo utiliza uma visão de mundo socialmente compartilhada. É neste sentido que a linguagem adquire status de meio por excelência da representação social, ainda que ela não seja só isso. Ao transmitir um saber cristalizado, o estereótipo produz, ao mesmo tempo, um efeito de objetividade e de subjetividade. Nessa dupla ótica, o enunciador pode utilizar formas prontas que conferem ao seu dizer um aspecto de impessoalidade, mas também pode subvertê-las, o que exigirá do enunciatário a transferência dessas formas para outra situação. Nesta perspectiva, o estereótipo atua na geração do sentido. Apesar da gênese relativamente neutra, dada a origem tipográfica do estereótipo, ele adquiriu uma conotação negativa por designar uma imagem fixa, geralmente pejorativa, de indivíduos e grupos sociais. Esta é a base para o estudo das atitudes discriminatórias que, muitas vezes, os indivíduos desenvolvem em relação uns aos outros. Jodelet (2001), no seu trabalho intitulado Representações Sociais: um domínio em expansão, apresenta um exemplo a fim de ilustrar como se dá a cristalização das representações sociais nos discursos. Tal exemplo torna-se interessante no contexto do nosso trabalho porque apresenta características que permitem associá-lo à noção de estereótipo. Entre estas características está aquela que concede à representação social o caráter de fenômeno discriminatório. O exemplo apresentado pela autora diz respeito ao surgimento da Aids no início dos anos 80. Nesta época, não havia nenhuma referência médica acerca da doença, o que favoreceu a proliferação de discursos baseados na imagem que as pessoas tinham sobre os portadores da doença (drogados, hemofílicos, homossexuais, receptores de transfusões) e os transmissores da mesma (sangue, esperma). Este fato fez com que a Aids fosse vista sob duas perspectivas: uma de 40 tipo moral e social, outra de tipo biológico, com a influência evidente de cada uma delas sobre os comportamentos, nas relações íntimas ou para com as pessoas afetadas pela doença (JODELET, 2001: 18). Este exemplo, objeto de análise enquanto elemento de representação social, remete também ao fenômeno de categorização subjacente à estereotipia. Tal fenômeno pode ser evidenciado pelo aparecimento de palavras que categorizavam e traziam em si a representação social do doente de Aids naquela época, bem como condutas de discriminação: aidético se ligava a “judaico”; aidetório, a “sanatório” ou “crematório”. Situações como estas têm contribuído para a desvalorização do conceito de estereótipo, visto como noção simplificadora e redutora porque reforça a distinção social. A este respeito é interessante o posicionamento de Amossy (1991), para quem as associações compartilhadas socialmente constituem a fonte a partir da qual se formulam julgamentos que não têm, na maioria das vezes, comprovação científica. Segundo Amossy (op. cit.), quando não temos como utilizar “conhecimentos empíricos”, utilizamos aquilo que nos é fornecido pela tradição. Se por um lado o estereótipo permite aos indivíduos uma visão comum que lhes assegura uma espécie de “sintonia social”, como procuramos ilustrar com o termo “calouro”, por outro, ele atua enquanto noção desencadeadora de atitudes discriminatórias, como aquelas desenvolvidas em relação aos portadores da Aids, conforme o exemplo dado por Jodelet (2001). No dizer de Amossy (1991), a noção de estereótipo apresenta-se bivalente porque “carrega” em si as contradições que são próprias ao sistema social. Para ela, o conceito de estereótipo estaria de alguma forma presente nas “tensões constitutivas da democratização”. Apesar de a bivalência do estereótipo constituir a sua característica mais delicada e não raro o termo ser utilizado na acepção pejorativa, para Amossy (2000), o fato de o estereótipo emergir de um já-dito, de um já-conhecido, enfim de algo familiar e, por conseguinte, compartilhado entre os membros de uma sociedade permite que o associemos à doxa. Dentro da tradição retórica, a doxa ocupa um lugar essencial enquanto fundamento da comunicação argumentativa por ser considerada, de maneira 41 geral, o conjunto dos saberes compartilhados pelos membros de uma comunidade em um momento histórico. Ao levar em conta a opinião do outro, o orador está buscando a eficácia do seu discurso de orientação persuasiva. Amossy (op.cit.), porém, chama a atenção para o fato de que conceber a doxa como um conjunto estruturado das opiniões de um grupo é uma maneira, por assim dizer, reducionista de se definir o termo. A doxa, para a autora, é composta por opiniões que divergem entre si, já que provêm de doutrinas e pontos de vista muitas vezes opostos. Em função disso, a autora, prefere falar em elementos dóxicos17, que são as formas discursivas que permitem apreender os pontos consensuais sobre os quais o locutor se apóia para se comunicar com o seu interlocutor e negociar posições. Neste sentido, a argumentação, longe de tomar para si o debate de pontos de vista divergentes, se apóia num saber consensual, ou mais especificamente, numa doxa majoritária. A linguagem é caracterizada, fundamentalmente, pela persuasão. O homem está sempre tentando influir sobre o comportamento do seu interlocutor a fim de fazê-lo compartilhar suas idéias. A construção da imagem do outro é um processo que envolve o uso de representações socialmente partilhadas. Tendo como objetivo deste trabalho a identificação dos estereótipos que podem ser evidenciados em publicidades impressas veiculadas na revista UMA, consideramos que tais publicidades constroem uma imagem do seu público-alvo, que são as mulheres, baseando-se nas crenças e valores que são comuns a este público. A passagem transcrita a seguir ajuda a compreender como a construção da imagem do outro é um processo que envolve o uso de representações cristalizadas. Nela, Buitoni (1990) mostra, com outras palavras, que a mídia feminina se nutre de cadeias de estereótipos tributários de uma cultura e de uma época: Aliás, a imprensa feminina nasceu sob o signo da literatura, logo depois acompanhado pelo da moda. Nos primeiros tempos, moda e literatura dividiam as atenções. Os direitos femininos entraram em cena nos séculos XVIII e XIX, às vezes como 17 Tradução nossa para éléments doxiques. 42 dominantes. Paralelamente, os signos da utilidade iam-se introduzindo e ganhando espaço: trabalhos manuais, conselhos de saúde, de economia doméstica (BUITONI, 1990: 22). Tentando ampliar essa forma de compreensão, definimos o estereótipo como uma representação social cristalizada, fundada em crenças e valores, acionado a cada prática linguageira a fim de instaurar uma proximidade entre os interlocutores. Trata-se, portanto, de uma forma de conhecimento que retoma o que já é conhecido como base para o que será dado a conhecer. Tal característica confere ao estereótipo uma função dinâmica, sempre atualizável nas interações verbais. 2.2 O estereótipo como elemento argumentativo A retórica já atribuía à doxa ou opinião comum uma função essencial dentro da comunicação verbal. É neste contexto que se desenvolveu, na antiguidade, uma reflexão em que o lugar comum foi concebido como forma de persuasão, já que o bom funcionamento da argumentação era medido através da eficiência da fala do orador. Amossy (1994) afirma que todo discurso argumentativo é resultante da confluência de dois níveis que são, por um lado, os encadeamentos lógicos que determinam a organização textual através dos artifícios retóricos e estilísticos e, por outro, os estereótipos, as opiniões admitidas e os lugares comuns sobre os quais se apóiam o discurso a fim de produzir um efeito de evidência. Para Charaudeau (1999), toda sociedade possui discursos de doxa. Estes são constituídos pelos lugares comuns (topoi, saberes compartilhados) que circulam em meio aos diferentes grupos sociais, o que revela, por conseguinte, um posicionamento social. Neste sentido, podemos dizer que o estereótipo perpassa todos os discursos produzidos em uma sociedade, funcionando como estratégia 43 enunciativa a fim de garantir a eficiência da comunicação através das fórmulas fazer-saber, fazer-crer, fazer-fazer, fazer-prazer18. Segundo este mesmo autor (1992), o processo argumentativo não pode ser caracterizado simplesmente como uma asserção ou encadeamento lógico de duas asserções. Esta é apenas uma parte da caracterização do processo argumentativo chamada de propósito19. Além dessa, o dispositivo argumentativo requer do sujeito argumentante uma proposta20, ou seja, uma tomada de posição com relação ao propósito e uma persuasão21, na qual o sujeito diz o porquê ele está de acordo ou não com o propósito recorrendo aos procedimentos semânticos, discursivos e de composição. No caso da publicidade, Charaudeau (1983) descreve o propósito através da fórmula: P(M) x q = R, em que (P) é o produto pertencente a uma determinada marca (M), que combinado com as suas qualificações (q) produzirá um resultado (R). A proposição implica que o destinatário-usuário-eventual do produto recobra a organização narrativa em que só P(M) poderá proporcionar (R). O ato de persuasão se constrói a partir de duas hipóteses: ou (1) o destinatário não se interessa por (R) ou (2) só P(M) permite obter (R). Desta forma, podemos falar na existência de uma argumentação publicitária implícita, já que, como vimos, a argumentação não se limita ao encadeamento explícito dos enunciados. A argumentação na publicidade se dá no confronto entre um enunciado atestado e outro deixado no implícito. Tal fato exige, portanto, uma competência por parte do destinatário para identificar que as suas asserções participam de um propósito, de uma proposição e de um ato de persuasão. Daí dizermos que a funcionalidade do estereótipo depende do reconhecimento do destinatário e por isso ele permanece no nível do implícito até que seja ativado, na forma de imagem familiar, e remetido a um modelo cultural conhecido, quando atuará discursivamente como um “já dito”. Seja por meio de um conselho, de uma 18 Tais fórmulas dizem respeito à finalidade comunicativa de acordo com a proposta de contrato de comunicação de Charaudeau: fazer-saber: informativa; fazer-crer: persuasiva; fazer-fazer: factiva e fazer-prazer: lúdica. 19 Tradução nossa para Propos. 20 Tradução nossa para Proposition. 21 Tradução nossa para Persuasion. 44 solicitação ou comparação com outros produtos da mesma natureza, a publicidade promete uma satisfação. Vejamos alguns exemplos do nosso corpus: a) QUE TAL SER MAIS FELIZ HOJE? (Pub 1). b) DOVE ESSENTIAL CARE FORTALECE OS FIOS, RESGATA O BRILHO SEM DEIXAR OS CABELOS PESADOS (Pub 6). Como podemos observar nos slogans supracitados, a publicidade torna o produto desejável, dotando-o de qualificações positivas e idealizadas, que visam atender às necessidades mais íntimas e básicas do consumidor. Segundo Charaudeau (1983), a publicidade define o receptor como inserido numa situação de Falta e, ao tomar consciência de sua Falta, ele se torna o agente de busca. A busca se caracteriza pelo preenchimento da Falta via objeto de busca e obtenção do resultado. É por isso que o objeto é apresentado como auxiliar da busca do agente. Neste sentido, o estereótipo pode ser concebido como um apelo argumentativo para convencer o destinatário que ele tem uma Falta e que o produto anunciado é capaz de preenchê-la. Para Charaudeau (op.cit.), a publicidade coloca em cena uma dupla estratégia, a saber: a estratégia da ocultação e a estratégia da sedução/persuasão. Na estratégia da ocultação, ocorre a escamoteação do jogo de interesses econômicos que envolvem o discurso publicitário, ou seja, para Charaudeau, o ato de compra efetuado pelo consumidor é a garantia de que a máquina capitalista não emperrará e que o projeto de fala do publicitário foi bem sucedido. A ocultação se concretiza mediante a constituição de uma imagem positiva do anunciante sobreposta `a figura do publicitário, produzindo um efeito de credibilidade, honestidade ao “contrato de confiança” que os parceiros da instância produtora propõem ao leitor/consumidor. A publicidade do creme Firmador Dove (Pub 3), do nosso corpus, por exemplo, busca convencer o seu destinatário mostrando-se “honesta” através do slogan: 45 UMA CURVA ENVERGONHADA PERDE TODA A TIMIDEZ QUANDO ESTÁ FIRME (Pub 3). O slogan supracitado aparece associado à imagem de mulheres, por assim dizer, “reais”, que não possuem um corpo escultural. Desta forma, a publicidade procura convencer que os produtos concorrentes da mesma natureza são aplicados em mulheres que já têm as formas físicas definidas, o que não representa a real condição da maioria das mulheres. Vejamos outros enunciados retirados desta mesma publicidade: a) PESQUISA REALIZADA COM 573 MULHERES. b) SABONETE MAIS LOÇÃO COM COLÁGENO GARANTEM 90% DE EFICÁCIA FIRMADORA. Para Charaudeau (1996), existem algumas condições que fundamentam o direito à fala e que podem ser tomadas como estratégias de argumentação. Estas estratégias gravitam em torno de dois pólos: legitimidade e credibilidade. A primeira é dada ao sujeito em conseqüência da posição que ele ocupa nas diversas práticas sociais e se apóia numa autoridade proveniente do Saber e do Poder; a segunda é adquirida a partir da demonstração da competência em capitalizar uma autoridade de fato. Entendendo, como observa Charaudeau (op.cit.), que o ato comunicativo se fundamenta, entre outros aspectos, no reconhecimento do Poder, que põe em jogo o status do sujeito que comunica, a publicidade da Dove, acima citada, goza de uma determinada legitimidade junto ao público consumidor por ser uma marca já conhecida no mercado. Para comprovar a eficácia do produto, a publicidade evidencia que ele foi “aprovado” por 573 mulheres, o que gera um efeito de credibilidade, honestidade ao “contrato de confiança” que os parceiros da instância produtora pretendem propor ao destinatário. 46 A imagem produzida do sujeito destinatário é aquela que não se interessa pelo produto (P), mas pelos resultados (R) oferecidos por ele. Daí, se observa que (P), motivo do jogo de interesses econômicos e objeto de troca entre a instância produtora e a instância receptora, adquire caráter de auxiliar da busca do agente, que é a consumidora que “sonha” com formas sem flacidez. Na estratégia da sedução/persuasão, o publicitário, sabendo que não está diante do consumidor, constrói uma imagem sedutora e persuasiva através daquilo que Charaudeau (1996) chama de objetivo comunicativo factitivo. Este objetivo consiste no anunciante se apresentar como o benfeitor da situação, mostrando-se como aquele que quer satisfazer os desejos/necessidades do receptor. Para tal, a publicidade precisa chamar a atenção, agradavelmente, do seu leitor. Com este intento, ela lança mão do objetivo comunicativo factitivo, gerenciando emoções, tais como afetividade, alegria, romantismo para fazer com que o leitor/consumidor, através do fenômeno de projeção/identificação, participe intensamente do que assiste ou lê. A este respeito é elucidativo o posicionamento de Charaudeau: A comunicação publicitária, por exemplo, se inscreve num contrato situacional onde o parceiro publicitário não está em posição de autoridade para ordenar ao consumidor potencial que compre determinado produto. Assim, a publicidade poderá ter simultaneamente tanto um objetivo de persuasão, como um objetivo de sedução (jogo de palavras, narrativas mais ou menos míticas, apelos aos sentidos, elogio do gosto, prazer de convivência etc.) para incitar o leitor da publicidade a apropriar-se do produto elogiado (Charaudeau, 1996:31). Podemos visualizar isso de que nos fala Charaudeau na Pub 8 do nosso corpus, que utiliza uma pequena narrativa para relatar o dia agitado de uma mulher “moderna”. Ao assumir encargos extra-domésticos, ela vive sob estresse, mas mesmo assim deve ter uma aparência bem cuidada: ONTEM FUI PRA BALADA. ACORDEI CEDO PRA TRABALHAR, MAS CHEGUEI ATRASADA. LEVEI BRONCA DO CHEFE E AINDA ENTREI 47 NUMA REUNIAO MUITA CHATA. PRA PIORAR, SAÍ TARDE E PEGUEI UM SUPERTRÂNSITO (Pub 8). A publicidade confere, assim, ao produto uma imagem que objetiva funcionar como vantagem para ele sobre os outros produtos no mercado, diferenciando-o dos concorrentes que têm o mesmo valor utilitário. Para tal, ela pode apresentar, ainda, o produto justaposto a uma pessoa, que corresponda às aspirações coletivas e tenha a qualidade a ser alcançada, como ocorre na (Pub 6) do nosso corpus, que utiliza a imagem de uma pessoa pública como a Patrícia de Sabrit. Neste caso, a publicidade busca promover a identificação/projeção, em que a possível consumidora, ainda que inconscientemente projete uma idealização, associando a suposta beleza de Patrícia de Sabrit ao uso do produto Great Lengths. Tem-se, assim, uma imagem estereotipada do sujeito empírico Patrícia de Sabrit como bonita, famosa e inteligente: COM GREAT LENGTHS MUDO SEMPRE MEU VISUAL MAS MANTENHO MEU ESTILO (Pub 6). Como podemos perceber, a publicidade não economiza estratégias a fim de convencer o seu destinatário. Ela lança mão de diversos procedimentos que se fundamentam, entre outras condições, (1) no reconhecimento do Poder, que põe em jogo a suposta posição de autoridade do sujeito que comunica, e (2) na legitimidade junto ao público consumidor, a fim de transformar o consumidor das mensagens publicitárias em consumidor efetivo dos produtos anunciados. Percebemos, ainda, que é no interior da persuasão que o sujeito que argumenta utiliza procedimentos que o auxiliarão no seu intento persuasivo. Tais procedimentos têm como função validar a sua argumentação. São eles: procedimentos semânticos, discursivos e de composição. Os procedimentos semânticos22 se apóiam no valor dos argumentos; os procedimentos discursivos 22 Esta categoria será descrita mais detalhadamente a seguir. 