RENATA APARECIDA TOLEDO
ESTUDO DOS ESTEREÓTIPOS EM PUBLICIDADES
IMPRESSAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS:
TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA
MESTRADO EM LETRAS
Outubro de 2006
RENATA APARECIDA TOLEDO
ESTUDO DOS ESTEREÓTIPOS EM PUBLICIDADES
IMPRESSAS
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Letras da Universidade
Federal de São João del-Rei, como
requisito parcial para a obtenção do título
de Mestre em Letras.
Área de Concentração: Teoria Literária e
Crítica da Cultura
Linha de Pesquisa: Discurso e
Representação Social
Orientadora: Profª Drª Dylia Lysardo-Dias
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS:
TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA
MESTRADO EM LETRAS
Outubro de 2006
2
RENATA APARECIDA TOLEDO
ESTUDO DOS ESTEREÓTIPOS EM PUBLICIDADES
IMPRESSAS
Banca Examinadora
______________________________
Prof ª Drª Dylia Lysardo-Dias – Orientadora
Universidade Federal de São João del-Rei
___________________________________
Profª Drª Emília Mendes Lopes
Universidade Federal de Minas Gerais – Pró-Doc/CAPES
___________________________________
Prof° Drº Guilherme Jorge de Rezende
Universidade Federal de São João del-Rei
Dedico este trabalho aos meus pais Mauro e Fátima.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela força constante
À FAPEMIG pelo apoio financeiro
À orientadora Drª Dylia Lysardo-Dias pela disponibilidade, atenção e experiência
com que orientou este trabalho
À professora Magda Velloso pelo abstract
Aos demais professores do Programa de Pós-Graduação em Letras: Teoria
Literária e Crítica da Cultura por compartilharem seus conhecimentos
Aos colegas pelas valiosas discussões
Aos meus pais Mauro e Fátima pelo incentivo
Ao meu irmão Thiago pela torcida
Ao Mauro pelo amor e compreensão nos momentos de ausência
Aos avós Maria, Joaquim e Bernardino pelo carinho
À secretária que se fez amiga: Filó
A Adriana Teixeira por compartilhar comigo as alegrias e dificuldades desta
pesquisa.
5
RESUMO
Nesse trabalho, procedemos a uma reflexão acerca dos estereótipos que
podem ser revelados através da análise de publicidades impressas veiculadas na
revista feminina UMA durante o mês de agosto de 2005. Ao definirmos o
estereótipo como uma representação social cristalizada fundada em crenças que
são próprias a um grupo social, acreditamos que o seu estudo possa “revelar” os
valores reinscritos no discurso publicitário quando este é destinado ao público
feminino, mais especificamente, o público leitor da revista UMA.
Concebendo a publicidade como produto resultante da articulação entre
elementos icônicos e verbais, descrevemos as publicidades do corpus seguindo a
proposta de Joly (1996) para o nível icônico e a proposta de Charaudeau (1992)
para o nível verbal. A partir de um levantamento quantitativo que visou identificar
através de grades descritivas as ocorrências e verificar aquelas que são mais
significativas, procedemos a uma análise qualitativa dos elementos mais
freqüentes.
Ao lado do estereótipo de que “mulher tem que ser bonita”, nossos dados
evidenciam o surgimento de um “novo” modelo, que é o da mulher independente,
desvinculada de um grupo social, como a família, por exemplo. Contudo, o
surgimento deste “novo” modelo constitui uma pseudo-independência, já que ele
camufla a relativa dependência feminina dos cuidados com a beleza.
Palavras chave: estereótipo – discurso publicitário – representação social
6
ABSTRACT
In this work we reflect on the stereotypes which can be revealed through an
analysis of advertisements published in the women’s periodical UMA in the month
of August 2005. When we define stereotype as a crystallised social representation
founded on beliefs belonging to a social group, we take as a starting point that by
studying it we may unveil the values underlining the discourse of publicity, when
destined to a feminine audience or, more specifically, the reading public of this
specific periodical.
Seeing publicity as a product of the articulation of iconic and verbal
elements, the advertisements chosen as the corpus of this work are described
according to Joly’s (1996) proposition as regards the iconic level and
Charaudeau’s (1992) proposition as to the verbal level. Starting with a quantitative
data which aimed at identifying occurrences through descriptive charts, verifying
which are more meaningful, we proceed to a qualitative analysis of the most
frequent elements.
Alongside the stereotype which affirms that “a woman has to be pretty”, the
data shows the appearance of a “new” model, that of the independent woman,
detached from a specific social group such as family. Whoever, the appearing of
this “new” model constitutes a pseudo-independence, since it disguises the relative
feminine dependence as regards her care with her appearance.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................09
CAPÍTULO 1– CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA.......................................14
1.1 A mídia feminina...............................................................................................14
1.2 Análise da capa da revista UMA......................................................................22
1.3 A publicidade impressa: algumas considerações.............................................27
CAPÍTULO 2 – ESTEREÓTIPO.............................................................................37
2.1 A noção de estereótipo....................................................................................37
2.2 O estereótipo como elemento argumentativo..................................................43
2.3 Das relações entre publicidade e estereótipo...................................................50
CAPÍTULO 3 – QUADRO TEÓRICO PARA A ANÁLISE DAS PUBLICIDADES.53
3.1 Análise do visual...............................................................................................53
3.1.1 Os elementos icônicos ou figurativos............................................................56
3.1.2 Os elementos plásticos ou não-figurativos....................................................57
3. 2 Análise do verbal............................................................................................63
3.2.1 Domínios de avaliação..................................................................................64
3.2.2 Os valores......................................................................................................65
CAPÍTULO 4 – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS......................................69
4.1 Descrição..........................................................................................................69
4. 1.1 Descrição do estrato visual...........................................................................69
4.1.2 Descrição do estrato verbal...........................................................................75
4.2 Interpretação.....................................................................................................80
4.2.1 A valorização da aparência feminina.............................................................80
4.2.2 A questão da juventude.................................................................................90
4.2.3 A questão da esbeltez...................................................................................94
4.2.4 O caso Dove..................................................................................................98
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................110
ANEXO 1: CORPUS............................................................................................115
ANEXO 2: GRADES DESCRITIVAS...................................................................127
8
INTRODUÇÃO
A publicidade é uma das múltiplas mensagens produzidas pela indústria
cultural e oferece pelo menos três possibilidades de estudo: a primeira visa ao
aspecto mercantil, incluindo estratégias de preços, repasse de produtos,
concorrência; a segunda diz respeito à recepção da mensagem publicitária junto
ao público alvo e a terceira abrange o aspecto discursivo, que busca mostrar como
a publicidade expõe símbolos e valores compartilhados socialmente sob o seu
aparato retórico. Desta forma, a publicidade é, nos termos de Landowski (1992),
um discurso social capaz de definir a representação que os indivíduos dão ao
mundo.
Por estarmos inseridos num programa de mestrado cuja área de
concentração é Teoria Literária e Crítica da Cultura e numa linha de pesquisa
intitulada Discurso e Representação Social, estudaremos a publicidade no que
tange ao aspecto discursivo. Portanto, consideramos que o nosso trabalho,
através do estudo de um bem cultural, possa evidenciar modelos socioculturais
cristalizados utilizados pela publicidade e que permitem remeter a um
conhecimento próprio da nossa sociedade.
A configuração publicitária conjuga texto e imagem a fim de conquistar o
consumidor no sentido de adotar uma mudança de atitude por influência da
mensagem publicitária. “Mudar de atitude”, neste sentido, envolve a compreensão
do conteúdo da mensagem e a aceitação das proposições nela apresentadas
explícita ou implicitamente através do consumo efetivo do que está sendo
anunciado. Neste caso, revela-se o papel pragmático da publicidade, que é
promover a compra. A publicidade quer transformar o consumidor de suas
mensagens em consumidor efetivo de seus produtos.
Porém, mais do que o valor de uso, o produto anunciado pela publicidade
contemporânea recobre-se de valores partilhados no âmbito social. Em função
disso, a mensagem publicitária torna-se um produto cultural e veículo de
9
representações previamente conhecidas. Tais representações podem ser
definidas em termos de estereótipos.
Nossa investigação parte, portanto, da hipótese de que ao utilizar o texto
associado à imagem, a publicidade atua tanto consolidando quanto instaurando
idéias, valores e crenças. Em função disso, pretendemos fazer uma reflexão
acerca dos estereótipos mobilizados por publicidades impressas. Propomo-nos a
analisar como o social encontra-se discursivamente organizado e como essa
organização se funda em “modelos” culturalmente partilhados no intuito de
identificar os modos de funcionamento dos estereótipos no discurso publicitário.
Nossa proposta de trabalho se define, basicamente, a partir do objetivo de
identificar os estereótipos que figuram nas publicidades impressas veiculadas na
revista feminina UMA. A partir desse, outros objetivos mais específicos podem ser
definidos: mapear o conceito de estereótipo, identificar e analisar como os
estereótipos remetem a “mensagens simbólicas” ligadas ao plano cultural.
Duas questões às quais tentaremos responder: quais são os estereótipos
que figuram no discurso publicitário quando este é destinado ao público feminino?
Até que ponto o discurso publicitário dirigido às mulheres constrói (no discurso que
pretende atingi-las)
uma representação cristalizada acerca da realidade
sociocultural brasileira ?
Esperamos, com a análise dos dados, responder esses questionamentos
seguindo a orientação de Soulages (1996), que distingue dois tipos predominantes
de análise das mensagens publicitárias na literatura a elas pertinente: “a análise
imanente do texto”, cujo objetivo é a análise formal do texto publicitário e “a
análise feita pelos profissionais da profissão”, os publicitários, com o objetivo de
estabelecer o perfil do sujeito psicossocial através de entrevistas e questionários.
A estas duas, Soulages (op. cit) acrescenta uma terceira, já que considera
as duas primeiras como “riscos potenciais de derivas subjetivas ou mecanicistas”:
a proposta de análise desenvolvida pela Análise do Discurso. Os resultados
obtidos através dos estudos desta última perspectiva permitem, segundo o autor,
evidenciar a consolidação de um certo número de imaginários sociodiscursivos.
10
Nosso trabalho procura seguir essa terceira orientação, já que ao
pretendermos analisar a linguagem em ação, através do estudo de um corpus,
tentaremos mostrar como se estrutura discursivamente o social. Neste sentido, a
linguagem é concebida como um processo dinâmico que envolve as condições de
produção e recepção através do levantamento dos efeitos visados.
O corpus constitui-se de todas as publicidades impressas veiculadas na
revista UMA durante o mês de agosto de 2005 e contabiliza um total de 20 (vinte)
publicidades organizadas da seguinte forma por ordem de aparição:
Pub1: Linha Ciclos d’Racco com DMAE
Pub2: Empresa de cosméticos Mary Kay
Pub3: Sistema firmador corporal Dove
Pub4: Volkswagen
Pub5: Produto alimentício Ferla
Pub6: Alongamento capilar Great Lengths
Pub7: Linha antitempo Vita Derm
Pub8: Tracta gel creme contorno para os olhos
Pub9: Academia Curves
Pub10: Perfume L’acqua di Fiori
Pub11: Tracta coleção outono/inverno 2005
Pub12: Torradas Bauduco
Pub 13: Livraria Siciliano
Pub 14: Roupas para adolescentes
Pub 15: Roupas infanto-juvenil
Pub 16: Roupas infantis
Pub 17: Produtos para bebê
Pub 18: Aparelhos de ginástica Athletic
Pub 19: Dove Essential Care
Pub 20: Cebion
Acreditamos que o estudo deste corpus nos permitirá evidenciar o(s)
estereótipo(s) presentes nas publicidades, independentemente, dos produtos e
serviços anunciados. A escolha da revista UMA justifica-se pelo fato de ser uma
publicação novata1 no mercado editorial brasileiro se comparada com publicações
femininas mais antigas como Claudia, Marie Claire e Nova, por exemplo.
1
Uma faz parte do grupo editorial Símbolo e é uma revista de lançamento recente no mercado
(desde setembro de 2000).
11
Para a descrição do corpus, utilizaremos grades descritivas, que permitem
verificar, mediante uma avaliação quantitativa, quais são as regularidades
significativas. O uso desse procedimento é imprescindível para, numa etapa
posterior, contrastarmos e interpretarmos os elementos mais recorrentes nas
publicidades veiculadas na revista e, finalmente, analisarmos como as
regularidades
evidenciam
estereótipos
que,
por
sua
vez,
remetem
a
representações acerca de aspectos da realidade sociocultural contemporânea
brasileira.
Na
primeira
parte
do
trabalho,
contextualizaremos
a
pesquisa.
Recorreremos aos trabalhos de Buitoni (1990) para apresentarmos a trajetória
histórica do surgimento da mídia feminina. Em seguida, faremos um estudo da
capa da revista UMA a fim de identificarmos as condições de produção que
envolvem o nosso corpus, para melhor analisá-lo. Os estudos de Abreu (2005) nos
auxiliarão a traçar um percurso histórico da publicidade no Brasil, bem como as
suas características iniciais para, a partir daí, tecermos algumas considerações
sobre a publicidade na atualidade.
Na segunda parte, apresentaremos os fundamentos teóricos para o estudo
do conceito de estereótipo, a saber, os trabalhos de Lippmann (1972), Stangor e
Schaller (1996), Maisonneuve (1977) e Jodelet (2001). Os trabalhos de Amossy
(1991), (1994), (1997) e (2000) nos fornecerão a caução necessária para
tomarmos a noção de estereótipo enquanto elemento argumentativo.
Na terceira parte, exporemos a fundamentação teórica a partir da qual
descreveremos os estratos visual e lingüístico das publicidades que compõem o
nosso corpus. Nela discutimos aspectos da teoria de Joly (1996) na seção
destinada à análise do visual, introduzindo, simultaneamente, as categorias que
serão consideradas na descrição e análise dos nossos dados. Para a análise do
lingüístico, recorreremos ao estudo dos procedimentos semânticos de acordo com
os trabalhos de Charaudeau (1992).
Tendo evidenciado as categorias de análise, nos dedicaremos, na quarta
parte, à descrição e análise dos dados. Nossa análise parte do pressuposto de
que a publicidade é um produto resultante da articulação entre as partes visual e
12
lingüística e que a sua significação depende da relação destes dois planos.
Acreditamos que a articulação desses dois níveis permitirá identificar e analisar,
independentemente
do
produto
ou
serviço
anunciado,
as
regularidades
significativas, além de verificar como os estereótipos remetem a representações
acerca da realidade sociocultural brasileira.
Nas considerações finais, apresentaremos os resultados da nossa análise e
algumas reflexões sobre a pesquisa.
13
CAPÍTULO 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA
Apresentaremos, nas seções seguintes, um panorama histórico acerca do
surgimento da mídia feminina. Consideramos importante este procedimento para
melhor compreendermos a sua constituição atual, mais especificamente, a
constituição da revista feminina nosso objeto de estudo. Em seguida, faremos um
estudo da capa da revista UMA na sua edição de agosto de 2005, já que a capa,
através das chamadas e da imagem da mulher esteticamente bem produzida
constitui a materialização das condições de produção que circundam o nosso
corpus.
Retomaremos, também, a origem da publicidade no Brasil: veremos que ela
primava por um caráter predominantemente informativo na sua configuração
primeira. Ela destinava-se a oferecer ao consumidor a apresentação/descrição
acerca das características dos bens e serviços anunciados, mas a crescente
concorrência e a maior capacidade econômica reconfiguraram a função da
publicidade no sentido de torná-la mais simbólica que utilitária.
1.1 A mídia feminina
A mídia feminina é, a priori, dirigida às mulheres. Ela engloba tanto
programa televisivo e radiofônico quanto revista impressa. Esta é considerada
veículo por excelência da mídia feminina, já que seu surgimento é anterior ao da
imagem em movimento ou das ondas de rádio. A revista feminina serve, inclusive,
de parâmetro para a elaboração de outros meios de comunicação não impressos.
Se pensarmos num programa televisivo como “Mais você”, por exemplo,
apresentado por Ana Maria Braga e transmitido diariamente durante as manhãs
pela Rede Globo, poderemos verificar que ele segue “os moldes” de uma revista
impressa no que tange às seções de moda, culinária, beleza e lazer, por exemplo.
Este é o universo tido como “feminino”.
14
Segundo Buitoni (1990), o mais antigo título de periódico feminino de que
se tem notícia é o Lady’s Mercury , surgido na Inglaterra, em 1693, seguido pelo
Ladies’ Diary, que vigorou por mais de um século (1704 – 1840). Destacam-se,
ainda, o Akademie der Grazien e Journal fur Deutsche Frauen, na Alemanha; Die
Elegante, em Viena; Biblioteca Galante (1775), Giornale delle Donne (1781),
revistas católicas como La Donna e La Famiglia Cattolica (século XIX), na Itália,
que enfatizava, segundo a tradição italiana, a mãe como base familiar.
Durante a revolução francesa, periódicos como Les Annales de l’Education
du Sexe (1790), Les Evénements du Jour (1791) e La Feuille du Soir
apresentavam engajamento político ao defenderem alguns direitos femininos.
Contudo, estes periódicos não podem ser caracterizados como feministas porque
o foco principal não era político. Segundo Buitoni (op. cit), o primeiro periódico
feminista é o L’Athénée des Dames, surgido na França, mas fechado por ordem
do imperador.
Enquanto a mídia feminina crescia e assumia um importante papel na
Europa durante o século XVIII, no Brasil ela só começou a funcionar no início do
século XIX. Para Buitoni (op. cit.), o primeiro periódico feminino brasileiro foi o
carioca O Espelho Diamantino (1827). Depois vieram O Espelho das Brazileiras
(1831), Jornal de Variedades (1835), Relator de Novellas (1838), Espelho das
Bellas (1841), Correio das Modas (1839 –1841) e A Marmota (1849 – 1864).
Quanto ao conteúdo, este encontrava na moda e na literatura os temas
mais recorrentes: Moda e literatura se uniam para criar uma espécie de
necessidade temporal, uma de acompanhamento da narrativa, outra de
‘atualização’ com o que se usava na Europa (BUITONI, 1990:41).
Havia, ainda, assuntos que diziam respeito ao “coração”, como conselho
sentimental, sexo, romance e melodrama. Isso porque a origem da mídia feminina
estava atrelada à literatura de folhetim2. Os folhetins traziam seqüências narrativas
2
Originalmente, o termo folhetim designava uma espécie de rodapé dos jornais no qual havia uma
variedade de assuntos como resenhas literárias , crônicas com temas do dia-a-dia, notas sobre
teatro, notícias dos acontecimentos da época, moda e outros. Aos poucos, o romance seriado foi
ganhando este espaço e o folhetim deixou, então, de ser destinado a generalidades para se
transformar no que ficou conhecido como um tipo de ficção (BUITONI, 1990).
15
de romances de autores, como José de Alencar e Machado de Assis. Nesta
época, jornal e revista eram parecidos graficamente.
Foi a partir do desenvolvimento das técnicas gráficas, bem como o
desenvolvimento da fotografia, que a revista passou a ter um caráter mais visual e
a mídia feminina a elegeu como o seu veículo por excelência. Quanto ao
conteúdo, por volta de 1940, consolidavam-se os quatro editoriais: moda, beleza,
casa e culinária.
A revista feminina é hoje um veículo midiático que, se comparado a outros
espaços, como programas radiofônicos, outdoor, mensagem da televisão, possui
uma característica bastante própria: vida útil mais prolongada, podendo ser
lida/vista durante meses e até anos em locais os mais diferentes.
A leitora3 da revista feminina nem sempre está à procura de informação e a
revista pode se apresentar como uma forma prazerosa de passatempo, já que, na
maioria das vezes, apresenta uma impressão sofisticada e diagramação bonita
com uma variedade de cores. É neste sentido que podemos interpretar as
palavras de Buitoni (1990) quando afirma que não se lêem revistas somente pela
informação; muitas vezes, o ato de folheá-las já é um prazer (p.18). O fato mesmo
de se ver uma revista pode ser até mais significativo do que aquilo que se lê nela,
ou seja, o seu conteúdo.
Por não se comprometer, muitas vezes, com questões políticas, a revista
feminina sofre algumas condenações como aquelas apontadas por Buitoni (op.
cit.) que caracteriza os veículos femininos como “alienantes”, já que se dirigem a
um público interessado nas rugas do rosto em detrimento das injustiças sociais.
Para a autora:
A imprensa feminina não mostra a negra, a índia, a japonesa; não
mostra a pobre nem a velha – apresenta como ideal a mulher
branca, classe média para cima e jovem. A juventude é outro dos
mitos modernos que foi totalmente adotado pelos veículos
femininos, servindo para estimular o mercado ao exigir eterna
renovação (BUITONI, 1990: 78).
3
Apesar da possível objeção que possa existir acerca do público alvo da mídia feminina,
trabalhamos com a hipótese de que este é, a priori, um público formado por mulheres apenas.
16
A editora Símbolo, responsável pela publicação da revista UMA, parece
estar a par destas condenações e por isso se “defende” caracterizando-se como
uma editora marcada pela ousadia e pela criatividade na descoberta de novos
nichos de mercado, pela conquista de espaço e quebra de paradigmas. Como
veremos mais adiante, a revista UMA se propõe, segundo a sua linha editorial, a
quebrar os paradigmas das revistas femininas, buscando retratar a independência
da mulher das atividades que dizem respeito aos cuidados domésticos.
Hoje, a revista feminina adquiriu um porte empresarial, com altos
investimentos financeiros em papel, diagramação, impressão, fotografia, que dão
a ela um aspecto bonito e agradável. Se pensarmos em alguns títulos mais novos
no mercado editorial como TPM (Trip para mulher), Estilo, Ana Maria, UMA, Ouse
ao lado dos já conhecidos Claudia, Marie Claire, Nova e Elle, por exemplo,
podemos dizer que a revista feminina constitui um mercado em constante
expansão.
O aperfeiçoamento das técnicas de impressão tornaram a mídia feminina
cada vez mais visual, explorando inclusive a espetacularização4 da beleza
feminina através de fotografias. Estas trazem rostos, corpos perfeitos e novidades
no campo da moda para serem admirados e imitados e despertam na mulherleitora o desejo de manter-se esbelta, jovem e embelezar-se.
Para Lipovetsky (2000), o universo da moda, da fotografia e da publicidade
propiciou o surgimento da manequim, que o autor define como sendo um
arquétipo de beleza feminina, sempre representada de maneira elegante e
maquiada, exibindo um ar indiferente, um olhar frio e inexpressivo: Encarnando
uma beleza para-a-moda e não uma beleza para-o-desejo masculino, a manequim
com sua linha ‘cabide’ é um espetáculo destinado a seduzir prioritariamente as
mulheres como consumidoras e leitoras de revistas (LIPOVETSKY, 2000: 178). A
capa destas revistas confirma tal tendência trazendo, na maioria das vezes, uma
personalidade feminina, bem vestida e bem maquiada, ou seja, esteticamente bem
4
Inspirados em Debord (1997), entendemos espetáculo como “manifestação da ilusão
efetivamente real”. Portanto, para captar a atenção do público-alvo, a mídia comete exageros,
chega a excessos, transformando em extraordinário o que é simplesmente ordinário, promovendo
a espetacularização dos fatos através da gestão das emoções e da exploração da fantasia. Para
tal, um conjunto de dispositivos plástico-estéticos é acionado.
17
tratada.
Segundo Buitoni (1990), Marie-Claire, publicação de origem francesa, foi a
primeira revista a inovar, estampando na capa o rosto de uma mulher bonita,
jovem, alegre, em close-up. A partir da década de 50, tornou-se comum esse
procedimento, que contava com uma diagramação visual moderna em função das
tecnologias que iam surgindo na área.
