Métodos de avaliação pedagógica ([1]) Margarida Fernandes ESE, Universidade do Algarve «Para conhecer a verdade acerca dum sistema educativo é necessário olhar para os seus métodos de avaliação. Que qualidades e realizações são valorizadas e recompensados pelo sistema? (...) Em que medida as expectativas e os ideais, os fins e os objectivos do sistema são realmente percebidos, valorizados e desejados por aqueles que estão no sistema educativo? A resposta a estas questões tem de ser encontrada naquilo que o sistema exige aos estudantes para sobreviver e progredir. O sentido e o sistema de avaliação do aluno definem o curriculum de facto». Rowntree (1987: 1) Introdução Como várias investigações têm evidenciado - e Rowntree sublinha -, os métodos utilizados para avaliar os alunos têm uma grande importância, elucidando-nos sobre as opções verdadeiramente valorizadas pelo sistema educativo e que definem o currículo real, influenciando a acção do professor e as aprendizagens dos alunos. A importância dos métodos de avaliação é, também, reconhecida pelos que já não estão no sistema educativo, suscitando a sua escolha, posições e perspectivas muito distintas. A chamada de atenção de Stiggins e Bridgeford, em 1985, para o facto de 90% dos estudos publicados sobre avaliação, nos Estados Unidos da América, nos 40 anos anteriores, terem seguido uma orientação marcada pela construção e utilização de testes, sublinhando a prevalência de um método sobre todos os outros, evidencia uma perspectiva ainda hoje bem presente nos debates sobre os métodos de avaliação pedagógica. Com efeito, uma boa parte dos actuais debates sobre avaliação defende uma visão psicométrica que privilegia os testes e exames, reduzindo a avaliação à medição dos resultados assim obtidos pelos alunos, prejudicando e, por vezes, impedindo uma análise serena e reflexiva sobre outros métodos de avaliação. O recente debate nos media sobre os rankings das escolas mostra isso mesmo, pois, ao identificar as aprendizagens que os alunos realizam com o que os exames medem, reduziu a avaliação à certificação dos resultados, «esquecendo» que só uma pequena parte das aprendizagens é avaliada pelos exames. Da sobrevalorizacão destes resulta a utilização do teste como método quase exclusivo de avaliação, pois é ele que prepara o exame, desse modo reproduzindo e perpetuando práticas de avaliação que limitam e condicionam o desenvolvimento de outras competências e aprendizagens dos alunos, num círculo vicioso que é difícil romper. Não se pretende desvalorizar o uso dos testes. Se bem construídos e moderadamente utilizados, os testes melhoram a capacidade de atenção do aluno, a retenção da matéria estudada, activam o processamento dos conteúdos e ajudam a consolidar as aprendizagens. Utilizados regularmente com objectivos formativos, os testes podem funcionar como orientadores da aprendizagem, chamando a atenção do aluno para o que é considerado essencial. Devem, contudo, ser utilizados com moderação e complementados por outros métodos de avaliação. Métodos e práticas de avaliação pedagógica A importância dos métodos de avaliação é confirmado por vários estudos ([2]), que mostram que as actividades de avaliação (incluindo os testes) ocupam uma grande parte do tempo e esforço de alunos e professores, salientando que aquilo que é valorizado e avaliado na escola vai influenciar não só os resultados escolares dos alunos, mas também a sua motivação, auto-conceito, hábitos de estudo e estilos de aprendizagem ([3]). É importante que sejam proporcionados aos alunos vários momentos de avaliação, multiplicando as suas oportunidades de aprendizagem e diversificando os métodos utilizados, pois, assim, se permite que os alunos apliquem os conhecimentos que vão adquirindo, exercitem e controlem eles próprios as aprendizagens e competências a desenvolver, recebendo feedback frequente sobre as dificuldades e progressos alcançados. A utilização de diferentes métodos e instrumentos de avaliação é também recomendada no diploma ([4]) que regula a avaliação das aprendizagens dos alunos do Ensino Básico. Nele se afirma o respeito pelos princípios já definidos neste domínio, nomeadamente: «a consistência entre os processos de avaliação e as aprendizagens e competências pretendidas, a consequente necessidade de utilização de modos e instrumentos de avaliação adequados à diversidade de aprendizagens e à natureza de cada uma delas, bem como dos contextos em que ocorrem, a atenção especial à evolução do aluno ao longo do ensino básico e a promoção da confiança social na informação que a escola transmite». Sublinhando o facto de não pretender introduzir uma ruptura no domínio da avaliação dos alunos, o diploma retoma, ainda, outros princípios já expressos, como a «ênfase no carácter