48 utilizam certas categorias da língua capazes de produzir efeitos de persuasão; os procedimentos de composição dizem respeito à repartição, distribuição, hierarquização dos elementos argumentativos ao longo do texto oral ou escrito. Sendo assim, tanto Amossy (1994) quanto Charaudeau (1996) postulam que o bom funcionamento da argumentação depende, em parte, da utilização de um conjunto de saberes partilhados e de representações sociais a partir dos quais os sujeitos negociam suas posições. Neste sentido, a argumentação encontra-se na confluência da retórica, da qual toma emprestado a noção de auditório, e da lógica, que lhe fornece os procedimentos de demonstração indispensáveis à sustentação das teses. Apesar do caráter pejorativo atribuído à noção de estereótipo, Amossy (op. cit) mostra que, enquanto elemento dóxico, o estereótipo desempenha um importante papel dentro da argumentação. Para a autora, sem a utilização do estereótipo nenhuma operação de categorização ou de generalização, assim como nenhuma construção de identidade e relação com o outro seria possível. Neste sentido, o estereótipo é um esquema que, ao ser ativado pelo destinatário, remeterá a um modelo cultural conhecido. Influenciar o outro é uma tarefa que exige a mobilização de certos mecanismos que acionarão a memória, o imaginário, o desejo e de alguma forma construirão pontos de vista sobre o mundo. É neste sentido que se encontra o posicionamento de Charaudeau (1992: 788), para quem argumentar significa acionar um universo de crenças compartilhadas socialmente: A passagem de A1 para A2 não se faz de maneira arbitrária. Ela deve ser estabelecida por uma asserção que justifique a ligação de causalidade que une A1 e A2. Esta asserção representa um universo de crenças a cerca da maneira como os fatos se entredeterminam na experiência ou no conhecimento do mundo. Este universo de crença deve, então, ser partilhado pelos interlocutores envolvidos na argumentação, de forma que se estabeleça a prova da validade da ligação que une A1 a A2, o argumento que, do ponto de vista do sujeito argumentante, deverá incitar o interlocutor ou o destinatário a aceitar como verdadeiro aquele. Esta asserção (ou conjunto de asserções) freqüentemente não dita, implícita, pode ser chamada de prova, inferência ou 49 argumento segundo o quadro de questionamento no qual ela se inscreve (Charaudeau, 1992: 788)23. Consideramos, assim, que o estereótipo é um elemento corroborador do ato persuasivo, já que provém de um saber compartilhado, o que favorece a adesão do sujeito. O estereótipo adquire uma credibilidade cultural ao se apoiar num consenso que é necessário ao entendimento entre os sujeitos interlocutores. Ao evidenciarmos que o estereótipo é um saber compartilhado coletivamente, podemos, num sentido geral, considerá-lo como uma representação social cristalizada fundada em valores próprios de um grupo social. 2.3 Das relações entre publicidade e estereótipo Na atualidade, a mídia tem sido um importante meio de atualização de saberes consensuais. Ao empregar uma tecnologia para comunicar “massivamente” os seus produtos, ela lança mão de crenças e valores compartilhados socialmente, a fim de promover a inter-compreensão, ora afirmando-os, ora questionando-os. Esses pressupostos sociais podem ser definidos em termos de estereótipos, já que, como temos procurado demonstrar, o estereótipo é uma representação social cristalizada que se funda em valores compartilhados socialmente. Com o fim da cultura industrial no século XIX e o surgimento da cultura de massa no século XX, o imperativo mercadológico exigiu a captação de uma audiência cada vez mais ampla e heterogênea por questão de sobrevivência econômica. Para tanto, o conceito de estereótipo foi redefinido, passando de meio 23 Tradução nossa para: Le passage de A1 à A2 ne se fait pas de façon arbitraire. Il doit être établi par une assertion qui justifie le lien de causalité qui unit A1 et A2. Cette assertion représente un univers de croyance à propos de la manière dont les faits s’entredéterminent dans l’expérience ou la connaisance du monde. Cet univers de croyance doit donc être partagé par les interlocuteurs impliqués par l’argumentation, de sorte que soit établie la preuve de la validité du lien qui unit A1 à A2, l’argument qui, du point de vue du sujet argumentant, devrait inciter l’interlocuteur ou le destinataire à accepter comme vrai ce propos. Cette assertion (ou série d’assertions), souvent non dite, implicite, pourra être appelée preuve, inférence ou argument selon le cadre de questionnement dans lequel elle s’inscrit. 50 necessário à reprodução em série a norma cultural sob a qual os produtos midiáticos são produzidos. Isso acarreta uma busca constante por estratégias cada vez mais sofisticadas a fim de se atingir os objetivos comunicacionais. Tudo isso porque a mídia projeta as representações do seu público. Ainda que pesquisas e entrevistas antecedam à produção de um produto, bem ou serviço, a imagem que a mídia constrói do seu público-alvo (Tu-destinatário)24 não corresponde necessariamente ao público real (Tu-interpretante) nos termos de Charaudeau (1996). As representações construídas pela mídia são, por assim dizer, cogitações, ou seja, representações que ela faz das representações do seu público. Assim, opiniões dominantes, convicções “indiscutíveis”, que fazem parte de um acervo cultural, tornam-se dados coletados e re-inscritos no discurso midiático. O fato de a mídia trabalhar em função do Tu-destinatário em detrimento do Tu-interpretante, ajuda a desmistificar a crença de seu suposto poder de “manipulação”. A título de ilustração podemos lembrar o que aconteceu com um dos anúncios de lingerie da Duloren que mostrou, há alguns anos atrás, sob o slogan “Você não imagina do que uma Duloren é capaz” a encenação de uma cena de estupro supostamente motivada pelo uso da lingerie. Neste caso, grupos feministas espalhados pelo Brasil reagiram contra tal encenação e iniciou-se o boicote. Há quem diga que a Duloren, então líder no mercado de lingerie, perdeu várias posições para os concorrentes. Há, ainda, o exemplo histórico dos cartazes da Benetton que promoveram, nos anos 90, transtorno no espaço publicitário ao utilizarem imagens jornalísticas (como a imagem de um cemitério ou de um aidético moribundo), redirecionando os “lugares comuns” e, assim, despertando reações políticas e morais do público. Percebe-se, assim, que o processo de construção do outro, através dos imaginários socioculturais, é assimétrico porque pode produzir sentidos que fogem ao controle do publicitário. Para Soulages: 24 Esta terminologia já foi explicada anteriormente no capítulo 1. 51 Ir ao encontro ou construir os imaginários de um alvo é uma árdua tarefa, uma operação incessante de negociação (anunciante-publicitário), mas, antes de mais nada, uma operação de co-construção de sentido (publicitário-consumidor), por isso ela só pode ser conservadora, pois deve se apoiar então sobre o Dizer circulante e quase sempre pronto-a-ser-pensado (SOULAGES, 1996: 154). Ao emergir de situações vivenciadas coletivamente, o estereótipo adquire um caráter econômico e funcional, sintetizando idéias, sem prejudicar a inteligibilidade da comunicação, além de ser portador de uma opinião corrente. Apesar do caráter econômico, o estereótipo permite que se chegue a uma informação social. Enquanto elemento de comunicação, o estereótipo se cristaliza em torno de certas palavras, como definiu Maisonneuve (1977): (...) essas palavras indutoras, designam, geralmente, categorias mais ou menos amplas: raças (os brancos, os negros), nações (os alemães, os chineses), classes ou profissões (os capitalistas, os operários, os psicólogos...); por vezes, também, objetos ou produtos (por exemplo, segundo são “naturais” ou artificiais), ou pessoas como símbolo de uma política ou de uma ideologia (de Gaulle, Mao Tse-tung, Castro...) (MAISONNEUVE, 1977: 115). No caso específico da publicidade, os estereótipos funcionam como (i) uma forma “rápida” de chamar a atenção do destinatário através daquilo que já lhe é familiar, de forma a assegurar a compreensão do conteúdo da mensagem publicitária; (ii) um apelo argumentativo para convencer o destinatário que ele tem uma Falta (nos termos de Charaudeau,1983) e que o produto anunciado é capaz de preenchê-la; e como (iii) um mecanismo construtivo que, por ter um caráter relativamente estável de significações, funciona como base para elaboração do discurso e das proposições sob as quais ele se assenta. 52 Capítulo 3 – QUADRO TEÓRICO PARA A ANÁLISE DAS PUBLICIDADES Concebendo a publicidade impressa como produto resultante da articulação entre as partes visual e verbal e considerando que a sua configuração depende da justaposição destes dois planos, procuraremos nesta seção delimitar o quadro teórico para a descrição do corpus. 3.1 Análise do visual Em 1960, a imagem publicitária tornou-se um dos principais objetos de análise para a semiologia da imagem, que vislumbrou um novo campo teórico para o estudo da comunicação. Roland Barthes foi um dos primeiros a utilizar a imagem publicitária como objeto de estudo da então iniciante semiologia da imagem. Em seu clássico artigo A retórica da imagem, Barthes (1990) lança a base para futuros estudos teóricos acerca da significação da imagem, mais especificamente a significação da imagem publicitária. Para este autor, a imagem publicitária é a mais propícia das imagens para uma análise. Isto porque, na concepção barthesiana, a imagem contém signos. Tais signos se tornam mais plenos na publicidade: Porque, em publicidade, a significação da imagem é, certamente, intencional: são certos atributos do produto que formam a priori os significados da mensagem publicitária, e estes significados devem ser transmitidos tão claramente quanto possível; se a imagem contém signos, teremos certeza que, em publicidade, esses signos são plenos, formados com vistas a uma melhor leitura: a mensagem é franca, ou pelo menos, enfática (BARTHES, 1990: 28). 53 Destinada a uma leitura pública, a publicidade precisa ser clara e objetiva para que possa ser compreendida pelo maior número possível de pessoas que atestarão a sua inteligibilidade mediante a compra do produto anunciado. Tecendo suas considerações a partir de uma publicidade específica, a das massas italianas Panzani, Barthes (op.cit.) distingue três mensagens compondo a significação total da peça publicitária: mensagem lingüística, mensagem icônica codificada e mensagem icônica não codificada. No que diz respeito à mensagem lingüística, ela pode, na maioria das vezes, orientar a interpretação da imagem, já que esta veicula um grande número de informações. No dizer de Barthes, o verbal teria uma função de ancoragem ou de revezamento em relação à imagem. A função de ancoragem é bastante utilizada pela imprensa na forma de “legenda” da imagem, na tentativa de deter os vários sentidos que uma imagem gera. A função de revezamento contribui com indicações mais precisas, que apesar da riqueza comunicativa de uma imagem, muitas vezes não são possíveis de serem ditas sem o verbal, como as referências de lugar ou tempo. A mensagem icônica codificada é formada por diversos signos, que como tal, remetem a outros universos de significados. Estudiosos como Joly (1996), dizem que há nesta abordagem uma confusão quando Barthes coloca sob um mesmo significante elementos diversos como objetos e cores. Para Joly (op. cit), os trabalhos teóricos que se sucederam procuraram evidenciar o valor inquestionável do postulado barthesiano, mas o reconfiguraram no sentido de tentar esclarecer alguns pontos, reagrupando, por exemplo, sob a terminologia signos plásticos, elementos como as cores. Quanto à mensagem icônica não codificada, Barthes valoriza a utilização da fotografia, em detrimento do desenho ou da pintura, por considerar que ela transmite uma certa “naturalidade” à imagem. A grande contribuição de Barthes com o artigo A retórica da imagem foi o fato de ele considerar a imagem enquanto conjunto de signos, em que os objetos aí representados devem ser interpretados sob uma perspectiva sociocultural. Neste sentido, tornaram-se importantes algumas terminologias, como mensagem 54 denotada, que seria aquela identificada a partir da descrição da imagem, e mensagem conotada, que seria aquela evidenciada a partir dos saberes compartilhados entre quem anuncia e quem lê. Esta distinção tornou-se fundamental porque permite dizer que as escolhas plásticas não são aleatórias, contribuindo, assim, juntamente com os signos icônicos, para uma parte da significação da mensagem visual. Juntos, os signos icônicos e os signos plásticos formam o conjunto dos signos visuais, distintos e complementares entre si. Outro esclarecimento com relação ao postulado barthesiano diz respeito ao termo “imagem”. Este, que designava o anúncio em seu conjunto, foi substituído pela terminologia “mensagem visual”, a partir da qual são identificados os signos figurativos ou icônicos e os signos não-figurativos ou plásticos. Aqueles, dariam a impressão de “representar a realidade” tal é a forma com que joga analogicamente com a percepção e os códigos de representação. Estes, diriam respeito aos elementos plásticos em si da imagem, tais como cor, forma, iluminação, entre outros. Vemos, assim, que do artigo inaugural de Barthes originaram vários pontos produtivos a partir dos quais os estudos acerca da imagem publicitária têm evoluído. A título de ilustração, podemos mencionar o trabalho de análise proposto por Martine Joly (1996) a partir de uma publicidade das roupas Marlboro Classics veiculada no semanário Le Nouvel Observateur em 1990. Primeiramente, a autora faz uma descrição desta peça. Em seguida, faz um estudo detalhado de cada uma das três mensagens que constituem esta publicidade, a saber: a mensagem plástica, a mensagem icônica e a mensagem lingüística. Para a autora, a análise de cada uma destas mensagens e o estudo de sua interação permitem identificar uma mensagem implícita global do anúncio, além de jogar com o saber cultural e sociocultural do espectador, de cuja mente é solicitado um trabalho de associações. É nos baseando em Joly (op. cit.) que conceberemos a publicidade como produto resultante da articulação entre as partes visual e verbal e postularemos que a sua significação depende da 55 justaposição destes dois planos. Procuraremos, desta forma, descrever as publicidades do corpus a partir do modelo de análise proposto pela autora no que tange às mensagens plástica e icônica. 