LEITURA E LEITURAS – UM ESTUDIO COM ALUNOS DO ENSINO SECUNDÀRIO (Lectura y lecturas – un estudio con alumnos de la enseñanza secundaria) Ângela Coelho de Paiva Balça Universidade de Évora Nos dias de hoje, parece-nos inegável a importância da leitura e de saber ler, para que os cidadãos se integrem plenamente na vida quotidiana, em termos profissionais e em termos de lazer. As grandes preocupações com o papel desempenhado pela leitura e com o domínio do código escrito, na moderna sociedade da informação, não são apenas apanágio da sociedade portuguesa, mas estão presentes a nível global. Deste modo, a UNESCO proclamou a década 2003/2012 como a United Nations Literacy Decade, ou seja, a Década Internacional da Literacia, admitindo que nos dias de hoje a literacia permanece como um dos maiores desafios da humanidade, a nível global. A UNESCO apresenta assim a noção de literacy as freedom, dirigindo-se principalmente aos milhões de excluídos do mundo inteiro, por razões ligadas à iliteracia. Desta maneira, a UNESCO pretende conjugar vários esforços, para que, dentro dos próximos anos, se possa inverter esta situação e se possa encontrar um caminho, a fim de que a noção literacy for all seja uma realidade. Os estudos nacionais e internacionais (como por exemplo o estudo da OCDE intitulado PISA 2003 - Programme for International Student Assessment) dizem-nos que os alunos portugueses têm baixos níveis de literacia (designadamente de literacia em leitura), sendo pois necessário que a escola conheça melhor os seus alunos, invista fortemente na promoção da leitura e assuma como missão fundamental a formação de leitores. Na verdade, é na escola que as crianças aprendem a ler e que, provavelmente, se formam crianças leitoras. A formação de crianças leitoras será certamente facilitada, se a família colaborar activamente com a escola e se a biblioteca escolar proporcionar um espaço informal de leitura, bem apetrechado com os mais diversos e apelativos materiais de leitura (Balça, 2005). Na nossa perspectiva, na sociedade contemporânea duas missões, que se complementam, são conferidas à escola: a primeira missão será promover a aprendizagem da leitura e a segunda será formar leitores (Balça, 2004). Realmente, as preocupações relacionadas com a leitura, partilhadas pelos mais diversos autores e, no fundo, pela sociedade em geral, ocorrem na sequência de uma constatação vulgarizada de que as crianças e os jovens não lêem, não gostam de A. Coelho ler, a leitura não é uma actividade que lhes dê prazer, a leitura não é uma actividade preferencial entre as desenvolvidas nos seus tempos livres (Balça, 2004). Por outro lado, como afirma Escarpit (1999), à medida que os alunos avançam no nível de escolaridade, vão abandonando as leituras juvenis e nem sempre acedem de imediato às leituras adultas, sendo nesta fase que se perdem muitos leitores, uma vez que os alunos muitas vezes se limitam a ler, com dificuldade e contrariados, as obras obrigatórias, previstas nos programas, não sendo incentivados pela escola a lerem algo mais do que estas leituras impostas. De facto, segundo Castro e Sousa (1998:136), haveria uma tendência para que os professores (e também os pais) considerassem que a formação de leitores estaria completa nos primeiros anos de escolaridade, não “entendendo que os alunos mais velhos são leitores em construção”. Deste modo, a escola não desenvolveria actividades relacionadas com a promoção da leitura, para os níveis mais adiantados de escolaridade, deixando de proporcionar o contacto entre os jovens leitores e materiais de leitura cativantes. Tendo em vista estes estudos, neste texto vamos apresentar os resultados de um pequeno estudo exploratório, realizado numa escola da cidade de Évora, com alunos do ensino secundário. Os objectivos deste estudo exploratório eram conhecer os hábitos de leitura dos alunos, perceber qual era o papel da escola e da biblioteca da escola na promoção da leitura e identificar quais eram os livros lidos pelos alunos nos seus tempos livres. A amostra deste estudo era constituída por 44 alunos, dos 10º, 11º e 12º anos de escolaridade, com idades compreendidas entre os 15 e os 20 