Muito mais do que uma nova técnica de diagramação, a predominância do
rosto da mulher em close-up, em detrimento do rosto do homem, nas capas das
revistas femininas se justifica, segundo Morin (1987), pela necessidade de se
estabelecer um modelo identificador entre a mulher leitora da revista e a mulher
sedutora estampada na capa. Acrescentaríamos, ainda, que o rosto é a parte do
corpo humano em que os sinais da juventude e da beleza são mais visíveis e
sedutores:
(...) Se na grande imprensa periódica a mulher eclipsa
igualmente o homem, é porque ela ainda é sujeito identificador
para as leitoras, enquanto ela aparece como objeto de desejo para
os leitores. Essa coincidência da mulher-sujeito e da mulher-objeto
assegura a hegemonia do rosto feminino. É o reino não só da
mulher sujeito-objeto, mas dos valores femininos no seio da
cultura. Não há o modelo identificador masculino que se imponha
concorrentemente (MORIN, 1987: 144).
Da maneira como são expostas nas capas das revistas, as imagens de
belas mulheres se dirigem às próprias mulheres, instituindo uma regra de conduta
sedutora. Morin (op. cit.) é taxativo ao dizer que existe neste procedimento uma
erotização da imagem feminina, principalmente do rosto feminino:
O erotismo se especializou e se difundiu. Especializou-se
nos produtos de finalidade especialmente erótica, cuja publicidade
devora as páginas das revistas (maquilagens, adornos, portaseios, receitas para fortalecer os seios, etc.). Difundiu-se no
conjunto do consumo imaginário: não há praticamente filmes sem
déshabillés, não há comics sem heroína de decote picante, não há
France-Soir sem fotografia de estrelas de cinema, não há revista
sem pin-up (MORIN, 1987: 122).
18
Cada vez mais sofisticada, a diagramação investe nas cores enquanto o
espaço destinado às fotos cresce consideravelmente em detrimento do texto
verbal. Os temas das fotos também são inovadores: antes, eram bonecas em
poses que evidenciavam, em ângulos especiais, os detalhes do vestido, por
exemplo; depois, as revistas femininas passaram a mostrar fotos de mulheres
somente de lingerie.
Neste sentido, o olhar torna-se a primeira forma de consumo. Barthes
(1987), ao analisar a cozinha ornamental da revista ELLE, mostra que as
fotografias aí representadas retratam uma cozinha de sonho, como testemunham,
aliás, as fotografias da Elle que apenas captam o prato, sobrevoando-o, como um
objeto simultaneamente próximo e inacessível, que pode ser perfeitamente
consumido pelo olhar (p.131). Isso mostra uma glamorização e um tratamento
estético bem cuidado e eficiente, além de evidenciar que a técnica de close-up
constitui uma forma de antecipação do consumo, ou seja, o consumidor cria, por
meio da visão, uma expectativa com relação aos resultados proporcionados pelo
produto antes mesmo de consumi-lo.
Além do desenvolvimento das técnicas gráficas, o desenvolvimento das
indústrias voltadas para cosméticos, moda, produtos para a casa e a família
tornou a revista feminina uma peça importante para o mercado dos países
capitalistas. Ao folhear uma revista, ainda que ela já tenha saído de circulação há
alguns meses, a leitora pode ter conhecimento dos produtos ali anunciados e
tornar-se uma eventual consumidora deles.
Neste sentido, as publicidades, dentro da linha editorial da revista feminina,
se tornaram responsáveis pelo equilíbrio econômico além de despertarem nas
mulheres, através do consumo de produtos de beleza, os cuidados com a
aparência física. A título de ilustração, transcrevemos os dados a seguir, retirados
do site da revista UMA5, que revelam os índices de interesse das leitoras desta
revista com relação ao consumo de produtos que traduzem um cuidado com o
corpo. Esses dados são importantes, ainda, para definir aquilo que a revista UMA
chama de perfil psicográfico das suas leitoras, que é o estudo dos interesses de
5
Dados disponíveis em: http://www.revistauma.uol.com.br. Acessado em: 22 nov. 2005.
19
suas consumidoras. Como veremos, a tabela transcrita abaixo representa os
principais interesses atribuídos à leitora da revista UMA, segundo levantamento
feito pela própria revista. Desta maneira, a publicação escolhe o seu conteúdo em
função desse conhecimento sobre o perfil das suas leitoras:
Beleza
Tem interesse...
71% em beleza
Comprou nos últimos 30 dias
42% produtos para tratamento do corpo
37% produtos para maquiagem
Usam...
82% perfume
80% batom
79% esmalte
81% lápis para o olho ou sobrancelha
45% shampoo colorante ou tintura
41% base ou pó compacto
21% loção de limpeza
21% creme anti rugas
Freqüentou nos últimos 15 dias
54% salão de beleza
Lazer
Costumam...
73% comer ou passear no shopping
56% fazer compras em shopping
54% ler livros por lazer
49% assistir filmes em vídeo / DVD
49% jantar fora
26% ler livros para fins profissionais
Moda
Tem interesse...
68% em moda
Comprou nos últimos 30 dias...
49% sandálias
43% calçados
43% roupas íntimas femininas
41% jeans
39% malhas e camisetas
Lar
Comprou nos últimos 30 dias...
17% artigos de cama, mesa e banho
Consumo individual e no lar
Consomem...
57% produtos light
46% cerveja
Pretendem comprar nos próximos 12 meses... 50% vinho
31% móveis novos
23% eletrodomésticos
Compras...
25% eletroeletrônicos
91% faz compras em supermercados
26% gastam em média R$ 400,00/ mês no
Pet
supermercado
Tem...
65% cães
21% gatos
Automóveis
64% tem auto no lar
46% pretendem comprar auto nos próximos 12
20
31% fazem compras em pet shops
Assuntos de interesse
85% Beleza/cuidados c/ beleza/ estética
63% Computação uso pessoal/ profissional
77% Finanças pessoais/ orçamento familiar
81% Medicina alternativa
85% Moda/ vestuário
Comprou nos últimos 30 dias
47% Calçados de couro feminino
4% Jóias para uso pessoal/presentes
68% Prod. tratamento da pele/ corpo
55% Produtos para maquiagem
62% Roupas intimas femininas
15% Roupas sociais
Consumo individual
89% perfume
53% Xampu colorante/tinturas/he
49% Protetor solar
73% Creme para o corpo
30% Barras de cereal
85% chocolate barra/ bombom/ tablete
55% drops/ balas
78% Iogurte
52% salgadinhos para aperitivos
77% sorvetes
18% Consome adoçante
meses
42% são encarregadas na manutenção dos
veículos
25% influenciam na escolha da marca e modelo
73% decidem o que comprar antes de ir às
compras
61% preferem a última palavra em tecnologia
76% gostam de experimentar novos produtos /
marcas
53% sentem-se bem em ser reconhecidos pelo
sucesso financeiro
Lazer
87% Cost. assistir filmes em videocassete/DVD
76% Cost. comer ou passear em shopping
57% Cost. Fazer compras em lojas de
departamento
90% Cost. Fazer compras em Shopping Centers
19% Cost. fazer ginástica em academia
87% Cost. assistir filmes em videocassete/DVD
90% Cost. Fazer compras em Shopping Centers
73% Cost. ler livros p/ fins de lazer
66% Cost. jantar fora
A publicidade, além de ser a mola propulsora do capitalismo, por se
inscrever num circuito de compra e venda, desempenha um papel social ao
vincular os cuidados com a aparência a uma prática eminentemente feminina.
Para Soulages (1996), as mensagens publicitárias têm papel regulador nas
economias de mercado, além de, atualmente, serem reconhecidas como um
processo de produção de formas culturais e se afirmarem no espaço social como
um dos suportes mais visíveis das representações das identidades.
21
1.2 Análise da capa da revista UMA
UMA faz parte do grupo editorial Símbolo e é uma revista de lançamento
recente, já que está no mercado desde setembro de 2000. O Grupo Símbolo foi
fundado em 1987 e publicou neste mesmo ano o Guia Corpo a Corpo, que tempos
depois daria origem à revista Corpo a Corpo com mais de meio milhão de leitores
todos os meses segundo as informações disponíveis no site da empresa. Sete
anos mais tarde, surgiu a revista Atrevida, destinada ao público adolescente. Em
1996, é publicada a revista Raça Brasil, definida por seus editores como a revista
que veio com a missão de afirmar o orgulho de milhões de negros brasileiros6. O
último lançamento da editora Símbolo foi a revista UM-Universo Masculino
lançada em novembro de 2004.
O Grupo Símbolo conta atualmente com 24 títulos reunidos
sob 14 marcas. Estes números são pequenos se comparados com gigantes
editoriais como o Grupo Abril, que segundo Palacios (2004) é considerado um dos
maiores conglomerados de comunicação da América Latina. Seu parque gráfico
utiliza processos digitais e imprime cerca de 350 milhões de revistas por ano (p.
91). De acordo com os dados fornecidos pela própria editora Símbolo, ela é a
segunda maior editora de títulos femininos e a terceira maior editora do Brasil. Isso
mostra que a Símbolo é uma editora que já possui um relativo alcance junto ao
público consumidor.
Com uma tiragem de 112.800 exemplares, UMA é definida por seus
editores como a revista completa de comportamento e serviços pessoais,
direcionada à mulher urbana e “antenada”, que quer acima de tudo conciliar o
poder que conquistou na sociedade com sua feminilidade. De periodicidade
mensal, ela trata de temas relativos ao cotidiano de mulheres que estão na faixa
etária dos 20 aos 39 anos, como a vida emocional e profissional, além de saúde,
6
Dados disponíveis em:
Acessado em: 22 nov.2005.
http://www.simbolo.com.br/institucional/Conteudo/0/artigo5356-1.asp.
22
beleza, moda, prazeres e atualidades7. Segundo as informações oficiais, o perfil
psicográfico das leitoras de UMA é descrito da seguinte forma:
Trabalha e é muito centrada na carreira. É responsável por parte
das despesas domésticas, quando não é a principal provedora.
Administra contas (no trabalho e em casa) e se interessa por
investimentos. Está sempre atenta à relação custo-benefício das
coisas. É prática, mas não dispensa pequenos (ou grandes) luxos.
Comanda sua vida doméstica e familiar, direta ou indiretamente.
Se não tem filhos, não descarta a possibilidade de ser mãe.
É curiosa, se interessa por vários assuntos e procura se manter
informada. Pensa muito no futuro. Se preocupa com a boa imagem
- corporal, social, profissional e intelectual. Tem medo de ser
considerada vulgar8.
Procedemos, a seguir, à análise da capa da revista UMA na edição de
agosto de 2005, edição da qual retiramos o corpus da nossa pesquisa. Esta
edição traz a foto de Ana Paula Padrão e anuncia uma entrevista com a jornalista
que, naquela época, havia encerrado o contrato com a Rede Globo de televisão e
estreado no SBT:
O rosto da jornalista, estampado na capa, torna-se discurso a partir do
momento que adquire valor simbólico através do deslocamento e transformação
de uma realidade. Isso significa dizer que ele pode ser sinônimo de afirmação de
sucesso profissional e beleza. Com isso, Ana Paula Padrão passa a ser um
7
Dados disponíveis em: http://www.simbolo.com.br/institucional/Conteudo/0/artigo5356-1.asp.
Acessado em: 22 nov.2005.
8
Dados disponíveis em: http:// www.revistauma.uol.com.br. Acessado em: 22 nov. 2005.
23
modelo identificador para as leitoras de UMA. Para Morin (1977), se o rosto
feminino impera na revista (...) é porque o essencial é o modelo identificador da
mulher sedutora, e não o objeto a seduzir (p.144).
Ampliando um pouco mais esta questão, poderíamos dizer que ao estampar
o rosto da Ana Paula Padrão, que é reconhecida pelo seu trabalho de jornalista, a
revista UMA instaura aquilo que Lipovetsky (2000) chama de arquétipo de beleza
utilizado pelo cinema desde os anos 10: o da estrela. Segundo o autor: Nunca a
beleza feminina esteve tão ligada ao sucesso social, à riqueza, à realização
individual, à “verdadeira vida” (p.177). Vale ressaltar que o sucesso social se
concretiza graças a um mercado midiático e não sexual: Daí a emergência de um
novo poder da beleza feminina: conquistar uma celebridade planetária, ser
admirada pelas massas, viver no luxo graças a uma atividade profissional
reconhecida socialmente e independente da troca sexual (LIPOVETSKY, 2000:
177-178). Assim, a revista parece instaurar um padrão de beleza associado ao
sucesso profissional: mesmo assumindo encargos extra-domésticos, “a mulher
tem que ser bonita”.
Na capa, há 9 (nove) chamadas, das quais 3 (três) têm como tema a
aparência, compreendendo moda/vestuário/corpo; 3 (três) abordam temas
relativos ao comportamento, tais como sexo e atitude e 3 (três) possuem temática
genérica.
As chamadas que têm como tema a aparência são: (1) A nova dieta do Dr.
Atkins. Você emagrece até 15 kg sem sofrer; (2) Cabelos compridos e cara
lavada: as tendências de beleza da São Paulo Fashion Week e (3) Jeans básicos
e chiques para usar à noite. Estas chamadas parecem criar um modelo de mulher
próprio da cultura de massa9: uma mulher que é orientada a se preocupar com
caracteres secundários (“cabelos” e “cara”), roupas (“jeans”), além de um ideal de
beleza esbelto (dieta para emagrecer). A constante busca pelo novo, que se
traduz no seguir a “tendência da moda”, como afirma a chamada (2), corresponde,
9
O termo cultura de massa está sendo empregado aqui como uma produção que segue as normas
de fabricação industrial e se destina a “uma massa social, isto é, um aglomerado gigantesco de
indivíduos compreendidos aquém e além das estruturas internas da sociedade (classes, família,
etc.)” (MORIN, 1977: 14).
24
no dizer de Morin, a uma dupla necessidade a da reestimulação sedutora, a da
afirmação individual (ser diferente dos outros) (MORIN, 1977: 142).
A revista feminina UMA parece, desta forma, oferecer à sua leitora a
maneira de suprir as suas possíveis necessidades/carências, lançando mão do
processo de identificação/desejo de ser como os modelos expostos. A revista
torna-se um importante meio de divulgação de determinados estilos de vida.
As chamadas que abordam temas relativos ao comportamento são: (4)
Sexo: Espante a preguiça de sua cama. E esquente a relação; (5) Desvendamos a
alma dos homens: O que eles realmente querem dizer ao falar que têm medo de
compromisso, o que pensam quando estão calados... e muito mais! e (6)
Simplifique sua vida: especialistas mostram como tornar seu dia-a-dia mais fácil.
Destas chamadas, a que parece ser a principal, já que apresenta uma
diagramação diferenciada, dando destaque para a palavra homens, é a (5). Desta
maneira, a revista feminina parece colocar o homem como principal centro da
atenção da mulher.
A chamada (4), Sexo: Espante a preguiça de sua cama. E esquente a
relação, parece indicar uma mudança dos tempos: ao assumir encargos extradomésticos, a mulher fica mais cansada, o que coloca em risco a libido. Os verbos
“espantar” e “esquentar” parecem associar a idéia de liberdade sexual à diversão,
além de definir um guia de comportamento sexual. Trata-se de um discurso da
mulher moderna, ativa sexualmente. Para Morin:
O modelo da mulher moderna opera o sincretismo entre
três imperativos: seduzir, amar, viver confortavelmente. Há, é
certo, uma antinomia entre o lar e o amor; o divórcio ou a aventura
amorosa clandestina podem resolver ou conciliar a contradição”
(1977:145).
A chamada (6) Simplifique sua vida: especialistas mostram como tornar seu
dia-a-dia mais fácil também traduz um dos temas bastante recorrentes na mídia
feminina que é a seção de conselhos práticos para superar alguns obstáculos
diários.
25
As chamadas que dizem respeito a temas genéricos são: (7) Ana Paula
Padrão. Ela conta tudo sobre a saída da Globo; (8) Perigo: crianças na internet.
Como proteger os seus filhos na rede e (9) 50 razões para virar empreendedora.
É interessante observar que a chamada (7) anuncia uma entrevista
realizada com a jornalista Ana Paula Padrão, cuja foto está estampada na capa da
revista. Tal entrevista permite dizer, baseado nas palavras da jornalista, ao falar
de como era o relacionamento com seu marido quando ela trabalhava na Rede
Globo de Televisão, que a mulher moderna passa por angústias por ter que
trabalhar fora de casa. Segundo a própria Ana Paula Padrão, sua relação conjugal
não estava satisfatória. Ela confessa que a sobrecarga de trabalho estava
distanciando-a do seu marido:
Nós só nos víamos às sextas de madrugada, porque ele
me esperava voltar da emissora pra gente poder conversar um
pouco. Passei os primeiros três anos do meu casamento sem ver
meu marido. E uma hora isso começa a pesar, sabe?10
Apesar de ser bem sucedida profissional e financeiramente, o depoimento
de Ana Paula Padrão evidencia a posição atual da mulher que quer ter sucesso
profissional, e para isso, muitas vezes, sacrifica “antigos” valores como a família e
até o seu desempenho sexual como já demonstramos anteriormente através da
chamada (4). Como se vê, trabalhar fora de casa, muitas vezes, gera um relativo
desconforto familiar para a mulher por ter que se desdobrar entre os afazeres
domésticos e os extra-domésticos. Segundo o depoimento da jornalista, dinheiro,
para a mulher, não traz felicidade, pois:
Trabalho, tudo bem, era bacana na Globo, é bacana no
SBT, pode ser bacana na Band. Mas é trabalho. Daqui a 20 anos,
você estará em outro lugar, fazendo outra coisa, ou vai estar
aposentada... Agora marido, felicidade familiar...é bem mais difícil.
Tem uma hora em que você precisa priorizar as coisas.11
10
11
Revista UMA. Ano 6. N° 59. Agosto de 2005. p. 25.
Revista UMA. Ano 6. N° 59. Agosto de 2005. p. 25.
26
Ao mesmo tempo em que a revista UMA parece incentivar a mulher a
buscar a sua independência, principalmente a financeira, dando-lhe “dicas” de 50
razões para virar empreendedora ou levando-a a se identificar com a profissional
Ana Paula Padrão, a revista coloca a mulher no seu tradicional papel de mãe, que
precisa estar atenta, como comprova a chamada (8), ao alerta de Perigo: crianças
na internet. Como proteger os seus filhos na rede.
Percebemos que as chamadas na capa da revista UMA trazem temas
diversos, mas que estão sempre ligados ao âmbito doméstico/familiar, o que situa
o papel da mulher moderna dentro de um período de transição. Ela é emancipada,
mas tal emancipação não atenuou antigas funções estereotipadas como a
constante preocupação com a aparência física como forma de sedução e o papel
de mãe.
Outro estereótipo pode ser evidenciado através do aspecto plástico da
tipografia que compõe o título UMA: a cor rosa provoca uma associação
interpretativa ligada, na nossa cultura, às mulheres. Podemos dizer, assim, que a
capa da revista UMA articula antigos estereótipos com “novas” representações
acerca do gênero feminino.
1.3 A publicidade impressa: algumas considerações
A prática de se anunciar bens e serviços remonta à história do Brasil
colônia. Naquela época, a atividade tipográfica era proibida e somente o decreto
publicado em 13 de maio de 1808, criando a Impressão Régia, permitiu que se
implantasse este tipo de atividade em território brasileiro. De acordo com Abreu
(2005), no primeiro jornal editado no Brasil, Gazeta do Rio de Janeiro, já se
encontravam anúncios que objetivavam comercializar bens e anunciar vendas e
fugas de escravos.
A independência do Brasil, em 1822, proporcionou o surgimento de novos
jornais e uma maior circulação dos mesmos através do sistema de navegação a
vapor que permitiu o intercâmbio, primeiramente entre Rio e Santos e alguns anos
27
depois entre todas as províncias marítimas. Surge, então, nesta época, um jornal
destinado exclusivamente a anúncios publicitários: o Jornal de Anúncios. Segundo
Abreu (op.cit.), este jornal teve sua tiragem limitada a sete números, mas os
anúncios aí publicados já possuíam um perfil diferenciado, uma vez que os
anunciantes eram profissionais liberais e comerciantes.
Os estudos de Abreu (op. cit.) mostram que em 1825, os anúncios
começaram a ser separados por temas e até a poesia foi utilizada como forma de
anúncio. Escritores como Olavo Bilac teria ganhado cem mil réis para escrever a
seguinte quadra:
Aviso a quem é fumante
Tanto o Príncipe de Gales
Como o Dr. Campos Salles
Usam fósforos Brilhante
(ABREU, 2005: 37).
Até hoje, observamos que a presença dos anúncios transcendeu o espaço
da mídia e se fez presente também na literatura. Em A hora da estrela, de Clarice
Lispector, por exemplo, a mídia influenciava a curta trajetória existencial da
personagem principal Macabéa, que era fascinada pelo mundo dos anúncios que
colecionava. Carlos Drummond de Andrade trabalhou o anúncio como tema
principal de um poema intitulado Eu, etiqueta, mostrando que a publicidade
permeia grande parte das relações humanas.
A terminologia “reclame” foi utilizada pela primeira vez para designar a
publicidade em si em 1885. Mais tarde, foi fundada a primeira agência brasileira
de propaganda, a Empresa de Publicidade e Comércio, em São Paulo, que se
dedicou à publicação de normas técnicas publicitárias através da tradução de
artigos de revistas norte-americanas. No Rio de Janeiro, O Mercúrio inovou ao
utilizar a publicidade gráfica, que significou o abandono do texto escrito, que se
destinava a oferecer ao consumidor a apresentação/descrição acerca dos bens e
serviços como o do Almanaque Fontoura, meio utilizado pelo Biotônico Fontoura
para se auto-promover. Abreu (2005) assim se refere a este almanaque:
28
Com quarenta páginas e distribuído gratuitamente, a
publicação, além de trazer propaganda de remédios, oferecia ao
leitor informações úteis, provérbios, curiosidades etc. Na redação
de textos e ilustrações teve entre seus colaboradores Monteiro
Lobato (1882-1948). Foi nas páginas do Almanaque Fontoura que
o escritor paulista publicou a famosa história do Jeca Tatu, uma
das mais conhecidas e duradouras peças publicitárias do país
(2005: 38).
O século XX testemunhou uma série de transformações na publicidade
ocorridas em função do aperfeiçoamento das técnicas gráficas bem como por
causa do desenvolvimento econômico proporcionado pelas indústrias. A chegada
de filiais de grandes agências publicitárias estrangeiras no Brasil propiciou uma
“reviravolta” na maneira de se conceber a publicidade. Podemos destacar a
utilização de fotografias nos anúncios no lugar de desenhos, a introdução dos
programas radiofônicos patrocinados por grandes empresas e a divulgação de
pesquisas de opinião pública, que ajudavam a orientar a configuração publicitária.
Nesta época, o rádio despontava como um grande meio de comunicação de
massa graças à instalação de sistema de ondas curtas, que permitiram uma
ampliação do alcance das estações de rádio.
Na década de 30, as publicidades eram veiculadas em jornais, revistas,
rádios, outdoors e bondes. A publicidade deixou, assim, de ser artesanal para
ganhar um porte empresarial.
Nos anos 50, a configuração gráfica publicitária sofreu várias mudanças no
sentido de tornar as ilustrações menos carregadas que nos períodos anteriores.
Nesta época, as revistas começavam a investir nas cores dos anúncios. Slogans12
e jingles13 tiveram maior desenvolvimento nesta época.
Com o crescimento da indústria siderúrgica, da instalação da indústria
automobilística e dos grandes investimentos em infra-estrutura promovidos nos
anos do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960), a imprensa, atenta ao
12
Definiremos slogan na página 35.
Segundo Rabaça (1987), jingle é uma mensagem publicitária em forma de música geralmente
simples e cativante, fácil de cantarolar e de recordar.
13
29
novo perfil do consumidor brasileiro, cada vez mais urbano, começou a investir em
publicidades de automóveis, eletrodomésticos, produtos alimentícios e agrícolas.
Baseando-nos nos apontamentos de Lipovetsky (2000), podemos dizer que
ocorreu na publicidade brasileira algo parecido com as transformações na
publicidade dos Estados Unidos no período entre as duas guerras, que serviu,
inclusive, para redefinir o papel social da mulher americana: O aspirador, a
máquina de lavar, o fogão a gás, o refrigerador, a alimentação em conserva são
saudados pela publicidade como instrumentos libertadores da mulher (2000: 210).