formativo da avaliação e a valorização de uma lógica de ciclo». No quotidiano escolar, nem todas as actividades que os alunos realizam ao longo do seu percurso são objecto de avaliação, embora muitos delas o pudessem (e devessem) ser, sem demasiado esforço, desde que fossem utilizados métodos de avaliação diversificados e adequados. Relembremos algumas das actividades correntemente realizadas pelos alunos, ao longo do seu percurso escolar, para, em seguida, a título meramente exemplificativo, vermos como se podem articular actividades/situações de aprendizagem, competências a desenvolver e métodos de avaliação. Sem a preocupação de enunciar todas as actividades/tarefas de aprendizagem que os alunos realizam, lembremos algumas delas: i) leitura e interpretação de textos, ii) discussão e debate de temas e/ou problemas; iii) actividades de pesquisa (consulta de enciclopédias e de obras de vários tipos e em vários suportes, recolha de informação junto de várias pessoas e entidades e de outras fontes, pesquisa na lnternet); iv) trabalhos escritos (fichas, testes, relatórios, produção de textos criativos, de projectos, resposta a questionários, outros); v) jogos (jogos funcionais, jogos de regras, dramatizações, entre muitos outros); vi) utilização das TIC (tecnologias de informação e comunicação) e de vários outros recursos materiais, como meio de comunicação; vii) trabalhos práticos (de aplicação, laboratoriais, manuais e outros); viii) actividades físicas, de expressão plástica, musical e outras. Muitas destas actividades podem ser realizadas em grupo, em pares, ou em trabalho autónomo, sendo algumas delas facilmente avaliadas através dos trabalhos escritos que são produzidos, enquanto outras, por exemplo, a realização de actividades físicas, o serão mais facilmente através da observação. A realização de pequenos trabalhos práticos com fins formativos pode ser uma forma privilegiada de intervenção na aprendizagem do aluno, fundamental para a definição das estratégias de reorientação e de reforço, quer pelos efeitos positivos que advêm do uso de feedback correctivo, quer pela multiplicação de oportunidades de aprendizagem proporcionadas, quer ainda por outros tipos de interacção que ocorrem, durante ou por causa da avaliação, nos processos de ensino e aprendizagem. A escolha dos métodos e instrumentos de avaliação depende de vários factores: das finalidades e objectivos pretendidos, do que vai ser objecto de avaliação, da área disciplinar e nível de escolaridade a que se aplicam, do tipo de actividade em que o desempenho se manifesta, do contexto e dos próprios avaliadores. Apresenta-se, a título meramente exemplificativo, um conjunto integrado de actividades de aprendizagem relativas ao lema «a importância da alimentação para o funcionamento equilibrado do organismo» (2.º Ciclo), em que poderão estar implicadas várias áreas: disciplinares (da Língua Portuguesa à Matemática e às Ciências Físicas e Naturais), não disciplinares (Área de Projecto) e «temas transversais», como a educação alimentar e a utilização das TIC, contribuindo todas elas para o desenvolvimento de competências gerais e especificas definidas no Currículo. A partir do tema seleccionado, propõe-se um conjunto de actividades que poderão ser motivadoras para os alunos, desde a construção de textos e questionários sobre os hábitos alimentares, à construção de gráficos e tabelas de frequência que organizem os dados recolhidos, à discussão e debate sobre a influência da publicidade nos hábitos de consumo que se relacionam com a alimentação e a saúde, à elaboração de um folheto que explique em que consiste uma alimentação equilibrada e quais as suas vantagens, à tomada de consciência dos seus benefícios e ao desenvolvimento de atitudes responsáveis e solidárias para com os outros. Indicam-se também os métodos de avaliação. O Quadro n.º 1 apresenta uma forma possível, entre outras, de articular o desenvolvimento de competências com a realização de um conjunto de actividades e a sua avaliação através de métodos diversos. Quadro n.º 1 Competências, actividades e métodos de avaliação Competências específicas Actividades / Situações de aprendizagem Métodos de avaliação Conhecimento de vocabulário preciso - Construção e aplicação de um pequeno questionário sobre os hábitos alimentares relativos ao pequeno almoço; - Questões orais - Organização das respostas; - Observação informal Capacidade de seleccionar a informação necessária a um determinado objectivo - Produção escrita (elaboração das questões) Construir e interpretar tabelas e gráficos - Discussão / debate sobre a - Questões orais influência da publicidade nos hábitos de consumo que se - Construção de tabelas e gráficos Compreensão de determinados relacionam com a alimentação e a saúde, conteúdos - Observação estruturada das intervenções dos alunos (correcção - Planificação e realização de Participar em actividades de linguística, adequação, clareza, um folheto que explique em que organização de ideias, ...) grupo respeitando as normas e consiste uma alimentação critérios de actuação definidos equilibrada e as suas vantagens; - Produção escrita (elaboração da Desenvolver atitudes inerentes à proposta) protecção da saúde e bem-estar - Proposta de outras actividades relacionadas com a publicidade físico - Observação do funcionamento do e o consumo. grupo Experimentar diferentes técnicas de criação e comunicação - Produção de textos criativos - Discussão em turma - Produção de cartazes - Auto-avaliação São várias as classificações dos métodos de avaliação. Wragg (2001), por exemplo, referindo-se à avaliação no 1.º Ciclo, considera que a generalidade dos professores utiliza uma mistura de métodos de avaliação, sendo uns informais e outros formais. Com base nesta classificação inclui nos primeiros a observação, os testes práticos e as perguntas orais e correspondente feedback proporcionado ao aluno. Nos segundos inclui os vários tipos de teste, desde os de diagnóstico aos sumativos e exames. O facto de se utilizarem vários critérios paro classificar os métodos de avaliação tem dado origem a uma grande variedade de classificações e a alguma imprecisão terminológica. Procurando evitá-la e baseando-nos nas estratégias e processos utilizados pelo aluno, bem como nos seus desempenhos, propomos a seguinte classificação: i) observação das estratégias e processos utilizados (informalmente ou de forma estruturada); ii) testes e outras formas de produção escrita; iii) comunicação e questionamento oral; iv) trabalhos práticos; v) trabalho de campo / projectos. Frequentemente utiliza-se mais do que um método para avaliar um determinado tipo de competências (observação e questões orais, para avaliar competências relativas à leitura, por exemplo), podendo também acontecer que o mesmo método seja utilizado para mais do que um tipo de competência (utilizar a observação para avaliar a capacidade de argumentação e a sua adequação aos interlocutores). A diversidade dos métodos de avaliação pode suscitar a necessidade de reunir os trabalhos mais representativos e as evidências das aprendizagens efectuadas num portfólio do aluno, que funcionará como um organizador das aprendizagens realizadas, podendo ainda constituir uma forma pessoal de reflexão (Sá-Chaves, 2001) sobre o percurso efectuado, se o aluno colaborar na sua organização. Uma última nota relativamente aos avaliadores. Não é desejável que se reduza todo o trabalho de avaliação ao professor. Os alunos devem também colaborar na sua avaliação, aliás como propõem as perspectivas mais actuais sobre avaliação pedagógica e se encontra previsto no diploma que regula a sua aplicação no ensino básico. O desenvolvimento de capacidades metacognitivas, como a auto-avaliação, desde os primeiros anos da escola, poderá ajudar a preparar as crianças e jovens para as crescentes exigências da sociedade cognitiva em que vivemos, dando sentido aos saberes e competências que adquirem e desenvolvem e que poderão facilitar a continuação da aprendizagem ao longo do vida. Referências bibliográficas ALLAL, L. (1988). Quantitative and qualitative components of teachers’ evaluation strategies. Teaching and Teacher Education, 4, 41-51. ALLAL, L., CARDINET, J. & PERRENOUD, P. (1986). A avaliação formativa num ensino diferenciado. Coimbra: Almedina. FERNANDES, M. (1996). Impacto das práticas de avaliação na aprendizagem e autopercepção dos alunos, Actas da II Conferência Internacional de Sociologia da Educação em Portugal. Faro: ESE/Universidade do Algaive, 469-473. ROWNTREE, D. (1987). Assessing students. How shall we know them? (2nd ed.). London: Kogan Page. SÁ-CHAVES, I. (2001). Novas abordagens metodológicas: os portfólios no processo de desenvolvimento profissional e pessoal dos professores. In: Investigação em Educação: métodos e técnicas. [ESTRELA, A & FERREIRA, J. (Orgs)]. Lisboa: Educa, pp. 181187. STIGGINS, R. & BRIDGEFORD, N. (1985). The ecoloqy of classroom assessment. In: Journal of Educational Measurement, 22, 271-286. WRAGG, E. (2001). Assessment and Learning in the Primary School. London: Routledge and Falmer Press. ( [1]) In: DEB (2002). Avaliação das aprendizagens - das concepções às práticas. Lisboa: Departamento da Educação Básica, Ministério da Educação, pp. 65-74. ([2]) Vários autores se referem aos testes realçando o seu contributo para o reforço da aprendizagem (AllaI, 1988; Allal e outros, 1986; Stiggins & Bridgeford, 1985, entre muitos outros). ([3]) Para um maior desenvolvimento, veja-se Fernandes (1996). ([4]) Despacho Normativo n.º 30/2001, de 19 de Julho.