anos. Passamos, em seguida, à análise dos resultados deste estudo exploratório. Inicialmente, com as primeiras perguntas do questionário, pretendíamos averiguar o gosto pela leitura e a motivação para a leitura por parte dos alunos. Na verdade, só 63,6% dos alunos respondeu que gostava de ler, apresentando como motivação para a leitura ou o facto de a leitura ser um veículo de novas aprendizagens, que contribuem para o seu desenvolvimento pessoal (36,4%), ou o facto da leitura lhes proporcionar momentos de prazer e de evasão (27,3%), configurando-se aqui a leitura como uma actividade de lazer. Uma percentagem significativa de alunos (36,4%), respondeu que não gostava de ler, afirmando que a leitura é uma actividade que os aborrece, que não os motiva. Estes resultados, e obviamente temos sempre em mente que se trata de um pequeno estudo exploratório, parecem-nos muito preocupantes e vão ao encontro dos vários estudos, que nos alertam para a perda de leitores nestas faixas etárias, como 298 LEITURA E LEITURAS – UM ESTUDIO COM ALUNOS DO ENSINO SECUNDÀRIO por exemplo o estudo de Castro e Sousa (1998), onde se assinalava que à medida que a faixa etária dos alunos ia avançando, a leitura ia decrescendo como actividade preferida, para a ocupação dos seus tempos livres. Por outro lado, Balça (2000), num outro pequeno estudo exploratório, realizado com alunos mais novos (do 7º ano de escolaridade), percebeu que a maioria esmagadora dos estudantes inquiridos (96%) afirmou que gostava de ler, sendo certamente mais um dado, que pode contribuir para a confirmação de que à medida que a idade dos alunos avança, vão-se perdendo leitores. As perguntas seguintes do questionário visavam compreendermos em que medida a escola promovia a leitura junto dos seus alunos. Na realidade, 62,8% dos estudantes responderam que a escola promovia o gosto pela leitura e 37,2% afirmaram que de facto a escola não fomentava o gosto pela leitura junto dos alunos. Quando pedimos aos alunos que indicassem actividades, que no seu entender a escola implementava para fomentar o gosto pela leitura, 68,2% mencionaram acções como a semana do livro, a feira do livro, a promoção / divulgação do livro da semana ou os concursos de leitura e de escrita. No entanto, 22,7% dos estudantes afirmaram que a escola não implementava actividades para a promoção do gosto pela leitura e 9,1% não responderam à questão. Assim, se já notamos por parte da escola a preocupação em desenvolver acções, que contribuam para a divulgação e para a promoção do livro e da leitura, cremos que essas iniciativas ainda não chegam a toda a população discente. De facto, também Castro e Sousa (1998) chegaram a dados semelhantes no seu estudo, uma vez que constataram que à medida que iam avançando na escolaridade, os alunos avaliavam progressivamente, de modo negativo, o papel desempenhado pela escola na promoção da leitura entre os estudantes. Por outro lado, estes autores apuraram que 21,6% dos alunos inquiridos não apresentam uma opinião concreta sobre o papel desempenhado pela escola na promoção da leitura, o que poderia ser um indicador acerca das intervenções que a escola promove nesta área. Outra preocupação presente nas perguntas do questionário foi a de perceber qual era o papel da biblioteca da escola na promoção da leitura. Na verdade, a grande maioria dos alunos (79,5%) afirmava que não lia na biblioteca, sendo apenas 20,5% aqueles que liam, neste espaço, livros que não estão relacionados directamente com a escola. Os alunos que liam na biblioteca mencionavam que desta forma ocupavam o tempo disponível, indicando também que na biblioteca tinham uma maior diversidade de livros ao seu alcance, que podiam escolher livremente. 