Neste período, 28% das verbas publicitárias eram investidas no jornal, 16%
nos rádios, 12% nas revistas e 6% na televisão de acordo com os estudos de
Abreu (2005). Contudo, esta situação não tardou a se modificar quando, em 1960,
a televisão passou a ser a mídia principal, recebendo 43% das verbas. Depois
vinham as revistas (22%), o rádio (15%) e os jornais (14,5%).
O golpe de estado de 31 de março de 1964 tinha como programa de
governo o crescimento econômico a partir do incentivo à livre empresa e dos
capitais nacional e internacional, considerados capazes de realizar grandes
investimentos empresariais que gerariam lucros e, por conseguinte, aumentariam
e diversificariam os investimentos. Este crescimento econômico foi acompanhado
pelo desenvolvimento e profissionalização da publicidade através da chegada de
empresas publicitárias estrangeiras e da abertura de empresas nacionais, que
começaram a integrar arte e redação nas publicidades.
Entre 1968 e 1973, ocorre um aumento significativo dos produtos
industriais, das exportações de produtos manufaturados, do crédito internacional e
das reservas financeiras. Cresce, ainda, o consumo de equipamentos de
transporte, de eletricidade, de produtos químicos, além dos investimentos na
indústria automobilística. Segundo Toaldo (2005), as campanhas publicitárias,
nesta época, tentavam despertar (...) o otimismo na população e estimular o
sentimento de brasilidade, o orgulho nacional, a confiança na capacidade do povo
construir um grande País (sic) (p. 56).
A partir de 1974, começa a crise do crescimento econômico com a
diminuição do consumo dos produtos eletrônicos, redução nos índices de
30
produção industrial, déficit da balança comercial, inflação. Atenta a este contexto,
a publicidade busca, de acordo com Toaldo (op. cit.), manter o clima de animação
dos anos anteriores ao mesmo tempo em que enfatiza que os problemas
vivenciados só seriam superados mediante a colaboração de todos.
No início da década de 1980, os bens de consumo já são uma realidade no
cotidiano das pessoas e a publicidade se torna cada vez mais incentivadora do
consumismo, além de reelaborar valores compartilhados no âmbito social.
Segundo Abreu (2005), o ano de 1984 marcou a presença da publicidade
inclusive nas campanhas eleitorais quando dezenove agências brasileiras
formaram o Comitê Nacional de Publicitários Pró-Tancredo. Para a autora, este
episódio foi a mola propulsora para a entrada das agências publicitárias na
orientação das modernas campanhas eleitorais.
Todas essas transformações ocorridas no cenário político, associadas à
crescente concorrência, à maior capacidade econômica e ao surgimento das
agências publicitárias estabeleceram mudanças na forma de se anunciar os
produtos no que tange às configurações visual e verbal das publicidades
impressas. Estas têm explorado, atualmente, segundo Lysardo-Dias (2005b), a
superposição de imagens, cores e grafismos com o intuito de provocar maior
impacto em detrimento da linearidade do texto verbal.
Estudos como os de Legrain e Magain (1992) mostram que, com relação à
configuração visual, a diagramação tem um papel importante de orientação da
leitura da imagem. Existem diferentes modelos de leitura dependendo da
localização na página. Dentro de uma mesma página, algumas posições são mais
eficazes que outras, como é o caso da construção seqüencial, que consiste em
fazer com que o leitor percorra o anúncio para que o seu olhar recaia, no final do
percurso, sobre o produto, situado na maioria das vezes, embaixo à direita do
anúncio. O modelo mais convencional desse tipo de construção é a construção em
Z, que começa no alto à esquerda, faz ler algo que conduza o olhar no alto à
direita, para descer para a esquerda embaixo, retomando a leitura de um pequeno
texto que termina com a representação do produto, à direita. (JOLY, 1996: 97-98).
31
De acordo com essas considerações é que podemos interpretar a
adaptação da tabela a seguir que, segundo Legrain e Magain (op. cit.), mostra os
valores de atenção para diferentes posições de uma publicidade que esteja
anunciada numa página à direita ou numa página à esquerda:
3
1
23%
33%
4
2
16%
28%
(LEGRAIN e MAGAIN,1992:16)
Como se vê, anunciar numa página à direita é melhor do que anunciar
numa página à esquerda, pois a hierarquização da visão constitui uma importante
ferramenta na configuração visual da mensagem publicitária impressa. Para
Soulages (1996), a configuração publicitária encontra-se, em parte, limitada pelo
dispositivo de mediação escolhido: dos espaços e materiais significantes utilizados
no cartaz do metrô, na página dupla de revista, no anúncio radiofônico ou na
rápida mensagem da televisão, derivam figuras retóricas específicas e tipos de
configurações formais (SOULAGES, 1996:147).
Com relação à configuração verbal, o produto anunciado pelas publicidades
atuais pode ser simplesmente apresentado ou tornar-se o auxiliar de uma busca.
No primeiro caso, a mensagem publicitária se limita à apresentação-exibição do
produto, como acontece, por exemplo, nas publicidades especializadas das
revistas técnicas. No segundo, o sujeito comunicante deve então fazer um esforço
para forjar um elo simbólico, mas sempre hipotético, com os sujeitos
interpretantes, recorrendo a saberes, normas, valores e universos de referência
supostamente partilhados (SOULAGES, 1996: 150).
A escolha de uma dessas qualificações evidenciará o conjunto de
estratégias a ser desenvolvido para que cada discurso apresente-se singular em
relação aos discursos concorrentes. Charaudeau (1983) propõe três tipos
32
discursivos para o discurso publicitário: tipo enunciativo, tipo narrativo e tipo
argumentativo, que são estratégias baseadas nos quatro modos de organização
do discurso14.
No tipo enunciativo, o locutor procura mostrar ao receptor que o sujeito
comunicante (EUc) e o sujeito enunciador (Eue)15 são a mesma pessoa e para
isso lança mão de estratégias fundadas nos atos locutivos, que são de três tipos, a
saber: delocutivo, elocutivo e alocutivo.
No ato delocutivo, que diz respeito à relação entre o locutor e o mundo que
o cerca, tanto o enunciador quanto o destinatário estão apagados. Esta estratégia
tem por finalidade levar o sujeito interpretante a se identificar com o produto
apresentado no texto.
Com relação ao ato elocutivo, há uma tomada de posição do enunciador,
que manifesta sua opinião apreciativa. O destinatário, por sua vez, participa da
emoção manifestada pelo enunciador na posição de espectador-testemunha.
Desta forma, o sujeito interpretante é levado a se identificar com uma imagem
eufórica do produto anunciado na publicidade:
Através do ato alocutivo, o enunciador se institui como benfeitor, aquele
que mostrará ao sujeito interpretante que ele tem uma falta. Nesta perspectiva, o
enunciador se dirige ao destinatário como se fosse um conselheiro, um aliado.
O tipo narrativo do texto publicitário baseia-se em um esquema composto
por quatro elementos onde P(produto): P= objeto da busca, P= auxiliar eficaz, P=
aliado e P= agente da busca.
Em P= objeto da busca, o consumidor é levado a querer possuir o produto,
uma vez que através da aquisição do mesmo, o destinatário se apropriará das
qualificações de P; em P= auxiliar eficaz, o produto supre a necessidade de poder
técnico para aperfeiçoamento; em P= aliado, o produto representa a sociedade
produtora e constitui-se num auxiliar da busca; e, por último, P= agente da busca,
14
Para Charaudeau (1992), os quatro modos de organização do discurso são: o modo enunciativo,
o modo descritivo, o modo narrativo e o modo argumentativo.
15
Segundo Lysardo-Dias (2005a), o sujeito comunicante, ao se configurar como um ser da palavra,
engendra um sujeito enunciador que materializa um propósito comunicativo a partir da imagem que
tem do sujeito destinatário. Esse sujeito destinatário é o destinatário idealizado pelo sujeito
enunciador, que pode ou não coincidir com o sujeito interpretante, destinatário efetivo (p.25).
33
em que o destinatário é constituído como beneficiário da qualidade de uma
determinada Marca.
O tipo argumentativo segue, segundo Charaudeau (1983) a fórmula P(M) x
q=R, em que (P) é o produto, (M) a marca, (q) as suas qualificações e (R) o que
ele oferece. O tipo argumentativo resulta da relação que se trava entre elementos
retóricos e enunciativos no espaço textual. As estratégias do tipo argumentativo
são a singularização e a pressuposição. Pela estratégia da singularização, o
destinatário é levado a crer que P(M) é o melhor dentre os outros da mesma
natureza. Pela estratégia da pressuposição, o publicitário pressupõe que o
destinatário tem uma Falta e oferece um meio para preenchê-la, para suprir uma
necessidade.
As estratégias utilizadas pela publicidade podem aparecer nas seguintes
formas textuais:
(i)
chamada: pequeno texto que visa atrair a atenção do leitor:
Ex. 1: a. QUE TAL SER MAIS FELIZ HOJE? (Pub 1).
b. VOCÊ É O QUE VOCÊ COME (Pub12).
(ii)
apresentação: pequeno texto em que se expõe o produto anunciado,
ressaltando-lhe os benefícios proporcionados e/ou informações sobre o
fabricante:
Ex.2: A LINHA ANTITEMPO VITA DERM FICOU AINDA MAIS
COMPLETA: CÁPSULAS COM DMAE 5% E CERAMIDAS (Pub 7).
(iii)
descrição: texto que enumera as qualidades dos ingredientes que
compõem a fórmula do produto anunciado, ou seja, suas características
técnicas:
34
Ex.3: OS ALONGAMENTOS SÃO PRODUZIDOS COM CABELOS
100% NATURAIS E QUANDO APLICADOS FICAM IMPERCEPTÍVEIS
AO TACTO, NÃO CAUSANDO QUALQUER TIPO DE DANO A QUEM
USA (Pub 6).
(iv)
slogan: “frase concisa, marcante, geralmente incisiva, atraente, de fácil
percepção
e
memorização,
que
apregoa
as
qualidades
e
a
superioridade de um produto, serviço ou idéia” (RABAÇA, 1987):
Ex.4: a. TORRADAS BAUDUCCO. A VIDA LEVE É TÃO MAIS
GOSTOSA (Pub 12).
b. SISTEMA FIRMADOR DOVE. TESTADO EM CURVAS DE
VERDADE (Pub 3).
(v)
depoimento: expressão de uma opinião pessoal que ajuda o texto a se
tornar mais convincente:
Ex.5: COM GREAT LENGTHS MUDO SEMPRE MEU VISUAL MAS
MANTENHO MEU ESTILO! (Pub 6).
Portanto,
a
configuração
publicitária
tem
passado
por
diversas
transformações. Da sua configuração “original”, que primava por um caráter
predominantemente
apresentação/descrição
informativo,
acerca
das
ao
oferecer
características
ao
dos
consumidor
bens
e
a
serviços
anunciados, observamos, atualmente, que a publicidade, além da diagramação,
lança mão de certos universos de referência a fim de (re)construir uma identidade
dos sujeitos nela e por ela projetados. Nesta perspectiva, ela (re)elabora hábitos e
estilos de vida e dimensiona o produto anunciado muito mais pelo seu valor
ideológico do que pela sua função pragmática.
Promovendo o fenômeno da projeção/identificação através do uso de
imagens atraentes e de mensagens que se caracterizam pelo apelo ao emocional,
a publicidade tende a se transformar em espetáculo para que o leitor/consumidor
35
participe intensamente do que assiste ou lê. Concluímos com Debord (1997) que a
“sociedade do espetáculo” é uma sociedade movida pelo consumo e por imagens.
Ao se consumir o produto, consome-se a sua imagem e os valores aí embutidos.
Desta forma, o objeto não mais se define pelo trabalho que permite realizar, mas
pelo contexto social que o transforma em signo de valores, como status,
felicidade, beleza e segurança.
36
Capítulo 2 – ESTEREÓTIPO
Procuraremos, neste capítulo, mapear o conceito de estereótipo. Como
veremos, o fato de o estereótipo basear-se no já-dito permite que ele seja
associado à doxa no dizer de Amossy (2000). Neste sentido, o estereótipo pode
ser tomado como um elemento argumentativo da publicidade, ainda que esta
tenha a sua argumentação configurada de forma implícita.
2.1 A noção de estereótipo
A participação social leva o indivíduo a conceber “idéias” baseadas em
características como “idade” (O jovem é destemido); “raça” (Os japoneses são
inteligentes); “nacionalidade” (O brasileiro sempre dá um jeitinho); “sexo” (A
mulher é o sexo frágil), entre outras, a fim de simplificar e “agilizar” o entendimento
do complexo mundo social que o cerca. Daí surgirem generalizações que nem
sempre condizem com a “realidade” e, muitas vezes, se tornam imagens que se
estendem a toda uma categoria de objetos ou grupo de pessoas.
Estas imagens foram denominadas estereótipos pelo jornalista americano
Walter Lippmann, em 1922, no campo das ciências sociais16, que as definiu, ainda
que de maneira imprecisa, como representações mentais que permitem
categorizar, compreender ou agir sobre o “real”: Na grande confusão florida e
zunzunante do mundo exterior colhemos o que nossa cultura já definiu para nós, e
tendemos a perceber o que colhemos na forma estereotipada, para nós, pela
nossa cultura (sic) (LIPPMANN, 1972: 151). O estereótipo é, sob esta perspectiva,
um processo “natural” e necessário ao convívio social, já que representa as
imagens compartilhadas por indivíduos que têm uma base cultural em comum.
16
Segundo Carvalho (1957), o termo estereótipo já era utilizado na psiquiatria para designar
perturbações mentais que tinham como característica a repetição de atos, gestos, palavras.
37
Apesar de ser um conceito contemporâneo, a história do vocábulo remonta
ao início do século XVIII para designar uma matriz a partir da qual se produzia
material impresso em série. Não obstante a sua origem tipográfica, a noção de
estereótipo foi retomada na Psicologia Social, em matéria de edificação de
conduta ou, mais especificamente, em matéria de representação social sobre a
qual intervêm os sistemas de comunicação social. O estereótipo é, assim, uma
das interfaces das representações sociais, podendo ser analisado enquanto
elemento de representação social.
Do ponto de vista literário, o termo estereótipo adquiriu uma conotação
negativa, segundo Amossy (1991), por designar toda frase feita que se repetia nos
textos impressos. Em função disso, a obra que fazia uso do estereótipo era taxada
de “má literatura”, por dar a impressão de ser a cópia das idéias dos grandes
escritores.
Sob a perspectiva discursiva, a noção de estereótipo é associada ao préconstruído, que foi introduzido por Michel Pêcheux nos anos 70 e diz respeito aos
discursos e julgamentos que fundam os enunciados, mas não estão explícitos na
superfície textual.
A existência do estereótipo é atestada pela observação das reações e
opiniões cotidianas das pessoas e através de experiências realizadas por
psicólogos sociais, que apontam pelo menos duas formas para o seu tratamento:
A primeira perspectiva considera o estereótipo como um processo geral de
esquematização e generalização próprio do pensamento humano para se
(re)adaptar às situações inéditas em que constantemente se encontra; a segunda,
social, concebe o estereótipo enquanto produto das mais diferentes formas de
interação dos indivíduos com os pais, professores, líderes políticos e religiosos,
mídia entre outros.
A
primeira
perspectiva
se
limita
a
uma
abordagem
puramente
“intraindividual”, já que delineia os sistemas cognitivos que permitem ao indivíduo
armazenar e recuperar estereótipos. Estudos como os de Stangor e Schaller
(1996) apontam três formas distintas acerca do modo como as informações são
representadas na memória individual:
38
(i)
o esquema coletivo: conjunto de crenças que especificam a definição de
características e atributos relevantes de um grupo social. É a base com
que
os
indivíduos
fazem
seus
julgamentos
e
orientam
seus
comportamentos.
(ii)
o modelo dos protótipos: é o conceito mais comum em termos de
representação mental. Constitui-se num conjunto de associações entre
“rótulos” e características tidas como verdadeiras.
(iii)
o modelo do exemplar: baseia-se nas noções de senso comum e
memória.
Na perspectiva social, considera-se que a sociedade constitui o “acervo”
das informações compartilhadas entre os indivíduos, que sofrem a ação e a
influência do grupo em cujo âmbito eles vivem. Portanto, as idéias, as opiniões e
as resoluções individuais são tomadas a partir do confronto com o outro. Os
estereótipos surgem, assim, como representações partilhadas que têm origem no
corpo social. Tal como as representações sociais, o estereótipo tem como função
organizar o mundo tanto físico quanto intelectualmente.
Acreditamos que a perspectiva social amplia a perspectiva cognitiva, uma
vez que consideramos insuficiente abordar o caráter de apreensão dos
estereótipos através de esquemas cognitivos sem levar em consideração que o
surgimento dos mesmos depende de situações coletivas. Os estereótipos
apresentam aspectos individuais, mas é o campo coletivo o ambiente favorecedor
da retomada de velhos ou emergência de novos estereótipos.
Enquanto processo de categorização e generalização, o estereótipo facilita
a vida em comunidade por fornecer aos indivíduos uma visão comum que lhes
assegura uma espécie de “sintonia” social. A título de ilustração, tomemos o termo
“calouro”, que qualifica o indivíduo que é novato/iniciante em alguma situação
como, por exemplo, a vida universitária. Para o professor, o estereótipo do
“calouro” ajuda a direcionar o seu programa de aula para um nível mais
introdutório; para os diretórios e centros acadêmicos, a imagem que se tem de um
39
calouro contribui para que sejam promovidos eventos de integração e ajuda
mútua.
A socialização do indivíduo exige, muitas vezes, que ele absorva valores
estabelecidos por outrem, submetendo-se, assim, a regras sociais a fim de não
ser excluído do grupo. Em função disso, ao se comunicar, o indivíduo utiliza uma
visão de mundo socialmente compartilhada. É neste sentido que a linguagem
adquire status de meio por excelência da representação social, ainda que ela não
seja só isso.
Ao transmitir um saber cristalizado, o estereótipo produz, ao mesmo tempo,
um efeito de objetividade e de subjetividade. Nessa dupla ótica, o enunciador pode
utilizar formas prontas que conferem ao seu dizer um aspecto de impessoalidade,
mas também pode subvertê-las, o que exigirá do enunciatário a transferência
dessas formas para outra situação. Nesta perspectiva, o estereótipo atua na
geração do sentido.
Apesar da gênese relativamente neutra, dada a origem tipográfica do
estereótipo, ele adquiriu uma conotação negativa por designar uma imagem fixa,
geralmente pejorativa, de indivíduos e grupos sociais. Esta é a base para o estudo
das atitudes discriminatórias que, muitas vezes, os indivíduos desenvolvem em
relação uns aos outros.
Jodelet (2001), no seu trabalho intitulado Representações Sociais: um
domínio em expansão, apresenta um exemplo a fim de ilustrar como se dá a
cristalização das representações sociais nos discursos. Tal exemplo torna-se
interessante no contexto do nosso trabalho porque apresenta características que
permitem associá-lo à noção de estereótipo. Entre estas características está
aquela que concede à representação social o caráter de fenômeno discriminatório.
O exemplo apresentado pela autora diz respeito ao surgimento da Aids no
início dos anos 80. Nesta época, não havia nenhuma referência médica acerca da
doença, o que favoreceu a proliferação de discursos baseados na imagem que as
pessoas tinham sobre os portadores da doença (drogados, hemofílicos,
homossexuais, receptores de transfusões) e os transmissores da mesma (sangue,
esperma). Este fato fez com que a Aids fosse vista sob duas perspectivas: uma de
40
tipo moral e social, outra de tipo biológico, com a influência evidente de cada uma
delas sobre os comportamentos, nas relações íntimas ou para com as pessoas
afetadas pela doença (JODELET, 2001: 18).
Este exemplo, objeto de análise enquanto elemento de representação
social, remete também ao fenômeno de categorização subjacente à estereotipia.
Tal fenômeno pode ser evidenciado pelo aparecimento de palavras que
categorizavam e traziam em si a representação social do doente de Aids naquela
época, bem como condutas de discriminação: aidético se ligava a “judaico”;
aidetório, a “sanatório” ou “crematório”.
Situações como estas têm contribuído para a desvalorização do conceito de
estereótipo, visto como noção simplificadora e redutora porque reforça a distinção
social. A este respeito é interessante o posicionamento de Amossy (1991), para
quem as associações compartilhadas socialmente constituem a fonte a partir da
qual se formulam julgamentos que não têm, na maioria das vezes, comprovação
científica. Segundo Amossy (op. cit.), quando não temos como utilizar
“conhecimentos empíricos”, utilizamos aquilo que nos é fornecido pela tradição.
Se por um lado o estereótipo permite aos indivíduos uma visão comum que
lhes assegura uma espécie de “sintonia social”, como procuramos ilustrar com o
termo “calouro”, por outro, ele atua enquanto noção desencadeadora de atitudes
discriminatórias, como aquelas desenvolvidas em relação aos portadores da Aids,
conforme o exemplo dado por Jodelet (2001). No dizer de Amossy (1991), a noção
de estereótipo apresenta-se bivalente porque “carrega” em si as contradições que
são próprias ao sistema social. Para ela, o conceito de estereótipo estaria de
alguma forma presente nas “tensões constitutivas da democratização”.
Apesar de a bivalência do estereótipo constituir a sua característica mais
delicada e não raro o termo ser utilizado na acepção pejorativa, para Amossy
(2000), o fato de o estereótipo emergir de um já-dito, de um já-conhecido, enfim de
algo familiar e, por conseguinte, compartilhado entre os membros de uma
sociedade permite que o associemos à doxa.
Dentro da tradição retórica, a doxa ocupa um lugar essencial enquanto
fundamento da comunicação argumentativa por ser considerada, de maneira
41
geral, o conjunto dos saberes compartilhados pelos membros de uma comunidade
em um momento histórico. Ao levar em conta a opinião do outro, o orador está
buscando a eficácia do seu discurso de orientação persuasiva.
Amossy (op.cit.), porém, chama a atenção para o fato de que conceber a
doxa como um conjunto estruturado das opiniões de um grupo é uma maneira, por
assim dizer, reducionista de se definir o termo. A doxa, para a autora, é composta
por opiniões que divergem entre si, já que provêm de doutrinas e pontos de vista
muitas vezes opostos.
Em função disso, a autora, prefere falar em elementos dóxicos17, que são
as formas discursivas que permitem apreender os pontos consensuais sobre os
quais o locutor se apóia para se comunicar com o seu interlocutor e negociar
posições. Neste sentido, a argumentação, longe de tomar para si o debate de
pontos de vista divergentes, se apóia num saber consensual, ou mais
especificamente, numa doxa majoritária.
A linguagem é caracterizada, fundamentalmente, pela persuasão. O homem
está sempre tentando influir sobre o comportamento do seu interlocutor a fim de
fazê-lo compartilhar suas idéias. A construção da imagem do outro é um processo
que envolve o uso de representações socialmente partilhadas.
Tendo como objetivo deste trabalho a identificação dos estereótipos que
podem ser evidenciados em publicidades impressas veiculadas na revista UMA,
consideramos que tais publicidades constroem uma imagem do seu público-alvo,
que são as mulheres, baseando-se nas crenças e valores que são comuns a este
público. A passagem transcrita a seguir ajuda a compreender como a construção
da imagem do outro é um processo que envolve o uso de representações
cristalizadas. Nela, Buitoni (1990) mostra, com outras palavras, que a mídia
feminina se nutre de cadeias de estereótipos tributários de uma cultura e de uma
época:
Aliás, a imprensa feminina nasceu sob o signo da literatura,
logo depois acompanhado pelo da moda. Nos primeiros tempos,
moda e literatura dividiam as atenções. Os direitos femininos
entraram em cena nos séculos XVIII e XIX, às vezes como
17
Tradução nossa para éléments doxiques.
42
dominantes. Paralelamente, os signos da utilidade iam-se
introduzindo e ganhando espaço: trabalhos manuais, conselhos de
saúde, de economia doméstica (BUITONI, 1990: 22).