3.1.1 Os elementos icônicos ou figurativos A mensagem icônica seria o suporte material de expressão do signo icônico, que através de conotações que ele evoca, sugere, no anúncio, algo a mais do que ele próprio poderia dizer. Ela é composta pelos elementos que compõem a peça publicitária. Na publicidade das roupas Marlboro Classics, descrita por Joly (1996), o reconhecimento de elementos como jaqueta de couro, uma mão enluvada segurando as rédeas de um cavalo, o santo-antonio da sela e o pescoço de um animal serve, segundo a autora, para vislumbrar a imagem de um homem esportista, ou mais especificamente, a imagem estereotipada do caubói tantas vezes utilizada nas campanhas publicitárias dos cigarros Marlboro. Ainda que os signos icônicos possam ser poucos no anúncio publicitário, eles são suficientes para reunir um certo número de qualidades atribuídas a um grupo social. Deste modo, a análise da mensagem icônica sublinha que a interpretação dos elementos se dá através do processo da conotação de diversas ordens, tais como usos socioculturais dos objetos, lugares, pessoas ou posturas. A partir dessas colocações, propomos as seguintes grades a partir das quais descreveremos o nosso corpus com relação aos elementos icônicos ou figurativos: Signos Pub1 Pub n icônicos/figurativos Seres Desenho Objetos Grade resumida 1 – Signos icônicos ou figurativos 56 Produto anunciado Pub1 Pub n Grade resumida 2 Produtos mais anunciados Pub1 Pub n Grade resumida 3 Partes do corpo destacadas Pub1 Pub n Seres Grade resumida 4 3.1.2 Os elementos plásticos ou não-figurativos A mensagem plástica seria composta por elementos como cor, forma, composição, textura entre outros. Até 1980, os signos plásticos eram considerados material de expressão dos signos icônicos. Segundo Joly (1996), deve-se ao Grupo Mu, a distinção teórica entre signos plásticos e signos icônicos. A partir de então, começou-se a considerar que a significação da mensagem visual encontra-se, em parte, determinada pelas escolhas plásticas: A distinção teórica entre signos plásticos e signos icônicos remonta aos anos 1980, quando o Grupo MU25, em particular, conseguiu demonstrar que os elementos plásticos das imagens – cores, formas, composição, textura – eram signos plenos e inteiros e não simples material de expressão dos signos icônicos (figurativos) (JOLY, 1996:31). A imagem, assim como qualquer outro objeto, é visualizada graças a um conjunto de leis perceptivas. A percepção visual é o processamento de uma 25 Grupo Mu. “Traité du signe visuel”. Pour une rhetorique de l’image. Paris, Seuil, 1992. 57 informação que chega aos olhos mediatizada pela luz. No sistema visual, existem unidades elementares que cooperam para a percepção dos objetos e do espaço de maneira sempre simultânea, de forma que a percepção de alguns afeta a percepção dos outros. De acordo com os trabalhos de Aumont (1995), os elementos da percepção são a luminosidade, as bordas e as cores. Dondis (1991), por sua vez, fala em elementos básicos da comunicação visual, assim definidos: o ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura, a escala ou proporção, a dimensão e o movimento. Neste trabalho, atentaremos para três dos elementos básicos da comunicação visual: cor, forma e luminosidade, tal como descritos por Joly (1996), que considera que a interpretação destas categorias é antropológica e cultural, ou seja, a percepção destes elementos deriva de um saber consensual, compartilhado culturalmente, logo relacionado à noção de estereótipo. 3.1.1.1 Cor O homem vive mergulhado num cromatismo intenso do qual não consegue se desvencilhar, a não ser por algum fator fisiológico como a cegueira. Seja na natureza, seja nas arquiteturas urbanas, o homem está cercado por um mundo cromático que o satisfaz. No campo publicitário, a cor é um dos pontos primordiais da estratégia de marketing na medida que é a responsável pela captação da atenção do público-alvo. Farina (1986) salienta que a cor assume até mesmo um valor psicológico, preenchendo algumas necessidades humanas. Para este autor, a compra é resultado, ora de um ato racional, quando fruto de uma necessidade concreta do consumidor, ora de um ato emotivo, ou seja, quando ocasionada por uma necessidade criada. Criar no consumidor a necessidade da compra requer uma motivação, muitas vezes, proporcionada pela cor. Deve-se observar, contudo, que a cor é uma construção social e como tal está ligada a fatores culturais próprios a cada comunidade. Pode-se afirmar com Farina que: 58 Os costumes sociais são fatores que intervêm nas escolhas das cores. Por exemplo, em determinadas culturas, é hábito diferenciar, através da cor, as vestes das mulheres mais idosas das vestes usadas pelas mais jovens (...). Esses significados ficam de tal forma enraizados na cultura de um povo que estamos hoje em condição de ver, na cultura de nosso país, o emprego, na linguagem corrente, de sensações visuais para definir estados emocionais ou situações vividas pelo indivíduo. É muito comum ouvirmos frases como estas: “De repente, a situação ficou preta”; “Fulano estava roxo de raiva”; “Ela sorriu amarelo”; “O susto foi tão grande que ela ficou branca”; “Estava vermelha de vergonha” (FARINA, 1986: 103). Percebemos, assim, que apesar de a sensação da cor ser considerada o elemento mais emocional dentre aqueles que constituem o processo visual, ela está ligada à expressão cultural de um grupo social. Na nossa sociedade, por exemplo, as cores rosa e azul estão, respectivamente, associadas a enxovais de meninas e enxovais de meninos. Com a seguinte grade pretendemos descrever nosso corpus com relação à cor: Cor Pub1 Pub n Cromática Grade resumida 5 – Cor 3.1.1.2 Forma Em Introdução à análise da imagem, Joly (1996) alerta para o fato de que um estudo interpretativo da imagem enfrenta alguns obstáculos, já que muitas vezes as pessoas não se sentem preparadas para discorrer sobre uma arte plástica. Outro obstáculo à interpretação das formas é o fato de que não há comentários a fazer sobre a silhueta de um homem ou de uma árvore; elas são assim (JOLY, 1996: 99). A autora salienta, ainda, que a busca por uma compreensão rápida e clara da imagem publicitária pode gerar associações estereotipadas, como a vinculação de formas arredondadas à feminilidade e de linhas retas ou formas agudas à virilidade. 59 Na publicidade das roupas Marlboro Classics que analisa, Joly (op. cit.) estabelece um sistema em que opõe formas moles, organizadas em massa, a um sistema de traços, listras finas e verticais. Em certos aspectos, esta abordagem nos pareceu confusa. Diante desta realidade, adotaremos as categorias para a análise da comunicação visual propostas por Dondis (1991) para o estudo da forma do nosso corpus. Para Dondis (op. cit.), a forma é um elemento imprescindível para compor o design, manipulação de elementos visuais, de qualquer comunicação visual e está estreitamente ligada ao conteúdo. A seguir explicaremos as categorias propostas por este autor, exemplificando com publicidades do nosso corpus: (i) Planura: o que caracteriza esta técnica é o uso de perspectiva intensificada pela reprodução da informação ambiental através da imitação dos efeitos de luz e sombra característicos do claro-escuro. (Pub 1) (ii) Ênfase: esta técnica realça apenas uma coisa contrastada com um fundo em que predomina a uniformidade. (Pub 3) 60 (iii) Justaposição: relação de comparação que se estabelece entre duas sugestões colocadas lado a lado. (Pub 18) (iv) Exagero: intensificação e ampliação extravagantes de um relato. (Pub 12) (v) Singularidade: focalização de um tema isolado sem o apoio de qualquer outro estímulo visual. (Pub 11) (vi) Ousadia: seu objetivo é obter a máxima visibilidade. 61 (Pub 16) (vii) Atividade: representação ou sugestão do movimento. (Pub 9) A partir das categorias definidas acima, propomos a seguinte grade para a descrição do nosso corpus, quanto à utilização da forma: Forma Planura Ênfase Justaposição Exagero Singularidade Ousadia Atividade Pub1 Pub n Grade resumida 6 - Formas 3.1.1.3 Iluminação A iluminação diz respeito à incidência da luz que circunda as coisas. O valor tonal é a medida adotada para se descrever a luz e é graças a ele que os indivíduos enxergam. Eles vêem porque a luz que circunda as coisas é refletida pelas superfícies brilhantes ou incide sobre os objetos portadores de claridade ou obscuridade relativa. Graças às variações tonais pode-se, então, identificar a 62 complexidade da informação visual. Assim, a visibilidade do claro se superpõe ao escuro e vice-versa. Segundo Joly (1996), a luminosidade pode ser classificada em pelo menos dois tipos: difusa e orientada. A luz difusa, em oposição à luz orientada, torna a representação visual menos realista, já que atenua as referências espaciais, a impressão de relevo, suaviza as cores e bloqueia as indicações temporais. Assim como a cor e a forma, a autora diz que a interpretação da iluminação é antropológica, ou seja, deriva de um saber compartilhado socialmente. A partir daí, concebemos a seguinte grade: Iluminação Pub1 Pub n Orientada Difusa (generalização) Grade resumida 7 – Iluminação 3.2 Análise do verbal Joly (1996), ao tratar da mensagem lingüística, desenvolve sua análise baseada em aspectos como a escolha da tipografia enquanto recurso plástico. Para a autora, o conteúdo da mensagem lingüística encontra-se, em parte, assinalado na sua cor, na sua disposição na página ou na escolha dos caracteres. A autora trata, ainda, da sintaxe da frase enquanto retórica, o que inclui a análise dos desvios gramaticais enquanto efeito de sentido. Consideramos que tais aspectos sejam importantes, uma vez que implicam em associações interpretativas diversas. Contudo, eles não atendem ao objetivo geral do nosso trabalho, uma vez que estamos postulando a existência de uma relação entre a linguagem e o contexto socio-histórico em que esta se insere. Em função disso, para a análise da mensagem lingüística presente no corpus, adotaremos como categoria os procedimentos semânticos, conforme descritos por Charaudeau (1992), que consistem na utilização de argumentos 63 que repousam sobre valores que, dentro dos domínios de avaliação, são compartilhados socialmente. Acreditamos que esta categoria atende mais proximamente ao nosso objetivo de identificar quais são os estereótipos que figuram no discurso publicitário, por acreditarmos que a existência do estereótipo se funda em valores e crenças mobilizados de maneira recorrente. 3.2.1 Os domínios de avaliação Como dissemos anteriormente, os procedimentos semânticos estão ligados aos domínios de avaliação. Estes serão definidos a seguir e exemplificados com formas verbais do nosso corpus: (i) Pragmático: define as coisas ou as ações em função de sua utilidade: SUAVIZA OLHEIRAS E BOLSAS (Pub 8). (ii) Verídico: define a existência dos seres e dos objetos. No caso da publicidade, utilizam-se elementos que compõem a fórmula do produto, dando cientificidade ao argumento: SABONETE MAIS LOÇÃO COM COLÁGENO GARANTEM 90% DE EFICÁCIA FIRMADORA (Pub 3). (iii) Hedônico: pauta-se no prazer ou satisfação proporcionados pela utilização do produto: QUE TAL SER MAIS FELIZ HOJE? (Pub 1). 64 (iv) Ético: as ações são definidas de acordo com as regras de comportamento que fazem parte de um consenso geral: VIVER BEM É VALORIZAR AS PEQUENAS COISAS (Pub 5). (v) Estético: os seres e objetos são definidos com base em sua beleza. LINDA POR NATUREZA (Pub 8). 3.2.2 Os valores A cada um dos domínios de avaliação acima citados, existe um valor correspondente, que se relaciona, por conseguinte, a uma norma de representação social. A seguir mostraremos, com alguns exemplos do nosso corpus, quais são estes valores, sempre em conformidade com a proposta de Charaudeau (1992). (i) Valores concernentes ao domínio da verdade: a. COMO TER SEU PRÓPRIO NEGÓCIO, SUCESSO E MUDAR DE VIDA? (Pub 2) b. UMA MARCA QUE ACOMPANHA AS MULHERES NA BUSCA POR SUA REALIZAÇÃO PESSOAL (Pub 2) c. HOJE A MULHER ENTENDE TANTO DE CARRO QUANTO O HOMEM. MAS CONTINUA A ENTENDER MUITO MAIS DE OFERTAS (Pub 4). d. GREAT LENGTHS É A RESPOSTA ÀS MULHERES QUE SONHAM COM CABELOS MAIS COMPRIDOS E VOLUMOSOS (Pub 6). 65 e. CURVES É UMA ACADEMIA DIVERTIDA, RÁPIDA, SEGURA E SOB MEDIDA PARA MULHERES DE TODAS AS IDADES (Pub 9) f. 30 MINUTOS DE EXERCÍCIOS PARA MULHERES DE TODAS AS IDADES (Pub 1). (ii) Os valores concernentes ao domínio do ético podem ser, por exemplo, de solidariedade: MULHERES QUE MUDARAM DE VIDA LEVANDO PARA OUTRAS MULHERES A CHANCE DE FAZER O MESMO (Pub 2). (iii) Valores concernentes ao domínio do hedônico: a) QUE TAL SER MAIS FELIZ HOJE? (Pub 1). b) UMA CURVA ENVERGONHADA PERDE TODA A TIMIDEZ QUANDO ESTÁ FIRME. SISTEMA FIRMADOR DOVE. TESTADO EM CURVAS DE VERDADE (Pub 3). c) MOVIMENTO SAUDÁVEL FERLA. VIVER BEM É VALORIZAR AS PEQUENAS COISAS (Pub 5). d) VENHA CONFERIR. CERTAMENTE VOCÊ SE SURPREENDERÁ (Pub13). (iv) Valores concernentes ao domínio do pragmático sugerem um comportamento fundado em normas baseadas na quantidade, num suposto modelo de comportamento, num argumento de prudência ou conservadorismo e na diferença como forma de sedução, exemplificados, respectivamente, a seguir: a) TODAS AS MULHERES GOSTAM ATRAVÉS DOS CABELOS (Pub 19). 66 DE SE EXPRESSAR b) VENHA CONFERIR O QUE MAIS DE 4 MILHÕES DE MULHERES JÁ APROVARAM (Pub 9). c) VOCÊ É O QUE VOCÊ COME (PUB 12). d) HOJE A MULHER ENTENDE TANTO DE CARRO QUANTO O HOMEM. MAS CONTINUA A ENTENDER MUITO MAIS DE OFERTAS (Pub 4). (v) Concernente ao domínio de avaliação estético, temos os seguintes exemplos de valores: a) SE A BELEZA TINHA SEGREDOS, VOCÊ ACABA DE DESCOBRIR TODOS ELES (Pub 11). b) MACACÕES FABRICADOS COM MUITO CARINHO PARA O BEBÊ SENTIR O MÁXIMO DE CONFORTO E FICAR AINDA MAIS CHEIO DE GRAÇA (Pub 16). c) DÊ UM PRESENTE ATHLETIC E GANHE UM PAI EM FORMA (Pub 18). Como os domínios, e por conseguinte os valores, encontram-se nas diversas formas textuais publicitárias, propusemos modelos de grades como os que se seguem: Formas textuais Pub 1 Apresentação Chamada Descrição Depoimento Slogan Grade resumida 8 67 Pub n Domínio de avaliação Pragmático Verídico Hedônico Ético Estético (apresentação) Pub 1 Pub n Grade resumida 9 Domínio de avaliação Pragmático Verídico Hedônico Ético Estético (chamada) Pub 1 Pub n Grade resumida 10 Domínio de avaliação Pragmático Verídico Hedônico Ético Estético (descrição) Pub 1 Pub n Grade resumida 11 Domínio de avaliação Pragmático Verídico Hedônico Ético Estético (depoimento) Pub 1 Pub n Grade resumida 12 Domínio de avaliação Pragmático Verídico Hedônico Ético Estético (slogan) Pub 1 Pub n Grade resumida 13 68 CAPÍTULO 4 – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS Nesse capítulo, tencionamos descrever e analisar o corpus com relação aos estratos visual e verbal. De posse dos dados descritos, pretendemos interpretálos. 4.1 Descrição Nas seções 4.1.1 e 4.1.2 descreveremos, respectivamente, o estrato visual e o estrato verbal a partir do levantamento realizado através das grades, o que nos permitiu quantificar as ocorrências e verificar aquelas que são mais significativas. Como nosso objetivo maior é a identificação dos estereótipos, nos concentraremos nos elementos mais freqüentes, visto que eles revelam as representações estereotipadas. Para a descrição do estrato visual, seguiremos a proposta de Joly (1996), levando em conta os elementos icônicos ou figurativos (imagem do produto anunciado e dos seres presentes na página publicitária) e os elementos plásticos ou não-figurativos (cor, iluminação e formas). Para a descrição dos elementos verbais, recorreremos ao estudo dos domínios de avaliação, de acordo com os trabalhos de Charaudeau (1992), que remetem aos valores utilizados na construção argumentativa da página publicitária. 