X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
INCENTIVANDO TALENTOS EM MATEMÁTICA
Silvia Regina Vieira da Silva
Universidade Estadual Paulista - UNESP/Campus de Ilha Solteira
[email protected]
Resumo: Os alunos da rede de ensino básica que têm facilidade de aprendizagem em
Matemática, na maioria das vezes, têm o seu potencial intelectual minimizado; seja pela
falta de oportunidades extra-sala de aula, seja pelo direcionamento das aulas em função
dos alunos que têm dificuldade. Considerando tal peculiaridade foi executado, no
segundo semestre de 2008, um projeto de extensão na cidade de Paranaíba-MS,
Incentivando Talentos em Matemática, sob minha coordenação e supervisão, cujo
objetivo foi proporcionar aos alunos que possuíam facilidade de aprendizagem em
Matemática da rede básica de ensino uma oportunidade de desenvolvimento intelectual,
social e emocional. Neste trabalho, então, pretendemos relatar tal experiência.
Palavras-chave: Parceria; Facilidade em Matemática; Ensino-aprendizagem.
INTRODUÇÃO
Em 2007, quando eu ainda era professora da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul(UFMS), campus de Paranaíba(CPAR), fui procurada pelo diretor da
escola particular Prevê-Objetivo que propôs uma parceria na realização de uma ação
que oportunizasse aos alunos com facilidade em Matemática da rede de ensino básica de
Paranaíba um avanço cognitivo. O curso de Matemática/UFMS/CPAR, na época, ainda
não possuía um número suficiente de professores para dar andamento no projeto
(podíamos contar somente com dois professores efetivos). Mas, enquanto aguardava a
chegada de mais um colega de trabalho iniciei alguns contatos com a rede pública de
ensino básico de Paranaíba.
Em 2008, com a chegada de mais uma docente no curso, retomamos o assunto.
Duas reuniões foram suficientes para criarmos as condições iniciais do projeto; uma
com
o
diretor
da
escola
particular
e
os
professores
do
curso
de
Matemática/UFMS/CPAR e outra com os diretores das escolas estaduais e um
representante da secretaria municipal.
A escola particular ficou responsável pela parte financeira e pelo espaço físico.
Já as escolas públicas, pela divulgação de informações e incentivo(alunos) e os
professores do curso de Matemática pela estruturação técnica do projeto. Além disso,
ficaram estabelecidas algumas condições:
Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática
Relato de Experiência
1
X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
Os trabalhos deveriam ser realizados com três turmas: alunos do 6º e 7º anos,
alunos do 8º e 9º anos e alunos do ensino médio;
Cada turma deveria ter 16 alunos, sendo que 06 seriam da escola particular
mencionada e 10 das escolas públicas;
Os alunos deveriam ser selecionados levando-se em conta desempenho
matemático, gosto pela disciplina e aval do professor de Matemática responsável
pelo ano que o aluno estaria cursando.
Ficaram responsáveis pelo desenvolvimento das atividades: três professores de
Matemática da UFMS/CPAR, três discentes (monitores) do curso de Matemática/
UFMS/CPAR(Anderson Afonso da Silva, Leandro Aparecido Sangalli e Milton Gabriel
dos Santos), duas discentes do curso de Psicologia da UFMS/CPAR(Karen de Souza
Alves e Rúbia de Fátima Mendes) e duas professoras (monitoras) vinculadas à escola
Prevê-Objetivo e ex-alunas do curso de Matemática da UFMS/CPAR(Natália Cristina
da Silva e Suely de Souza Cruz).
Dos três professores de Matemática da UFMS/CPAR, um ficou responsável pela
coordenação e supervisão do projeto (Silvia Regina Vieira da Silva) e os outros dois
(Andréia Cristina Ribeiro e Márcio Ricardo Alves Gouveia) pelo desenvolvimento dos
conteúdos matemáticos, ministrados através de desafios e/ou situações problemas.
Cada turma contou com um professor de Matemática e dois monitores. Além
disso, das quatro reuniões realizadas por mês (2h/dia), com cada turma, uma tinha como
foco os aspectos sócio-emocionais, via dinâmicas de grupo, e ficavam sob
responsabilidade das discentes do curso de Psicologia. As outras três reuniões versaram
sobre conteúdos matemáticos.