Tentando ampliar essa forma de compreensão, definimos o estereótipo
como uma representação social cristalizada, fundada em crenças e valores,
acionado a cada prática linguageira a fim de instaurar uma proximidade entre os
interlocutores. Trata-se, portanto, de uma forma de conhecimento que retoma o
que já é conhecido como base para o que será dado a conhecer. Tal característica
confere ao estereótipo uma função dinâmica, sempre atualizável nas interações
verbais.
2.2 O estereótipo como elemento argumentativo
A retórica já atribuía à doxa ou opinião comum uma função essencial dentro
da comunicação verbal. É neste contexto que se desenvolveu, na antiguidade,
uma reflexão em que o lugar comum foi concebido como forma de persuasão, já
que o bom funcionamento da argumentação era medido através da eficiência da
fala do orador.
Amossy (1994) afirma que todo discurso argumentativo é resultante da
confluência de dois níveis que são, por um lado, os encadeamentos lógicos que
determinam a organização textual através dos artifícios retóricos e estilísticos e,
por outro, os estereótipos, as opiniões admitidas e os lugares comuns sobre os
quais se apóiam o discurso a fim de produzir um efeito de evidência.
Para Charaudeau (1999), toda sociedade possui discursos de doxa. Estes
são constituídos pelos lugares comuns (topoi, saberes compartilhados) que
circulam em meio aos diferentes grupos sociais, o que revela, por conseguinte, um
posicionamento social. Neste sentido, podemos dizer que o estereótipo perpassa
todos os discursos produzidos em uma sociedade, funcionando como estratégia
43
enunciativa a fim de garantir a eficiência da comunicação através das fórmulas
fazer-saber, fazer-crer, fazer-fazer, fazer-prazer18.
Segundo este mesmo autor (1992), o processo argumentativo não pode ser
caracterizado simplesmente como uma asserção ou encadeamento lógico de duas
asserções. Esta é apenas uma parte da caracterização do processo argumentativo
chamada de propósito19. Além dessa, o dispositivo argumentativo requer do sujeito
argumentante uma proposta20, ou seja, uma tomada de posição com relação ao
propósito e uma persuasão21, na qual o sujeito diz o porquê ele está de acordo ou
não com o propósito recorrendo aos procedimentos semânticos, discursivos e de
composição.
No caso da publicidade, Charaudeau (1983) descreve o propósito através
da fórmula: P(M) x q = R, em que (P) é o produto pertencente a uma determinada
marca (M), que combinado com as suas qualificações (q) produzirá um resultado
(R). A proposição implica que o destinatário-usuário-eventual do produto recobra a
organização narrativa em que só P(M) poderá proporcionar (R). O ato de
persuasão se constrói a partir de duas hipóteses: ou (1) o destinatário não se
interessa por (R) ou (2) só P(M) permite obter (R).
Desta forma, podemos falar na existência de uma argumentação publicitária
implícita, já que, como vimos, a argumentação não se limita ao encadeamento
explícito dos enunciados. A argumentação na publicidade se dá no confronto entre
um enunciado atestado e outro deixado no implícito. Tal fato exige, portanto, uma
competência por parte do destinatário para identificar que as suas asserções
participam de um propósito, de uma proposição e de um ato de persuasão. Daí
dizermos que a funcionalidade do estereótipo depende do reconhecimento do
destinatário e por isso ele permanece no nível do implícito até que seja ativado, na
forma de imagem familiar, e remetido a um modelo cultural conhecido, quando
atuará discursivamente como um “já dito”. Seja por meio de um conselho, de uma
18
Tais fórmulas dizem respeito à finalidade comunicativa de acordo com a proposta de contrato de
comunicação de Charaudeau: fazer-saber: informativa; fazer-crer: persuasiva; fazer-fazer: factiva e
fazer-prazer: lúdica.
19
Tradução nossa para Propos.
20
Tradução nossa para Proposition.
21
Tradução nossa para Persuasion.
44
solicitação ou comparação com outros produtos da mesma natureza, a publicidade
promete uma satisfação. Vejamos alguns exemplos do nosso corpus:
a) QUE TAL SER MAIS FELIZ HOJE? (Pub 1).
b) DOVE ESSENTIAL CARE FORTALECE OS FIOS, RESGATA O
BRILHO SEM DEIXAR OS CABELOS PESADOS (Pub 6).
Como podemos observar nos slogans supracitados, a publicidade torna o
produto desejável, dotando-o de qualificações positivas e idealizadas, que visam
atender às necessidades mais íntimas e básicas do consumidor. Segundo
Charaudeau (1983), a publicidade define o receptor como inserido numa situação
de Falta e, ao tomar consciência de sua Falta, ele se torna o agente de busca. A
busca se caracteriza pelo preenchimento da Falta via objeto de busca e obtenção
do resultado. É por isso que o objeto é apresentado como auxiliar da busca do
agente. Neste sentido, o estereótipo pode ser concebido como um apelo
argumentativo para convencer o destinatário que ele tem uma Falta e que o
produto anunciado é capaz de preenchê-la.
Para Charaudeau (op.cit.), a publicidade coloca em cena uma dupla
estratégia,
a
saber:
a
estratégia
da
ocultação
e
a
estratégia
da
sedução/persuasão.
Na estratégia da ocultação, ocorre a escamoteação do jogo de interesses
econômicos que envolvem o discurso publicitário, ou seja, para Charaudeau, o ato
de compra efetuado pelo consumidor é a garantia de que a máquina capitalista
não emperrará e que o projeto de fala do publicitário foi bem sucedido. A
ocultação se concretiza mediante a constituição de uma imagem positiva do
anunciante sobreposta `a figura do publicitário, produzindo um efeito de
credibilidade, honestidade ao “contrato de confiança” que os parceiros da instância
produtora propõem ao leitor/consumidor.
A publicidade do creme Firmador Dove (Pub 3), do nosso corpus, por
exemplo, busca convencer o seu destinatário mostrando-se “honesta” através do
slogan:
45
UMA CURVA ENVERGONHADA PERDE TODA A TIMIDEZ QUANDO
ESTÁ FIRME (Pub 3).
O slogan supracitado aparece associado à imagem de mulheres, por assim
dizer, “reais”, que não possuem um corpo escultural. Desta forma, a publicidade
procura convencer que os produtos concorrentes da mesma natureza são
aplicados em mulheres que já têm as formas físicas definidas, o que não
representa a real condição da maioria das mulheres. Vejamos outros enunciados
retirados desta mesma publicidade:
a) PESQUISA REALIZADA COM 573 MULHERES.
b) SABONETE MAIS LOÇÃO COM COLÁGENO GARANTEM 90% DE
EFICÁCIA FIRMADORA.
Para Charaudeau (1996), existem algumas condições que fundamentam o
direito à fala e que podem ser tomadas como estratégias de argumentação. Estas
estratégias gravitam em torno de dois pólos: legitimidade e credibilidade. A
primeira é dada ao sujeito em conseqüência da posição que ele ocupa nas
diversas práticas sociais e se apóia numa autoridade proveniente do Saber e do
Poder; a segunda é adquirida a partir da demonstração da competência em
capitalizar uma autoridade de fato.
Entendendo, como observa Charaudeau (op.cit.), que o ato comunicativo se
fundamenta, entre outros aspectos, no reconhecimento do Poder, que põe em
jogo o status do sujeito que comunica, a publicidade da Dove, acima citada, goza
de uma determinada legitimidade junto ao público consumidor por ser uma marca
já conhecida no mercado. Para comprovar a eficácia do produto, a publicidade
evidencia que ele foi “aprovado” por 573 mulheres, o que gera um efeito de
credibilidade, honestidade ao “contrato de confiança” que os parceiros da instância
produtora pretendem propor ao destinatário.
46
A imagem produzida do sujeito destinatário é aquela que não se interessa
pelo produto (P), mas pelos resultados (R) oferecidos por ele. Daí, se observa que
(P), motivo do jogo de interesses econômicos e objeto de troca entre a instância
produtora e a instância receptora, adquire caráter de auxiliar da busca do agente,
que é a consumidora que “sonha” com formas sem flacidez.
Na estratégia da sedução/persuasão, o publicitário, sabendo que não está
diante do consumidor, constrói uma imagem sedutora e persuasiva através
daquilo que Charaudeau (1996) chama de objetivo comunicativo factitivo. Este
objetivo consiste no anunciante se apresentar como o benfeitor da situação,
mostrando-se como aquele que quer satisfazer os desejos/necessidades do
receptor.
Para tal, a publicidade precisa chamar a atenção, agradavelmente, do seu
leitor. Com este intento, ela lança mão do objetivo comunicativo factitivo,
gerenciando emoções, tais como afetividade, alegria, romantismo para fazer com
que o leitor/consumidor, através do fenômeno de projeção/identificação, participe
intensamente do que assiste ou lê. A este respeito é elucidativo o posicionamento
de Charaudeau:
A comunicação publicitária, por exemplo, se inscreve num
contrato situacional onde o parceiro publicitário não está em
posição de autoridade para ordenar ao consumidor potencial que
compre determinado produto. Assim, a publicidade poderá ter
simultaneamente tanto um objetivo de persuasão, como um
objetivo de sedução (jogo de palavras, narrativas mais ou menos
míticas, apelos aos sentidos, elogio do gosto, prazer de
convivência etc.) para incitar o leitor da publicidade a apropriar-se
do produto elogiado (Charaudeau, 1996:31).
Podemos visualizar isso de que nos fala Charaudeau na Pub 8 do nosso
corpus, que utiliza uma pequena narrativa para relatar o dia agitado de uma
mulher “moderna”. Ao assumir encargos extra-domésticos, ela vive sob estresse,
mas mesmo assim deve ter uma aparência bem cuidada:
ONTEM FUI PRA BALADA. ACORDEI CEDO PRA TRABALHAR, MAS
CHEGUEI ATRASADA. LEVEI BRONCA DO CHEFE E AINDA ENTREI
47
NUMA REUNIAO MUITA CHATA. PRA PIORAR, SAÍ TARDE E
PEGUEI UM SUPERTRÂNSITO (Pub 8).
A publicidade confere, assim, ao produto uma imagem que objetiva
funcionar como vantagem para ele sobre os outros produtos no mercado,
diferenciando-o dos concorrentes que têm o mesmo valor utilitário. Para tal, ela
pode apresentar, ainda, o produto justaposto a uma pessoa, que corresponda às
aspirações coletivas e tenha a qualidade a ser alcançada, como ocorre na (Pub 6)
do nosso corpus, que utiliza a imagem de uma pessoa pública como a Patrícia de
Sabrit.
Neste caso, a publicidade busca promover a identificação/projeção, em que
a possível consumidora, ainda que inconscientemente projete uma idealização,
associando a suposta beleza de Patrícia de Sabrit ao uso do produto Great
Lengths. Tem-se, assim, uma imagem estereotipada do sujeito empírico Patrícia
de Sabrit como bonita, famosa e inteligente:
COM GREAT LENGTHS MUDO SEMPRE MEU VISUAL MAS
MANTENHO MEU ESTILO (Pub 6).
Como podemos perceber, a publicidade não economiza estratégias a fim de
convencer o seu destinatário. Ela lança mão de diversos procedimentos que se
fundamentam, entre outras condições, (1) no reconhecimento do Poder, que põe
em jogo a suposta posição de autoridade do sujeito que comunica, e (2) na
legitimidade junto ao público consumidor, a fim de transformar o consumidor das
mensagens publicitárias em consumidor efetivo dos produtos anunciados.
Percebemos, ainda, que é no interior da persuasão que o sujeito que
argumenta utiliza procedimentos que o auxiliarão no seu intento persuasivo. Tais
procedimentos têm como função validar a sua argumentação. São eles:
procedimentos semânticos, discursivos e de composição. Os procedimentos
semânticos22 se apóiam no valor dos argumentos; os procedimentos discursivos
22
Esta categoria será descrita mais detalhadamente a seguir.
48
utilizam certas categorias da língua capazes de produzir efeitos de persuasão; os
procedimentos de composição dizem
respeito à repartição, distribuição,
hierarquização dos elementos argumentativos ao longo do texto oral ou escrito.
Sendo assim, tanto Amossy (1994) quanto Charaudeau (1996) postulam
que o bom funcionamento da argumentação depende, em parte, da utilização de
um conjunto de saberes partilhados e de representações sociais a partir dos quais
os sujeitos negociam suas posições. Neste sentido, a argumentação encontra-se
na confluência da retórica, da qual toma emprestado a noção de auditório, e da
lógica, que lhe fornece os procedimentos de demonstração indispensáveis à
sustentação das teses.
Apesar do caráter pejorativo atribuído à noção de estereótipo, Amossy (op.
cit) mostra que, enquanto elemento dóxico, o estereótipo desempenha um
importante papel dentro da argumentação. Para a autora, sem a utilização do
estereótipo nenhuma operação de categorização ou de generalização, assim
como nenhuma construção de identidade e relação com o outro seria possível.
Neste sentido, o estereótipo é um esquema que, ao ser ativado pelo destinatário,
remeterá a um modelo cultural conhecido.
Influenciar o outro é uma tarefa que exige a mobilização de certos
mecanismos que acionarão a memória, o imaginário, o desejo e de alguma forma
construirão pontos de vista sobre o mundo. É neste sentido que se encontra o
posicionamento de Charaudeau (1992: 788), para quem argumentar significa
acionar um universo de crenças compartilhadas socialmente:
A passagem de A1 para A2 não se faz de maneira
arbitrária. Ela deve ser estabelecida por uma asserção que
justifique a ligação de causalidade que une A1 e A2. Esta asserção
representa um universo de crenças a cerca da maneira como os
fatos se entredeterminam na experiência ou no conhecimento do
mundo. Este universo de crença deve, então, ser partilhado pelos
interlocutores envolvidos na argumentação, de forma que se
estabeleça a prova da validade da ligação que une A1 a A2, o
argumento que, do ponto de vista do sujeito argumentante, deverá
incitar o interlocutor ou o destinatário a aceitar como verdadeiro
aquele. Esta asserção (ou conjunto de asserções) freqüentemente
não dita, implícita, pode ser chamada de prova, inferência ou
49
argumento segundo o quadro de questionamento no qual ela se
inscreve (Charaudeau, 1992: 788)23.
Consideramos, assim, que o estereótipo é um elemento corroborador do ato
persuasivo, já que provém de um saber compartilhado, o que favorece a adesão
do sujeito. O estereótipo adquire uma credibilidade cultural ao se apoiar num
consenso que é necessário ao entendimento entre os sujeitos interlocutores. Ao
evidenciarmos que o estereótipo é um saber compartilhado coletivamente,
podemos, num sentido geral, considerá-lo como uma representação social
cristalizada fundada em valores próprios de um grupo social.
2.3 Das relações entre publicidade e estereótipo
Na atualidade, a mídia tem sido um importante meio de atualização de
saberes
consensuais.
Ao
empregar
uma
tecnologia
para
comunicar
“massivamente” os seus produtos, ela lança mão de crenças e valores
compartilhados socialmente, a fim de promover a inter-compreensão, ora
afirmando-os, ora questionando-os. Esses pressupostos sociais podem ser
definidos em termos de estereótipos, já que, como temos procurado demonstrar, o
estereótipo é uma representação social cristalizada que se funda em valores
compartilhados socialmente.
Com o fim da cultura industrial no século XIX e o surgimento da cultura de
massa no século XX, o imperativo mercadológico exigiu a captação de uma
audiência cada vez mais ampla e heterogênea por questão de sobrevivência
econômica. Para tanto, o conceito de estereótipo foi redefinido, passando de meio
23
Tradução nossa para: Le passage de A1 à A2 ne se fait pas de façon arbitraire. Il doit être
établi par une assertion qui justifie le lien de causalité qui unit A1 et A2. Cette assertion représente
un univers de croyance à propos de la manière dont les faits s’entredéterminent dans l’expérience
ou la connaisance du monde. Cet univers de croyance doit donc être partagé par les interlocuteurs
impliqués par l’argumentation, de sorte que soit établie la preuve de la validité du lien qui unit A1 à
A2, l’argument qui, du point de vue du sujet argumentant, devrait inciter l’interlocuteur ou le
destinataire à accepter comme vrai ce propos. Cette assertion (ou série d’assertions), souvent non
dite, implicite, pourra être appelée preuve, inférence ou argument selon le cadre de
questionnement dans lequel elle s’inscrit.
50
necessário à reprodução em série a norma cultural sob a qual os produtos
midiáticos são produzidos. Isso acarreta uma busca constante por estratégias
cada vez mais sofisticadas a fim de se atingir os objetivos comunicacionais.
Tudo isso porque a mídia projeta as representações do seu público. Ainda
que pesquisas e entrevistas antecedam à produção de um produto, bem ou
serviço, a imagem que a mídia constrói do seu público-alvo (Tu-destinatário)24 não
corresponde necessariamente ao público real (Tu-interpretante) nos termos de
Charaudeau (1996). As representações construídas pela mídia são, por assim
dizer, cogitações, ou seja, representações que ela faz das representações do seu
público. Assim, opiniões dominantes, convicções “indiscutíveis”, que fazem parte
de um acervo cultural, tornam-se dados coletados e re-inscritos no discurso
midiático. O fato de a mídia trabalhar em função do Tu-destinatário em detrimento
do Tu-interpretante, ajuda a desmistificar a crença de seu suposto poder de
“manipulação”.
A título de ilustração podemos lembrar o que aconteceu com um dos
anúncios de lingerie da Duloren que mostrou, há alguns anos atrás, sob o slogan
“Você não imagina do que uma Duloren é capaz” a encenação de uma cena de
estupro supostamente motivada pelo uso da lingerie. Neste caso, grupos
feministas espalhados pelo Brasil reagiram contra tal encenação e iniciou-se o
boicote. Há quem diga que a Duloren, então líder no mercado de lingerie, perdeu
várias posições para os concorrentes.
Há, ainda, o exemplo histórico dos cartazes da Benetton que promoveram,
nos anos 90, transtorno no espaço publicitário ao utilizarem imagens jornalísticas
(como a imagem de um cemitério ou de um aidético moribundo), redirecionando
os “lugares comuns” e, assim, despertando reações políticas e morais do público.
Percebe-se, assim, que o processo de construção do outro, através dos
imaginários socioculturais, é assimétrico porque pode produzir sentidos que fogem
ao controle do publicitário. Para Soulages:
24
Esta terminologia já foi explicada anteriormente no capítulo 1.
51
Ir ao encontro ou construir os imaginários de um alvo é uma
árdua tarefa, uma operação incessante de negociação
(anunciante-publicitário), mas, antes de mais nada, uma operação
de co-construção de sentido (publicitário-consumidor), por isso ela
só pode ser conservadora, pois deve se apoiar então sobre o Dizer
circulante e quase sempre pronto-a-ser-pensado (SOULAGES,
1996: 154).
Ao emergir de situações vivenciadas coletivamente, o estereótipo adquire
um caráter econômico e funcional, sintetizando idéias, sem prejudicar a
inteligibilidade da comunicação, além de ser portador de uma opinião corrente.
Apesar do caráter econômico, o estereótipo permite que se chegue a uma
informação social. Enquanto elemento de comunicação, o estereótipo se cristaliza
em torno de certas palavras, como definiu Maisonneuve (1977):
(...) essas palavras indutoras, designam, geralmente,
categorias mais ou menos amplas: raças (os brancos, os negros),
nações (os alemães, os chineses), classes ou profissões (os
capitalistas, os operários, os psicólogos...); por vezes, também,
objetos ou produtos (por exemplo, segundo são “naturais” ou
artificiais), ou pessoas como símbolo de uma política ou de uma
ideologia (de Gaulle, Mao Tse-tung, Castro...) (MAISONNEUVE,
1977: 115).
No caso específico da publicidade, os estereótipos funcionam como (i) uma
forma “rápida” de chamar a atenção do destinatário através daquilo que já lhe é
familiar, de forma a assegurar a compreensão do conteúdo da mensagem
publicitária; (ii) um apelo argumentativo para convencer o destinatário que ele tem
uma Falta (nos termos de Charaudeau,1983) e que o produto anunciado é capaz
de preenchê-la; e como (iii) um mecanismo construtivo que, por ter um caráter
relativamente estável de significações, funciona como base para elaboração do
discurso e das proposições sob as quais ele se assenta.
52
Capítulo 3 – QUADRO TEÓRICO PARA A ANÁLISE DAS PUBLICIDADES
Concebendo a publicidade impressa como produto resultante da articulação
entre as partes visual e verbal e considerando que a sua configuração depende da
justaposição destes dois planos, procuraremos nesta seção delimitar o quadro
teórico para a descrição do corpus.
3.1 Análise do visual
Em 1960, a imagem publicitária tornou-se um dos principais objetos de
análise para a semiologia da imagem, que vislumbrou um novo campo teórico
para o estudo da comunicação. Roland Barthes foi um dos primeiros a utilizar a
imagem publicitária como objeto de estudo da então iniciante semiologia da
imagem.
Em seu clássico artigo A retórica da imagem, Barthes (1990) lança a base
para futuros estudos teóricos acerca da significação da imagem, mais
especificamente a significação da imagem publicitária. Para este autor, a imagem
publicitária é a mais propícia das imagens para uma análise. Isto porque, na
concepção barthesiana, a imagem contém signos. Tais signos se tornam mais
plenos na publicidade:
Porque, em publicidade, a significação da imagem é,
certamente, intencional: são certos atributos do produto que
formam a priori os significados da mensagem publicitária, e estes
significados devem ser transmitidos tão claramente quanto
possível; se a imagem contém signos, teremos certeza que, em
publicidade, esses signos são plenos, formados com vistas a uma
melhor leitura: a mensagem é franca, ou pelo menos, enfática
(BARTHES, 1990: 28).
53
Destinada a uma leitura pública, a publicidade precisa ser clara e objetiva
para que possa ser compreendida pelo maior número possível de pessoas que
atestarão a sua inteligibilidade mediante a compra do produto anunciado.
Tecendo suas considerações a partir de uma publicidade específica, a das
massas italianas Panzani, Barthes (op.cit.) distingue três mensagens compondo a
significação total da peça publicitária: mensagem lingüística, mensagem icônica
codificada e mensagem icônica não codificada.
No que diz respeito à mensagem lingüística, ela pode, na maioria das
vezes, orientar a interpretação da imagem, já que esta veicula um grande número
de informações. No dizer de Barthes, o verbal teria uma função de ancoragem ou
de revezamento em relação à imagem. A função de ancoragem é bastante
utilizada pela imprensa na forma de “legenda” da imagem, na tentativa de deter os
vários sentidos que uma imagem gera. A função de revezamento contribui com
indicações mais precisas, que apesar da riqueza comunicativa de uma imagem,
muitas vezes não são possíveis de serem ditas sem o verbal, como as referências
de lugar ou tempo.
A mensagem icônica codificada é formada por diversos signos, que como
tal, remetem a outros universos de significados. Estudiosos como Joly (1996),
dizem que há nesta abordagem uma confusão quando Barthes coloca sob um
mesmo significante elementos diversos como objetos e cores. Para Joly (op. cit),
os trabalhos teóricos que se sucederam procuraram evidenciar o valor
inquestionável do postulado barthesiano, mas o reconfiguraram no sentido de
tentar esclarecer alguns pontos, reagrupando, por exemplo, sob a terminologia
signos plásticos, elementos como as cores.
Quanto à mensagem icônica não codificada, Barthes valoriza a utilização da
fotografia, em detrimento do desenho ou da pintura, por considerar que ela
transmite uma certa “naturalidade” à imagem.
A grande contribuição de Barthes com o artigo A retórica da imagem foi o
fato de ele considerar a imagem enquanto conjunto de signos, em que os objetos
aí representados devem ser interpretados sob uma perspectiva sociocultural.
Neste sentido, tornaram-se importantes algumas terminologias, como mensagem
54
denotada, que seria aquela identificada a partir da descrição da imagem, e
mensagem conotada, que seria aquela evidenciada a partir dos saberes
compartilhados entre quem anuncia e quem lê.
