O QUE OS ALUNOS DIZEM SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA:
VOZES E VISÕES
Aline Patrícia da Silva
(Departamento de Letras - UFRN)
Camila Maria Gomes
(Departamento de Letras - UFRN)
Orientadora: Profª Dra. Maria da Penha Casado Alves
(Departamento de Letras - UFRN)
Resumo: Este trabalho tem o objetivo de identificar as opiniões e as várias visões que
os alunos de primeira e de segunda séries do ensino médio apresentam a respeito da
Língua Portuguesa e, ainda, verificar como a leitura se insere na vida deles. Para o
desenvolvimento deste, fundamentamo-nos em uma concepção sócio-histórica de
linguagem e na concepção de vozes sociais e de leitura como exercício da contrapalavra
Bakhtin/Volochínov (1981, 2003, 1992). Como instrumento de pesquisa, foi utilizado
um questionário que foi aplicado em uma escola da rede pública estadual da cidade de
Natal.
Palavras-chave: Ensino. Língua Portuguesa. Leitura. Vozes.
1 Introdução
Não é de hoje a discussão acerca do ensino e da importância da língua
portuguesa, sobretudo, questões relativas ao como e para que ensiná-la. A tarefa de
ensinar torna-se cada vez mais difícil se observarmos aulas de ensino médio e ainda o
(des) interesse que cerca os alunos, motivado esse pelo não conhecimento de como
aplicar o conteúdo visto em sala de aula; pela metodologia apresentada pelo professor
ou pelo simples fato de não gostar da disciplina.
Neste sentido, surge o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (PIBID), que busca construir um elo entre o ensino superior, com a formação
e preparação dos docentes, e o ensino básico, por meio de ações didáticas que levem em
consideração a realidade vivida nesse âmbito. Integrado a esse projeto surge também o
subprojeto de Língua Portuguesa que objetiva ressignificar o ensino de Língua Materna
no ensino médio com ações que visem à ampliação das habilidades de leitura e de
escrita dos alunos desse nível de escolaridade.
Este trabalho objetiva, então, registrar as vozes dos alunos da Escola
Estadual Prof. José Fernandes Machado, escola beneficiada com o projeto do PIBID,
situada no bairro de Ponta Negra, em Natal/RN, a respeito da importância,
funcionalidade do ensino da Língua Portuguesa para a vida.
2 Referencial Teórico
Dentro dos estudos do Círculo de Bakhtin1, a significação de qualquer
enunciado sempre irá apresentar uma dimensão avaliativa que se expressa por meio do
posicionamento avaliativo adotado pelos sujeitos. Dessa forma, todo enunciado é
entendido como intrinsecamente ideológico nos dois sentidos apontados pelo Círculo:
tanto por só existir enquanto encaixado em uma das áreas de atividade intelectual
humana quanto por seu caráter de expressar sempre uma posição avaliativa.
Nas páginas iniciais do livro Marxismo e Filosofia da linguagem,
Volochínov afirma que tudo o que é ideológico possui significado e é, portanto, um
signo:
Um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social)
como todo corpo físico, instrumento de produção ou produto de
consumo, mas, ao contrário destes, ele também reflete e refrata uma
outra realidade, que lhe é exterior. Tudo o que é ideológico possui
significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Sem signos não
existe ideologia.” (VOLOCHÍNOV, 2009, p. 31)
Neste ponto, vemos também a chamada Doutrina da Refração, constituinte
essencial de qualquer processo de referenciação. As citadas operações de refratar e
refletir são condições necessárias à existência de qualquer signo, dado o caráter
plurívoco e heterogêneo das experiências históricas dos grupos humanos:
[...]as significações não estão dadas no signo em si, nem estão
garantidas por um sistema abstrato, único e atemporal , nem pela
referência a um mundo dado uniforme e transparentemente, mas são
construídas na dinâmica da história e estão marcadas pela diversidade
de experiências dos grupos humanos, com suas inúmeras contradições
e confrontos de valorações e interesses sociais. (FARACO, 2006,
p.50)
No complexo jogo de construção de identidades e interesses, é impossível
pensar o discurso sem considerar sua natureza dialógica, tal fenômeno é naturalmente
próprio a qualquer enunciado vivo. Em todos os seus percursos até o objeto, em
qualquer que seja a direção, o discurso sempre se encontrará com o discurso de outrem,
sendo impossível deixar de influenciar e ser influenciado por este. É o que nos
exemplifica esta metáfora bakhtiniana:
1
O círculo de Bakhtin era composto de vários estudiosos e pesquisadores de diferentes áreas do
conhecimento, dentre eles, podem ser citados o próprio Bakhtin, Volochinov e Medvedev.