4.1.1 Descrição do estrato visual Investigamos os tipos de produtos anunciados nas publicidades do nosso corpus bem como a sua freqüência e chegamos ao seguinte resultado: os produtos de perfumaria26 aparecem em 35% dos casos; as publicidades que 26 Estamos trabalhando com o mesmo conceito de perfumaria adotado por Melo (2003), de acordo com os dados fornecidos pela ABIHPEC (Associação Brasileira de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos). Perfumaria é uma categoria genérica na qual se incluem perfumes, produtos de 69 anunciam roupa infanto-juvenil correspondem a 15% das ocorrências; a presença de publicidades anunciando produtos alimentícios ocorre em 10% das peças publicitárias; 5% das publicidades anunciam academia de ginástica; outros 5% anunciam aparelhos de ginástica. A presença de publicidades que anunciam técnica de alongamento de cabelo é freqüente em 5% dos casos. A publicidade de carro é recorrente em 5% das peças publicitárias; o anúncio de livraria é freqüente em 5% das publicidades. Os medicamentos são anunciados em 5% dos casos. Os produtos infantis e a revenda de cosméticos são anunciados em 5% das publicidades cada um. Pela análise dos produtos anunciados, podemos verificar uma valorização dos cuidados com a aparência física no conjunto das publicidades formadas pelos produtos de perfumaria, roupas, produtos alimentícios, academia/aparelhos de ginástica e alongamento de cabelos. Um outro dado nos chama a atenção: a freqüência de aparição dos produtos de perfumaria destinados à mulher, além da variedade dos mesmos: 28,57% das peças publicitárias anunciam cremes preventivos antiidade e anticelulite; 14,28% das publicidades anunciam creme corporal. O perfume é anunciado em 14,28% dos casos; as publicidades que anunciam creme para suavizar olheiras são freqüentes em 14,28% das peças publicitárias. As publicidades de maquiagem aparecem em 14,28% dos casos e o anúncio de tratamento capilar é freqüente em 14,28% das peças publicitárias. Investigamos, ainda, quais são as imagens dos seres que aparecem justapostas aos produtos. O resultado dessa pesquisa foi o seguinte: a imagem da mulher aparece em 50% dos casos; a imagem da criança é freqüente em 15% das publicidades e a imagem do adolescente ocorre em 5% das peças publicitárias. A imagem da mulher segurando uma criança aparece uma única vez (Pub 20), assim como a imagem da mulher ao lado de um cachorro (Pub 5). A imagem do homem com crianças também aparece em apenas uma publicidade (Pub 18). higiene pessoal (sabonete, desodorante, produtos para barba, xampu, condicionador e produtos em geral para tratamento dos cabelos) e cosméticos (cremes, loções, produtos para colorir os cabelos e maquilagem em geral). 70 Observamos que duas publicidades (Pub 4 e Pub 12) utilizam desenhos. Na Pub 4, ocorre a personificação de um carro e na Pub 12, a personificação de um salgado do tipo “coxinha”. Tanto o carro quanto a “coxinha” adquirem características físicas humanas, como olhos, boca, braços e pernas. Este dado nos mostra que as publicidades investem menos em ilustrações com desenhos. (Pub 4) (Pub 12) Tentamos identificar, também, quais são os objetos que compõem as peças publicitárias e observamos a presença de escova de cabelos, toalha de banho e secador de cabelos utilizados unicamente pela Pub 19. Tais objetos se relacionam ao cuidado com a aparência física. Observamos que algumas partes do corpo das mulheres são mais destacadas que outras. Com relação às publicidades em que aparece a imagem da mulher, pudemos perceber que 60% dos casos destacam o rosto e 20% das ocorrências dão ênfase ao torso. Os casos em que ora se focaliza a mulher de corpo inteiro, ora se focaliza unicamente os seus olhos, somam 10% dos casos cada um. Nas publicidades com crianças, 66,66% das ocorrências destacam somente o rosto delas. Nas publicidades em que aparecem as imagens da mulher ora com um cachorro, ora com uma criança, destaca-se o torso. A publicidade com homem e crianças retrata-os de corpo inteiro. Com relação à cor, todas as publicidades do corpus revelam uma profusão de cores, ou seja, são cromáticas. Nas publicidades que anunciam produtos infantis, mesclam-se cores como laranja, amarelo, azul, verde, sempre em 71 tonalidades fortes. Chama-nos a atenção o fato de que a cor utilizada na embalagem dos produtos de perfumaria é, geralmente, a mesma utilizada no ambiente em que se encontra o produto ou é compatível com a cor da roupa utilizada pelas mulheres. Neste caso, observamos a predominância da cor branca: (Pub 2) (Pub 3) (Pub 7) (Pub 8) (Pub 19) 72 Com relação às publicidades que anunciam produtos alimentícios, percebemos uma variedade de cores que, assim como nas publicidades que anunciam os produtos infantis, se mesclam num jogo em que se distinguem o laranja, o vermelho, o amarelo, o verde e o azul. No que tange à forma das páginas publicitárias do nosso corpus, observamos a seguinte freqüência: a ênfase ocorre em 35% das ocorrências, a ousadia predomina em 20% das publicidades e a planura, a justaposição, a singularidade e a atividade aparecem em 10% dos casos cada uma. É ainda utilizado, com menos freqüência, o exagero, em apenas 5% dos casos. A predominância da ênfase, que é uma técnica que realça apenas uma coisa contrastada com um fundo em que predomina a uniformidade, revela que os produtos de perfumaria e os seres se encontram sob um fundo branco, como atestam os exemplos abaixo: (Pub 2) (Pub 3) (Pub 7) (Pub 8) 73 (Pub 10) (Pub 19) Com relação à iluminação, esta é predominantemente orientada em 65% dos casos. Ela se dirige para o rosto dos seres, destacando expressões fisionômicas, como em: (Pub 1) (Pub 2) (Pub 11) O emprego da iluminação difusa ocorre em 35% das publicidades e serve para evidenciar o espaço físico em que os seres se encontram: 74 (Pub 9) (Pub 15) 4.1.2 Descrição do estrato verbal Para a descrição dos elementos verbais fizemos, primeiramente, um levantamento das formas textuais que compõem a página publicitária. Consideramos este procedimento importante porque os domínios de avaliação podem aparecer inseridos nas diversas formas textuais das publicidades. O resultado deste levantamento foi o seguinte: 90% das publicidades apresentam a forma textual descrição; a apresentação é recorrente em 80% dos casos; a chamada está presente em 70% do total das publicidades. Com relação ao slogan, 60% das publicidades recorrem a esta forma textual. O depoimento aparece em apenas 10% das publicidades do nosso corpus. Tentamos identificar o domínio de avaliação que é mais recorrente em cada uma destas formas verbais. Chegamos ao seguinte resultado: todas as publicidades do corpus que utilizam a forma verbal apresentação recorrem, em 100% dos casos, ao domínio de avaliação pragmático. Com relação às publicidades que apresentam chamada, 64,28% delas utilizam o domínio de avaliação pragmático, 14,28% recorrem ao domínio de avaliação estético, 14,28% utilizam o domínio de avaliação hedônico e 7,14% empregam o domínio de avaliação verídico. As publicidades que apresentam a forma verbal descrição lançam mão do domínio de avaliação pragmático em 100% dos casos. Apenas duas publicidades recorrem ao depoimento. Uma utiliza o domínio de avaliação estético e a outra, o domínio de avaliação pragmático. 75 Das publicidades que apresentam slogan, 41,66% empregam o domínio de avaliação pragmático; 33,33% delas utilizam o domínio do hedônico, 16,66% dos casos recorrem ao domínio de avaliação estético e 8,33% lançam mão do domínio de avaliação verídico. As publicidades que adotam o domínio de avaliação pragmático sugerem um comportamento que pode estar baseado: (i) na manutenção e/ou prevenção de um rosto jovem: a) LINHA CICLOS D’RACCO COM DMAE. ANTI-AGE E ANTICELULITE. 5 VEZES MAIS EFICAZ; REDUZ ATÉ 98% DAS RUGAS (Pub 1). b) IDEAL PARA ATENUAR E PREVENIR AS RUGAS DO PESCOÇO, COLO E MÃOS, PODENDO SER APLICADA EM TODO ROSTO (Pub 7). (ii) tonificação e fortalecimento da pele ou do cabelo: a) SABONETE MAIS LOÇÃO COM COLÁGENO GARANTEM 90% DE EFICÁCIA FIRMADORA (Pub 3). b) AÇÃO NUTRITIVA, HIDRATANTE E REVITALIZANTE COM TOQUE SECO E SUAVE (Pub 7). c) SUAVIZA OLHEIRAS E BOLSAS (Pub 8). d) DOVE ESSENTIAL CARE FORTALECE OS FIOS, RESGATA O BRILHO SEM DEIXAR OS CABELOS PESADOS (Pub19). (iii) práticas de manutenção de um corpo esbelto: a) UM CIRCUITO COM EXERCÍCIOS DE FORÇA E TREINAMENTO AERÓBICO EM APENAS 30 MINUTOS, ADEQUADOS À SUA AGENDA, QUE RESULTA 76 EM PERDA DE PESO, FORTALECIMENTO MUSCULAR E CONDICONAMENTO FíSICO (Pub 9). b) DÊ UM PRESENTE ATHLETIC E GANHE UM PAI EM FORMA (Pub 18). c) E O MELHOR: VOCÊ COME E NINGUÉM PERCEBE (Pub 12). Ao lado da oferta de produtos, como vimos, que sejam úteis para a manutenção de um corpo jovem e esbelto, como se percebe através do domínio de avaliação pragmático, as publicidades do corpus recorrem, ainda, ao domínio de avaliação hedônico. Este define as situações em agradáveis ou desagradáveis segundo o prazer que proporcionam por estarem em conformidade com os projetos e ações humanas. Desta forma, as publicidades que sugerem este tipo de comportamento podem estar baseadas: (i) na satisfação demonstrada em relação ao próprio corpo: a) UMA CURVA ENVERGONHADA PERDE TODA A TIMIDEZ QUANDO ESTÁ FIRME (Pub 3). b) SURPREENDA-SE! (Pub 9). c) TORRADAS BAUDUCCO. A VIDA LEVE É TÃO MAIS GOSTOSA (Pub 12). d) RESGATANDO A CONFIANÇA E A AUTO-ESTIMA, SEJA USANDO OS PRODUTOS MARY KAY OU, AINDA, SE TORNANDO UMA DE NOSSAS CONSULTORAS (Pub 2). (ii) na satisfação em desfrutar pequenos prazeres da vida: a) ANA, 36. DAVA UMA VOLTA NO SHOPPING TODO DIA. AGORA DÁ UMA VOLTA NO QUARTEIRÃO COM SEU CACHORRO. MOVIMENTO SAUDÁVEL FERLA. VIVER BEM É VALORIZAR AS PEQUENAS COISAS (Pub 5). 77 b) ONTEM, FUI PRA BALADA (Pub 8). Com relação à utilização do domínio estético pelas publicidades do nosso corpus, observamos que ele é empregado ora para mostrar que ser belo é um “dom natural”, ou seja, a pessoa nasce bela, ora para mostrar que é uma conquista individual, que depende da busca por produtos para este fim: a) TRACTA FARMAERVAS: LINDA POR NATUREZA27 (Pub 8). b) SE A BELEZA TINHA SEGREDOS, VOCÊ ACABA DE DESCOBRIR TODOS ELES (Pub 11). Com menos freqüência se recorre ao domínio da verdade. Observamos que a utilização deste domínio corrobora para a definição da mulher enquanto ser ativo, que se preocupa com a aparência: a) GREAT LENGTHS É A RESPOSTA ÀS MULHERES28 QUE SONHAM COM CABELOS MAIS COMPRIDOS E VOLUMOSOS (Pub 6). b) UMA MARCA QUE ACOMPANHA AS MULHERES NA BUSCA POR SUA REALIZAÇÃO PESSOAL (Pub 2). c) MULHERES QUE MUDARAM DE VIDA AJUDANDO OUTRAS MULHERES A FAZER O MESMO (Pub 2). d) 30 MINUTOS DE EXERCÍCIOS PARA MULHERES DE TODAS AS IDADES (Pub 9). e) VENHA CONHECER O QUE MAIS DE 4 MILHÕES DE MULHERES JÁ APROVARAM (Pub 9). f) TODAS AS MULHERES GOSTAM DE SE EXPRESSAR ATRAVÉS DOS CABELOS (Pub 19). 27 28 Grifos nossos. Grifos nossos. 78 A partir destes números levantados com a descrição do nosso corpus através das grades, alguns aspectos nos chamam a atenção e apontam “o caminho” para uma possível leitura dos dados. O primeiro aspecto diz respeito aos produtos anunciados: a maioria deles é produto de perfumaria, o que revela uma valorização da aparência feminina. Outros produtos, como alimentos e academia/aparelhos de ginástica, também apontam para a valorização dos cuidados com a aparência física feminina. O segundo aspecto é a freqüência com que as mulheres retratadas nas publicidades são apresentadas individualmente, ou seja, não há outras pessoas na composição da página publicitária que nos permitissem vincular a imagem feminina a um grupo social como a família, por exemplo. Tal fato parece ser um indício do “enfraquecimento do estereótipo” do papel da mulher ligado à noção de mãe, esposa ou dona-de-casa. Há, ainda, um terceiro aspecto observado com relação à parte do corpo feminino que é mais mostrada pela publicidade: o rosto é focalizado, prioritariamente, de maneira a destacar as expressões fisionômicas. Assim, a mulher tem a sua face mais explorada: os olhos, o semblante, o sorriso e a pele ficam em evidência e as “marcas” do tempo, ou a ausência delas, acabam sendo mais flagrantes. O último aspecto observado é a recorrência dos domínios de avaliação pragmático e hedônico. Isso mostra que as publicidades apresentam produtos que sejam eficientes para conservar um padrão de beleza pautado nos valores da juventude e da esbeltez. O reforço do pragmático, como veremos mais adiante, através da utilização de uma terminologia própria ao domínio científico, ajuda a conferir maior credibilidade à suposta eficácia do produto. 79 4.2 Interpretação Nas seções seguintes, apresentaremos os resultados do estudo descritivo, que apontam, na sua totalidade, para a valorização da aparência feminina, ou seja, permanece o estereótipo de que “mulher tem que ser bonita”. Como veremos, essa beleza é colocada pela publicidade como fundada na juventude e na esbeltez. 4.2.1 A valorização da aparência feminina A valorização da aparência nem sempre foi considerada uma prática restrita às mulheres. Baseando-se nesta afirmativa, autores como Lipovetsky (2000) e Silva (1998) acreditam que se deve ao surgimento da imprensa, com a propagação de um ideal consumista, a valorização social da estética feminina. Lipovetsky (2000) faz uma interessante constatação ao mostrar que o valor social da beleza feminina é uma “construção” dos tempos modernos. Para este autor, uma incursão pela história universal é capaz de revelar que nem sempre a mulher foi considerada a representante suprema da beleza. Na pré-história, a arte paleolítica já se dedicava à representação de signos femininos, embora numa proporção menor que a de figuras de animais. Ao retratar a mulher através de representações que sublinhavam apenas partes do seu corpo relacionadas ao aparelho reprodutor, tais como vulva e região pubiana, não se desejava exprimir uma idolatria estética do feminino. A arte do neolítico, ainda que retratasse a mulher através de nádegas, seios volumosos e um rosto pouco elaborado, dedicou-se mais à representação feminina do que à representação de animais. Segundo os estudos de Lipovetsky (2000), somente 6 mil anos antes da era atual é que a imagem feminina “humaniza-se”, quando se destaca o seu rosto e o seu olhar. Mas, o que se enfatiza, ainda, não é a beleza feminina e sim a sua fecundidade, que estabelece 80 uma hierarquia entre o homem e a mulher. Esta passa a ser vista como um ser sagrado, detentora do poder divino de vida e de morte. Ao se basear em dados históricos, Lipovetsky (op. cit.) apresenta provas que corroboram a sua tese de que tanto as culturas “primitivas” quanto as culturas camponesas testemunhavam a ausência de culto daquilo que ele chama de “belo sexo”. Mais uma vez: o que dava à moça a condição distintiva era a fecundidade e não a beleza. Para o autor, a idolatria da beleza feminina só começou a existir em decorrência da divisão social entre classes, a saber, classes ricas e pobres, classes nobres e laboriosas. As mulheres das classes superiores, dispondo de horas de ociosidade, podiam se dedicar mais ao cuidado de si tanto para se distrair quanto para agradar ao marido. Essa nova ordem social não significou, por certo, a cultura do “belo sexo”, mas associou, desde então, a valorização da estética como uma prática restrita às mulheres que não trabalhavam: Simultaneamente, aparecem critérios que levam a considerar belas apenas as mulheres desobrigadas do imperativo do trabalho produtivo. Exigência de tez branca, culto dos pés pequenos na China, emprego das pinturas, penteados sofisticados, enfeites luxuosos, espartilhos e saltos altos: códigos ou artifícios destinados a marcar a posição social superior e que revelam os laços que unem o culto da beleza feminina e os valores aristocráticos. Mulheres belas, mulheres ociosas: daí em diante a beleza será considerada incompatível com o trabalho feminino (LIPOVETSKY, 2000: 107-108). Para os gregos, a beleza feminina era ao mesmo tempo maravilhosa e maligna porque tinha o poder da sedução. Durante toda a Idade Média, e mesmo algum tempo depois, perpetuou-se esse “estigma” em relação à aparência feminina: A arte medieval traduziu em imagens essa estigmatização cristã da beleza feminina. Assim, em certos afrescos vê-se o Diabo travestir-se de bela moça. Em outros lugares, a mulher aparece sob os traços de serpentes antropomorfas, de criaturas com rosto diabólico; ela pode ser igualmente representada ao lado de monstros repugnantes a fim de desviar os homens de seus encantos funestos. A arte medieval não procura despertar a 81 admiração pelo corpo sedutor: dedica-se a inculcar o medo da beleza feminina, a exprimir seus laços com a queda e com Satã (LIPOVETSKY, 2000: 113). Da exaltação do poder da fecundidade à exaltação da beleza ideal: o reconhecimento social da beleza feminina entra numa nova fase, quando na Renascença a beleza é tida como uma propriedade distintiva da mulher. Contudo, considerar a mulher como a personificação da beleza contribuiu (...) para reforçar o estereótipo da mulher frágil e passiva, da mulher inferior em espírito, condenada à dependência em relação aos homens (LIPOVETSKY, 2000: 124). Para Silva (1998), desde a época em que as tribos começaram a caçar animais de grande porte, os homens, que tinham mais força física, saíam das cavernas, enquanto as mulheres permaneciam ali à espera da chegada do alimento. A delicadeza do corpo feminino já era percebida em comparação com a robustez do corpo masculino. Além desta explicação, que também passaria pelo processo históricocultural para a valorização social da beleza feminina, Silva (op. cit.) aponta, ainda, uma explicação psicanalítica. Citando Marcondes Filho, a autora mostra que a presença erotizada do corpo feminino29 como uma constante nos meios de comunicação de massa teria uma explicação pelo viés do complexo de castração: O menino, por ter desejado a mãe, acredita que será punido pelo pai, sendo castrado (...). Esse trauma de infância, o conhecimento de que não é todo mundo que tem pênis, marca o menino de forma definitiva. A menina, ao constatar que não possui o dito “membro”, acredita que os meninos têm mais prazer por possuí-lo. Isso lhe dá uma sensação de inferioridade e de defeito físico. Diferente do homem que concentra seu prazer em uma parte do corpo, no pênis, a mulher distribuirá seu prazer por todo seu corpo (...) O que faz com que o erotismo na TV seja tão promovido e com a função de excitar, já que a mulher é apenas um objeto de excitação a mais (MARCONDES FILHO apud SILVA, 1998: 779). 