Esta distinção tornou-se fundamental porque permite dizer que as escolhas
plásticas não são aleatórias, contribuindo, assim, juntamente com os signos
icônicos, para uma parte da significação da mensagem visual. Juntos, os signos
icônicos e os signos plásticos formam o conjunto dos signos visuais, distintos e
complementares entre si.
Outro esclarecimento com relação ao postulado barthesiano diz respeito ao
termo “imagem”. Este, que designava o anúncio em seu conjunto, foi substituído
pela terminologia “mensagem visual”, a partir da qual são identificados os signos
figurativos ou icônicos e os signos não-figurativos ou plásticos. Aqueles, dariam a
impressão de “representar a realidade” tal é a forma com que joga analogicamente
com a percepção e os códigos de representação. Estes, diriam respeito aos
elementos plásticos em si da imagem, tais como cor, forma, iluminação, entre
outros.
Vemos, assim, que do artigo inaugural de Barthes originaram vários pontos
produtivos a partir dos quais os estudos acerca da imagem publicitária têm
evoluído. A título de ilustração, podemos mencionar o trabalho de análise proposto
por Martine Joly (1996) a partir de uma publicidade das roupas Marlboro Classics
veiculada no semanário Le Nouvel Observateur em 1990. Primeiramente, a autora
faz uma descrição desta peça. Em seguida, faz um estudo detalhado de cada uma
das três mensagens que constituem esta publicidade, a saber: a mensagem
plástica, a mensagem icônica e a mensagem lingüística. Para a autora, a análise
de cada uma destas mensagens e o estudo de sua interação permitem identificar
uma mensagem implícita global do anúncio, além de jogar com o saber cultural e
sociocultural do espectador, de cuja mente é solicitado um trabalho de
associações.
É nos baseando em Joly (op. cit.) que conceberemos a publicidade como
produto resultante da articulação entre as partes visual e verbal e postularemos
que
a
sua
significação
depende
da
55
justaposição
destes
dois
planos.
Procuraremos, desta forma, descrever as publicidades do corpus a partir do
modelo de análise proposto pela autora no que tange às mensagens plástica e
icônica.
3.1.1 Os elementos icônicos ou figurativos
A mensagem icônica seria o suporte material de expressão do signo
icônico, que através de conotações que ele evoca, sugere, no anúncio, algo a
mais do que ele próprio poderia dizer. Ela é composta pelos elementos que
compõem a peça publicitária.
Na publicidade das roupas Marlboro Classics, descrita por Joly (1996), o
reconhecimento de elementos como jaqueta de couro, uma mão enluvada
segurando as rédeas de um cavalo, o santo-antonio da sela e o pescoço de um
animal serve, segundo a autora, para vislumbrar a imagem de um homem
esportista, ou mais especificamente, a imagem estereotipada do caubói tantas
vezes utilizada nas campanhas publicitárias dos cigarros Marlboro.
Ainda que os signos icônicos possam ser poucos no anúncio publicitário,
eles são suficientes para reunir um certo número de qualidades atribuídas a um
grupo social. Deste modo, a análise da mensagem icônica sublinha que a
interpretação dos elementos se dá através do processo da conotação de diversas
ordens, tais como usos socioculturais dos objetos, lugares, pessoas ou posturas.
A partir dessas colocações, propomos as seguintes grades a partir das
quais descreveremos o nosso corpus com relação aos elementos icônicos ou
figurativos:
Signos
Pub1
Pub n
icônicos/figurativos
Seres
Desenho
Objetos
Grade resumida 1 – Signos icônicos ou figurativos
56
Produto anunciado
Pub1
Pub n
Grade resumida 2
Produtos mais anunciados
Pub1
Pub n
Grade resumida 3
Partes do corpo destacadas
Pub1
Pub n
Seres
Grade resumida 4
3.1.2 Os elementos plásticos ou não-figurativos
A mensagem plástica seria composta por elementos como cor, forma,
composição, textura entre outros. Até 1980, os signos plásticos eram
considerados material de expressão dos signos icônicos. Segundo Joly (1996),
deve-se ao Grupo Mu, a distinção teórica entre signos plásticos e signos icônicos.
A partir de então, começou-se a considerar que a significação da mensagem
visual encontra-se, em parte, determinada pelas escolhas plásticas:
A distinção teórica entre signos plásticos e signos icônicos
remonta aos anos 1980, quando o Grupo MU25, em particular,
conseguiu demonstrar que os elementos plásticos das imagens –
cores, formas, composição, textura – eram signos plenos e inteiros
e não simples material de expressão dos signos icônicos
(figurativos) (JOLY, 1996:31).
A imagem, assim como qualquer outro objeto, é visualizada graças a um
conjunto de leis perceptivas. A percepção visual é o processamento de uma
25
Grupo Mu. “Traité du signe visuel”. Pour une rhetorique de l’image. Paris, Seuil, 1992.
57
informação que chega aos olhos mediatizada pela luz. No sistema visual, existem
unidades elementares que cooperam para a percepção dos objetos e do espaço
de maneira sempre simultânea, de forma que a percepção de alguns afeta a
percepção dos outros. De acordo com os trabalhos de Aumont (1995), os
elementos da percepção são a luminosidade, as bordas e as cores.
Dondis (1991), por sua vez, fala em elementos básicos da comunicação
visual, assim definidos: o ponto, a linha, a forma, a direção, o tom, a cor, a textura,
a escala ou proporção, a dimensão e o movimento.
Neste trabalho, atentaremos para três dos elementos básicos da
comunicação visual: cor, forma e luminosidade, tal como descritos por Joly (1996),
que considera que a interpretação destas categorias é antropológica e cultural, ou
seja, a percepção destes elementos deriva de um saber consensual,
compartilhado culturalmente, logo relacionado à noção de estereótipo.
3.1.1.1 Cor
O homem vive mergulhado num cromatismo intenso do qual não consegue
se desvencilhar, a não ser por algum fator fisiológico como a cegueira. Seja na
natureza, seja nas arquiteturas urbanas, o homem está cercado por um mundo
cromático que o satisfaz. No campo publicitário, a cor é um dos pontos primordiais
da estratégia de marketing na medida que é a responsável pela captação da
atenção do público-alvo.
Farina (1986) salienta que a cor assume até mesmo um valor psicológico,
preenchendo algumas necessidades humanas. Para este autor, a compra é
resultado, ora de um ato racional, quando fruto de uma necessidade concreta do
consumidor, ora de um ato emotivo, ou seja, quando ocasionada por uma
necessidade criada. Criar no consumidor a necessidade da compra requer uma
motivação, muitas vezes, proporcionada pela cor.
Deve-se observar, contudo, que a cor é uma construção social e como tal
está ligada a fatores culturais próprios a cada comunidade. Pode-se afirmar com
Farina que:
58
Os costumes sociais são fatores que intervêm nas escolhas
das cores. Por exemplo, em determinadas culturas, é hábito
diferenciar, através da cor, as vestes das mulheres mais idosas
das vestes usadas pelas mais jovens (...). Esses significados ficam
de tal forma enraizados na cultura de um povo que estamos hoje
em condição de ver, na cultura de nosso país, o emprego, na
linguagem corrente, de sensações visuais para definir estados
emocionais ou situações vividas pelo indivíduo. É muito comum
ouvirmos frases como estas: “De repente, a situação ficou preta”;
“Fulano estava roxo de raiva”; “Ela sorriu amarelo”; “O susto foi tão
grande que ela ficou branca”; “Estava vermelha de vergonha”
(FARINA, 1986: 103).
Percebemos, assim, que apesar de a sensação da cor ser considerada o
elemento mais emocional dentre aqueles que constituem o processo visual, ela
está ligada à expressão cultural de um grupo social. Na nossa sociedade, por
exemplo, as cores rosa e azul estão, respectivamente, associadas a enxovais de
meninas e enxovais de meninos.
Com a seguinte grade pretendemos descrever nosso corpus com relação à
cor:
Cor
Pub1
Pub n
Cromática
Grade resumida 5 – Cor
3.1.1.2 Forma
Em Introdução à análise da imagem, Joly (1996) alerta para o fato de que
um estudo interpretativo da imagem enfrenta alguns obstáculos, já que muitas
vezes as pessoas não se sentem preparadas para discorrer sobre uma arte
plástica. Outro obstáculo à interpretação das formas é o fato de que não há
comentários a fazer sobre a silhueta de um homem ou de uma árvore; elas são
assim (JOLY, 1996: 99). A autora salienta, ainda, que a busca por uma
compreensão rápida e clara da imagem publicitária pode gerar associações
estereotipadas, como a vinculação de formas arredondadas à feminilidade e de
linhas retas ou formas agudas à virilidade.
59
Na publicidade das roupas Marlboro Classics que analisa, Joly (op. cit.)
estabelece um sistema em que opõe formas moles, organizadas em massa, a um
sistema de traços, listras finas e verticais. Em certos aspectos, esta abordagem
nos pareceu confusa. Diante desta realidade, adotaremos as categorias para a
análise da comunicação visual propostas por Dondis (1991) para o estudo da
forma do nosso corpus.
Para Dondis (op. cit.), a forma é um elemento imprescindível para compor o
design, manipulação de elementos visuais, de qualquer comunicação visual e está
estreitamente ligada ao conteúdo. A seguir explicaremos as categorias propostas
por este autor, exemplificando com publicidades do nosso corpus:
(i)
Planura: o que caracteriza esta técnica é o uso de perspectiva
intensificada pela reprodução da informação ambiental através da
imitação dos efeitos de luz e sombra característicos do claro-escuro.
(Pub 1)
(ii)
Ênfase: esta técnica realça apenas uma coisa contrastada com um
fundo em que predomina a uniformidade.
(Pub 3)
60
(iii)
Justaposição: relação de comparação que se estabelece entre duas
sugestões colocadas lado a lado.
(Pub 18)
(iv)
Exagero: intensificação e ampliação extravagantes de um relato.
(Pub 12)
(v)
Singularidade: focalização de um tema isolado sem o apoio de
qualquer outro estímulo visual.
(Pub 11)
(vi)
Ousadia: seu objetivo é obter a máxima visibilidade.
61
(Pub 16)
(vii)
Atividade: representação ou sugestão do movimento.
(Pub 9)
A partir das categorias definidas acima, propomos a seguinte grade para a
descrição do nosso corpus, quanto à utilização da forma:
Forma Planura Ênfase Justaposição Exagero Singularidade Ousadia Atividade
Pub1
Pub n
Grade resumida 6 - Formas
3.1.1.3 Iluminação
A iluminação diz respeito à incidência da luz que circunda as coisas. O valor
tonal é a medida adotada para se descrever a luz e é graças a ele que os
indivíduos enxergam. Eles vêem porque a luz que circunda as coisas é refletida
pelas superfícies brilhantes ou incide sobre os objetos portadores de claridade ou
obscuridade relativa. Graças às variações tonais pode-se, então, identificar a
62
complexidade da informação visual. Assim, a visibilidade do claro se superpõe ao
escuro e vice-versa.
Segundo Joly (1996), a luminosidade pode ser classificada em pelo menos
dois tipos: difusa e orientada. A luz difusa, em oposição à luz orientada, torna a
representação visual menos realista, já que atenua as referências espaciais, a
impressão de relevo, suaviza as cores e bloqueia as indicações temporais. Assim
como a cor e a forma, a autora diz que a interpretação da iluminação é
antropológica, ou seja, deriva de um saber compartilhado socialmente. A partir daí,
concebemos a seguinte grade:
Iluminação
Pub1
Pub n
Orientada
Difusa (generalização)
Grade resumida 7 – Iluminação
3.2 Análise do verbal
Joly (1996), ao tratar da mensagem lingüística, desenvolve sua análise
baseada em aspectos como a escolha da tipografia enquanto recurso plástico.
Para a autora, o conteúdo da mensagem lingüística encontra-se, em parte,
assinalado na sua cor, na sua disposição na página ou na escolha dos
caracteres. A autora trata, ainda, da sintaxe da frase enquanto retórica, o que
inclui a análise dos desvios gramaticais enquanto efeito de sentido.
Consideramos que tais aspectos sejam importantes, uma vez que implicam em
associações interpretativas diversas. Contudo, eles não atendem ao objetivo
geral do nosso trabalho, uma vez que estamos postulando a existência de uma
relação entre a linguagem e o contexto socio-histórico em que esta se insere.
Em função disso, para a análise da mensagem lingüística presente no
corpus, adotaremos como categoria os procedimentos semânticos, conforme
descritos por Charaudeau (1992), que consistem na utilização de argumentos
63
que repousam sobre valores que, dentro dos domínios de avaliação, são
compartilhados socialmente. Acreditamos que esta categoria atende mais
proximamente ao nosso objetivo de identificar quais são os estereótipos que
figuram no discurso publicitário, por acreditarmos que a existência do estereótipo
se funda em valores e crenças mobilizados de maneira recorrente.
3.2.1 Os domínios de avaliação
Como dissemos anteriormente, os procedimentos semânticos estão ligados
aos domínios de avaliação. Estes serão definidos a seguir e exemplificados com
formas verbais do nosso corpus:
(i)
Pragmático: define as coisas ou as ações em função de sua
utilidade:
SUAVIZA OLHEIRAS E BOLSAS (Pub 8).
(ii)
Verídico: define a existência dos seres e dos objetos. No caso da
publicidade, utilizam-se elementos que compõem a fórmula do
produto, dando cientificidade ao argumento:
SABONETE MAIS LOÇÃO COM COLÁGENO GARANTEM 90% DE
EFICÁCIA FIRMADORA (Pub 3).
(iii)
Hedônico: pauta-se no prazer ou satisfação proporcionados pela
utilização do produto:
QUE TAL SER MAIS FELIZ HOJE? (Pub 1).
64
(iv)
Ético: as ações são definidas de acordo com as regras de
comportamento que fazem parte de um consenso geral:
VIVER BEM É VALORIZAR AS PEQUENAS COISAS (Pub 5).
(v)
Estético: os seres e objetos são definidos com base em sua beleza.
LINDA POR NATUREZA (Pub 8).
3.2.2 Os valores
A cada um dos domínios de avaliação acima citados, existe um valor
correspondente, que se relaciona, por conseguinte, a uma norma de
representação social. A seguir mostraremos, com alguns exemplos do nosso
corpus, quais são estes valores, sempre em conformidade com a proposta de
Charaudeau (1992).
(i) Valores concernentes ao domínio da verdade:
a. COMO TER SEU PRÓPRIO NEGÓCIO, SUCESSO E MUDAR
DE VIDA? (Pub 2)
b. UMA MARCA QUE ACOMPANHA AS MULHERES NA BUSCA
POR SUA REALIZAÇÃO PESSOAL (Pub 2)
c. HOJE A MULHER ENTENDE TANTO DE CARRO QUANTO O
HOMEM. MAS CONTINUA A ENTENDER MUITO MAIS DE
OFERTAS (Pub 4).
d. GREAT LENGTHS É A RESPOSTA ÀS MULHERES QUE
SONHAM COM CABELOS MAIS COMPRIDOS E VOLUMOSOS
(Pub 6).
65
e. CURVES É UMA ACADEMIA DIVERTIDA, RÁPIDA, SEGURA E
SOB MEDIDA PARA MULHERES DE TODAS AS IDADES (Pub
9)
f. 30 MINUTOS DE EXERCÍCIOS PARA MULHERES DE TODAS
AS IDADES (Pub 1).
(ii)
Os valores concernentes ao domínio do ético podem ser, por
exemplo, de solidariedade:
MULHERES QUE MUDARAM DE VIDA LEVANDO PARA OUTRAS
MULHERES A CHANCE DE FAZER O MESMO (Pub 2).
(iii)
Valores concernentes ao domínio do hedônico:
a) QUE TAL SER MAIS FELIZ HOJE? (Pub 1).
b) UMA CURVA ENVERGONHADA PERDE TODA A TIMIDEZ
QUANDO ESTÁ FIRME. SISTEMA FIRMADOR DOVE. TESTADO
EM CURVAS DE VERDADE (Pub 3).
c) MOVIMENTO SAUDÁVEL FERLA. VIVER BEM É VALORIZAR AS
PEQUENAS COISAS (Pub 5).
d) VENHA CONFERIR. CERTAMENTE VOCÊ SE SURPREENDERÁ
(Pub13).
(iv)
Valores concernentes ao domínio do pragmático sugerem um
comportamento fundado em normas baseadas na quantidade, num
suposto modelo de comportamento, num argumento de prudência ou
conservadorismo
e
na
diferença
como
forma
de
sedução,
exemplificados, respectivamente, a seguir:
a) TODAS
AS
MULHERES
GOSTAM
ATRAVÉS DOS CABELOS (Pub 19).
66
DE
SE
EXPRESSAR
b) VENHA CONFERIR O QUE MAIS DE 4 MILHÕES DE MULHERES
JÁ
APROVARAM (Pub 9).
c) VOCÊ É O QUE VOCÊ COME (PUB 12).
d) HOJE A MULHER ENTENDE TANTO DE CARRO QUANTO O
HOMEM.
MAS CONTINUA A ENTENDER MUITO MAIS DE OFERTAS (Pub
4).
(v)
Concernente ao domínio de avaliação estético, temos os seguintes
exemplos de valores:
a) SE A BELEZA TINHA SEGREDOS, VOCÊ ACABA DE DESCOBRIR
TODOS ELES (Pub 11).
b) MACACÕES FABRICADOS COM MUITO CARINHO PARA O BEBÊ
SENTIR O MÁXIMO DE CONFORTO E FICAR AINDA MAIS CHEIO
DE GRAÇA (Pub 16).
c) DÊ UM PRESENTE ATHLETIC E GANHE UM PAI EM FORMA (Pub
18).
Como os domínios, e por conseguinte os valores, encontram-se nas
diversas formas textuais publicitárias, propusemos modelos de grades como os
que se seguem:
Formas textuais
Pub 1
Apresentação
Chamada
Descrição
Depoimento
Slogan
Grade resumida 8
67
Pub n
Domínio de avaliação Pragmático Verídico Hedônico Ético Estético
(apresentação)
Pub 1
Pub n
Grade resumida 9
Domínio de avaliação Pragmático Verídico Hedônico Ético Estético
(chamada)
Pub 1
Pub n
Grade resumida 10
Domínio de avaliação Pragmático Verídico Hedônico Ético Estético
(descrição)
Pub 1
Pub n
Grade resumida 11
Domínio de avaliação Pragmático Verídico Hedônico Ético Estético
(depoimento)
Pub 1
Pub n
Grade resumida 12
Domínio de avaliação Pragmático Verídico Hedônico Ético Estético
(slogan)
Pub 1
Pub n
Grade resumida 13
68
CAPÍTULO 4 – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Nesse capítulo, tencionamos descrever e analisar o corpus com relação aos
estratos visual e verbal. De posse dos dados descritos, pretendemos interpretálos.
4.1 Descrição
Nas seções 4.1.1 e 4.1.2 descreveremos, respectivamente, o estrato visual
e o estrato verbal a partir do levantamento realizado através das grades, o que
nos permitiu quantificar as ocorrências e verificar aquelas que são mais
significativas. Como nosso objetivo maior é a identificação dos estereótipos, nos
concentraremos nos elementos mais freqüentes, visto que eles revelam as
representações estereotipadas.
Para a descrição do estrato visual, seguiremos a proposta de Joly (1996),
levando em conta os elementos icônicos ou figurativos (imagem do produto
anunciado e dos seres presentes na página publicitária) e os elementos plásticos
ou não-figurativos (cor, iluminação e formas).
Para a descrição dos elementos verbais, recorreremos ao estudo dos
domínios de avaliação, de acordo com os trabalhos de Charaudeau (1992), que
remetem aos valores utilizados na construção argumentativa da página
publicitária.
4.1.1 Descrição do estrato visual
Investigamos os tipos de produtos anunciados nas publicidades do
nosso corpus bem como a sua freqüência e chegamos ao seguinte resultado: os
produtos de perfumaria26 aparecem em 35% dos casos; as publicidades que
26
Estamos trabalhando com o mesmo conceito de perfumaria adotado por Melo (2003), de acordo
com os dados fornecidos pela ABIHPEC (Associação Brasileira de Higiene Pessoal, Perfumaria e
Cosméticos). Perfumaria é uma categoria genérica na qual se incluem perfumes, produtos de
69
anunciam roupa infanto-juvenil correspondem a 15% das ocorrências; a presença
de publicidades anunciando produtos alimentícios ocorre em 10% das peças
publicitárias; 5% das publicidades anunciam academia de ginástica; outros 5%
anunciam aparelhos de ginástica. A presença de publicidades que anunciam
técnica de alongamento de cabelo é freqüente em 5% dos casos. A publicidade de
carro é recorrente em 5% das peças publicitárias; o anúncio de livraria é freqüente
em 5% das publicidades. Os medicamentos são anunciados em 5% dos casos. Os
produtos infantis e a revenda de cosméticos são anunciados em 5% das
publicidades cada um.
Pela análise dos produtos anunciados, podemos verificar uma
valorização dos cuidados com a aparência física no conjunto das publicidades
formadas
pelos
produtos
de
perfumaria,
roupas,
produtos
alimentícios,
academia/aparelhos de ginástica e alongamento de cabelos.
Um outro dado nos chama a atenção: a freqüência de aparição dos
produtos de perfumaria destinados à mulher, além da variedade dos mesmos:
28,57% das peças publicitárias anunciam cremes preventivos antiidade e
anticelulite; 14,28% das publicidades anunciam creme corporal. O perfume é
anunciado em 14,28% dos casos; as publicidades que anunciam creme para
suavizar olheiras são freqüentes em 14,28% das peças publicitárias. As
publicidades de maquiagem aparecem em 14,28% dos casos e o anúncio de
tratamento capilar é freqüente em 14,28% das peças publicitárias.
Investigamos, ainda, quais são as imagens dos seres que aparecem
justapostas aos produtos. O resultado dessa pesquisa foi o seguinte: a imagem da
mulher aparece em 50% dos casos; a imagem da criança é freqüente em 15% das
publicidades e a imagem do adolescente ocorre em 5% das peças publicitárias. A
imagem da mulher segurando uma criança aparece uma única vez (Pub 20),
assim como a imagem da mulher ao lado de um cachorro (Pub 5). A imagem do
homem com crianças também aparece em apenas uma publicidade (Pub 18).
higiene pessoal (sabonete, desodorante, produtos para barba, xampu, condicionador e produtos
em geral para tratamento dos cabelos) e cosméticos (cremes, loções, produtos para colorir os
cabelos e maquilagem em geral).
70
Observamos que duas publicidades (Pub 4 e Pub 12) utilizam desenhos.
Na Pub 4, ocorre a personificação de um carro e na Pub 12, a personificação de
um salgado do tipo “coxinha”. Tanto o carro quanto a “coxinha” adquirem
características físicas humanas, como olhos, boca, braços e pernas. Este dado
nos mostra que as publicidades investem menos em ilustrações com desenhos.
(Pub 4)
(Pub 12)
Tentamos identificar, também, quais são os objetos que compõem as peças
publicitárias e observamos a presença de escova de cabelos, toalha de banho e
secador de cabelos utilizados unicamente pela Pub 19. Tais objetos se relacionam
ao cuidado com a aparência física.
Observamos que algumas partes do corpo das mulheres são mais
destacadas que outras. Com relação às publicidades em que aparece a imagem
da mulher, pudemos perceber que 60% dos casos destacam o rosto e 20% das
ocorrências dão ênfase ao torso. Os casos em que ora se focaliza a mulher de
corpo inteiro, ora se focaliza unicamente os seus olhos, somam 10% dos casos
cada um. Nas publicidades com crianças, 66,66% das ocorrências destacam
somente o rosto delas. Nas publicidades em que aparecem as imagens da mulher
ora com um cachorro, ora com uma criança, destaca-se o torso. A publicidade
com homem e crianças retrata-os de corpo inteiro.