Apenas o Adão mítico que chegou com a primeira palavra num
mundo virgem, ainda não desacreditado, somente este Adão podia
realmente evitar por completo esta mútua-orientação dialógica do
discurso alheio para o objeto. Para o discurso humano, concreto e
histórico, isso não é possível: só em certa medida e
convencionalmente é que pode dela se afastar. (BAKHTIN, 1990,
p.88)
A linguagem, enquanto construção sócio-ideológica de sujeitos em
interação, habita nos limites entre o discurso do eu e o discurso de outro, pois cada
palavra evoca contexto(s) múltiplos de uso e respostas pelas quais passou, portanto,
todas as palavras são povoadas por intenções e nelas é inevitável a existência de
interferências e apropriações várias:
A palavra da língua é uma palavra semi-alheia. Ela só se torna própria
quando o falante a povoa com a sua intenção, com seu acento, quando
a domina através do discurso, torna-a familiar com a sua orientação
semântica e expressiva. Até o momento em que foi apropriado, o
discurso não se encontra em uma língua neutra e impessoal *pois não
é do dicionário que ele é tomado pelo falante!), ele está nos lábios de
outrem, nos contextos de outrem e a serviço das intenções de outrem:
e é lá que é preciso que ele seja isolado e feito próprio. (Ibidem, p.
100)
Assim sendo, este trabalho se pautará na concepção bakhtiniana de vozes
sociais, entendendo-as como “complexos semiótico-axiológicos com os quais um
determinado grupo humano vê o mundo.” (FARACO, 2006:55). Nossa investigação
tentará apontar fatores que possam ser determinantes na construção das opiniões dos
alunos acerca do ensino de língua portuguesa. Essas vozes estão marcadas pelas tensas e
vivas relações dialógicas inerentes ao discurso.
3 Metodologia
Para o desenvolvimento deste projeto, e de acordo com os objetivos nele
propostos, realizamos, como primeiro procedimento metodológico, a construção de um
modelo de questionário individual (ANEXO 01) a ser utilizado como meio de geração
do corpus necessário à análise aqui proposta. Tal questionário foi construído por nós,
autoras do projeto, e se divide em duas partes, sendo a primeira delas composta por
dados pessoais do entrevistado, sem que se revele seu nome e a segunda contendo dez
(10) questões abertas (subjetivas) que procuraram indagar a opinião dos alunos a
respeito do ensino de Língua Portuguesa e da importância da leitura na vida dos alunos
de primeiras e segundas séries do ensino médio, na Escola Estadual Prof. José
Fernandes Machado, localizada o bairro de Ponta Negra, Natal/RN. Conseguimos
coletar onze (11) informantes da primeira série do ensino médio e 17 da segunda série.
É importante ressaltar que esta pesquisa foi desenvolvida a partir de
indagações por nós realizadas enquanto bolsistas do Programa Institucional de Bolsas
de Iniciação à Docência (PIBID) e das questões feitas selecionamos cinco (5) que mais
se relacionavam com o nosso objetivo de pesquisa: verificar a opinião dos alunos sobre
o ensino da Língua Portuguesa.
Em relação à aplicação dos questionários, estes foram realizados em sala
de aula, com a colaboração do professor de Língua Portuguesa, também integrante do
projeto anteriormente mencionado. Notamos certa recusa inicial por parte dos alunos,
alegando grande extensão das perguntas que compunham o questionário. Tal
comportamento já era esperado pelos entrevistadores que devem sempre contar com a
aquiescência ou não de seus sujeitos de pesquisa.