29 Acerca da presença sedutora e erotizada do corpo feminino na mídia, ver os trabalhos de Resende (2004) e Melo (2003). Os resultados revelados nestas pesquisas evidenciam a imagem da mulher ligada à sedução, à sensualidade, ao desejo de ser fatal na visão masculina. 82 Mas, tanto Lipovetsky (2000) quanto Silva (1998) concordam que a explicação mais plausível para a promoção dos valores estéticos como uma prática eminentemente feminina deve-se ao surgimento da imprensa. Até o início do século XX, a cultura do “belo sexo” tinha seus limites reduzidos a homenagens artísticas à mulher e os segredos de beleza eram trocados entre um grupo seleto de mulheres pertencentes às classes superiores. Com o aparecimento da imprensa, esse quadro se inverteu e a dimensão “elitista” da beleza entrou numa nova fase. Desta forma, a mídia feminina constitui, na atualidade, uma das principais formas de “incentivo” às mulheres em relação ao “ser bela”, através de seções que enfatizam moda e maquiagem associadas a mensagens publicitárias. Anuncia-se desde cremes que prometem rejuvenescimento até compostos alimentares que garantem deixar o corpo em forma em até algumas semanas. Isso explica o número considerável de revistas femininas no mercado editorial brasileiro, voltadas, na maioria das vezes, para a construção de um universo da mulher, através da exposição de modelos nos quais predominam práticas de cuidado com a aparência. Assim, a mídia feminina vive uma espécie de retroalimentação, ou seja, alimentando-se dos e alimentando os discursos que circundam o imaginário social, ela vai tecendo uma configuração identitária feminina dentro de uma perspectiva mercadológica que leva a sociedade a assumir certas proposições como verdadeiras e até naturais. É nesse universo que se localiza a revista UMA. Como já procuramos evidenciar no capítulo 1, segundo os dados disponíveis na home-page da editora Símbolo, 71% das leitoras desta revista têm interesse em beleza. Isso mostra que a revista, através de um tratamento estético bem elaborado, associado a chamadas que enfatizam o cuidado com a aparência, procura suprir as expectativas do seu público através da reprodução e/ou repetição do que ele anseia. Obviamente, não se pode responsabilizar a mídia feminina e, mais especificamente, a publicidade, no caso deste trabalho, pelas mudanças sociais. Contudo, parece inegável o fato de que as mensagens publicitárias ajam no 83 imaginário social e na construção da identidade, uma vez que o homem moderno encontra-se ladeado por elas em grande parte de seus atos cotidianos, como presentear, vestir, alimentar-se, entre outros. Desta forma, a publicidade não está à margem de seu papel social, de suas implicações culturais, reforçando ou deslocando os valores quando necessita adequar-se às exigências do mercado. Ampliando um pouco mais esta questão, Silva (1998) e Lipovetsky (2000) mostram que a valorização da estética feminina é uma estratégia do sistema econômico, via mídia, para a manutenção do controle institucional pelas mãos masculinas. Para Silva (op. cit.), a profissionalização da mulher tornou-se uma ameaça ao mercado de produtos domésticos. Longe dos afazeres domésticos, com uma vida profissional cada vez mais intensa, fez-se necessário garantir que a mulher mantivesse o mesmo nível de consumo de quando tinha tempo para isso: Antes as revistas femininas concentravam seus esforços na venda de produtos domésticos. Hoje, elas concentram seus esforços na venda de produtos de beleza e não mais no serviço doméstico. As revistas têm desempenhado uma função muito importante na criação da ideologia da beleza e alteração dos papéis das mulheres: de rainha do lar à rainha da beleza (...) Para impedir que elas invadam ainda mais a esfera pública, a estrutura de poder se encarregou de lhes dar mais uma tarefa: a de ser bela (SILVA, 1998: 785). Para Lipovetsky: Alquebrando psicológica e fisicamente as mulheres, fazendo-as perder a confiança em si próprias, absorvendo-as em preocupações estético-narcísicas, o culto da beleza funcionaria como uma polícia do feminino, uma arma destinada a deter sua progressão social. Sucedendo a prisão doméstica, a prisão estética permitiria reproduzir a subordinação tradicional das mulheres (LIPOVETSKY, 2000: 136). Como se pode notar, haveria uma dimensão ideológica na mídia feminina em que a mulher apresenta-se “dominada”, “escrava” de um padrão de beleza. Neste sentido, algumas revistas femininas se destinam e projetam um público que está mais preocupado com as imperfeições estéticas em detrimento, por exemplo, 84 de questões políticas e sociais como pudemos perceber, inclusive, no perfil psicográfico da leitora da revista UMA transcrito no capítulo 1. Assim, observamos que a UMA, na edição de agosto de 2005, não mostra mulheres negras, por exemplo. Ao contrário, ela apresenta como ideal de beleza a mulher branca e jovem, pertencente à classe média. Isso justifica o número considerável de publicidades no nosso corpus que buscam garantir níveis consideráveis de consumo de produtos para os cuidados com a aparência física. A publicidade de certa forma “reinventa” produtos porque atribui a eles mais que uma utilização funcional: eles são também colocados como portadores da felicidade e da realização. Conforme Charaudeau (1983), o anunciante se apresenta como benfeitor, aquele que tem um bom produto a oferecer e que suprirá as necessidades e/ou carências atribuídas ao destinatário. O destinatário, por sua vez, é colocado como aquele que se beneficiará das qualidades do produto, que possui uma necessidade a ser preenchida, obviamente, pelo produto anunciado. Sob essa perspectiva, ele é a parte feliz, uma vez que alcança, sempre, o ideal de sua busca através do consumo do produto anunciado. E o produto é aquele que dentre todos os outros da mesma natureza, apresenta-se, de alguma forma, superior. Ele é o ideal da busca do consumidor, capaz de fazê-lo feliz. Retomando nossos dados, e novamente citando Lipovetsky (2000) e Silva (1998), veremos a seguir, numa análise mais detalhada das publicidades (2), (8) e (9), que a lógica consumista viu na beleza um mercado promissor. Ao mesmo tempo em que se reconhece a independência feminina das atividades que dizem respeito aos cuidados domésticos, apregoa-se uma dependência aos cuidados estéticos visando sempre a conservação de uma aparência jovem da mulher. A publicidade Mary Kay (Pub 2), por exemplo, anuncia um produto que oferece à mulher um tratamento de beleza, além da possibilidade de trabalho: COMO TER SEU PRÓPRIO NEGÓCIO, SUCESSO E MUDAR DE VIDA? AJUDANDO OUTRAS MULHERES A FAZER O MESMO. 85 “Mudar de vida”, neste caso, parece estar associado à realização profissional através da possibilidade oferecida à mulher, pela empresa Mary Kay, de ter o seu próprio negócio: UMA MARCA QUE ACOMPANHA AS MULHERES NA BUSCA POR SUA REALIZAÇÃO PESSOAL (...) RESGATANDO A CONFIANÇA E A AUTOESTIMA, SEJA USANDO OS PRODUTOS MARY KAY OU, AINDA, SE TORNANDO UMA DE NOSSAS CONSULTORAS. Neste caso, o resgate da auto-estima se dá através da realização, tanto estética quanto profissional, que são condições oferecidas pela empresa Mary Kay. Podemos concluir com Lipovetsky (2000) que: Daí a emergência de um novo poder da beleza feminina: conquistar uma celebridade planetária, ser admirada pelas massas, viver no luxo graças a uma atividade profissional reconhecida socialmente e independente da troca sexual. Se a estrela é um fenômeno inseparável da era democrática, não é apenas porque todas as pessoas de qualquer condição podem, de direito, chegar à gloria midiática, mas também porque um valor tradicionalmente feminino, a beleza, permite que as mulheres ascendam a um plano de consagração social igual ao dos homens (LIPOVETSKY, 2000: 177-178). A publicidade Mary Kay trabalha, desta forma, com o que parecem ser as duas preocupações femininas atuais: o cuidado com a aparência e a realização profissional. Esta publicidade demonstra saber que as mulheres dão importância à beleza e que qualquer insatisfação neste campo pode ter impactos sobre a sua auto-estima, como aqueles apontados pelo psicoterapeuta Marco Antonio De Tommaso em entrevista à revista UMA, na seção A beleza vai ao divã. Para o psicoterapeuta, que trabalha para as agências de modelos Elite e L’Equipe em São Paulo: Muitas vezes, fecho os olhos enquanto essas meninas (referência às modelos atendidas no consultório do psicoterapeuta) falam e tenho a sensação de 86 estar diante de alguém com obesidade mórbida. Reclamam de pneus, pernas gordas, enfim têm uma distorção total da auto-imagem30. A idéia da entrada da mulher no mercado de trabalho também é retratada pela publicidade da Tracta Farmaervas (Pub 8), que enfatiza, através de uma narrativa, o dia agitado de uma mulher: ONTEM, FUI PRA BALADA. ACORDEI CEDO PRA TRABALHAR, MAS CHEGUEI ATRASADA. LEVEI BRONCA DO CHEFE E AINDA ENTREI NUMA REUNIÃO MUITO CHATA. PRA PIORAR, SAÍ TARDE E PEGUEI UM SUPERTRÂNSITO. Neste caso, as referências a “Levei bronca do chefe” e “entrei numa reunião muito chata” mostram que a mulher ocupa atividades extra-domésticos. Tal fato, não impossibilita, contudo, que ela faça do seu tempo livre o que quiser e lhe dá prazer, como sair “pra balada”. Reforça-se, assim, o hedônico. A publicidade parece instaurar um outro modelo: o da mulher autônoma, responsável por suas escolhas individuais e, por conseguinte, por suas conseqüências como o desgaste físico que, muitas vezes, se torna mais visível no rosto. A Pub 9, publicidade da Academia Curves, também retrata este modelo de vida da mulher, que tem o seu tempo todo organizado em função de uma agenda: UM CIRCUITO COM EXERCÍCIOS DE FORÇA E TREINAMENTO AERÓBICO EM APENAS 30 MINUTOS, ADEQUADOS À SUA AGENDA, QUE RESULTA EM PERDA DE PESO, FORTALECIMENTO MUSCULAR E CONDICIONAMENTO FÍSICO. Não existe uma referência a que tipo de agenda, com afazeres domésticos ou não, a mulher precisa cumprir. O que se percebe é que ela é retratada de maneira ativa, ou seja, tem muitas ocupações, mas nem por isso deixar de cuidar 30 Revista UMA. Ano 6. N° 59. Agosto de 2005. p. 111. 87 da aparência, principalmente de uma aparência esbelta. A mulher, ainda que seja por “30 minutos”, como afirma a publicidade, precisa “agendar” um tempo para dedicar-se ao cuidado de si mesma. A academia Curves é definida, ainda, por seus aparelhos: A CURVES POSSUI APARELHOS DE RESISTÊNCIA HIDRÁULICA, FÁCEIS E PRÁTICOS DE USAR, QUE NÃO NECESSITAM DE TROCA DE PESO E EVITAM O RISCO DE LESÕES MUSCULARES. Desta forma, a publicidade reforça o pragmático, retratando a oferta de um produto que seja prático e que auxilia a mulher no cuidado de si com menor esforço e investimento de tempo. No corre-corre diário, tornou-se necessário otimizar o tempo, mas sem descuidar da aparência. Ao mesmo tempo em que vem ocupando um espaço cada vez maior no mercado de trabalho, a mulher assume o direito de vivenciar seus prazeres. Ao retratar uma mulher bonita e sorridente, em companhia de um cachorro, a publicidade da Ferla (Pub 5), propõe: ANA DAVA UMA VOLTA NO SHOPPING TODO DIA. AGORA DÁ UMA VOLTA NO QUARTEIRÃO COM SEU CACHORRO. O anúncio refere-se à mulher como protagonista da sua própria vida e sugere que para isso ela deve fazer do seu tempo o que é melhor para si. Reforça-se, assim, o valor hedônico. O perfil feminino é representado de tal forma que o seu ideal parece ser a qualidade de sua própria vida, os cuidados consigo mesma: MOVIMENTO SAUDÁVEL FERLA. VIVER BEM É VALORIZAR AS PEQUENAS COISAS. 88 Ao evidenciar que Ana, a personagem do relato tratado no anúncio, trocou a agitação do shopping por uma volta no quarteirão com o seu cachorro, a publicidade remete-nos à idéia de aspiração por um estilo de vida que preza o equilíbrio físico, mental e emocional. Neste caso, a beleza do corpo resulta da conjugação da saúde física com a saúde mental. A publicidade da linha ciclos d’ Racco (Pub 1) também retrata uma mulher sozinha em demonstração de contentamento sob a chamada: QUE TAL SER MAIS FELIZ HOJE? Neste caso, verificamos, mais uma vez, que a felicidade feminina parece estar no cuidado dispensado consigo mesma. O sentido da felicidade se constrói sobre um ideal hedônico do presente. Ao anunciar um cosmético de rejuvenescimento, a chamada em questão mostra que a satisfação pessoal vem do presente e não do passado. A publicidade parece trabalhar com a idéia de que somente os mais velhos têm a impressão de que a sua satisfação faz parte do passado. A respeito da representação individual da mulher em publicidades, Toaldo (2005) assim se posiciona: O fato das mulheres serem retratadas sozinhas no anúncio expressa a possibilidade, ainda, de que os valores como bemestar, lazer, prazer e felicidade podem ser buscados individualmente, sem depender mais da sua vinculação a um grupo, por exemplo, a família. A idéia sobre a realização feminina que o anúncio sugere, fica, assim, associada à autodeterminação da mulher, segundo suas intenções individuais (TOALDO, 2005: 109-110). Baseando-nos na caução fornecida por Toaldo (op.cit.), poderíamos dizer que o nosso corpus, ao retratar a mulher em 50% dos casos individualmente, revela um “enfraquecimento do estereótipo” do papel feminino ligado à noção de mãe, esposa ou dona-de-casa. Tal constatação põe em cena uma vivência individualista feminina, cuja felicidade, prazer e lazer não dependem nem de 89 marido nem de filhos. Estes valores podem ser buscados sem estarem vinculados a um grupo social, como a família. Visualizamos, desta forma, a possibilidade de uma nova representação da mulher. Ao lado do estereótipo da beleza, percebemos o surgimento de um novo modelo, que é o da mulher independente, que faz o que lhe dá prazer, ainda que submissa aos padrões de beleza vigentes. Vê-se, assim, que o caráter dinâmico do estereótipo nos permite falar numa representação social da mulher em vias de se cristalizar. Essa valorização da aparência feminina por nós descrita acima, desdobrase, conforme os dados que apresentaremos a seguir, em dois valores: a questão da juventude e a questão da esbeltez. Vejamos como esses valores se fizeram presentes no nosso corpus. 4.2.2 A questão da juventude Observamos que as publicidades de perfumaria do nosso corpus dão maior ênfase à questão do rejuvenescimento como uma busca pela eterna juventude. Num mundo em constante mudança, envelhecer parece se tornar sinônimo de “estar ultrapassado”, condenação a ficar fora de um grupo no qual a velhice não é interessante enquanto padrão de consumo e beleza. A experiência acumulada dos mais velhos não tem valor. Segundo Morin: Há um século atrás, o desabrochar da mulher de 30 anos era já outonal. O homem de quarenta vivia sua última aventura, atormentado pelo fim da mocidade. Contudo o recalcamento do tempo do declínio foi bruscamente acelerado pela indústria do rejuvenescimento. Esta, nascida com a maquilagem hollywoodiana, deixou de ser apenas a arte de camuflar o envelhecimento: ela repara os ultrajes dos anos: cirurgia plástica, massagens, substâncias à base de embriões ou de sucos regeneradores mantêm ou ressuscitam as aparências da juventude, ou chegam mesmo até a rejuvenescer, de fato, os tecidos; pelo mesmo lance, todos os sentimentos que correspondem à juventude, permanecem vivazes, particularmente o amor (MORIN, 1977: 152-153). 