Com relação à cor, todas as publicidades do corpus revelam uma profusão
de cores, ou seja, são cromáticas. Nas publicidades que anunciam produtos
infantis, mesclam-se cores como laranja, amarelo, azul, verde, sempre em
71
tonalidades fortes. Chama-nos a atenção o fato de que a cor utilizada na
embalagem dos produtos de perfumaria é, geralmente, a mesma utilizada no
ambiente em que se encontra o produto ou é compatível com a cor da roupa
utilizada pelas mulheres. Neste caso, observamos a predominância da cor branca:
(Pub 2)
(Pub 3)
(Pub 7)
(Pub 8)
(Pub 19)
72
Com relação às publicidades que anunciam produtos alimentícios,
percebemos uma variedade de cores que, assim como nas publicidades que
anunciam os produtos infantis, se mesclam num jogo em que se distinguem o
laranja, o vermelho, o amarelo, o verde e o azul.
No que tange à forma das páginas publicitárias do nosso corpus,
observamos a seguinte freqüência: a ênfase ocorre em 35% das ocorrências, a
ousadia predomina em 20% das publicidades e a planura, a justaposição, a
singularidade e a atividade aparecem em 10% dos casos cada uma. É ainda
utilizado, com menos freqüência, o exagero, em apenas 5% dos casos.
A predominância da ênfase, que é uma técnica que realça apenas uma
coisa contrastada com um fundo em que predomina a uniformidade, revela que os
produtos de perfumaria e os seres se encontram sob um fundo branco, como
atestam os exemplos abaixo:
(Pub 2)
(Pub 3)
(Pub 7)
(Pub 8)
73
(Pub 10)
(Pub 19)
Com relação à iluminação, esta é predominantemente orientada em 65%
dos casos. Ela se dirige para o rosto dos seres, destacando expressões
fisionômicas, como em:
(Pub 1)
(Pub 2)
(Pub 11)
O emprego da iluminação difusa ocorre em 35% das publicidades e serve
para evidenciar o espaço físico em que os seres se encontram:
74
(Pub 9)
(Pub 15)
4.1.2 Descrição do estrato verbal
Para a descrição dos elementos verbais fizemos, primeiramente, um
levantamento
das
formas
textuais
que
compõem
a
página
publicitária.
Consideramos este procedimento importante porque os domínios de avaliação
podem aparecer inseridos nas diversas formas textuais das publicidades. O
resultado deste levantamento foi o seguinte: 90% das publicidades apresentam a
forma textual descrição; a apresentação é recorrente em 80% dos casos; a
chamada está presente em 70% do total das publicidades. Com relação ao slogan,
60% das publicidades recorrem a esta forma textual. O depoimento aparece em
apenas 10% das publicidades do nosso corpus.
Tentamos identificar o domínio de avaliação que é mais recorrente em
cada uma destas formas verbais. Chegamos ao seguinte resultado: todas as
publicidades do corpus que utilizam a forma verbal apresentação recorrem, em
100% dos casos, ao domínio de avaliação pragmático.
Com relação às publicidades que apresentam chamada, 64,28% delas
utilizam o domínio de avaliação pragmático, 14,28% recorrem ao domínio de
avaliação estético, 14,28% utilizam o domínio de avaliação hedônico e 7,14%
empregam o domínio de avaliação verídico.
As publicidades que apresentam a forma verbal descrição lançam mão
do domínio de avaliação pragmático em 100% dos casos. Apenas duas
publicidades recorrem ao depoimento. Uma utiliza o domínio de avaliação estético
e a outra, o domínio de avaliação pragmático.
75
Das publicidades que apresentam slogan, 41,66% empregam o domínio
de avaliação pragmático; 33,33% delas utilizam o domínio do hedônico, 16,66%
dos casos recorrem ao domínio de avaliação estético e 8,33% lançam mão do
domínio de avaliação verídico.
As publicidades que adotam o domínio de avaliação pragmático
sugerem um comportamento que pode estar baseado:
(i)
na manutenção e/ou prevenção de um rosto jovem:
a) LINHA
CICLOS
D’RACCO
COM
DMAE.
ANTI-AGE
E
ANTICELULITE. 5 VEZES MAIS EFICAZ; REDUZ ATÉ 98% DAS
RUGAS (Pub 1).
b) IDEAL PARA ATENUAR E PREVENIR AS RUGAS DO PESCOÇO,
COLO E MÃOS, PODENDO SER APLICADA EM TODO ROSTO
(Pub 7).
(ii)
tonificação e fortalecimento da pele ou do cabelo:
a) SABONETE MAIS LOÇÃO COM COLÁGENO GARANTEM 90% DE
EFICÁCIA FIRMADORA (Pub 3).
b) AÇÃO NUTRITIVA, HIDRATANTE E REVITALIZANTE COM TOQUE
SECO E SUAVE (Pub 7).
c) SUAVIZA OLHEIRAS E BOLSAS (Pub 8).
d) DOVE ESSENTIAL CARE FORTALECE OS FIOS, RESGATA O
BRILHO SEM DEIXAR OS CABELOS PESADOS (Pub19).
(iii)
práticas de manutenção de um corpo esbelto:
a) UM CIRCUITO COM EXERCÍCIOS DE FORÇA E TREINAMENTO
AERÓBICO EM APENAS 30 MINUTOS, ADEQUADOS À SUA
AGENDA,
QUE
RESULTA
76
EM
PERDA
DE
PESO,
FORTALECIMENTO MUSCULAR E CONDICONAMENTO FíSICO
(Pub 9).
b) DÊ UM PRESENTE ATHLETIC E GANHE UM PAI EM FORMA (Pub
18).
c) E O MELHOR: VOCÊ COME E NINGUÉM PERCEBE (Pub 12).
Ao lado da oferta de produtos, como vimos, que sejam úteis para a
manutenção de um corpo jovem e esbelto, como se percebe através do domínio
de avaliação pragmático, as publicidades do corpus recorrem, ainda, ao domínio
de avaliação hedônico. Este define as situações em agradáveis ou desagradáveis
segundo o prazer que proporcionam por estarem em conformidade com os
projetos e ações humanas. Desta forma, as publicidades que sugerem este tipo de
comportamento podem estar baseadas:
(i)
na satisfação demonstrada em relação ao próprio corpo:
a) UMA CURVA ENVERGONHADA PERDE TODA A TIMIDEZ
QUANDO ESTÁ FIRME (Pub 3).
b) SURPREENDA-SE! (Pub 9).
c) TORRADAS BAUDUCCO. A VIDA LEVE É TÃO MAIS GOSTOSA
(Pub 12).
d) RESGATANDO A CONFIANÇA E A AUTO-ESTIMA, SEJA USANDO
OS PRODUTOS MARY KAY OU, AINDA, SE TORNANDO UMA DE
NOSSAS CONSULTORAS (Pub 2).
(ii)
na satisfação em desfrutar pequenos prazeres da vida:
a) ANA, 36. DAVA UMA VOLTA NO SHOPPING TODO DIA. AGORA
DÁ UMA VOLTA NO QUARTEIRÃO COM SEU CACHORRO.
MOVIMENTO SAUDÁVEL FERLA. VIVER BEM É VALORIZAR AS
PEQUENAS COISAS (Pub 5).
77
b) ONTEM, FUI PRA BALADA (Pub 8).
Com relação à utilização do domínio estético pelas publicidades do
nosso corpus, observamos que ele é empregado ora para mostrar que ser belo é
um “dom natural”, ou seja, a pessoa nasce bela, ora para mostrar que é uma
conquista individual, que depende da busca por produtos para este fim:
a) TRACTA FARMAERVAS: LINDA POR NATUREZA27 (Pub 8).
b) SE A BELEZA TINHA SEGREDOS, VOCÊ ACABA DE
DESCOBRIR TODOS ELES (Pub 11).
Com menos freqüência se recorre ao domínio da verdade. Observamos
que a utilização deste domínio corrobora para a definição da mulher enquanto ser
ativo, que se preocupa com a aparência:
a) GREAT LENGTHS É A RESPOSTA ÀS MULHERES28
QUE SONHAM COM CABELOS MAIS COMPRIDOS E
VOLUMOSOS (Pub 6).
b) UMA MARCA QUE ACOMPANHA AS MULHERES NA
BUSCA POR SUA REALIZAÇÃO PESSOAL (Pub 2).
c) MULHERES QUE MUDARAM DE VIDA AJUDANDO
OUTRAS MULHERES A FAZER O MESMO (Pub 2).
d) 30 MINUTOS DE EXERCÍCIOS PARA MULHERES DE
TODAS AS IDADES (Pub 9).
e) VENHA CONHECER O QUE MAIS DE 4 MILHÕES DE
MULHERES JÁ APROVARAM (Pub 9).
f) TODAS AS MULHERES GOSTAM DE SE EXPRESSAR
ATRAVÉS DOS CABELOS (Pub 19).
27
28
Grifos nossos.
Grifos nossos.
78
A partir destes números levantados com a descrição do nosso corpus
através das grades, alguns aspectos nos chamam a atenção e apontam “o
caminho” para uma possível leitura dos dados. O primeiro aspecto diz respeito aos
produtos anunciados: a maioria deles é produto de perfumaria, o que revela uma
valorização da aparência feminina. Outros produtos, como alimentos e
academia/aparelhos de ginástica, também apontam para a valorização dos
cuidados com a aparência física feminina.
O segundo aspecto é a freqüência com que as mulheres retratadas nas
publicidades são apresentadas individualmente, ou seja, não há outras pessoas
na composição da página publicitária que nos permitissem vincular a imagem
feminina a um grupo social como a família, por exemplo. Tal fato parece ser um
indício do “enfraquecimento do estereótipo” do papel da mulher ligado à noção de
mãe, esposa ou dona-de-casa.
Há, ainda, um terceiro aspecto observado com relação à parte do corpo
feminino que é mais mostrada pela publicidade: o rosto é focalizado,
prioritariamente, de maneira a destacar as expressões fisionômicas. Assim, a
mulher tem a sua face mais explorada: os olhos, o semblante, o sorriso e a pele
ficam em evidência e as “marcas” do tempo, ou a ausência delas, acabam sendo
mais flagrantes.
O último aspecto observado é a recorrência dos domínios de avaliação
pragmático e hedônico. Isso mostra que as publicidades apresentam produtos que
sejam eficientes para conservar um padrão de beleza pautado nos valores da
juventude e da esbeltez. O reforço do pragmático, como veremos mais adiante,
através da utilização de uma terminologia própria ao domínio científico, ajuda a
conferir maior credibilidade à suposta eficácia do produto.
79
4.2 Interpretação
Nas seções seguintes, apresentaremos os resultados do estudo
descritivo, que apontam, na sua totalidade, para a valorização da aparência
feminina, ou seja, permanece o estereótipo de que “mulher tem que ser bonita”.
Como veremos, essa beleza é colocada pela publicidade como fundada na
juventude e na esbeltez.
4.2.1 A valorização da aparência feminina
A valorização da aparência nem sempre foi considerada uma prática restrita
às mulheres. Baseando-se nesta afirmativa, autores como Lipovetsky (2000) e
Silva (1998) acreditam que se deve ao surgimento da imprensa, com a
propagação de um ideal consumista, a valorização social da estética feminina.
Lipovetsky (2000) faz uma interessante constatação ao mostrar que o valor
social da beleza feminina é uma “construção” dos tempos modernos. Para este
autor, uma incursão pela história universal é capaz de revelar que nem sempre a
mulher foi considerada a representante suprema da beleza.
Na pré-história, a arte paleolítica já se dedicava à representação de signos
femininos, embora numa proporção menor que a de figuras de animais. Ao retratar
a mulher através de representações que sublinhavam apenas partes do seu corpo
relacionadas ao aparelho reprodutor, tais como vulva e região pubiana, não se
desejava exprimir uma idolatria estética do feminino.
A arte do neolítico, ainda que retratasse a mulher através de nádegas, seios
volumosos e um rosto pouco elaborado, dedicou-se mais à representação
feminina do que à representação de animais. Segundo os estudos de Lipovetsky
(2000), somente 6 mil anos antes da era atual é que a imagem feminina
“humaniza-se”, quando se destaca o seu rosto e o seu olhar. Mas, o que se
enfatiza, ainda, não é a beleza feminina e sim a sua fecundidade, que estabelece
80
uma hierarquia entre o homem e a mulher. Esta passa a ser vista como um ser
sagrado, detentora do poder divino de vida e de morte.
Ao se basear em dados históricos, Lipovetsky (op. cit.) apresenta provas
que corroboram a sua tese de que tanto as culturas “primitivas” quanto as culturas
camponesas testemunhavam a ausência de culto daquilo que ele chama de “belo
sexo”. Mais uma vez: o que dava à moça a condição distintiva era a fecundidade e
não a beleza. Para o autor, a idolatria da beleza feminina só começou a existir em
decorrência da divisão social entre classes, a saber, classes ricas e pobres,
classes nobres e laboriosas. As mulheres das classes superiores, dispondo de
horas de ociosidade, podiam se dedicar mais ao cuidado de si tanto para se
distrair quanto para agradar ao marido. Essa nova ordem social não significou, por
certo, a cultura do “belo sexo”, mas associou, desde então, a valorização da
estética como uma prática restrita às mulheres que não trabalhavam:
Simultaneamente, aparecem critérios que levam a
considerar belas apenas as mulheres desobrigadas do imperativo
do trabalho produtivo. Exigência de tez branca, culto dos pés
pequenos na China, emprego das pinturas, penteados
sofisticados, enfeites luxuosos, espartilhos e saltos altos: códigos
ou artifícios destinados a marcar a posição social superior e que
revelam os laços que unem o culto da beleza feminina e os valores
aristocráticos. Mulheres belas, mulheres ociosas: daí em diante a
beleza será considerada incompatível com o trabalho feminino
(LIPOVETSKY, 2000: 107-108).
Para os gregos, a beleza feminina era ao mesmo tempo maravilhosa e
maligna porque tinha o poder da sedução. Durante toda a Idade Média, e mesmo
algum tempo depois, perpetuou-se esse “estigma” em relação à aparência
feminina:
A arte medieval traduziu em imagens essa estigmatização
cristã da beleza feminina. Assim, em certos afrescos vê-se o Diabo
travestir-se de bela moça. Em outros lugares, a mulher aparece
sob os traços de serpentes antropomorfas, de criaturas com rosto
diabólico; ela pode ser igualmente representada ao lado de
monstros repugnantes a fim de desviar os homens de seus
encantos funestos. A arte medieval não procura despertar a
81
admiração pelo corpo sedutor: dedica-se a inculcar o medo da
beleza feminina, a exprimir seus laços com a queda e com Satã
(LIPOVETSKY, 2000: 113).
Da exaltação do poder da fecundidade à exaltação da beleza ideal: o
reconhecimento social da beleza feminina entra numa nova fase, quando na
Renascença a beleza é tida como uma propriedade distintiva da mulher. Contudo,
considerar a mulher como a personificação da beleza contribuiu (...) para reforçar
o estereótipo da mulher frágil e passiva, da mulher inferior em espírito, condenada
à dependência em relação aos homens (LIPOVETSKY, 2000: 124).
Para Silva (1998), desde a época em que as tribos começaram a caçar
animais de grande porte, os homens, que tinham mais força física, saíam das
cavernas, enquanto as mulheres permaneciam ali à espera da chegada do
alimento. A delicadeza do corpo feminino já era percebida em comparação com a
robustez do corpo masculino.
Além desta explicação, que também passaria pelo processo históricocultural para a valorização social da beleza feminina, Silva (op. cit.) aponta, ainda,
uma explicação psicanalítica. Citando Marcondes Filho, a autora mostra que a
presença erotizada do corpo feminino29 como uma constante nos meios de
comunicação de massa teria uma explicação pelo viés do complexo de castração:
O menino, por ter desejado a mãe, acredita que será
punido pelo pai, sendo castrado (...). Esse trauma de infância, o
conhecimento de que não é todo mundo que tem pênis, marca o
menino de forma definitiva. A menina, ao constatar que não possui
o dito “membro”, acredita que os meninos têm mais prazer por
possuí-lo. Isso lhe dá uma sensação de inferioridade e de defeito
físico. Diferente do homem que concentra seu prazer em uma
parte do corpo, no pênis, a mulher distribuirá seu prazer por todo
seu corpo (...) O que faz com que o erotismo na TV seja tão
promovido e com a função de excitar, já que a mulher é apenas
um objeto de excitação a mais (MARCONDES FILHO apud SILVA,
1998: 779).
29
Acerca da presença sedutora e erotizada do corpo feminino na mídia, ver os trabalhos de
Resende (2004) e Melo (2003). Os resultados revelados nestas pesquisas evidenciam a imagem
da mulher ligada à sedução, à sensualidade, ao desejo de ser fatal na visão masculina.
82
Mas, tanto Lipovetsky (2000) quanto Silva (1998) concordam que a
explicação mais plausível para a promoção dos valores estéticos como uma
prática eminentemente feminina deve-se ao surgimento da imprensa. Até o início
do século XX, a cultura do “belo sexo” tinha seus limites reduzidos a homenagens
artísticas à mulher e os segredos de beleza eram trocados entre um grupo seleto
de mulheres pertencentes às classes superiores. Com o aparecimento da
imprensa, esse quadro se inverteu e a dimensão “elitista” da beleza entrou numa
nova fase.
Desta forma, a mídia feminina constitui, na atualidade, uma das principais
formas de “incentivo” às mulheres em relação ao “ser bela”, através de seções que
enfatizam moda e maquiagem associadas a mensagens publicitárias. Anuncia-se
desde cremes que prometem rejuvenescimento até compostos alimentares que
garantem deixar o corpo em forma em até algumas semanas.
Isso explica o número considerável de revistas femininas no mercado
editorial brasileiro, voltadas, na maioria das vezes, para a construção de um
universo da mulher, através da exposição de modelos nos quais predominam
práticas de cuidado com a aparência. Assim, a mídia feminina vive uma espécie
de retroalimentação, ou seja, alimentando-se dos e alimentando os discursos que
circundam o imaginário social, ela vai tecendo uma configuração identitária
feminina dentro de uma perspectiva mercadológica que leva a sociedade a
assumir certas proposições como verdadeiras e até naturais.
É nesse universo que se localiza a revista UMA. Como já procuramos
evidenciar no capítulo 1, segundo os dados disponíveis na home-page da editora
Símbolo, 71% das leitoras desta revista têm interesse em beleza. Isso mostra que
a revista, através de um tratamento estético bem elaborado, associado a
chamadas que enfatizam o cuidado com a aparência, procura suprir as
expectativas do seu público através da reprodução e/ou repetição do que ele
anseia.
Obviamente, não se pode responsabilizar a mídia feminina e, mais
especificamente, a publicidade, no caso deste trabalho, pelas mudanças sociais.
Contudo, parece inegável o fato de que as mensagens publicitárias ajam no
83
imaginário social e na construção da identidade, uma vez que o homem moderno
encontra-se ladeado por elas em grande parte de seus atos cotidianos, como
presentear, vestir, alimentar-se, entre outros. Desta forma, a publicidade não está
à margem de seu papel social, de suas implicações culturais, reforçando ou
deslocando os valores quando necessita adequar-se às exigências do mercado.
Ampliando um pouco mais esta questão, Silva (1998) e Lipovetsky (2000)
mostram que a valorização da estética feminina é uma estratégia do sistema
econômico, via mídia, para a manutenção do controle institucional pelas mãos
masculinas. Para Silva (op. cit.), a profissionalização da mulher tornou-se uma
ameaça ao mercado de produtos domésticos. Longe dos afazeres domésticos,
com uma vida profissional cada vez mais intensa, fez-se necessário garantir que a
mulher mantivesse o mesmo nível de consumo de quando tinha tempo para isso:
Antes as revistas femininas concentravam seus esforços na
venda de produtos domésticos. Hoje, elas concentram seus
esforços na venda de produtos de beleza e não mais no serviço
doméstico. As revistas têm desempenhado uma função muito
importante na criação da ideologia da beleza e alteração dos
papéis das mulheres: de rainha do lar à rainha da beleza (...) Para
impedir que elas invadam ainda mais a esfera pública, a estrutura
de poder se encarregou de lhes dar mais uma tarefa: a de ser bela
(SILVA, 1998: 785).
Para Lipovetsky:
Alquebrando psicológica e fisicamente as mulheres,
fazendo-as perder a confiança em si próprias, absorvendo-as em
preocupações estético-narcísicas, o culto da beleza funcionaria
como uma polícia do feminino, uma arma destinada a deter sua
progressão social. Sucedendo a prisão doméstica, a prisão
estética permitiria reproduzir a subordinação tradicional das
mulheres (LIPOVETSKY, 2000: 136).
Como se pode notar, haveria uma dimensão ideológica na mídia feminina
em que a mulher apresenta-se “dominada”, “escrava” de um padrão de beleza.
Neste sentido, algumas revistas femininas se destinam e projetam um público que
está mais preocupado com as imperfeições estéticas em detrimento, por exemplo,
84
de questões políticas e sociais como pudemos perceber, inclusive, no perfil
psicográfico da leitora da revista UMA transcrito no capítulo 1. Assim, observamos
que a UMA, na edição de agosto de 2005, não mostra mulheres negras, por
exemplo. Ao contrário, ela apresenta como ideal de beleza a mulher branca e
jovem, pertencente à classe média.
Isso justifica o número considerável de publicidades no nosso corpus que
buscam garantir níveis consideráveis de consumo de produtos para os cuidados
com a aparência física. A publicidade de certa forma “reinventa” produtos porque
atribui a eles mais que uma utilização funcional: eles são também colocados como
portadores da felicidade e da realização. Conforme Charaudeau (1983), o
anunciante se apresenta como benfeitor, aquele que tem um bom produto a
oferecer e que suprirá as necessidades e/ou carências atribuídas ao destinatário.
O destinatário, por sua vez, é colocado como aquele que se beneficiará das
qualidades do produto, que possui uma necessidade a ser preenchida,
obviamente, pelo produto anunciado. Sob essa perspectiva, ele é a parte feliz,
uma vez que alcança, sempre, o ideal de sua busca através do consumo do
produto anunciado. E o produto é aquele que dentre todos os outros da mesma
natureza, apresenta-se, de alguma forma, superior. Ele é o ideal da busca do
consumidor, capaz de fazê-lo feliz.
Retomando nossos dados, e novamente citando Lipovetsky (2000) e Silva
(1998), veremos a seguir, numa análise mais detalhada das publicidades (2), (8) e
(9), que a lógica consumista viu na beleza um mercado promissor. Ao mesmo
tempo em que se reconhece a independência feminina das atividades que dizem
respeito aos cuidados domésticos, apregoa-se uma dependência aos cuidados
estéticos visando sempre a conservação de uma aparência jovem da mulher.
A publicidade Mary Kay (Pub 2), por exemplo, anuncia um produto que
oferece à mulher um tratamento de beleza, além da possibilidade de trabalho:
COMO TER SEU PRÓPRIO NEGÓCIO, SUCESSO E MUDAR DE VIDA?
AJUDANDO OUTRAS MULHERES A FAZER O MESMO.
85
“Mudar de vida”, neste caso, parece estar associado à realização
profissional através da possibilidade oferecida à mulher, pela empresa Mary Kay,
de ter o seu próprio negócio:
UMA MARCA QUE ACOMPANHA AS MULHERES NA BUSCA POR SUA
REALIZAÇÃO PESSOAL (...) RESGATANDO A CONFIANÇA E A AUTOESTIMA, SEJA USANDO OS PRODUTOS MARY KAY OU, AINDA, SE
TORNANDO UMA DE NOSSAS CONSULTORAS.
Neste caso, o resgate da auto-estima se dá através da realização, tanto
estética quanto profissional, que são condições oferecidas pela empresa Mary
Kay. Podemos concluir com Lipovetsky (2000) que:
Daí a emergência de um novo poder da beleza feminina:
conquistar uma celebridade planetária, ser admirada pelas
massas, viver no luxo graças a uma atividade profissional
reconhecida socialmente e independente da troca sexual. Se a
estrela é um fenômeno inseparável da era democrática, não é
apenas porque todas as pessoas de qualquer condição podem, de
direito, chegar à gloria midiática, mas também porque um valor
tradicionalmente feminino, a beleza, permite que as mulheres
ascendam a um plano de consagração social igual ao dos homens
(LIPOVETSKY, 2000: 177-178).