Aplicamos, então, o questionário, fizemos uma análise geral das
respostas e as catalogamos de acordo com os dados fornecidos pelos alunos.
4 Análise dos dados
4.1 Vozes dos alunos
Das questões por nós elaboradas, levamos em consideração apenas cinco
(5), que tinham uma relação mais específica com o nosso objetivo de pesquisa. Assim
sendo, de acordo com os dados obtidos, podemos verificar que dos alunos da primeira
série do ensino médio 90,9 % estudaram o ensino fundamental em escola pública,
enquanto 9,1 destes estudaram em escola particular. Em relação à primeira questão por
nós elaborada, a respeito do que é mais comum de se ouvir ao se falar em Língua
Portuguesa, 45,4 % dos informantes da primeira série disseram que ao ouvirem falar em
Língua Portuguesa pensam estudar todas as coisas que há no português; 9,09 %
disseram pensar estudar a formalidade da Língua Portuguesa; 18,18% a história de
Língua; 9,09% as regras gramaticais e 18,18% deram respostas imprecisas, como
podemos ver abaixo:
“Tudo menos letras.”
“É uma atividade é um processo dinâmico.”
Enquanto isso, dos alunos da segunda série, 5,88% acredita que estudar
Língua Portuguesa significa estudar regras gramaticais; 41,17% o português em geral;
17,64% a formalidade da língua; 11,76% a história do português e 23,52% para
falar/escrever melhor, como podemos ver no exemplo que se segue:
“Imagino que irei aprender como escrever e falar melhor em português.” “Bom,
diversas coisas como, aprender a falar na forma culta, aprender, ao menos, regras
básicas para isso. E uma melhor comunicação.”
Verificamos, então, que os alunos da segunda série, em sua maioria,
alegaram que o estudo da Língua Portuguesa os ajuda a usar da melhor forma, seja
falada e/ou escrita, a língua materna.
Ao questionamento se havia correspondência entre o conteúdo visto em
sala de aula e ao que eles esperavam da disciplina, constatamos que os resultados foram
parecidos. Na primeira série, 81,81% disse que sim; 9,09% que não e 9,09% não
respondeu. Na segunda série, 82,35% responderam que sim e 17,64% que não. Desse
modo, verificamos que os alunos conseguem perceber que há uma relação entre aquilo
ensinado em sala de aula e o que era por eles esperado da disciplina. Apesar disso, essas
respostas podem estar relacionadas com o senso comum e não ser muito bem
embasadas.
“Sim, tudo que estudo está correspondido na disciplina era tudo que esperava.”
“sim, corresponde o que a Língua portuguesa tem de melhor pra nos da.”
O terceiro questionamento foi se os informantes conseguiam aplicar no dia a
dia o que era estudado nas aulas de língua materna. Dos informantes da primeira série,
63,63% disseram que conseguiam aplicar, 27,27% que às vezes podiam aplicar e 9,09%
apenas disseram que não. Da segunda série, 5,88% não responderam a questão, 11,76%
que às vezes dava pra fazer a aplicação, o mesmo percentual (11,76%) disse que não
eram capazes de fazer essa relação e a maioria, 70,58% disse que sim, conseguiam fazer
essa aplicação, embora tenham dado respostas não muito precisas, como podemos
verificar em:
“As vezes sim, as vezes não.”
“sim. Fazendo atividades que o professor passa e trabalhos.”
A respeito da importância do ensino da Língua Portuguesa, os primeiros
informantes afirmaram que consideram o ensino da língua importante, sendo que desses
18,18% disseram que a importância se dá porque moram no Brasil e precisam falar a
língua bem; 36,36% responderam apenas que era importante e 44,45% que é bom saber
falar e escrever bem. O segundo grupo de informantes, um (1) informante disse que não
considerava o ensino da Língua materna importante, enquanto dezesseis (16) disseram
que sim, consideravam importante, sendo 12,5%, pois estudam no Brasil e precisam
saber se comunicar bem; 31,25% responderam que é bom saber escrever e falar bem e a
maioria, 56,25%, respondeu apenas que é importante, sem dar uma justificativa
considerável.