90 O fato de o nosso corpus revelar um enfoque maior no rosto das mulheres pode ser justificado como tentativa de combate ao desgaste físico, já que é no rosto que os sinais de cansaço, olheiras, bolsas em volta dos olhos, sinais de envelhecimento, enfim, traços que prejudicam uma boa aparência, são mais visíveis. Segundo Lipovetsky (2000), houve um tempo em que os cuidados com a aparência foram dominados pela obsessão com o rosto em função de uma lógica que o autor chama de lógica decorativa. O uso de produtos de maquiagem, de artifícios da moda e de penteado era justificado pela ausência de beleza, imperfeição dos traços ou algum tipo de anormalidade na cútis. Tomando como base os nossos dados, podemos afirmar que essa tendência não vigora: o foco sai da “lógica decorativa”. Camuflar não é a palavra de ordem. A maior recorrência do domínio de avaliação pragmático nas formas verbais do nosso corpus confirma essa hipótese. As publicidades anunciam produtos que sejam eficientes no combate à “velhice”. Essa eficiência é atestada, ainda, pelas informações científicas. Estas, segundo Barthes (1987), servem, na maioria das vezes, para mostrar que o produto anunciado limpa, desobstrui e alimenta em profundidade, ou seja, na publicidade, não existem barreiras que impeçam o produto de se infiltrar na pele. No nosso corpus, as publicidades (1) e (7) salientam os benefícios de produtos feitos à base de substâncias capazes de “ressuscitar” uma aparência jovem ou até mesmo rejuvenescer os tecidos, através da referência a componentes ativos de sua fórmula, como o DMAE31. A utilização de vocábulos provenientes de campos do saber com reconhecida autoridade, como o campo das ciências biológicas, oferece maior credibilidade ao produto anunciado. Ao evidenciar que o produto foi testado tanto dermatologica quanto clinicamente, a publicidade utiliza a menção ao teste como recurso para a comprovação de resultados para dar maior confiabilidade à eficácia 31 De acordo com o parecer técnico n° 2, de 22 de maio de 2003, disponível no site do Ministério da Saúde, o DMAE (Dimetilaminoetanol) é um componente de produto cosmético que proporciona hidratação e melhoria do tônus cutâneo do rosto. 91 do produto. Esta estratégia corrobora com o domínio de avaliação pragmático, que se baseia na caracterização do produto como eficiente: a) A LINHA ANTITEMPO VITA DERM FICOU AINDA MAIS COMPLETA: CÁPSULAS COM DMAE 5% E CERAMIDAS (Pub 7). b) LINHA CICLOS D’RACCO COM DMAE (Pub 1). Na Pub 7, observamos, ainda, um outro procedimento que é próprio das práticas científicas, como as recomendações quanto à aplicação do produto, como podemos observar em: IDEAL PARA ATENUAR E PREVENIR AS RUGAS DO PESCOÇO, COLO E MÃOS, PODENDO TAMBÉM SER APLICADA EM TODO ROSTO. Ainda na Pub 7, percebemos que o processo de envelhecimento é tratado de forma velada por meio de recomendações sutis de como atenuá-lo, preveni-lo ou minimizá-lo. Neste sentido, a Vita Derm classifica o seu produto como ideal para nutrir, hidratar e revitalizar a pele, enaltecendo-o como: A DOSE CERTA PARA MINIMIZAR A AÇÃO DO TEMPO. Mais uma vez se verifica o reforço do pragmático através da utilização de uma terminologia própria às pesquisas científicas, pois o produto anunciado já oferece a “medida necessária” ao combate dos desgastes provocados pelo passar do tempo. “Minimizar a ação do tempo” pode ser visto como uma tentativa de controle do ciclo “natural” da vida: nascer, crescer e morrer. O envelhecimento seria a etapa mais próxima do “fim da vida”. Talvez possa ser este o inconformismo do homem diante do processo de envelhecimento. De uma forma indireta, a publicidade trabalha com este medo, ainda que inconsciente, do ser humano para motivá-lo a adquirir o produto. 92 Consideramos, assim, que da forma como é tratada pela publicidade, a beleza não pode ser estabelecida sem a juventude. Esta, culturalmente caracterizada como etapa máxima de vigor físico, serve de argumento para o cuidado com o rosto. “Ser jovem” e “permanecer jovem” são trabalhados como um ideal da existência física e mental da condição humana. Juventude e velhice reportam um ao outro ainda que as remissões não estejam explícitas na superfície textual das publicidades. A referência a este binômio pode ser percebida no campo semântico de palavras como “rugas”, no uso do prefixo anti diante da palavra tempo (antitempo) ou da palavra inglesa age (anti-age) e ainda em expressões como ação do tempo. A sutileza com que a publicidade trabalha a questão do envelhecimento, como um processo a ser combatido, parece comprovar que ela não traz para si a discussão de questões conflituosas acerca de problemas sociais. Ao lado do estrato verbal, o estrato visual das duas publicidades apresenta o rosto de mulheres jovens e bonitas. Tal fato corrobora a nossa hipótese de que a publicidade, ao utilizar o texto associado à imagem, atua tanto consolidando quanto instaurando pressupostos sociais definidos em termos de estereótipos. A Pub 1 também trabalha com a idéia de advertência com relação aos cuidados com a pele. A chamada “Que tal ser mais feliz hoje?”, através do advérbio de tempo hoje, representa o momento presente como o tempo do prazer, da satisfação. Ao passo que poderíamos considerar o momento futuro, o da velhice, como um momento infeliz. Obviamente, se pensarmos nos incômodos trazidos pelo envelhecimento, como, em certos casos, incontinência urinária, perda da agilidade dos movimentos, surdez, entre outros, o envelhecimento pode ser considerado como um processo árduo. Pode-se considerar, ainda, que o hoje é o instante celebrado, identificado com a euforia proporcionada pelo imediatismo da compra do produto. A publicidade da linha Ciclos d’Racco chama-nos, ainda, a atenção pelo fato de explicitar o percentual de eficácia do produto: “5 vezes mais eficaz” e “reduz até 98% das rugas”. Ao apresentar os resultados proporcionados pelo uso do produto, há um reforço da sua eficácia pragmática, ou seja, esta estratégia 93 ajuda a evidenciar que o produto age efetivamente. A apresentação destas qualidades parece apontar para uma potencialidade ainda maior do produto: propiciador de resultados miraculosos e felicidade. A publicidade parece trabalhar com a idéia de que só é possível ser feliz na juventude. 4.2.3 A questão da esbeltez Se por um lado vê-se a iminência de um modelo de mulher ativa, independente, por outro ainda prevalece o estereótipo da mulher “subjugada” aos cuidados com a beleza. A exigência de que a “mulher tem que ser bonita” chega a exercer uma “pressão psicológica” nas mulheres que, não raro, se rendem à tirania de um padrão de beleza criado pela mídia feminina. A respeito da influência da mídia nos índices de insatisfação feminina consigo mesma, é interessante a constatação do psicoterapeuta Marco Antonio De Tommaso em entrevista à própria revista UMA: Há uma avalanche da mídia em cima do assunto beleza perfeita. Existe uma pesquisa, feita com a população das mulheres das Ilhas Fiji, no Pacífico, realizado em 1995, antes do advento da televisão local. Segundo os dados coletados, elas tinham um índice razoável de satisfação com o próprio corpo. Três anos depois, com a chegada da televisão por ali, 69% das mulheres faziam dieta e, dessas, 1/8 sofria de bulimia. Ou seja, a preocupação com o corpo foi despertada com a chegada da televisão. É uma ditadura, uma tirania da beleza. Claro que há uma preocupação na área de saúde sobre a humanidade estar engordando. Nós temos hoje 40% de brasileiros acima do peso e a obesidade é a principal causa de uma série de doenças, como diabetes, hipertensão, alguns tipos de câncer. Só que, para sair da área de risco, basta que a pessoa perca, em geral, 10% do peso. O que se nota é que, cada vez mais, o peso clínico, tido como ideal pelos médicos, se afasta do peso estético32. Percebemos, assim, que existem duas tendências com relação ao corpo: uma que se preocupa com a saúde e outra que se preocupa com a estética. Estas tendências parecem entrar em choque. Ter um padrão de beleza corporal 32 Revista UMA. Ano 6. N° 59. Agosto de 2005. p.112. 94 comprometido com a esbeltez é, de acordo com o relato do psicoterapeuta, uma preocupação feminina despertada principalmente pelos meios de comunicação. Lipovetsky (2000) também afirma: Que mulher, em nossos dias, não sonha ser magra? Mesmo as que não apresentam nenhum excesso de peso por vezes desejam emagrecer. Em 1993, 40% das francesas queriam emagrecer, das quais 70% por razões estéticas. Nos Estados Unidos, 75% das mulheres se consideram muito gordas, tendo seu número duplicado durante os anos 70 e 80. Enquanto Sylvester Stallone declara no Time que gosta de mulheres de aparência ‘anoréxica’, vê-se uma proporção não desprezível de americanas afirmar que o que mais temem no mundo é engordar (LIPOVETSKY, 2000: 132). Ainda segundo este autor (op. cit.), os periódicos femininos são cada vez mais invadidos por guias de magreza, por seções que expõem os méritos de uma alimentação equilibrada e leve, de exercícios de manutenção e de modelagem do corpo (p.131). Esta tendência pode ser verificada na constituição da revista UMA, edição de agosto de 2005 da qual retiramos o nosso corpus. A capa desta edição da UMA traz a chamada que salienta: A nova dieta do Dr. Atkins. Você emagrece até 15 kg sem sofrer. Há, ainda, a reportagem com Ana Paula Padrão que enfatiza que a jornalista não se preocupa com a balança. Seu manequim? 3633. Deste modo, observamos que a cada seção, a cada publicidade, a revista UMA incita à manutenção de um corpo esbelto. No nosso corpus, as publicidades 9 e 12, que anunciam, respectivamente, aparelhos de ginástica para mulher e produto alimentício (torrada), evidenciam a tendência moderna de cada vez mais se oferecer uma imagem de si sempre esbelta: a) UM CIRCUITO COM EXERCÍCIOS DE FORÇA E TREINAMENTO 33 Revista UMA. Ano 6. N° 59. Agosto de 2005. p.27. 95 AERÓBICO EM APENAS 30 MINUTOS, ADEQUADOS À SUA AGENDA, QUE RESULTA EM PERDA DE PESO34, FORTALECIMENTO MUSCULAR E CONDICIONAMENTO FÍSICO (Pub 9). b) E O MELHOR: VOCÊ COME E NINGUÉM PERCEBE (Pub 12). O corpo passa, assim, por privações, assemelhando-se, na atualidade, àquilo que, durante a época clássica, Foucault diz ter sido a descoberta do corpo como objeto e alvo de poder: Houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder. Encontraríamos facilmente sinais dessa grande atenção dedicada então ao corpo – ao corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam (...) É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado (FOUCAULT, 2004: 117)35. Atualmente, as inovações técnicas nas áreas química e biológica visam preservar o vigor, a juventude e a beleza do corpo através de procedimentos, como cirurgias plásticas, implantes, oferta de produtos dietéticos e/ou naturais. Desta forma, poderíamos dizer que a atenção devotada ao corpo nos tempos atuais tende a seguir um modelo de pertinência e identidade social. Isto significa que não seguir o padrão de beleza vigente, que privilegia, por exemplo, a esbeltez, é estar fora de um segmento social. Neste sentido, é interessante observar a Pub 12 que anuncia: QUEM AQUI NÃO COMETE PECADOS QUE ATIRE A PRIMEIRA COXINHA. 34 Grifo nosso. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Tradução por Raquel Ramalhete. 28.ed. Petrópolis: Vozes, 2004. 35 96 Este enunciado retoma o enunciado bíblico “Quem não tem pecado que atire a primeira pedra”, evidenciando que não estar conforme os padrões de estética vigentes assemelha-se, segundo a publicidade, a uma pessoa pecadora. Na perspectiva cristã, ao tomar consciência do pecado, a pessoa perde a paz. No caso da publicidade, ela parece reforçar a pressão psicológica e social contemporânea que tem como padrão de beleza um corpo isento de adiposidade: E O MELHOR: VOCÊ COME E NINGUÉM PERCEBE. Da forma como é tratado pela publicidade, o fato de “ser esbelto” constitui uma forma de ser aceito socialmente, o que nos leva a concluir que a conquista do reconhecimento e da aceitação social depende do universo da aparência, ou seja, de um padrão de beleza que privilegia as pessoas esbeltas. A presença do discurso religioso nesta publicidade nos permite dizer, ainda, que o corpo esbelto é idolatrado com uma inspiração sagrada. A religião cristãcatólica sempre se caracterizou pela reverência às imagens. Estas, se tornam signos à medida que disseminam a fé por trazerem em si a “força” do sagrado. Fazendo um paralelo com a cultura de consumo, a reverência é dispensada à imagem de um corpo esbelto. A publicidade da Bauducco parece trabalhar com a idéia de que só um corpo esbelto pode ser “glorificado”. Ao mesmo tempo em que se anunciam produtos que ajudam a emagrecer, as publicidades ofertam cremes firmadores, anticelulite. Se a mulher ainda não tem o corpo desejado, é necessário combater o que é indesejável: a flacidez, como comprova a Pub 3, que anuncia o creme firmador Dove. Concluímos com Lipovetsky (2000), que Já não basta não ser gorda, é preciso construir um corpo firme, musculoso e tônico, livre de qualquer marca de relaxamento (p. 133). Ou seja, a estética da magreza ocupa evidentemente um lugar preponderante no novo planeta beleza (p.131). Este fato pode ser evidenciado nas publicidades do nosso corpus, como tentamos evidenciar nesta seção, que anunciam os méritos de uma alimentação leve, como é o caso da publicidade Bauducco, ou ainda, os benefícios de 97 exercícios de manutenção e de modelagem do corpo, como anuncia a publicidade da academia Curves. Além destas, tem-se o caso da publicidade da Ferla, que enfatiza os méritos de uma alimentação saudável. É interessante observarmos, ainda, que além das publicidades, tem proliferado o número de revistas no mercado editorial brasileiro centradas na temática da esbeltez, tais como Boa Forma, Saúde, Corpo, Dieta Já, Viva Saúde, Natural entre outras. Tal fato também nos leva a concluir que a imprensa cada vez mais tem divulgado o “ser magro” como um padrão de beleza a ser seguido. 