A publicidade Mary Kay trabalha, desta forma, com o que parecem ser as
duas preocupações femininas atuais: o cuidado com a aparência e a realização
profissional. Esta publicidade demonstra saber que as mulheres dão importância à
beleza e que qualquer insatisfação neste campo pode ter impactos sobre a sua
auto-estima, como aqueles apontados pelo psicoterapeuta Marco Antonio De
Tommaso em entrevista à revista UMA, na seção A beleza vai ao divã. Para o
psicoterapeuta, que trabalha para as agências de modelos Elite e L’Equipe em
São Paulo: Muitas vezes, fecho os olhos enquanto essas meninas (referência às
modelos atendidas no consultório do psicoterapeuta) falam e tenho a sensação de
86
estar diante de alguém com obesidade mórbida. Reclamam de pneus, pernas
gordas, enfim têm uma distorção total da auto-imagem30.
A idéia da entrada da mulher no mercado de trabalho também é retratada
pela publicidade da Tracta Farmaervas (Pub 8), que enfatiza, através de uma
narrativa, o dia agitado de uma mulher:
ONTEM, FUI PRA BALADA. ACORDEI CEDO PRA TRABALHAR, MAS
CHEGUEI ATRASADA. LEVEI BRONCA DO CHEFE E AINDA ENTREI
NUMA REUNIÃO MUITO CHATA. PRA PIORAR, SAÍ TARDE E PEGUEI
UM SUPERTRÂNSITO.
Neste caso, as referências a “Levei bronca do chefe” e “entrei numa reunião
muito chata” mostram que a mulher ocupa atividades extra-domésticos. Tal fato,
não impossibilita, contudo, que ela faça do seu tempo livre o que quiser e lhe dá
prazer, como sair “pra balada”. Reforça-se, assim, o hedônico. A publicidade
parece instaurar um outro modelo: o da mulher autônoma, responsável por suas
escolhas individuais e, por conseguinte, por suas conseqüências como o desgaste
físico que, muitas vezes, se torna mais visível no rosto.
A Pub 9, publicidade da Academia Curves, também retrata este modelo de
vida da mulher, que tem o seu tempo todo organizado em função de uma agenda:
UM CIRCUITO COM EXERCÍCIOS DE FORÇA E TREINAMENTO
AERÓBICO EM APENAS 30 MINUTOS, ADEQUADOS À SUA AGENDA,
QUE RESULTA EM PERDA DE PESO, FORTALECIMENTO MUSCULAR
E CONDICIONAMENTO FÍSICO.
Não existe uma referência a que tipo de agenda, com afazeres domésticos
ou não, a mulher precisa cumprir. O que se percebe é que ela é retratada de
maneira ativa, ou seja, tem muitas ocupações, mas nem por isso deixar de cuidar
30
Revista UMA. Ano 6. N° 59. Agosto de 2005. p. 111.
87
da aparência, principalmente de uma aparência esbelta. A mulher, ainda que seja
por “30 minutos”, como afirma a publicidade, precisa “agendar” um tempo para
dedicar-se ao cuidado de si mesma.
A academia Curves é definida, ainda, por seus aparelhos:
A CURVES POSSUI APARELHOS DE RESISTÊNCIA HIDRÁULICA,
FÁCEIS E PRÁTICOS DE USAR, QUE NÃO NECESSITAM DE TROCA DE
PESO E EVITAM O RISCO DE LESÕES MUSCULARES.
Desta forma, a publicidade reforça o pragmático, retratando a oferta de um
produto que seja prático e que auxilia a mulher no cuidado de si com menor
esforço e investimento de tempo. No corre-corre diário, tornou-se necessário
otimizar o tempo, mas sem descuidar da aparência.
Ao mesmo tempo em que vem ocupando um espaço cada vez maior no
mercado de trabalho, a mulher assume o direito de vivenciar seus prazeres. Ao
retratar uma mulher bonita e sorridente, em companhia de um cachorro, a
publicidade da Ferla (Pub 5), propõe:
ANA DAVA UMA VOLTA NO SHOPPING TODO DIA. AGORA DÁ UMA
VOLTA NO QUARTEIRÃO COM SEU CACHORRO.
O anúncio refere-se à mulher como protagonista da sua própria vida e
sugere que para isso ela deve fazer do seu tempo o que é melhor para si.
Reforça-se, assim, o valor hedônico. O perfil feminino é representado de tal forma
que o seu ideal parece ser a qualidade de sua própria vida, os cuidados consigo
mesma:
MOVIMENTO SAUDÁVEL FERLA. VIVER BEM É VALORIZAR AS
PEQUENAS COISAS.
88
Ao evidenciar que Ana, a personagem do relato tratado no anúncio, trocou
a agitação do shopping por uma volta no quarteirão com o seu cachorro, a
publicidade remete-nos à idéia de aspiração por um estilo de vida que preza o
equilíbrio físico, mental e emocional. Neste caso, a beleza do corpo resulta da
conjugação da saúde física com a saúde mental.
A publicidade da linha ciclos d’ Racco (Pub 1) também retrata uma mulher
sozinha em demonstração de contentamento sob a chamada:
QUE TAL SER MAIS FELIZ HOJE?
Neste caso, verificamos, mais uma vez, que a felicidade feminina parece
estar no cuidado dispensado consigo mesma. O sentido da felicidade se constrói
sobre um ideal hedônico do presente. Ao anunciar um cosmético de
rejuvenescimento, a chamada em questão mostra que a satisfação pessoal vem
do presente e não do passado. A publicidade parece trabalhar com a idéia de que
somente os mais velhos têm a impressão de que a sua satisfação faz parte do
passado.
A respeito da representação individual da mulher em publicidades, Toaldo
(2005) assim se posiciona:
O fato das mulheres serem retratadas sozinhas no anúncio
expressa a possibilidade, ainda, de que os valores como bemestar, lazer, prazer e felicidade podem ser buscados
individualmente, sem depender mais da sua vinculação a um
grupo, por exemplo, a família. A idéia sobre a realização feminina
que o anúncio sugere, fica, assim, associada à autodeterminação
da mulher, segundo suas intenções individuais (TOALDO, 2005:
109-110).
Baseando-nos na caução fornecida por Toaldo (op.cit.), poderíamos dizer
que o nosso corpus, ao retratar a mulher em 50% dos casos individualmente,
revela um “enfraquecimento do estereótipo” do papel feminino ligado à noção de
mãe, esposa ou dona-de-casa. Tal constatação põe em cena uma vivência
individualista feminina, cuja felicidade, prazer e lazer não dependem nem de
89
marido nem de filhos. Estes valores podem ser buscados sem estarem vinculados
a um grupo social, como a família.
Visualizamos, desta forma, a possibilidade de uma nova representação da
mulher. Ao lado do estereótipo da beleza, percebemos o surgimento de um novo
modelo, que é o da mulher independente, que faz o que lhe dá prazer, ainda que
submissa aos padrões de beleza vigentes. Vê-se, assim, que o caráter dinâmico
do estereótipo nos permite falar numa representação social da mulher em vias de
se cristalizar.
Essa valorização da aparência feminina por nós descrita acima, desdobrase, conforme os dados que apresentaremos a seguir, em dois valores: a questão
da juventude e a questão da esbeltez. Vejamos como esses valores se fizeram
presentes no nosso corpus.
4.2.2 A questão da juventude
Observamos que as publicidades de perfumaria do nosso corpus dão maior
ênfase à questão do rejuvenescimento como uma busca pela eterna juventude.
Num mundo em constante mudança, envelhecer parece se tornar sinônimo de
“estar ultrapassado”, condenação a ficar fora de um grupo no qual a velhice não é
interessante enquanto padrão de consumo e beleza. A experiência acumulada dos
mais velhos não tem valor. Segundo Morin:
Há um século atrás, o desabrochar da mulher de 30 anos
era já outonal. O homem de quarenta vivia sua última aventura,
atormentado pelo fim da mocidade. Contudo o recalcamento do
tempo do declínio foi bruscamente acelerado pela indústria do
rejuvenescimento.
Esta,
nascida
com
a
maquilagem
hollywoodiana, deixou de ser apenas a arte de camuflar o
envelhecimento: ela repara os ultrajes dos anos: cirurgia plástica,
massagens, substâncias à base de embriões ou de sucos
regeneradores mantêm ou ressuscitam as aparências da
juventude, ou chegam mesmo até a rejuvenescer, de fato, os
tecidos; pelo mesmo lance, todos os sentimentos que
correspondem à juventude, permanecem vivazes, particularmente
o amor (MORIN, 1977: 152-153).
90
O fato de o nosso corpus revelar um enfoque maior no rosto das mulheres
pode ser justificado como tentativa de combate ao desgaste físico, já que é no
rosto que os sinais de cansaço, olheiras, bolsas em volta dos olhos, sinais de
envelhecimento, enfim, traços que prejudicam uma boa aparência, são mais
visíveis.
Segundo Lipovetsky (2000), houve um tempo em que os cuidados com a
aparência foram dominados pela obsessão com o rosto em função de uma lógica
que o autor chama de lógica decorativa. O uso de produtos de maquiagem, de
artifícios da moda e de penteado era justificado pela ausência de beleza,
imperfeição dos traços ou algum tipo de anormalidade na cútis.
Tomando como base os nossos dados, podemos afirmar que essa
tendência não vigora: o foco sai da “lógica decorativa”. Camuflar não é a palavra
de ordem. A maior recorrência do domínio de avaliação pragmático nas formas
verbais do nosso corpus confirma essa hipótese. As publicidades anunciam
produtos que sejam eficientes no combate à “velhice”. Essa eficiência é atestada,
ainda, pelas informações científicas. Estas, segundo Barthes (1987), servem, na
maioria das vezes, para mostrar que o produto anunciado limpa, desobstrui e
alimenta em profundidade, ou seja, na publicidade, não existem barreiras que
impeçam o produto de se infiltrar na pele. No nosso corpus, as publicidades (1) e
(7) salientam os benefícios de produtos feitos à base de substâncias capazes de
“ressuscitar” uma aparência jovem ou até mesmo rejuvenescer os tecidos, através
da referência a componentes ativos de sua fórmula, como o DMAE31.
A utilização de vocábulos provenientes de campos do saber com
reconhecida autoridade, como o campo das ciências biológicas, oferece maior
credibilidade ao produto anunciado. Ao evidenciar que o produto foi testado tanto
dermatologica quanto clinicamente, a publicidade utiliza a menção ao teste como
recurso para a comprovação de resultados para dar maior confiabilidade à eficácia
31
De acordo com o parecer técnico n° 2, de 22 de maio de 2003, disponível no site do Ministério
da Saúde, o DMAE (Dimetilaminoetanol) é um componente de produto cosmético que proporciona
hidratação e melhoria do tônus cutâneo do rosto.
91
do produto. Esta estratégia corrobora com o domínio de avaliação pragmático, que
se baseia na caracterização do produto como eficiente:
a) A LINHA ANTITEMPO VITA DERM FICOU AINDA MAIS COMPLETA:
CÁPSULAS COM DMAE 5% E CERAMIDAS (Pub 7).
b) LINHA CICLOS D’RACCO COM DMAE (Pub 1).
Na Pub 7, observamos, ainda, um outro procedimento que é próprio das
práticas científicas, como as recomendações quanto à aplicação do produto, como
podemos observar em:
IDEAL PARA ATENUAR E PREVENIR AS RUGAS DO PESCOÇO, COLO
E MÃOS, PODENDO TAMBÉM SER APLICADA EM TODO ROSTO.
Ainda na Pub 7, percebemos que o processo de envelhecimento é tratado
de forma velada por meio de recomendações sutis de como atenuá-lo, preveni-lo
ou minimizá-lo. Neste sentido, a Vita Derm classifica o seu produto como ideal
para nutrir, hidratar e revitalizar a pele, enaltecendo-o como:
A DOSE CERTA PARA MINIMIZAR A AÇÃO DO TEMPO.
Mais uma vez se verifica o reforço do pragmático através da utilização de
uma terminologia própria às pesquisas científicas, pois o produto anunciado já
oferece a “medida necessária” ao combate dos desgastes provocados pelo passar
do tempo.
“Minimizar a ação do tempo” pode ser visto como uma tentativa de controle
do ciclo “natural” da vida: nascer, crescer e morrer. O envelhecimento seria a
etapa mais próxima do “fim da vida”. Talvez possa ser este o inconformismo do
homem diante do processo de envelhecimento. De uma forma indireta, a
publicidade trabalha com este medo, ainda que inconsciente, do ser humano para
motivá-lo a adquirir o produto.
92
Consideramos, assim, que da forma como é tratada pela publicidade, a
beleza não pode ser estabelecida sem a juventude. Esta, culturalmente
caracterizada como etapa máxima de vigor físico, serve de argumento para o
cuidado com o rosto. “Ser jovem” e “permanecer jovem” são trabalhados como um
ideal da existência física e mental da condição humana.
Juventude e velhice reportam um ao outro ainda que as remissões não
estejam explícitas na superfície textual das publicidades. A referência a este
binômio pode ser percebida no campo semântico de palavras como “rugas”, no
uso do prefixo anti diante da palavra tempo (antitempo) ou da palavra inglesa age
(anti-age) e ainda em expressões como ação do tempo. A sutileza com que a
publicidade trabalha a questão do envelhecimento, como um processo a ser
combatido, parece comprovar que ela não traz para si a discussão de questões
conflituosas acerca de problemas sociais.
Ao lado do estrato verbal, o estrato visual das duas publicidades apresenta
o rosto de mulheres jovens e bonitas. Tal fato corrobora a nossa hipótese de que a
publicidade, ao utilizar o texto associado à imagem, atua tanto consolidando
quanto instaurando pressupostos sociais definidos em termos de estereótipos.
A Pub 1 também trabalha com a idéia de advertência com relação aos
cuidados com a pele. A chamada “Que tal ser mais feliz hoje?”, através do
advérbio de tempo hoje, representa o momento presente como o tempo do prazer,
da satisfação. Ao passo que poderíamos considerar o momento futuro, o da
velhice, como um momento infeliz. Obviamente, se pensarmos nos incômodos
trazidos pelo envelhecimento, como, em certos casos, incontinência urinária,
perda da agilidade dos movimentos, surdez, entre outros, o envelhecimento pode
ser considerado como um processo árduo. Pode-se considerar, ainda, que o hoje
é o instante celebrado, identificado com a euforia proporcionada pelo imediatismo
da compra do produto.
A publicidade da linha Ciclos d’Racco chama-nos, ainda, a atenção pelo
fato de explicitar o percentual de eficácia do produto: “5 vezes mais eficaz” e
“reduz até 98% das rugas”. Ao apresentar os resultados proporcionados pelo uso
do produto, há um reforço da sua eficácia pragmática, ou seja, esta estratégia
93
ajuda a evidenciar que o produto age efetivamente. A apresentação destas
qualidades parece apontar para uma potencialidade ainda maior do produto:
propiciador de resultados miraculosos e felicidade. A publicidade parece trabalhar
com a idéia de que só é possível ser feliz na juventude.
4.2.3 A questão da esbeltez
Se por um lado vê-se a iminência de um modelo de mulher ativa,
independente, por outro ainda prevalece o estereótipo da mulher “subjugada” aos
cuidados com a beleza. A exigência de que a “mulher tem que ser bonita” chega a
exercer uma “pressão psicológica” nas mulheres que, não raro, se rendem à
tirania de um padrão de beleza criado pela mídia feminina. A respeito da influência
da mídia nos índices de insatisfação feminina consigo mesma, é interessante a
constatação do psicoterapeuta Marco Antonio De Tommaso em entrevista à
própria revista UMA:
Há uma avalanche da mídia em cima do assunto beleza
perfeita. Existe uma pesquisa, feita com a população das mulheres
das Ilhas Fiji, no Pacífico, realizado em 1995, antes do advento da
televisão local. Segundo os dados coletados, elas tinham um
índice razoável de satisfação com o próprio corpo. Três anos
depois, com a chegada da televisão por ali, 69% das mulheres
faziam dieta e, dessas, 1/8 sofria de bulimia. Ou seja, a
preocupação com o corpo foi despertada com a chegada da
televisão. É uma ditadura, uma tirania da beleza. Claro que há
uma preocupação na área de saúde sobre a humanidade estar
engordando. Nós temos hoje 40% de brasileiros acima do peso e a
obesidade é a principal causa de uma série de doenças, como
diabetes, hipertensão, alguns tipos de câncer. Só que, para sair da
área de risco, basta que a pessoa perca, em geral, 10% do peso.
O que se nota é que, cada vez mais, o peso clínico, tido como
ideal pelos médicos, se afasta do peso estético32.
Percebemos, assim, que existem duas tendências com relação ao corpo:
uma que se preocupa com a saúde e outra que se preocupa com a estética. Estas
tendências parecem entrar em choque. Ter um padrão de beleza corporal
32
Revista UMA. Ano 6. N° 59. Agosto de 2005. p.112.
94
comprometido com a esbeltez é, de acordo com o relato do psicoterapeuta, uma
preocupação feminina despertada principalmente pelos meios de comunicação.
Lipovetsky (2000) também afirma:
Que mulher, em nossos dias, não sonha ser magra?
Mesmo as que não apresentam nenhum excesso de peso por
vezes desejam emagrecer. Em 1993, 40% das francesas queriam
emagrecer, das quais 70% por razões estéticas. Nos Estados
Unidos, 75% das mulheres se consideram muito gordas, tendo seu
número duplicado durante os anos 70 e 80. Enquanto Sylvester
Stallone declara no Time que gosta de mulheres de aparência
‘anoréxica’, vê-se uma proporção não desprezível de americanas
afirmar que o que mais temem no mundo é engordar
(LIPOVETSKY, 2000: 132).
Ainda segundo este autor (op. cit.), os periódicos femininos são cada vez
mais invadidos por guias de magreza, por seções que expõem os méritos de uma
alimentação equilibrada e leve, de exercícios de manutenção e de modelagem do
corpo (p.131). Esta tendência pode ser verificada na constituição da revista UMA,
edição de agosto de 2005 da qual retiramos o nosso corpus. A capa desta edição
da UMA traz a chamada que salienta: A nova dieta do Dr. Atkins. Você emagrece
até 15 kg sem sofrer. Há, ainda, a reportagem com Ana Paula Padrão que enfatiza
que a jornalista não se preocupa com a balança. Seu manequim? 3633. Deste
modo, observamos que a cada seção, a cada publicidade, a revista UMA incita à
manutenção de um corpo esbelto.
No nosso corpus, as publicidades 9 e 12, que anunciam, respectivamente,
aparelhos de ginástica para mulher e produto alimentício (torrada), evidenciam a
tendência moderna de cada vez mais se oferecer uma imagem de si sempre
esbelta:
a) UM CIRCUITO COM EXERCÍCIOS DE FORÇA E TREINAMENTO
33
Revista UMA. Ano 6. N° 59. Agosto de 2005. p.27.
95
AERÓBICO EM APENAS 30 MINUTOS, ADEQUADOS À SUA
AGENDA,
QUE
RESULTA
EM
PERDA
DE
PESO34,
FORTALECIMENTO MUSCULAR E
CONDICIONAMENTO FÍSICO (Pub 9).
b) E O MELHOR: VOCÊ COME E NINGUÉM PERCEBE (Pub 12).
O corpo passa, assim, por privações, assemelhando-se, na atualidade,
àquilo que, durante a época clássica, Foucault diz ter sido a descoberta do corpo
como objeto e alvo de poder:
Houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo
como objeto e alvo de poder. Encontraríamos facilmente sinais
dessa grande atenção dedicada então ao corpo – ao corpo que se
manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna
hábil ou cujas forças se multiplicam (...) É dócil um corpo que pode
ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado
e aperfeiçoado (FOUCAULT, 2004: 117)35.
Atualmente, as inovações técnicas nas áreas química e biológica visam
preservar o vigor, a juventude e a beleza do corpo através de procedimentos,
como cirurgias plásticas, implantes, oferta de produtos dietéticos e/ou naturais.
Desta forma, poderíamos dizer que a atenção devotada ao corpo nos tempos
atuais tende a seguir um modelo de pertinência e identidade social. Isto significa
que não seguir o padrão de beleza vigente, que privilegia, por exemplo, a
esbeltez, é estar fora de um segmento social.
Neste sentido, é interessante observar a Pub 12 que anuncia:
QUEM AQUI NÃO COMETE PECADOS QUE ATIRE A PRIMEIRA
COXINHA.
34
Grifo nosso.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. Tradução por Raquel Ramalhete.
28.ed. Petrópolis: Vozes, 2004.
35
96
Este enunciado retoma o enunciado bíblico “Quem não tem pecado que
atire a primeira pedra”, evidenciando que não estar conforme os padrões de
estética vigentes assemelha-se, segundo a publicidade, a uma pessoa pecadora.
Na perspectiva cristã, ao tomar consciência do pecado, a pessoa perde a paz. No
caso da publicidade, ela parece reforçar a pressão psicológica e social
contemporânea que tem como padrão de beleza um corpo isento de adiposidade:
E O MELHOR: VOCÊ COME E NINGUÉM PERCEBE.
Da forma como é tratado pela publicidade, o fato de “ser esbelto” constitui
uma forma de ser aceito socialmente, o que nos leva a concluir que a conquista do
reconhecimento e da aceitação social depende do universo da aparência, ou seja,
de um padrão de beleza que privilegia as pessoas esbeltas.
A presença do discurso religioso nesta publicidade nos permite dizer, ainda,
que o corpo esbelto é idolatrado com uma inspiração sagrada. A religião cristãcatólica sempre se caracterizou pela reverência às imagens. Estas, se tornam
signos à medida que disseminam a fé por trazerem em si a “força” do sagrado.
Fazendo um paralelo com a cultura de consumo, a reverência é dispensada à
imagem de um corpo esbelto. A publicidade da Bauducco parece trabalhar com a
idéia de que só um corpo esbelto pode ser “glorificado”.
Ao mesmo tempo em que se anunciam produtos que ajudam a emagrecer,
as publicidades ofertam cremes firmadores, anticelulite. Se a mulher ainda não
tem o corpo desejado, é necessário combater o que é indesejável: a flacidez,
como comprova a Pub 3, que anuncia o creme firmador Dove. Concluímos com
Lipovetsky (2000), que Já não basta não ser gorda, é preciso construir um corpo
firme, musculoso e tônico, livre de qualquer marca de relaxamento (p. 133). Ou
seja, a estética da magreza ocupa evidentemente um lugar preponderante no
novo planeta beleza (p.131).
Este fato pode ser evidenciado nas publicidades do nosso corpus, como
tentamos evidenciar nesta seção, que anunciam os méritos de uma alimentação
leve, como é o caso da publicidade Bauducco, ou ainda, os benefícios de
97
exercícios de manutenção e de modelagem do corpo, como anuncia a publicidade
da academia Curves. Além destas, tem-se o caso da publicidade da Ferla, que
enfatiza os méritos de uma alimentação saudável.
É interessante observarmos, ainda, que além das publicidades, tem
proliferado o número de revistas no mercado editorial brasileiro centradas na
temática da esbeltez, tais como Boa Forma, Saúde, Corpo, Dieta Já, Viva Saúde,
Natural entre outras. Tal fato também nos leva a concluir que a imprensa cada vez
mais tem divulgado o “ser magro” como um padrão de beleza a ser seguido.
4.2.4 O caso DOVE
Apesar da predominância de publicidades que fazem referência a um
padrão de beleza esbelto, um caso específico nos chama a atenção: o da
publicidade Dove. Esta constitui, a nosso ver, um exemplo de subversão do
estereótipo da mulher esbelta, ou seja, esta peça publicitária mostra que o
estereótipo age tanto atualizando quanto subvertendo o já dito.