299 A. Coelho Já os alunos que não liam, na biblioteca, livros que não estão relacionados directamente com a escola, referem que apenas utilizam este espaço para efectuar leituras para informação e estudo, relacionadas com os seus trabalhos escolares. Alguns estudantes afirmaram que para eles a leitura é uma actividade solitária, pelo que não se sentiam bem a ler neste espaço, afinal público. Estes dados vão ao encontro dos apresentados noutros estudos como o de Castro e Sousa (1998), onde mais de metade dos estudantes inquiridos “nunca” ou “raramente” frequentava a biblioteca da escola e 37% destes estudantes desconhecia que as bibliotecas emprestavam livros. Por outro lado, Castro e Sousa (1998) avançaram ainda com dados relativos à requisição de livros nas bibliotecas, que descreveram como rara. Quando os estudantes referiam esta prática de requisitar livros, ela estava associada mais ao trabalho de sala de aula do que à leitura de lazer. De igual modo, neste estudo, os dados referentes à requisição de livros na biblioteca da escola pelos alunos são muitíssimo desanimadores, uma vez que apenas 6,8% dos alunos declararam que requisitavam livros na biblioteca. Ora estes elementos levam-nos a pensar que ainda há um enorme trabalho a desenvolver ao nível das bibliotecas escolares, de forma a que os alunos as frequentem e as encarem, não só como espaços de estudo, mas também como espaços de lazer. Estes dados parecem-nos muito preocupantes, na medida em que a biblioteca escolar é um importante recurso educativo da escola, que cumpre um papel fulcral em diversos domínios como, entre outros, a aprendizagem da leitura, o fomento do prazer de ler ou a promoção de hábitos de leitura entre os estudantes. Consideramos extremamente interessantes as respostas obtidas nas questões relacionadas com a leitura fora da escola. Na realidade, a grande maioria dos alunos (84,1%) mencionava que lia, fora da escola, livros que não estão directamente relacionados com a escola, sendo apenas 15,9% os jovens que não liam fora do contexto escolar. Estes estudantes, que liam fora do espaço escolar, encaravam a leitura como uma ocupação dos tempos livres. Para iluminar melhor estes dados, acrescentamos que 68,2% dos alunos afirmaram que liam unicamente durante as férias, sendo muito baixa a percentagem dos jovens que lia no fim de semana (15,9%) ou todos os dias (15,9%). Na verdade, estes dados afiguram-se-nos como de algum modo surpreendentes, se tivermos em conta que 36,4% dos alunos afirmaram que não gostavam de ler e que 79,5% disseram que não liam, na biblioteca escolar, livros que não estão directamente relacionados com a escola. Deste modo, podemos afirmar que 300 LEITURA E LEITURAS – UM ESTUDIO COM ALUNOS DO ENSINO SECUNDÀRIO mesmo muitos dos alunos que responderam que não gostavam de ler, lêem efectivamente fora do espaço escolar, sobretudo nas férias. Estes dados encontram eco em Escarpit (1999), que assevera que os alunos mais velhos lêem fora do circuito institucional e portanto há que implementar estratégias, que levem à manutenção do gosto pela leitura nesses jovens. Realmente, estamos aqui perante o acto de leitura livre, sem constrangimento externo, num ambiente propício à leitura. Por outro lado, estes elementos remetem-nos para reflexões que se prendem com a leitura no espaço escolar. De facto, segundo Sousa (1992), a leitura no espaço da sala de aula, porque mediada pelo professor (e alunos) e condicionada por um tempo imposto e por princípios de avaliação, não se configura como um acto privado, onde predomina o ritmo individual, a interrogação e a dúvida, a intimidade que proporciona o prazer na leitura. No entanto, embora Sousa (1992) considere que o espaço proporcionado para a leitura, pela biblioteca escolar, é tão mais importante quanto a leitura é muitas vezes uma experiência solitária, notamos que para alguns alunos este espaço ainda não é suficientemente íntimo e para outros a biblioteca escolar é um lugar desconhecido. Intimamente ligadas à pergunta anterior estavam as questões onde pretendíamos saber quais as leituras selvagens (Escarpit, 1999) dos alunos. Assim, perguntávamos que tipo de livros preferiam ler e pedíamos que indicassem quais eram os seus livros predilectos. De acordo com Escarpit (1999), as leituras selvagens são aquelas que os jovens fazem à margem do circuito escolar institucional. Deste modo, os alunos responderam que preferiam ler livros de aventuras (33,9%) e livros, cujos temas apontam para problemas da condição humana (28,8%), como a droga ou os problemas característicos da adolescência. Alguns alunos também tinham como