4.2.4 O caso DOVE Apesar da predominância de publicidades que fazem referência a um padrão de beleza esbelto, um caso específico nos chama a atenção: o da publicidade Dove. Esta constitui, a nosso ver, um exemplo de subversão do estereótipo da mulher esbelta, ou seja, esta peça publicitária mostra que o estereótipo age tanto atualizando quanto subvertendo o já dito. (Pub 3) A publicidade Dove encontra-se em página dupla, com sete mulheres anônimas, descalças e confortavelmente dispostas uma ao lado da outra. O fato de a publicidade retratar a imagem de mulheres anônimas produz um efeito de confiabilidade, já que são mulheres “normais” que utilizam o produto dentro das 98 suas “reais” necessidades e não as já renomadas modelos ou atrizes de televisão com seus corpos esbeltos. A forma como elas estão posicionadas no anúncio permite dizer que existe uma promoção da potencialidade pessoal de mulheres seguras de si, o que reforça o valor hedônico. A exposição de corpos, sugestivamente delineados pelo sistema firmador e o sorriso que demonstra o contentamento das mulheres aí retratadas, permitem compreender uma satisfação proporcionada por um momento de bem-estar, como sugere o texto da chamada: UMA CURVA ENVERGONHADA PERDE TODA TIMIDEZ QUANDO ESTÁ FIRME. A Dove lança, assim, o “sistema firmador Dove” sob o slogan: TESTADO EM CURVAS DE VERDADE. Ao utilizar um procedimento que é peculiar nas práticas científicas, como o teste para a comprovação dos resultados, evidenciando que a eficácia do produto baseia-se em “Pesquisa realizada com 573 mulheres”, a publicidade proporciona mais credibilidade ao processo ali ocorrido e destaca os benefícios obtidos com a utilização do produto. Outra menção à utilização de procedimento próprio das pesquisas científicas é o destaque dado a algum componente ativo presente na fórmula do produto, como atesta o exemplo: SABONETE MAIS LOÇÃO COM COLÁGENO GARANTEM 90% DE EFICÁCIA FIRMADORA. Retomando os dizeres de Barthes (1987), para quem, conforme já citamos anteriormente, as referências científicas servem, na maioria das vezes, para 99 mostrar que o produto anunciado limpa profundamente, na publicidade, não existem barreiras que impeçam o produto de se infiltrar na pele. A menção às práticas científicas ajuda, juntamente com a utilização do domínio de avaliação pragmático, a definir o produto em termos de utilidade. A maior recorrência deste domínio nas formas textuais do nosso corpus mostra a oferta de produtos que se definem de acordo com a sua praticidade. O enunciado “Curvas de verdade” define o público a quem esta publicidade se direciona: mulheres que não estão com uma “perfeita” forma física, ao mesmo tempo em que parece “denunciar” que a publicidade, de uma maneira geral, cria o seu próprio mundo, que é diferente do mundo “real”. A “denúncia” feita pela publicidade da Dove mostra que a realidade criada pela publicidade retrata um padrão de beleza que não corresponde à condição física real da maioria das mulheres. Ao mostrar mulheres trajadas de lingerie, expondo corpos que não condizem com o padrão de estética vigente na maioria das publicidades, a publicidade Dove retrata um outro modelo de beleza feminina no qual o estereótipo da mulher magra é questionado. Desta forma, a publicidade da Dove parece trabalhar com a idéia de que a sensualidade independe de formas físicas bem definidas, até mesmo porque formas físicas ideais, segundo a publicidade, não “existem”. A Dove, assim como as outras publicidades analisadas no nosso corpus, estimula o cuidado com o corpo como uma necessidade feminina. Contudo, esta publicidade parece incentivar a mulher a se aceitar do jeito que ela é ao invés de ficar em busca de um modelo ideal. A mulher deve, assim, cuidar e valorizar aquilo que ela tem, como comprova a chamada: UMA CURVA ENVERGONHADA PERDE TODA A TIMIDEZ QUANDO ESTÁ FIRME. A Dove apresenta, assim, o seu produto, um sistema firmador, que oferece mais firmeza à pele da mulher, favorecendo a sua auto-estima e a sua 100 sensualidade através da perda da timidez. A publicidade mostra que, além da utilização de bens de consumo, a superação de preconceitos se torna prérequisito na conquista da felicidade. É interessante traçar um paralelo entre a publicidade da Dove e a publicidade da Bauducco. A Bauducco anuncia que o seu produto é leve “E o melhor: você come e ninguém percebe”. Desta forma, ela sugere que existe uma pressão, na nossa sociedade, para que as pessoas se mantenham magras, ou seja, elas não podem ser “percebidas” por estarem “gordinhas”. Pela forma como a publicidade aborda a questão do sobrepeso, ela recrimina as pessoas e estimula uma vigilância diária, como atesta a chamada: VOCÊ É O QUE VOCÊ COME. A Dove, ao contrário, mostra que as pessoas, especialmente as mulheres, podem, sim, ser “percebidas” da forma como são. “Perder a timidez”, neste contexto, equivale a mostrar-se sem medo de uma “repreensão social”. Os preconceitos relativos a um corpo que não é magro, ao contrário do que evidencia a publicidade da Bauducco, são superados, na publicidade da Dove, em nome da satisfação que o anúncio sugere através do assumir-se a si mesmo. Neste caso, a publicidade Dove parece cumprir a “função missionária” de salvar o ego destruído das mulheres que não se adequam ao modelo pré-estabelecido de esbelteza. É interessante observar a predominância da cor branca que compõe a peça publicitária desde o fundo, passando pela lingerie que as mulheres vestem até a embalagem do produto. Tradicionalmente, o branco está associado à limpeza, à pureza e à transparência. Por oposição ao branco, de acordo com a observação de Melo (2003), com base no que, segundo a autora, é “apregoado” por revistas femininas como Claudia e Nova, o preto é uma cor que valoriza as formas femininas e que deixa a mulher mais sedutora, mais alta e mais esbelta. O preto, portanto, teria a função de “disfarçar” um corpo que não está em forma. A predominância do branco parece subverter a crença de que as mulheres que não são magras precisariam recorrer ao auxílio da cor preta para parecerem 101 esbeltas. Ao utilizar o branco, a publicidade mostra que as mulheres que têm “curvas de verdade” não precisariam escondê-las por baixo de uma roupa preta. Ao contrário, o branco, que é símbolo de transparência, mostra, mais uma vez, que a mulher deve assumir a sua condição e expor as suas curvas “reais” sem timidez. O exemplo da publicidade da Dove nos permite dizer que, dada a característica de dinamismo do estereótipo, ele questiona o padrão, já relativamente cristalizado, no qual a beleza e a sensualidade são prerrogativas da mulher esbelta. A princípio, poderíamos ser questionados com relação à representatividade desta publicidade, já que ela constitui apenas um caso de subversão do estereótipo dentro do nosso corpus. Contudo, acreditamos que este único caso é significativo para o nosso trabalho na medida que sinaliza uma possível mudança do estereótipo atual de beleza feminina, ainda que a subversão promovida pela Dove seja por interesses mercadológicos. 102 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao introduzirmos este trabalho, afirmamos com Landowski (1992), que a publicidade é um discurso social capaz de redefinir a representação que os indivíduos dão ao mundo. Neste sentido, mais que a função pragmática, o produto anunciado pela publicidade contemporânea recobre-se de valores partilhados no âmbito social e adquire, assim, uma função simbólica. Portanto, o estudo das publicidades representa uma tentativa de compreensão dos bens culturais de forma a buscar um conhecimento daquilo que é próprio à nossa sociedade. A mensagem publicitária torna-se um veículo de representações previamente conhecidas, que podem ser definidas em termos de estereótipos. Sob essa perspectiva, os estereótipos funcionam como uma evidência cultural e como tal inquestionável. Na publicidade, eles funcionam como (i) uma forma rápida de chamar a atenção do destinatário através daquilo que já lhe é familiar, de forma a assegurar a compreensão do conteúdo da mensagem publicitária; (ii) um apelo argumentativo para convencer o destinatário que ele tem uma Falta (nos termos de Charaudeau,1983) e que o produto anunciado é capaz de preenchê-la; e como (iii) um mecanismo construtivo que, por ter um caráter relativamente estável de significações, funciona como base para elaboração do discurso e das proposições sob as quais ele se assenta. Portanto, ao analisar os estereótipos presentes na publicidade, objetivamos “apontar” os valores reinscritos no discurso publicitário quando este é destinado ao público feminino, mais especificamente, à leitora da revista feminina UMA. Tais valores puderam ser “revelados” a partir da análise do estrato verbal e do estrato visual: é na confluência desses dois estratos que resulta a significação geral da publicidade. Ambos os estratos, mobilizam normas de comportamento e crenças que se baseiam no que é habitual, freqüente num grupo social, como o estereótipo de que “mulher tem que ser bonita”. 103 A realização deste trabalho permitiu, ainda, conhecer um pouco mais do perfil da publicação feminina UMA, que é uma publicação recente no mercado editorial brasileiro. Neste sentido, pudemos, também, fazer uma reflexão sobre o que tem sido publicado, atualmente, na área de mídia feminina. Tal reflexão aponta que a revista UMA, na sua edição de agosto de 2005, como tentamos demonstrar no capítulo 1 deste trabalho, a cada seção, a cada mensagem publicitária, parece incitar os cuidados com a beleza e associá-los a uma prática eminentemente feminina. A Símbolo, editora da revista UMA, se caracteriza, conforme apontam as informações disponíveis na sua home page36, como uma editora marcada pela ousadia e pela criatividade na descoberta de novos nichos de mercado, pela conquista de espaço e quebra de paradigmas. Acreditamos que este propósito tenha dado, inclusive, origem ao título da revista UMA: uma, numeral cardinal que conota unidade. Por extensão metafórica, sugere unicidade, ou seja, “traduz” a proposta da revista enquanto uma proposta diferencial em termos do que supostamente já existe no mercado no campo de mídia feminina. Assim, a revista UMA se propõe a estar atenta aos anseios da mulher moderna, a sair do lugar comum, associado às outras revistas deste gênero, que atribuem à mulher a imagem estereotipada de dona-de-casa, mãe, esposa. A capa, com o rosto da jornalista Ana Paula Padrão, esteticamente bem produzida, cria um modelo identificador de beleza e profissionalismo. As chamadas também despertam a preocupação com: (i) uma aparência esbelta: A nova dieta do Dr. Atkins. Você emagrece até 15 kg sem sofrer; (ii) caracteres secundários como “cabelos” e “cara” em: Cabelos compridos e cara lavada: as tendências de beleza da São Paulo Fashion Week e (iii) moda: Jeans básicos e chiques para usar à noite. Além das chamadas, as mensagens publicitárias que anunciam produtos para a manutenção de um corpo jovem e esbelto oferecem à leitora de UMA a maneira de suprir as suas possíveis necessidades/carências, lançando mão do processo de identificação/desejo de ser como os modelos expostos. 36 Dados disponíveis em: <http://www.simbolo.com.br>. Acesso em: 22 nov. 2005. 104 A concluir pelas imagens que retratam, na sua grande maioria, a mulher individualmente, sem nenhuma referência a filhos ou marido, poderíamos afirmar que as publicidades do nosso corpus revelam um “enfraquecimento do estereótipo” do papel feminino ligado à noção de mãe, esposa ou dona-de-casa. Tal constatação põe em cena, conforme afirmamos anteriormente, uma vivência individualista feminina, cuja felicidade, prazer, lazer não dependem da vinculação a um grupo social como a família, mas dependem apenas de suas intenções individuais, de fazer o que lhe dá prazer. É sob este aspecto que analisamos as publicidades 5 e 8, que se referem à mulher saindo para “a balada” ou “dando uma volta no quarteirão com o seu cachorro”, respectivamente. Pela análise do nosso corpus, o fato de a mulher ser retratada como um ser ativo que anseia por “realização profissional” (Pub 2), tem “reunião” e “chefe” (Pub 8), uma “agenda” a cumprir (Pub 9) não lhe tirou a antiga incumbência de manterse bonita através do uso de produtos de perfumaria, da realização de dietas e da ida a academias. Estas publicidades mostram que o estereótipo de que “mulher tem que ser bonita”, corresponde a um padrão de beleza esbelto e jovem, funcionando como argumento para que as mulheres, que são financeiramente independentes e assumiram encargos extra-domésticos, sejam motivadas a adquirir os produtos anunciados. Se associarmos a presença do rosto da jornalista Ana Paula Padrão, que é reconhecida pelo seu trabalho de jornalista, estampado na capa da revista, com as publicidades que fazem referência a trabalhos extra-domésticos assumidos pelas mulheres, podemos concluir que a revista UMA instaura um arquétipo de beleza (c.f. Lipovetsky, 2000), semelhante àquele utilizado pelo cinema desde os anos 10: o da estrela, cujo sucesso social se concretiza graças a uma atividade profissional reconhecida social e não sexualmente. O modelo identificador de beleza produzido com a utilização da foto de Ana Paula Padrão reforça o estereótipo de que a mulher tem que ser bonita, ainda que trabalhe fora do âmbito doméstico. Desta forma, acreditamos que a revista UMA quebra os paradigmas de algumas revistas femininas ao reconhecer a independência da mulher das 105 atividades que dizem respeito aos cuidados domésticos. Contudo, a análise do nosso corpus revelou uma dependência da mulher em relação aos cuidados com a aparência. Tal fato nos leva a concluir com Silva (1998) que As revistas têm desempenhado uma função muito importante na criação da ideologia da beleza e alteração dos papéis das mulheres: de rainha do lar à rainha da beleza (p.785). O aperfeiçoamento das técnicas de impressão têm tornado a mídia feminina uma mídia bem trabalhada visualmente, gerando uma espécie de “espetacularização” da beleza feminina através de fotografias que mostram rostos e corpos perfeitos. A mídia feminina traz ainda novidades no campo da moda para serem admiradas e imitadas e despertam na mulher-leitora o desejo de manter-se esbelta, jovem e embelezar-se. Tal fato nos leva a concluir com Lipovetsky (2000), que o universo da moda, da fotografia e da publicidade é um espetáculo destinado a seduzir prioritariamente as mulheres como consumidoras e leitoras de revistas. A hipótese central que orientou o nosso trabalho sugere que ao utilizar o texto associado à imagem, a publicidade atua tanto consolidando quanto instaurando estereótipos. Ao desenvolvermos a pesquisa, nossa hipótese não só se confirmou como também ampliou nossa compreensão de que além de resgatar o já dito, o estereótipo pode ser tomado como elemento argumentativo conforme nos sugere Amossy (2000). Desta forma, ao utilizar valores e crenças socialmente determinados em seu aparato retórico, a publicidade apresenta-se portadora de representações sociais, estruturadas de maneira persuasiva, dentro seu propósito comercial. O estereótipo tem, assim, uma credibilidade cultural que favorece o entendimento entre os sujeitos interlocutores e promove a adesão do público alvo. Isso porque o estereótipo é, essencialmente, uma imagem já cristalizada para os membros de um grupo social. Há que se considerar que na publicidade a argumentação é implícita, pois se dá no confronto entre um enunciado atestado e outro deixado no implícito do texto. Desta forma, o enunciado atestado é aquele constituído pelo estrato verbal da publicidade; já o enunciado implícito é o estereótipo, é essa imagem culturalmente partilhada que se faz presente como uma referência que já se encontra na memória do destinatário. Daí afirmarmos que a funcionalidade do 106 estereótipo depende do seu reconhecimento pelo destinatário, que deve ativá-lo. Em outros termos, o estereótipo é uma imagem familiar que remete a um modelo cultural conhecido que atuará discursivamente como um “já dito”. No caso específico da publicidade, como aponta Soulages (1996), que visa tornar o consumidor efetivo de suas mensagens em consumidor dos produtos anunciados, o estereótipo apresenta-se como se fosse um saber “natural”, um modo de ser socialmente estabelecido e posto como inerente à vida em sociedade. Assim, não só a publicidade, mas também a mídia feminina, vivem uma espécie de retroalimentação, ou seja, alimentando-se dos e alimentando os discursos que circundam o imaginário social. Desta forma, elas vão tecendo uma configuração identitária da mulher dentro de uma perspectiva mercadológica que leva a sociedade a assumir certas proposições como verdadeiras e até naturais, como aquelas que associam os cuidados com a aparência a práticas eminentemente femininas. Esta naturalização de certos valores e crenças é observada nas publicidades do nosso corpus que expõem os méritos de uma alimentação leve, como a publicidade Bauducco, ou ainda, uma alimentação saudável, como propõe a publicidade Ferla. Além destas, tem-se o caso da publicidade da academia Curves que salienta os benefícios de exercícios para a manutenção e a modelagem do corpo. Neste sentido, adotar novos hábitos alimentares, praticar atividades físicas, utilizar recursos técnicos que embelezam o corpo são colocados como “meios” inquestionáveis para se atingir um padrão de beleza idealizado e valorizado na sociedade brasileira, padrão este igualmente tomado como inerente a essa sociedade. Neste contexto, o caso Dove representa uma relativa ruptura. Esta publicidade questiona o estereótipo da mulher esbelta e busca instaurar outro padrão de beleza no qual a magreza não impera. Ao mostrar sete mulheres anônimas, descalças e confortavelmente dispostas uma ao lado da outra, a publicidade Dove tenta produzir um efeito de confiabilidade, mostrando que as 107 mulheres ali retratadas são “normais”, ou seja, não se trata das renomadas modelos ou atrizes de televisão com seus corpos esbeltos. As mulheres da publicidade Dove utilizam o produto dentro das suas “reais” necessidades. Tem-se, ainda, uma espécie de “denúncia” de que a realidade criada pela publicidade retrata um padrão de beleza que não corresponde à real condição física da maioria das mulheres. Essa denúncia pode ser recuperada