(Pub 3)
A publicidade Dove encontra-se em página dupla, com sete mulheres
anônimas, descalças e confortavelmente dispostas uma ao lado da outra. O fato
de a publicidade retratar a imagem de mulheres anônimas produz um efeito de
confiabilidade, já que são mulheres “normais” que utilizam o produto dentro das
98
suas “reais” necessidades e não as já renomadas modelos ou atrizes de televisão
com seus corpos esbeltos.
A forma como elas estão posicionadas no anúncio permite dizer que existe
uma promoção da potencialidade pessoal de mulheres seguras de si, o que
reforça o valor hedônico. A exposição de corpos, sugestivamente delineados pelo
sistema firmador e o sorriso que demonstra o contentamento das mulheres aí
retratadas, permitem compreender uma satisfação proporcionada por um
momento de bem-estar, como sugere o texto da chamada:
UMA CURVA ENVERGONHADA PERDE TODA TIMIDEZ
QUANDO ESTÁ FIRME.
A Dove lança, assim, o “sistema firmador Dove” sob o slogan:
TESTADO EM CURVAS DE VERDADE.
Ao utilizar um procedimento que é peculiar nas práticas científicas, como o
teste para a comprovação dos resultados, evidenciando que a eficácia do produto
baseia-se em “Pesquisa realizada com 573 mulheres”, a publicidade proporciona
mais credibilidade ao processo ali ocorrido e destaca os benefícios obtidos com a
utilização do produto.
Outra menção à utilização de procedimento próprio das pesquisas
científicas é o destaque dado a algum componente ativo presente na fórmula do
produto, como atesta o exemplo:
SABONETE MAIS LOÇÃO COM COLÁGENO GARANTEM 90% DE
EFICÁCIA FIRMADORA.
Retomando os dizeres de Barthes (1987), para quem, conforme já citamos
anteriormente, as referências científicas servem, na maioria das vezes, para
99
mostrar que o produto anunciado limpa profundamente, na publicidade, não
existem barreiras que impeçam o produto de se infiltrar na pele.
A menção às práticas científicas ajuda, juntamente com a utilização do
domínio de avaliação pragmático, a definir o produto em termos de utilidade. A
maior recorrência deste domínio nas formas textuais do nosso corpus mostra a
oferta de produtos que se definem de acordo com a sua praticidade.
O enunciado “Curvas de verdade” define o público a quem esta publicidade
se direciona: mulheres que não estão com uma “perfeita” forma física, ao mesmo
tempo em que parece “denunciar” que a publicidade, de uma maneira geral, cria o
seu próprio mundo, que é diferente do mundo “real”. A “denúncia” feita pela
publicidade da Dove mostra que a realidade criada pela publicidade retrata um
padrão de beleza que não corresponde à condição física real da maioria das
mulheres.
Ao mostrar mulheres trajadas de lingerie, expondo corpos que não
condizem com o padrão de estética vigente na maioria das publicidades, a
publicidade Dove retrata um outro modelo de beleza feminina no qual o
estereótipo da mulher magra é questionado. Desta forma, a publicidade da Dove
parece trabalhar com a idéia de que a sensualidade independe de formas físicas
bem definidas, até mesmo porque formas físicas ideais, segundo a publicidade,
não “existem”.
A Dove, assim como as outras publicidades analisadas no nosso corpus,
estimula o cuidado com o corpo como uma necessidade feminina. Contudo, esta
publicidade parece incentivar a mulher a se aceitar do jeito que ela é ao invés de
ficar em busca de um modelo ideal. A mulher deve, assim, cuidar e valorizar aquilo
que ela tem, como comprova a chamada:
UMA CURVA ENVERGONHADA PERDE TODA A TIMIDEZ QUANDO
ESTÁ FIRME.
A Dove apresenta, assim, o seu produto, um sistema firmador, que oferece
mais firmeza à pele da mulher, favorecendo a sua auto-estima e a sua
100
sensualidade através da perda da timidez. A publicidade mostra que, além da
utilização de bens de consumo, a superação de preconceitos se torna prérequisito na conquista da felicidade.
É interessante traçar um paralelo entre a publicidade da Dove e a
publicidade da Bauducco. A Bauducco anuncia que o seu produto é leve “E o
melhor: você come e ninguém percebe”. Desta forma, ela sugere que existe uma
pressão, na nossa sociedade, para que as pessoas se mantenham magras, ou
seja, elas não podem ser “percebidas” por estarem “gordinhas”. Pela forma como
a publicidade aborda a questão do sobrepeso, ela recrimina as pessoas e estimula
uma vigilância diária, como atesta a chamada:
VOCÊ É O QUE VOCÊ COME.
A Dove, ao contrário, mostra que as pessoas, especialmente as mulheres,
podem, sim, ser “percebidas” da forma como são. “Perder a timidez”, neste
contexto, equivale a mostrar-se sem medo de uma “repreensão social”. Os
preconceitos relativos a um corpo que não é magro, ao contrário do que evidencia
a publicidade da Bauducco, são superados, na publicidade da Dove, em nome da
satisfação que o anúncio sugere através do assumir-se a si mesmo. Neste caso, a
publicidade Dove parece cumprir a “função missionária” de salvar o ego destruído
das mulheres que não se adequam ao modelo pré-estabelecido de esbelteza.
É interessante observar a predominância da cor branca que compõe a peça
publicitária desde o fundo, passando pela lingerie que as mulheres vestem até a
embalagem do produto. Tradicionalmente, o branco está associado à limpeza, à
pureza e à transparência. Por oposição ao branco, de acordo com a observação
de Melo (2003), com base no que, segundo a autora, é “apregoado” por revistas
femininas como Claudia e Nova, o preto é uma cor que valoriza as formas
femininas e que deixa a mulher mais sedutora, mais alta e mais esbelta. O preto,
portanto, teria a função de “disfarçar” um corpo que não está em forma.
A predominância do branco parece subverter a crença de que as mulheres
que não são magras precisariam recorrer ao auxílio da cor preta para parecerem
101
esbeltas. Ao utilizar o branco, a publicidade mostra que as mulheres que têm
“curvas de verdade” não precisariam escondê-las por baixo de uma roupa preta.
Ao contrário, o branco, que é símbolo de transparência, mostra, mais uma vez,
que a mulher deve assumir a sua condição e expor as suas curvas “reais” sem
timidez.
O exemplo da publicidade da Dove nos permite dizer que, dada a
característica de dinamismo do estereótipo, ele questiona o padrão, já
relativamente cristalizado, no qual a beleza e a sensualidade são prerrogativas da
mulher esbelta. A princípio, poderíamos ser questionados com relação à
representatividade desta publicidade, já que ela constitui apenas um caso de
subversão do estereótipo dentro do nosso corpus. Contudo, acreditamos que este
único caso é significativo para o nosso trabalho na medida que sinaliza uma
possível mudança do estereótipo atual de beleza feminina, ainda que a subversão
promovida pela Dove seja por interesses mercadológicos.
102
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao introduzirmos este trabalho, afirmamos com Landowski (1992), que a
publicidade é um discurso social capaz de redefinir a representação que os
indivíduos dão ao mundo. Neste sentido, mais que a função pragmática, o produto
anunciado pela publicidade contemporânea recobre-se de valores partilhados no
âmbito social e adquire, assim, uma função simbólica. Portanto, o estudo das
publicidades representa uma tentativa de compreensão dos bens culturais de
forma a buscar um conhecimento daquilo que é próprio à nossa sociedade.
A
mensagem
publicitária
torna-se
um
veículo
de
representações
previamente conhecidas, que podem ser definidas em termos de estereótipos. Sob
essa perspectiva, os estereótipos funcionam como uma evidência cultural e como
tal inquestionável. Na publicidade, eles funcionam como (i) uma forma rápida de
chamar a atenção do destinatário através daquilo que já lhe é familiar, de forma a
assegurar a compreensão do conteúdo da mensagem publicitária; (ii) um apelo
argumentativo para convencer o destinatário que ele tem uma Falta (nos termos
de Charaudeau,1983) e que o produto anunciado é capaz de preenchê-la; e como
(iii) um mecanismo construtivo que, por ter um caráter relativamente estável de
significações, funciona como base para elaboração do discurso e das proposições
sob as quais ele se assenta.
Portanto, ao analisar os estereótipos presentes na publicidade, objetivamos
“apontar” os valores reinscritos no discurso publicitário quando este é destinado ao
público feminino, mais especificamente, à leitora da revista feminina UMA. Tais
valores puderam ser “revelados” a partir da análise do estrato verbal e do estrato
visual: é na confluência desses dois estratos que resulta a significação geral da
publicidade. Ambos os estratos, mobilizam normas de comportamento e crenças
que se baseiam no que é habitual, freqüente num grupo social, como o estereótipo
de que “mulher tem que ser bonita”.
103
A realização deste trabalho permitiu, ainda, conhecer um pouco mais do
perfil da publicação feminina UMA, que é uma publicação recente no mercado
editorial brasileiro. Neste sentido, pudemos, também, fazer uma reflexão sobre o
que tem sido publicado, atualmente, na área de mídia feminina. Tal reflexão
aponta que a revista UMA, na sua edição de agosto de 2005, como tentamos
demonstrar no capítulo 1 deste trabalho, a cada seção, a cada mensagem
publicitária, parece incitar os cuidados com a beleza e associá-los a uma prática
eminentemente feminina.
A Símbolo, editora da revista UMA, se caracteriza, conforme apontam as
informações disponíveis na sua home page36, como uma editora marcada pela
ousadia e pela criatividade na descoberta de novos nichos de mercado, pela
conquista de espaço e quebra de paradigmas. Acreditamos que este propósito
tenha dado, inclusive, origem ao título da revista UMA: uma, numeral cardinal que
conota unidade. Por extensão metafórica, sugere unicidade, ou seja, “traduz” a
proposta da revista enquanto uma proposta diferencial em termos do que
supostamente já existe no mercado no campo de mídia feminina. Assim, a revista
UMA se propõe a estar atenta aos anseios da mulher moderna, a sair do lugar
comum, associado às outras revistas deste gênero, que atribuem à mulher a
imagem estereotipada de dona-de-casa, mãe, esposa.
A capa, com o rosto da jornalista Ana Paula Padrão, esteticamente bem
produzida, cria um modelo identificador de beleza e profissionalismo. As
chamadas também despertam a preocupação com: (i) uma aparência esbelta: A
nova dieta do Dr. Atkins. Você emagrece até 15 kg sem sofrer; (ii) caracteres
secundários como “cabelos” e “cara” em: Cabelos compridos e cara lavada: as
tendências de beleza da São Paulo Fashion Week e (iii) moda: Jeans básicos e
chiques para usar à noite. Além das chamadas, as mensagens publicitárias que
anunciam produtos para a manutenção de um corpo jovem e esbelto oferecem à
leitora de UMA a maneira de suprir as suas possíveis necessidades/carências,
lançando mão do processo de identificação/desejo de ser como os modelos
expostos.
36
Dados disponíveis em: <http://www.simbolo.com.br>. Acesso em: 22 nov. 2005.
104
A concluir pelas imagens que retratam, na sua grande maioria, a mulher
individualmente, sem nenhuma referência a filhos ou marido, poderíamos afirmar
que as publicidades do nosso corpus revelam um “enfraquecimento do
estereótipo” do papel feminino ligado à noção de mãe, esposa ou dona-de-casa.
Tal constatação põe em cena, conforme afirmamos anteriormente, uma vivência
individualista feminina, cuja felicidade, prazer, lazer não dependem da vinculação
a um grupo social como a família, mas dependem apenas de suas intenções
individuais, de fazer o que lhe dá prazer. É sob este aspecto que analisamos as
publicidades 5 e 8, que se referem à mulher saindo para “a balada” ou “dando uma
volta no quarteirão com o seu cachorro”, respectivamente.
Pela análise do nosso corpus, o fato de a mulher ser retratada como um ser
ativo que anseia por “realização profissional” (Pub 2), tem “reunião” e “chefe” (Pub
8), uma “agenda” a cumprir (Pub 9) não lhe tirou a antiga incumbência de manterse bonita através do uso de produtos de perfumaria, da realização de dietas e da
ida a academias. Estas publicidades mostram que o estereótipo de que “mulher
tem que ser bonita”, corresponde a um padrão de beleza esbelto e jovem,
funcionando como argumento para que as mulheres, que são financeiramente
independentes e assumiram encargos extra-domésticos, sejam motivadas a
adquirir os produtos anunciados.
Se associarmos a presença do rosto da jornalista Ana Paula Padrão, que é
reconhecida pelo seu trabalho de jornalista, estampado na capa da revista, com as
publicidades que fazem referência a trabalhos extra-domésticos assumidos pelas
mulheres, podemos concluir que a revista UMA instaura um arquétipo de beleza
(c.f. Lipovetsky, 2000), semelhante àquele utilizado pelo cinema desde os anos
10: o da estrela, cujo sucesso social se concretiza graças a uma atividade
profissional reconhecida social e não sexualmente. O modelo identificador de
beleza produzido com a utilização da foto de Ana Paula Padrão reforça o
estereótipo de que a mulher tem que ser bonita, ainda que trabalhe fora do âmbito
doméstico.
Desta forma, acreditamos que a revista UMA quebra os paradigmas de
algumas revistas femininas ao reconhecer a independência da mulher das
105
atividades que dizem respeito aos cuidados domésticos. Contudo, a análise do
nosso corpus revelou uma dependência da mulher em relação aos cuidados com
a aparência. Tal fato nos leva a concluir com Silva (1998) que As revistas têm
desempenhado uma função muito importante na criação da ideologia da beleza e
alteração dos papéis das mulheres: de rainha do lar à rainha da beleza (p.785).
O aperfeiçoamento das técnicas de impressão têm tornado a mídia feminina
uma
mídia
bem
trabalhada
visualmente,
gerando
uma
espécie
de
“espetacularização” da beleza feminina através de fotografias que mostram rostos
e corpos perfeitos. A mídia feminina traz ainda novidades no campo da moda para
serem admiradas e imitadas e despertam na mulher-leitora o desejo de manter-se
esbelta, jovem e embelezar-se. Tal fato nos leva a concluir com Lipovetsky (2000),
que o universo da moda, da fotografia e da publicidade é um espetáculo destinado
a seduzir prioritariamente as mulheres como consumidoras e leitoras de revistas.
A hipótese central que orientou o nosso trabalho sugere que ao utilizar o
texto associado à imagem, a publicidade atua tanto consolidando quanto
instaurando estereótipos. Ao desenvolvermos a pesquisa, nossa hipótese não só
se confirmou como também ampliou nossa compreensão de que além de resgatar
o já dito, o estereótipo pode ser tomado como elemento argumentativo conforme
nos sugere Amossy (2000). Desta forma, ao utilizar valores e crenças socialmente
determinados em seu aparato retórico, a publicidade apresenta-se portadora de
representações sociais, estruturadas de maneira persuasiva, dentro seu propósito
comercial. O estereótipo tem, assim, uma credibilidade cultural que favorece o
entendimento entre os sujeitos interlocutores e promove a adesão do público alvo.
Isso porque o estereótipo é, essencialmente, uma imagem já cristalizada para os
membros de um grupo social.
Há que se considerar que na publicidade a argumentação é implícita, pois
se dá no confronto entre um enunciado atestado e outro deixado no implícito do
texto. Desta forma, o enunciado atestado é aquele constituído pelo estrato verbal
da publicidade; já o enunciado implícito é o estereótipo, é essa imagem
culturalmente partilhada que se faz presente como uma referência que já se
encontra na memória do destinatário. Daí afirmarmos que a funcionalidade do
106
estereótipo depende do seu reconhecimento pelo destinatário, que deve ativá-lo.
Em outros termos, o estereótipo é uma imagem familiar que remete a um modelo
cultural conhecido que atuará discursivamente como um “já dito”.
No caso específico da publicidade, como aponta Soulages (1996), que visa
tornar o consumidor efetivo de suas mensagens em consumidor dos produtos
anunciados, o estereótipo apresenta-se como se fosse um saber “natural”, um
modo de ser socialmente estabelecido e posto como inerente à vida em
sociedade.
Assim, não só a publicidade, mas também a mídia feminina, vivem uma
espécie de retroalimentação, ou seja, alimentando-se dos e alimentando os
discursos que circundam o imaginário social. Desta forma, elas vão tecendo uma
configuração identitária da mulher dentro de uma perspectiva mercadológica que
leva a sociedade a assumir certas proposições como verdadeiras e até naturais,
como aquelas que associam os cuidados com a aparência a práticas
eminentemente femininas.
Esta naturalização de certos valores e crenças é observada nas
publicidades do nosso corpus que expõem os méritos de uma alimentação leve,
como a publicidade Bauducco, ou ainda, uma alimentação saudável, como propõe
a publicidade Ferla. Além destas, tem-se o caso da publicidade da academia
Curves que salienta os benefícios de exercícios para a manutenção e a
modelagem do corpo. Neste sentido, adotar novos hábitos alimentares, praticar
atividades físicas, utilizar recursos técnicos que embelezam o corpo são colocados
como “meios” inquestionáveis para se atingir um padrão de beleza idealizado e
valorizado na sociedade brasileira, padrão este igualmente tomado como inerente
a essa sociedade.
Neste contexto, o caso Dove representa uma relativa ruptura. Esta
publicidade questiona o estereótipo da mulher esbelta e busca instaurar outro
padrão de beleza no qual a magreza não impera. Ao mostrar sete mulheres
anônimas, descalças e confortavelmente dispostas uma ao lado da outra, a
publicidade Dove tenta produzir um efeito de confiabilidade, mostrando que as
107
mulheres ali retratadas são “normais”, ou seja, não se trata das renomadas
modelos ou atrizes de televisão com seus corpos esbeltos.
As mulheres da publicidade Dove utilizam o produto dentro das suas “reais”
necessidades. Tem-se, ainda, uma espécie de “denúncia” de que a realidade
criada pela publicidade retrata um padrão de beleza que não corresponde à real
condição física da maioria das mulheres. Essa denúncia pode ser recuperada no
slogan do produto “Testado em curvas de verdade” que utiliza um procedimento
que é peculiar nas práticas científicas, como o teste para a comprovação dos
resultados. Desta forma, a publicidade proporciona maior credibilidade ao
processo ali ocorrido e destaca os benefícios obtidos com a utilização do produto.
Nas publicidades que analisamos, verificamos, não somente que a beleza é
associada à esbeltez, mas também que ela é associada à juventude.
Culturalmente valorizada, a juventude serve de argumento para o cuidado com o
rosto. Juventude e velhice reportam um ao outro ainda que as remissões não
estejam explícitas na superfície textual das publicidades. A referência à juventude
pode ser percebida no campo semântico de palavras como “rugas”, no uso do
prefixo anti diante da palavra tempo (antitempo) ou da palavra inglesa age (antiage) e ainda em expressões como “minimizar a ação do tempo”. Tais referências
podem ser vistas como uma tentativa de controle do ciclo “natural” da vida: nascer,
crescer e morrer.
Ser jovem e permanecer jovem é trabalhado, nas publicidades do nosso
corpus, como um ideal inquestionável da existência física e mental da condição
humana. Tal fato parece ser um “reflexo” da nossa sociedade que, ao contrário da
sociedade oriental, valoriza o jovem em detrimento do “velho”, já que este não é
interessante enquanto padrão de consumo e beleza. Isto nos leva a concluir com
Buitoni (1990) que A juventude é outro dos mitos modernos que foi totalmente
adotado pelos veículos femininos, servindo para estimular o mercado ao exigir
uma eterna renovação (p.78).
Nosso trabalho não teve a pretensão de esgotar o tema, nem ser exaustivo
em termos da análise do corpus. Caberia, com certeza, por exemplo, uma análise
comparativa entre os estereótipos que podem se revelados na análise de
108
publicidades veiculadas na revista UMA e na revista Claudia, por exemplo, duas
publicações dirigidas ao público feminino. Com isso seria possível identificar,
contrastar e analisar como os estereótipos têm sido trabalhados numa publicação
de lançamento recente e em outra que tem mais tempo de circulação.
Outra possibilidade seria proceder a uma análise comparativa dos
estereótipos que podem ser revelados num corpus formado por publicidades
veiculadas numa revista feminina e numa revista masculina. Dessa forma,
procederíamos a um estudo dos estereótipos próprios a cada gênero. Um estudo
comparativo sempre oferece a possibilidade de apreender uma gama maior de
representações estereotipadas.
Mas, o nosso objetivo maior foi verificar a que representações da realidade
socio-cultural brasileira as publicidades de uma revista feminina que se diz
“inovadora e única” remetem. Como vimos, o surgimento de um “novo” modelo de
vida feminina constitui uma pseudo-independência, já que ele camufla a relativa
dependência da mulher dos cuidados com a beleza.
109
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114
ANEXO 1: corpus
115
PUB 1
PUB 2
116
PUB 3
PUB 4
117
PUB 5
PUB 6
118
PUB 7
PUB 8
119
PUB 9
PUB 10
120
PUB 11
PUB 12
121
PUB 13
PUB 14
122
PUB 15
PUB 16
123
PUB 17
PUB 18
124
PUB 19
PUB 20
125
Capa da revista UMA (edição de agosto de 2005)
126
Anexo 2: Grades descritivas
127
Grades descritivas do estrato visual
Grade 1
Signos
Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub
icônicos/figurativos
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Seres
Homem e
x
crianças
Mulher
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
Adolescente
x
Criança
Mulher
x
e
x
x
x
Cachorro
Mulher
e
x
criança
Desenho
x
Produtos e x
Objetos
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
serviços
Escova
x
Toalha
x
Secador
x
128
x
Grade 2
PRODUTO Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub
ANUNCIADO
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
x
Academia de
ginástica
Técnica
de
x
alongamento
de cabelo
Aparelhos de
x
ginástica
Carro
x
Livraria
x
Medicamento
Produtos
de
x
x
x
x
x
x
x
x
perfumaria
Produtos
x
x
alimentícios
Produtos
x
infantis
Revendedora
x
de cosméticos
Roupa
x
129
x
x
Grade 3
Produtos
Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub
mais
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
anunciados:
perfumaria
Creme
x
corporal
Creme
antiidade
x
x
e
anticelulite
perfume
Creme para
x
x
suavizar
olheiras
Maquiagem
x
Tratamento
x
capilar
130
Grade 4
Partes do corpo
destacadas
Mulher
Rosto
Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
x
x
x
Olhos
Corpo
x
x
x
x
x
interiro
Torso
Criança
x
x
Rosto
x
Corpo
x
x
inteiro
Adolescente Corpo
x
inteiro
Mulher
e Torso
x
criança
Mulher
e Torso
x
cachorro
Homem
e Corpo
crianças
inteiro
x
131
Grades descritivas dos elementos plásticos ou não-figurativos
Grade 5
Cor
Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16 17
18
19
20
Cromática x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
Grade 6
Forma
Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16 17
18
19
20
Planura
x
x
Ênfase
Justaposição
x
x
x
x
x
x
x
x
Exagero
x
Singularidade
x
x
Ousadia
Atividade
x
x
x
x
132
x
x
x
Grade 7
Iluminação
Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16 17 18
19
20
Orientada
x
x
x
Difusa
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
(generalização)
Grades descritivas do estrato verbal
Grade 8
Formas
textuais
Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
Apresentação x
x
x
x
Chamada
x
x
x
x
Descrição
x
x
x
x
x
Depoimento
Slogan
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
133
x
Grade 9
Domínio de
Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub
avaliação
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16 17
18
19
20
(apresentação)
Verídico
Estético
-
-
-
-
Ético
-
-
-
-
Hedônico
-
-
-
-
-
-
-
-
Pragmático
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
Grade 10
Domínio
Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub
de
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16 17
18
19
20
avaliação
(chamada)
Verídico
Estético
x
Ético
Hedônico
Pragmático
x
x
x
-
-
x
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
x
x
134
x
x
x
x
x
x
x
-
x
Grade 11
Domínio
Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub Pub
de
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16 17
18
19
20
avaliação
(descrição)
Verídico
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
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Estético
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Grade 12
Domínio de
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avaliação
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(depoimento)
Verídico
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Grade 13
Domínio
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avaliação
(slogan)
Verídico
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Estético
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RENATA APARECIDA TOLEDO