Ou seja, com o projeto que será descrito a seguir, executado no segundo
semestre de 2008, fruto de uma parceria do curso de Matemática/UFMS/CPAR com a
rede básica de ensino, acredito que foi possível oferecer uma oportunidade diferenciada
aos alunos de Paranaíba que tinham facilidade em Matemática.
Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática
Relato de Experiência
2
X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
FUNDAMENTAÇÃO TÉORICA
Na reunião em que o diretor da escola particular fez a proposta, veio à mente um
trecho de uma entrevista realizada com um professor de Matemática de Rio Claro-SP,
contida na minha tese de doutorado:
Temos um planejamento muito rigoroso, sem maleabilidade. Cumprir
um currículo que a gente programou é muito difícil porque o curso
fica mais voltado para o aluno que tem dificuldade do que para o
aluno que tem facilidade. Então, você fica amarrando aqueles alunos
que poderiam deslanchar mais. É muita coisa prendendo a gente, no
sentido de não deixar avançar. Você tem que fazer recuperação
paralela, recuperação não sei do quê. Quer dizer, o aluno que tem uma
certa facilidade, ou que leva a sério, tem a sua capacidade limitada,
você não o deixa ir para a frente. Não sei exatamente o que acontece.
Todo professor está insatisfeito com isso. Você pode consultar
qualquer professor, todos eles dizem a mesma coisa. O ensino é dado
em função do 'mau' aluno, não em função do 'bom'. O 'bom' fica para
trás e é igualado por baixo. É o termo que a gente costuma usar.[ ...]
Falam que você tem que fazer trabalho individualizado. Mas, em
nenhum momento, esse trabalho individualizado compreende
enriquecer o aluno que tem potencial. Só dar apoio, apoio, para aquele
que não faz. Em nenhum momento se fala: “Tem que pegar os alunos
que são bons e dar conhecimentos a mais... dispensa os outros”. Não
existe isso. Você vai ver em outras matérias, a situação é quase igual,
não dá para dar a matéria toda. Não sei precisar desde quando isso
começou a acontecer, mas com certeza há um seis, sete anos. Quer
dizer, eu me vi um infeliz, vendo alunos meus não conseguirem entrar
numa faculdade, sem chance.(SILVA, 2004, p.125 – 127)
O relato anterior simboliza uma situação que vem se repetindo de uns anos para
cá e, conseqüentemente, tem prejudicado alunos da rede de ensino básico que possuem
facilidade no aprendizado da Matemática; em Paranaíba a situação não era diferente.
Alencar (2007), apesar de teorizar sobre superdotação, menciona uma outra
questão relacionada a tais alunos: o comportamento. A alteração do comportamento
escolar pode ser associada ao fato de não haver um tratamento adequado proporcionado
pela escola.
Uma outra questão foi suscitada por um documento oficial. Depois de ter acesso
a Resolução n º 2, de 11 de Setembro de 2001 – CEB/CNE (Diretrizes Nacionais para a
educação Especial na Educação Básica), dei-me conta que os alunos com facilidade de
aprendizagem em Matemática poderiam ser considerados educandos com necessidades
educacionais especiais e, como tais, deveriam ter direito a um tratamento diferenciado
viabilizado pela rede regular de ensino. Tais alunos poderiam, por exemplo, ser
Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática
Relato de Experiência
3
X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
submetidos a atividades que favorecessem “o aprofundamento e enriquecimento de
aspectos curriculares, mediante desafios suplementares [...] em outros espaços definidos
pelos sistemas de ensino[...]” (Resolução Nº 2, de 11 de Setembro de 2001 –
CEB/CNE).
Logo, o projeto se justificava, pois:
O ambiente escolar da rede de ensino de Paranaíba não supria as necessidades
educacionais dos alunos que possuíam facilidade na aprendizagem da
Matemática;
Poderia servir de instrumento para a melhoria do ensino básico da rede de ensino
de Paranaíba-MS;
Poderia servir de estímulo ao ingresso de participantes em carreiras científicotecnológicas.
Mas, o mesmo não poderia versar somente sobre conteúdos matemáticos,
deveria atender, também, as necessidades do aluno nas esferas: social e emocional.
Alencar (2007) relata o quanto é ruim, por exemplo, a família nutrir expectativas com
relação ao comportamento de pessoas que demonstram facilidade em determinada área
baseada unicamente na capacidade intelectual mais avançada que os demais.