“Sim, porque o português é muito importante no nosso dia-a-dia.”
“Sim. Não é a toa que é indispensável, hoje em dia precisa-se muito essa
matéria para se conseguir um bom emprego ela ajuda na comunicação a falar
perfeitamente com pessoas adequadas.”
A última questão esteve relacionada com o gosto dos informantes a respeito
da língua. A maioria disse gostar de estudar a disciplina, embora sem justificativas
plausíveis. Do primeiro grupo, 81,81% disseram que sim; 9,09% que gostava ‘mais ou
menos’ e a mesma percentagem disse que não gostava. Do segundo grupo, a maioria
disse gostar da disciplina (70,58%), enquanto 17,64% disseram não gostar de estudar
português e 11,76% gostar ‘mais ou menos’.
“Sim, por que ensina a fala corretamente em certas ocaziões.”
“Sim! Consigo aprender varias coisas, mudar meu vocabulário e entender
melhor muitas outras disciplinas através do português (interpretando).”
4.2 Análise do Corpus
A partir do corpus apresentado, foi possível constatar que a maioria dos
alunos considerou o ensino de Língua Portuguesa importante, entretanto, não
conseguem apresentar uma justificativa para o ensino de Língua Materna. Verificamos,
ainda, que a maioria dos alunos considera “falar/escrever bem” como uma necessidade
social, mas considera que tal habilidade depende unicamente do conhecimento das
normas gramaticais.
Quando questionados sobre gostar ou não da disciplina, a maior parte dos
informantes, nos dois grupos, respondeu que sim, gostava da disciplina. No entanto, em
suas respostas, mostraram uma concepção de que a aula de português restringe-se à
prescrição de normas, panorama metodologicamente desinteressante. Consideramos,
então, a possibilidade de que as respostas positivas quanto ao gostar da disciplina
tenham sido condicionadas pelo próprio ambiente de aplicação do questionário (sala de
aula de Língua Portuguesa e presença do professor em sala, no momento da aplicação
do questionário).
5 Conclusão
De acordo com os dados levantados e a análise das vozes dos alunos, é
possível concluir que, mesmo reconhecendo a importância do ensino de Língua
Portuguesa, os alunos não conseguem, no geral, apresentar uma justificativa para essa
importância, mesmo sendo essa a disciplina com maior carga horária do currículo
escolar básico.
Dessa maneira, encontramos, nesse panorama, respostas mais concretas
às nossas indagações enquanto professores em formação inicial. Tais resultados
apontam para a necessidade de se repensar a prática docente de Língua Portuguesa e a
eficácia dos métodos de ensino que vigoram atualmente nas salas de aula de língua
materna.
6 Referências Bibliográficas
BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo:
Hucitec, 2009.
BAKHTIN, M. A pessoa que fala no romance. In: Questões de Literatura e de
Estética: A teoria do romance. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1990.
______. O discurso na poesia e o discurso no romance. In: Questões de Literatura e de
Estética: A teoria do romance. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1990.
FARACO, C. A. Linguagem e Diálogo: As idéias lingüísticas do Círculo de Bakhtin.
Curitiba: Criar edições, 2003.
Anexo 01
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE LETRAS / PIBID
Dados pessoais
Sexo: ( ) masculino ( ) feminino
Idade: _______
Nível de ensino: ( ) 2ª série do médio
( ) 3ª série do médio
Em que tipo de instituição estudou o ensino fundamental? ( ) pública ( ) particular
( ) pública e particular
Questionário 1
1 Quando você ouve falar em Língua Portuguesa, o que imagina estudar?
2 O que você estuda em sala de aula corresponde ao que esperava da disciplina?
Explique.
3 Você consegue aplicar no seu dia-a-dia o conteúdo de Língua Portuguesa que estuda
em sala de aula?
4 Você considera importante o ensino dessa disciplina? Por quê?
5 Você gosta dessa disciplina? Por quê?
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o que os alunos dizem sobre o ensino de lngua portuguesa