FIDELIDADE OU LEALDADE?
André Acioli*
Há alguns anos, para ser mais preciso, em 2003, escrevi artigo homônimo em que traçava
paralelos entre os dois conceitos, relacionando-os às vidas privadas e organizacionais.
Fidelidade e lealdade, por vezes tratadas como sinônimas, conceitualmente são diferentes. O cão
é leal. Alguém duvida disso? A ele não importam os valores da sociedade, o que pensam da sua
relação como dono ou mesmo se a tal lealdade é um dever para com o seu dono. O cão é sincero,
honesto, transparente e em qualquer situação, estando seu dono “certo ou errado”, estará com
ele, pois se trata de uma relação de confiança inconteste.
O exemplo do cão é mera ilustração; por mais rara que seja, acredito que exista lealdade entre
duas pessoas! E entre um consumidor e uma empresa? Existe lealdade? Falo de empresas
mesmo! Você já viu alguma empresa anunciar seu “Plano de Lealdade”? Pois é, eu também não!
Até mesmo porque a lealdade independe de valores, credos, costumes ou promessas; lealdade é
(por que não) eterna.
Já fidelidade pressupõe um compromisso moral, uma obrigação. No extremo, quem sabe, um
contrato. Assim, como disse antes, Adão era fiel à Eva, da mesma forma que qualquer consumidor
é fiel a uma empresa que detém o monopólio de determinado produto ou serviço. Algum morador
do município do Rio de Janeiro, consumidor de energia elétrica, se atreveria a não ser fiel à Light?
Não há como não ser fiel quando não se tem alternativa!
Mas e quando houver alternativa? Tenho vários amigos que são fiéis às suas esposas; outros que
são fiéis às suas Igrejas. Há militantes fiéis a partidos e torcedores fiéis aos seus times – esta
relação de fidelidade, inclusive, por tão forte que é, já foi alvo de estudos. O que haveria em
comum entre estas “fidelidades”? Nada simples, porque a natureza humana não tem nada de
simples, mas óbvio. Em todos os casos, apesar de haver alternativas, considerando seus valores
suas expectativas, suas crenças ... cada um é fiel ao que entende como sendo a melhor opção.
Desta forma, cada amigo a que me referi, é casado, segundo o próprio ponto de vista, com “a
melhor mulher do mundo”, por isso, lhe é fiel; por raciocínio análogo, o torcedor é fiel ao time e o
fiel, à Igreja.
Agora, se há alternativas iguais ou melhores (vale lembrar que os conceitos de igual e melhor são
individuais e, portanto, subjetivos), a fidelidade pode ser explicada se amparada, por exemplo,
num contrato. Estabelecido um compromisso, uma obrigação legal, há que se cumprir! Fala-se por
aí, de casamentos entre milionários e belas jovens que, em casos de separação, não têm direito a
pensões, indenizações ou outros benefícios. À parcela da fortuna só terá acesso aquela que
permanecer casada até a morte do respectivo cônjuge. OK, é uma fidelidade “comprada”.
Isso diferiria muito do que é praticado por empresas no mundo todo? Os benefícios auferidos aos
clientes de programas de fidelidade não podem ser entendidos como pagamentos pela fidelidade
dos consumidores? Claro que sim! Hoje, produtos e serviços são cada vez mais facilmente
copiáveis; muitos viram commodities, sem diferenciais significativos entre uns e outros. Se o que é
oferecido pelas empresas ao mercado é igual, ou quase igual, os diferenciais percebidos pelo
consumidor passam a ser os benefícios adicionais concedidos após compra. O consumidor tende a
buscar nas empresas concorrentes, aquela (ou aquelas) que lhe conceda mais pela concretização
da compra.
Esta possível “poligamia” pode ter mais ou menos empresas envolvidas em relações de felicidade
atemporais. A fidelidade, como poderia ter dito o poeta de Ipanema, será eterna enquanto dure.
*André Acioli é mestre em Administração pelo Coppead/UFRJ, professor, consultor de empresas e
fundador do Boteco do Conhecimento. Além de ministrar aulas pela Mackenzie Rio e pelo IBMRLaureatte, conduz palestras e treinamentos sobre os temas Gestão, Marketing, Negociação e
Relacionamento.
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