A mesma autora cita, ainda, um caso específico da área de Matemática:
Outra disparidade comum é o aluno ter uma habilidade matemática
excepcional, sendo, porém, medíocre em ortografia e escrita. Como a
escola tende a esperar que o aluno progrida de uma maneira
homogênea em diferentes disciplinas, isto pode gerar dificuldades
para o aluno, sobretudo de natureza emocional. (ALENCAR, 2007, p.
375)
Sendo assim, fez-se necessário pensar além do aspecto cognitivo para que o
aluno inscrito no projeto fosse capaz de desenvolver-se social e emocionalmente. Daí
surgiu a idéia de incluir a participação de discentes do curso de Psicologia.
Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática
Relato de Experiência
4
X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
METODOLOGIA E AVALIAÇÃO
Os alunos que se inscreveram no projeto, antes, participaram de uma avaliação
escrita relacionada a conteúdos normalmente exigidos no ano que estavam matriculados
na escola. Mas, a avaliação na escola particular ficou sob responsabilidade do diretor
mencionado e na rede pública (estadual e municipal) a responsabilidade foi da equipe
executora do projeto.
Para atender a demanda foi estipulado um prazo para que os alunos da rede
pública pudessem se inscrever no processo avaliativo. A avaliação foi realizada numa
sábado, numa escola pública; compareceram aproximadamente 250 alunos.
A elaboração e a correção da avaliação ficaram sob responsabilidade dos
professores responsáveis pelo conteúdo matemático. Vale ressaltar que a correção foi
“qualitativa”, ou seja, foi analisada a qualidade da resposta, o raciocínio explicitado.
Além da avaliação, os alunos tiveram o aval do professor responsável pela sala
de aula no qual ele cursava o ensino básico.
Consideramos que o gosto pela Matemática, outra exigência para participar do
projeto, foi contemplado em dois momentos:
Quando o aluno foi informado que uma das condições para a sua participação
seria gostar da Matemática;
Quando o professor manifestou a sua opinião com relação ao aluno, seja no
incentivo na realização da prova, seja no momento que foi procurado.
Como já foi dito, o projeto foi desenvolvido com três turmas (6º e 7º anos, 8º e
9º e ensino médio), cada uma com 16 alunos - 10 oriundos de escolas públicas e 06 da
escola Prevê–Objetivo. Além disso, as reuniões com as turmas foram semanais, com
duração de 2h, sendo que três vezes por mês, cada turma ficou sob a responsabilidade
de um professor de Matemática da UFMS/CPAR e dois monitores, que, através de
desafios e/ou situações problemas que estimulassem o raciocínio, deram suporte no que
diz respeito ao conhecimento matemático. E, uma vez por mês, duas discentes do curso
de Psicologia da UFMS/CPAR ficaram responsáveis por aspectos sócio-emocionais dos
alunos, via dinâmicas de grupo.
Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática
Relato de Experiência
5
X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
Dentre as atividades desenvolvidas, uma vez por mês acontecia uma reunião de
supervisão dos trabalhos desenvolvidos sob minha coordenação. Foram momentos
muito profícuos, nos quais pudemos refletir sobre inúmeras questões: desenvolvimento
de atividades, postura do professor de Matemática, comportamento dos alunos, práticas
da equipe executora, importância da participação das discentes do curso de psicologia,
trabalho em grupo, etc. Ou seja, uma forma de avaliarmos o desenvolvimento do
projeto.
Mas, além desta forma de avaliação, estava prevista, após o término, uma
manifestação sistematizada dos professores dos alunos envolvidos. E, infelizmente, não
foi possível contemplar tal intenção, pois as atividades do projeto coincidiram com o
final do ano letivo das escolas da rede básica e UFMS/CPAR.
Vale ressaltar que os alunos que participaram do projeto não foram avaliados no
que diz respeito aos conteúdos que foram ministrados. A participação nas reuniões
(conteúdos ou a de aspectos sócio-emocionais via dinâmica de grupos), foi a nossa
referência. Aliás, nas reuniões de supervisão foram compartilhadas e discutidas as
opiniões dos responsáveis pela execução das atividades.
RESULTADOS OBTIDOS PELA A COMUNIDADE/PÚBLICO ALVO
Os alunos do ensino básico que participaram do projeto, durante o semestre que
este esteve em execução, demonstraram ter evoluído intelectual, social e
emocionalmente. Tal constatação tem amparo em depoimentos da equipe executora,
alguns professores e pais. Vale destacar alguns conteúdos trabalhados: análise
combinatória, expressões algébricas, seqüências, números primos, fatoração, trigonometria,
lógica matemática.