livros favoritos os romances (27,1%) e, já em menor percentagem (10,2%), os livros de banda desenhada. Estes estudantes indicaram ainda os autores e/ou os títulos dos livros preferidos. Curiosamente, apenas um aluno referiu uma obra, prevista nos programas escolares, como sendo o seu livro favorito (Eça de Queirós, Os Maias). Na verdade, também aqui notamos uma discrepância em relação ao estudo de Balça (2000), já referido anteriormente, onde cerca de 19% dos alunos indicavam como livros preferidos, aqueles que estavam previstos nos programas escolares. Igualmente, Castro e Sousa (1998) no seu estudo apuraram que os alunos mais velhos preferiam ler romances e novelas, afirmando que, entre eles, existiria a possibilidade de incluírem os livros lidos para a escola. 301 A. Coelho No entanto, neste estudo os alunos indicaram massivamente autores e/ou títulos que em nada estão relacionados com o circuito escolar e que, por vezes, são considerados de menor qualidade pelo circuito letrado e culto da sociedade, o que vem certamente ao encontro da ideia generalizada da não-leitura dos jovens e das suas leituras selvagens (Escarpit, 1999). Deixamos apenas, a jeito de exemplo, algumas obras mencionadas pelos estudantes, como Os filhos da droga, de Christiane F., a série Harry Potter, de J. K. Rowling ou os títulos da escritora portuguesa Margarida Rebelo Pinto. Assim, cremos que importa reflectir um pouco sobre os dados deste estudo. Na verdade, embora alguns alunos afirmem que não gostam de ler, eles lêem livros que não estão relacionados com o circuito escolar, sobretudo durante as férias. Os livros que elegem, para preencherem os seus tempos livres, estão longe de serem do agrado do circuito culto da sociedade. Por conseguinte, a escola não pode ignorar que os seus alunos mais velhos lêem e tem de implementar estratégias para que estes leitores se mantenham. Deste modo, a escola tem a obrigação de conhecer estas leituras selvagens e, a partir delas, deverá dar a conhecer aos seus alunos a literatura juvenil e, posteriormente, a literatura adulta, proporcionando a estes jovens um itinerário de leitura, que progressivamente os leve a alcançar patamares estéticos cada vez mais exigentes. Ao professor cabe actuar de forma competente e mesmo inovadora, proporcionando aos alunos, de acordo com o seu nível etário e com o seu nível de competência leitora, obras de diversos autores, de estilos diferentes, que abordem outros temas, ajudando-os a descobrir a multiplicidade que encerra o mundo do livro, da leitura e da literatura. O professor deve ser um interlocutor competente, sem preconceitos e deve ousar na escolha e na aproximação dos livros aos jovens leitores. Cremos que, de algum modo, a relação entre o professor, o aluno e a leitura deve ser uma relação de partilha, visto que se o professor ler e tiver uma ampla experiência leitora e, simultaneamente, conhecer bem os seus alunos, conseguirá propor livros que lhes despertem o desejo de ler, contribuindo certamente para a manutenção de leitores, nestas faixas etárias. Referências Bibliográficas BALÇA, Ângela Coelho de Paiva. 2000. La literatura infantil y juvenil y la lectura recreativa. In Eloy Martos Núñez, José Corrales Vázquez, Arturo González et al. (Eds.). Actas del II Congreso de Literatura Infantil y Juvenil: Historia Crítica de la Literatura Infantil e Ilustración Ibéricas. 1ªed. Mérida: Editora Regional de Extremadura, 307-312. 302 LEITURA E LEITURAS – UM ESTUDIO COM ALUNOS DO ENSINO SECUNDÀRIO BALÇA, Ângela Coelho de Paiva. 2004. A finalidade educativa das narrativas infantojuvenis portuguesas actuais, Dissertação de Doutoramento em Ciências da Educação, Évora: Universidade de Évora. BALÇA, Ângela Coelho de Paiva. 2005 O feitiço da leitura: o papel da escola na formação de crianças leitoras. Desenredo. Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo, Universidade de Passo Fundo Ed.,Vol. 1, nº 1, 9-20. CASTRO, Rui Vieira & SOUSA, Maria Lourdes Dionísio. 1998. Hábitos e atitudes de leitura dos estudantes portugueses. In Rui Vieira Castro & M. Lourdes Dionísio Sousa (orgs.), Entre linhas paralelas. 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