no slogan do produto “Testado em curvas de verdade” que utiliza um procedimento que é peculiar nas práticas científicas, como o teste para a comprovação dos resultados. Desta forma, a publicidade proporciona maior credibilidade ao processo ali ocorrido e destaca os benefícios obtidos com a utilização do produto. Nas publicidades que analisamos, verificamos, não somente que a beleza é associada à esbeltez, mas também que ela é associada à juventude. Culturalmente valorizada, a juventude serve de argumento para o cuidado com o rosto. Juventude e velhice reportam um ao outro ainda que as remissões não estejam explícitas na superfície textual das publicidades. A referência à juventude pode ser percebida no campo semântico de palavras como “rugas”, no uso do prefixo anti diante da palavra tempo (antitempo) ou da palavra inglesa age (antiage) e ainda em expressões como “minimizar a ação do tempo”. Tais referências podem ser vistas como uma tentativa de controle do ciclo “natural” da vida: nascer, crescer e morrer. Ser jovem e permanecer jovem é trabalhado, nas publicidades do nosso corpus, como um ideal inquestionável da existência física e mental da condição humana. Tal fato parece ser um “reflexo” da nossa sociedade que, ao contrário da sociedade oriental, valoriza o jovem em detrimento do “velho”, já que este não é interessante enquanto padrão de consumo e beleza. Isto nos leva a concluir com Buitoni (1990) que A juventude é outro dos mitos modernos que foi totalmente adotado pelos veículos femininos, servindo para estimular o mercado ao exigir uma eterna renovação (p.78). Nosso trabalho não teve a pretensão de esgotar o tema, nem ser exaustivo em termos da análise do corpus. Caberia, com certeza, por exemplo, uma análise comparativa entre os estereótipos que podem se revelados na análise de 108 publicidades veiculadas na revista UMA e na revista Claudia, por exemplo, duas publicações dirigidas ao público feminino. Com isso seria possível identificar, contrastar e analisar como os estereótipos têm sido trabalhados numa publicação de lançamento recente e em outra que tem mais tempo de circulação. Outra possibilidade seria proceder a uma análise comparativa dos estereótipos que podem ser revelados num corpus formado por publicidades veiculadas numa revista feminina e numa revista masculina. Dessa forma, procederíamos a um estudo dos estereótipos próprios a cada gênero. Um estudo comparativo sempre oferece a possibilidade de apreender uma gama maior de representações estereotipadas. Mas, o nosso objetivo maior foi verificar a que representações da realidade socio-cultural brasileira as publicidades de uma revista feminina que se diz “inovadora e única” remetem. Como vimos, o surgimento de um “novo” modelo de vida feminina constitui uma pseudo-independência, já que ele camufla a relativa dependência da mulher dos cuidados com a beleza. 109 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Alzira Alves de. A alma do negócio. Revista Nossa História, Rio de Janeiro: v. 2, n.23, p. 36-42, set. 2005. AMOSSY, Ruth. Les idées reçues. Paris: Nathan, 1991. AMOSSY, Ruth. Stéréotypie et argumentation. In: Le stéréotype: crise et transformations. França: Presses Universitaires de Caen, 1994. p. 47-61. AMOSSY, Ruth, PIERROT, Anne H. Stéréotypes et clichés: langue, discourse, societé. Paris: Nathan, 1997. AMOSSY, Ruth. Le plausible et l’évident: doxa, interdiscours, topiques. In: L’argumentation dans le discours. Paris: Nathan, 2000. AUMONT, Jacques. A imagem. Tradução por Estela dos Santos Abreu e Cláudio C. Santoro. 2. ed. São Paulo: Papirus, 1995. BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução por Miguel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 7.ed. São Paulo: HUCITEC, 1995. BARTHES, Roland. A retórica da imagem. In: O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Tradução por Léa Novaes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. BARTHES, Roland. Mitologias. São Paulo: Bertrand, 1987. BARROS, Diana Luz Pessoa de. Interação em anúncios publicitários. In: PRETI, Dino (Org.). Interação na fala e na escrita. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2003. p. 17-44. BARS, Sérgio. Cosméticos de Corpo e Alma. Publicidade. Imagens e consumo na indústria cultural e produção de cosméticos. Disponível em: <http://www.oswaldocruz.br/download/artigos/social11.pdf>. Acesso em: 02 maio 2005. BENVENISTE, E. O homem na língua. In: Problemas de Lingüística geral I. Tradução por Maria da Glória e Maria Luiza Néri. 2.ed. São Paulo: Pontes, 1988. p. 247-315. BRANDÃO, Helena H. Nagamine. A constituição da subjetividade no discurso da propaganda. Revista D.E.L.T.A., São Paulo: v.7, n.2, p. 449-462, agosto 1991. BUITONI, Dulcília Schroeder. Imprensa feminina. 2.ed. São Paulo: Ática, 1990. CAMPOS, Maria Helena Rabelo. O canto da sereia: uma análise do discurso publicitário. Belo horizonte: UFMG/PROED, 1987. 110 CARVALHO, Irene Mello. Introdução à psicologia das relações humanas. Rio de Janeiro: Aurora, 1957. CHARAUDEAU, Patrick. A propos du genre publicitaire. In: Langage et discours. Paris: Hachette, 1983. p. 118-131. CHARAUDEAU, Patrick. Grammaire du sens et de l’ expression. Paris: Hachette, 1992. CHARAUDEAU, Patrick. Para uma nova Análise do Discurso. Tradução por Agostinho Dias Carneiro. In: CARNEIRO, Agostinho Dias (Org.). O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do autor, 1996. p. 05- 43. CHARAUDEAU, Patrick. Análise do Discurso: controvérsias e perspectivas. In: MARI, H. et al (Org.). Fundamentos e dimensões da Análise do Discurso. Belo Horizonte: Carol Borges, 1999. p. 27- 43. CHARAUDEAU, Patrick. Uma teoria dos sujeitos da linguagem. In: MARI, Hugo et al (Org.). Análise do Discurso: fundamentos e práticas. Belo Horizonte: NAD/FALE/UFMG, 2001. p.23-37. COUTINHO, Maria Lúcia Rocha. Em que espelho ficou perdida a minha face? A identidade feminina como discurso ideológico. Revista Psicologia e Sociedade, Belo Horizonte: v.5, n.8, p. 34-48, nov.89/mar.90. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo – Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. DONDIS, Donis A. A sintaxe da linguagem visual. Tradução por Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1991. FARINA, Modesto. A psicodinâmica das cores em comunicação. Edgar Blücher, 1986. São Paulo: GASTALDO, Édison. Pátria, chuteiras e propaganda: o brasileiro na publicidade da copa do mundo. São Paulo: Annablume; São Leopoldo: Unisinos, 2002. GASTALDO, Édison. Publicidades e movimentos sociais no Brasil: uma reflexão sobre políticas de representação. Revista de Economia Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación. v.6, n. 1, 2004. Disponível em: <http://www.eptic.com.br>. GOMES, Maria Carmem Aires. Aplicações do modo descritivo e modo narrativo em textos publicitários brasileiros. In: IV Congresso Brasileiro de Lingüística Aplicada, 1995, Campinas, São Paulo. p. 304-310. 111 GREGOLIN, Maria do Rosário (Org.). Discurso e mídia: a cultura do espetáculo. São Paulo: Claraluz, 2003. GUARESCHI, Pedrinho A., JOVCHELOVITCH, Sandra (Org.). Textos em representações sociais. 2ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. JODELET, Denise. Representações Sociais: um domínio em expansão. Tradução por Lilian Ulup. In: JODELET, Denise (Org.). As representações sociais. Rio de janeiro: Editora da UERJ, 2001. p. 17-44. JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Tradução por Marina Appenzeller. 7.ed. São Paulo: Papirus, 1996. LANDOWSKI, Eric. Encenação publicitária de algumas relações sociais. In: A sociedade refletida. São Paulo: Pontes, 1992. LEGRAIN, Marc, MAGAIN, Daniel. Publicidade e propaganda. Tradução por Claude Yves Muanchenbach. São Paulo: Makron Books, 1992. LIPPMANN, Walter. Estereótipos. In: STEINBERG, Charles S (Org.). Meios de comunicação de massa. São Paulo: Cultrix, 1972. LIPOVETSKY, Gilles. A terceira mulher: Permanência e revolução do feminino. Tradução por Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. LYSARDO-DIAS, Dylia. Aplicações da Teoria Semiolingüística na leitura de publicidade impressa. In: IV Congresso brasileiro de lingüística aplicada, 1995, Campinas, São Paulo. p. 301-304. LYSARDO-DIAS, Dylia. Provérbios que são notícia: uma análise discursiva. 2001. Tese (Doutorado em Letras: Lingüística) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG. LYSARDO-DIAS, Dylia, GOMES, Maria Carmen Aires. A Teoria Semiolingüística na análise da publicidade. In: MACHADO, I.L. et alii. Movimentos de um percurso em Análise do Discurso. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2005a. p. 117-131. LYSARDO-DIAS, Dylia. Discurso publicitário e representações sociais. In: LYSARDO-DIAS, Dylia (Org.). Discurso, representação e ideologia. São João delRei: PROMEL/UFSJ, 2005b. p. 25-38. LYSARDO-DIAS, Dylia. Representações sociais e discurso. 2005c (mimeo). LYSARDO-DIAS, Dylia. Mídia: o discurso do estereótipo. In: EMEDIATO, Wander et alii (Org.). Análise do Discurso: gêneros, comunicação e sociedade. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso, Programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos, Faculdade de Letras da UFMG, 2006. p. 25-36. 112 MAISONNEUVE, Jean. Opiniões e estereótipo. In: Introdução à Psicossociologia. Tradução por: Luiz Damasco Penna e J. B. Damasco Penna. São Paulo: Nacional, Universidade de São Paulo, 1977. p.110 – 125. MARANHÃO, Jorge. A arte da publicidade: estética, crítica e kitsch. Campinas: Papirus, 1998. MATOS, Auxiliadora Aparecida de. Feminilidades e gênero: re-lendo Claudia e Nova. Disponível em: <http://www.unitau.br/prppg/publica/humanas/download/feminilidades-N12002.pdf>. Acesso em: 22 novembro 2005. MELO, Mônica Santos de Souza. Estratégias discursivas em publicidades de televisão 2003. Tese (Doutorado em Letras: Lingüística) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG. MONNERAT, Rosane Santos Mauro. O discurso publicitário e o jogo de máscaras das modalidades discursivas. Veredas - revista de estudos lingüísticos, Juiz de Fora: v.3, n.2, p. 97-108, jul./dez.1999. MORIN, Edgar. A promoção dos valores femininos. In: Cultura de massas no século XX – o espírito do tempo I – Neurose. Tradução por Maura Ribeiro Sardinha. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 139-146. MUZZI, Eliana Scotti. Do enunciado à enunciação: Benveniste. In: MARI, Hugo et alii (Org.). Fundamentos e dimensões da Análise do Discurso. Belo Horizonte: Carol Borges – NAD/FALE/UFMG, 1999. p.201-210. PALACIOS, Annamaria da Rocha Jatobá. As marcas na pele, as marcas no texto: sentidos de tempo, juventude e saúde na publicidade de cosméticos em revistas femininas durante a década de 90 2004. Tese (Doutorado em Comunicação) – Universidade Federal da Bahia, Bahia, BA. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/palacios-annamaria-marcas-na-pele.pdf>. Acesso em: 22 março 2006. PIRES, Vera Lúcia. Relações de gênero: efeitos de sentido no discurso da imprensa. Revista Letras de Hoje, Porto Alegre: v.32, n.1, p.103-124, março 1997. RABAÇA, Carlos Alberto, BARBOSA, Gustavo. Dicionário de comunicação. São Paulo: Ática, 1987. RANDAZZO, Sal. Mitologias femininas. In: A criação de mitos na publicidade: como os publicitários usam o poder do mito e do simbolismo para criar marcas de sucesso. Tradução por Mario Fondelli. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. p. 95- 136. 113 RESENDE, Graciele Silva. As representações do homem e da mulher no gênero outdoor. In: MACHADO, I.L.; MELLO, R. (Org.). Gêneros: categorias de Análise do Discurso. Belo Horizonte: NAD/FALE/UFMG, 2004. p. 263-275. SILVA, Maria Aparecida Daniel da. A mulher e o mito da beleza. Revista Fragm. Cult., Goiânia: v. 8, n. 3, p. 777-792, mai./jun. 1998. SOULAGES, Jean-Claude. Discurso e mensagens publicitárias. Tradução por Maria Luiza Ramiarina e Laís Vilanova. In: CARNEIRO, Agostinho Dias (Org.). O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do autor, 1996. p. 142-154. STANGOR, Charles, SCHALLER, Mark. Stereotypes as individual and collective representations. In: MACRAE, C. Neil et al (Org.). Stereotypes and stereotyping. New York, London: The Guilford Press, 1996. p. 03-37. TOALDO, Mariângela Machado. Cenário publicitário brasileiro: anúncios e moralidade contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2005. TOSCANI, Oliviero. A publicidade é um cadáver que nos sorri. Tradução por Luiz Cavalcanti de M. Guerra. 5. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. 114 ANEXO 1: corpus 115 PUB 1 PUB 2 116 PUB 3 PUB 4 117 PUB 5 PUB 6 118 PUB 7 PUB 8 119 PUB 9 PUB 10 120 PUB 11 PUB 12 121 PUB 13 PUB 14 122 PUB 15 PUB 16 123 PUB 17 PUB 18 124 PUB 19 PUB 20 125 Capa da revista UMA (edição de agosto de 2005) 126 Anexo 2: Grades descritivas 127 Grades descritivas do estrato visual Grade 1 Signos Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub icônicos/figurativos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 Seres Homem e x crianças Mulher x x x x x x x x x x Adolescente x Criança Mulher x e x x x Cachorro Mulher e x criança Desenho x Produtos e x Objetos x x x x x x x x x x x x x x x x x x x serviços Escova x Toalha x Secador x 128 x Grade 2 PRODUTO Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub ANUNCIADO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 x Academia de ginástica Técnica de x alongamento de cabelo Aparelhos de x ginástica Carro x Livraria x Medicamento Produtos de x x x x x x x x perfumaria Produtos x x alimentícios Produtos x infantis Revendedora x de cosméticos Roupa x 129 x x Grade 3 Produtos Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub mais 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 anunciados: perfumaria Creme x corporal Creme antiidade x x e anticelulite perfume Creme para x x suavizar olheiras Maquiagem x Tratamento x capilar 130 Grade 4 Partes do corpo destacadas Mulher Rosto Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 x x x Olhos Corpo x x x x x interiro Torso Criança x x Rosto x Corpo x x inteiro Adolescente Corpo x inteiro Mulher e Torso x criança Mulher e Torso x cachorro Homem e Corpo crianças inteiro x 131 Grades descritivas dos elementos plásticos ou não-figurativos Grade 5 Cor Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 Cromática x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x Grade 6 Forma Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 Planura x x Ênfase Justaposição x x x x x x x x Exagero x Singularidade x x Ousadia Atividade x x x x 132 x x x Grade 7 Iluminação Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 Orientada x x x Difusa x x x x x x x x x x x x x x x x x (generalização) Grades descritivas do estrato verbal Grade 8 Formas textuais Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 Apresentação x x x x Chamada x x x x Descrição x x x x x Depoimento Slogan x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x 133 x Grade 9 Domínio de Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub avaliação 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 (apresentação) Verídico Estético - - - - Ético - - - - Hedônico - - - - - - - - Pragmático x x x x x x x x x x x x x x x Grade 10 Domínio Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub de 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 avaliação (chamada) Verídico Estético x Ético Hedônico Pragmático x x x - - x - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - x x 134 x x x x x x x - x Grade 11 Domínio Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub de 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 avaliação (descrição) Verídico - - - - - - - - - - - - Estético - - - - - - - - - - - - Ético - - - - - - - - - - - - Hedônico - - - - - - - - - - - - x - x x x x x x x x Pragmático x x x x x x x x - x Grade 12 Domínio de Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub avaliação 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 (depoimento) Verídico - - - - - Estético - - - - - Ético - - - - Hedônico - - - Pragmático - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - x x 135 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Grade 13 Domínio de avaliação (slogan) Verídico Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 Estético - Ético - Hedônico - - Pragmático - x x x x - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - x 136 x x x x - x x x 137