Além disso, os alunos demonstraram prazer em participar do projeto. Alguns,
inclusive, alteraram, ou simplesmente abandonaram, compromissos assumidos antes do
surgimento do projeto para poderem participar, dada a satisfação.
DIFICULDADES OCORRIDAS
Os alunos vinculados à turma do 8o e 9o anos, provavelmente por questões
comportamentais próprias da idade, fizeram com que a equipe de execução dispensasse
Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática
Relato de Experiência
6
X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
um tempo maior na elaboração de material, uma vez que o comportamento da turma, na
maioria das vezes, prejudicava a execução do projeto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o projeto Incentivando Talentos em Matemática buscou-se proporcionar ao
aluno com facilidade de aprendizagem em Matemática da rede básica de ensino de
Paranaíba uma oportunidade de desenvolver-se intelectual, social e emocionalmente
através de um processo interdisciplinar.
Os alunos demonstraram, inclusive, prazer ao vivenciarem situações problema
como forma de aprenderem conteúdos matemáticos. Aliás, para nossa surpresa, os
alunos, em diversos momentos, questionaram a forma como o professor responsável
pela sala em que ele estava inserido na escola de origem: “Por que o meu professor não
dá aulas dessa forma?”. E, apesar do estranhamento inicial, os alunos também
demonstraram prazer durante as intervenções sócio-emocionais, via dinâmica de grupos.
Um fato interessante a ser ressaltado é a convivência entre alunos da rede de
ensino pública e escola particular. O senso comum poderia levar a afirmações do tipo:
“alunos do ensino público estariam em desvantagem ao estarem compartilhando a
mesma sala de aula que um aluno da rede particular”. Mas, o dia-a-dia mostrou uma
outra realidade. Apresentar conceitos matemáticos via situações-problema não é uma
forma muito comum de trabalho em sala de aula (mesmo em escolas particulares).
Logo, os alunos estiveram em situação de igualdade quando tiveram acesso a
determinados conteúdos matemáticos. A diferença surgiu quando era iniciada uma
tentativa de resolução; os alunos das escolas públicas eram mais tímidos.
Mas, no início, a convivência tinha uma peculiaridade: os alunos da rede de
ensino pública e particular não se “misturavam”. As discentes do curso de Psicologia
foram informadas e o trabalho das mesmas foi vital. Depois da primeira intervenção das
discentes, os alunos, além de se misturarem, passaram a ser mais comunicativos;
durante as aulas de conteúdo, inclusive.
Para finalizar vale destacar que a experiência vivenciada com o desenvolvimento
deste projeto certamente motiva a execução de uma versão aprimorada no mesmo. E
para outra versão, a equipe executora chegou à conclusão que seria interessante
viabilizar:
Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática
Relato de Experiência
7
X Encontro Nacional de Educação Matemática
Educação Matemática, Cultura e Diversidade
Salvador – BA, 7 a 9 de Julho de 2010
Reuniões de conteúdos e aspectos sócio-emocionais intercaladas, ao invés de
somente uma reunião por mês com a equipe responsável pela elaboração de
dinâmicas de grupo;
Meios que incentivem não apenas os alunos, mas todo seu contexto como, por
exemplo, família e escola;
Atividades grupais que desenvolvessem as relações interpessoais nas reuniões da
equipe de execução do projeto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALENCAR, E. M. L. S. de. Características sócio-emocionais do superdotado: questões
atuais. Psicologia em Estudo, Maringá, vol.12, n.2, p.371-378. ISSN 1413-7372.
Mai/Ago. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pe/v12n2/v12n2a18.pdf.
Acesso em: 10 jul 2008.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Resolução nº 2, de 11 de setembro de
2001. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Diário
Oficial da União, n. 177, seção 1 E de 14 set. 2001. p. 39-40. CEB/CNE. Brasília, DF:
Imprensa Oficial, 2001.
SILVA, S. R. V. da. Identidade cultural do professor de matemática a partir de
depoimentos (1950-2000). 2004. 259f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) –
Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade do Estado de São Paulo, Rio
Claro, SP, 2004.
Anais do X Encontro Nacional de Educação Matemática
Relato de Experiência
8
Download

Incentivando Talentos em Matemática