RELATO DE EXPERIÊNCIA - EDUCAÇÃO, ECOLOGIAS E QUALIDADE DE
VIDA: CONEXÃO COM O QUE POTENCIALIZA, É ALEGRIA, É DESEJO...
Léa Tiriba1
PUC-Rio
Este texto faz um relato reflexivo de uma experiência de atendimento institucional
oferecido pelo Serviço Social do Comércio do Rio de Janeiro a cerca de 800 crianças,
moradoras de 8 municípios do Estado2. Trata-se do projeto “Novas modalidades de
atendimento à crianças de 03 a 07 anos”,
desenvolvido no contexto do Programa
SESC-Rio para Crianças e Jovens.
Expressando o ponto de vista de quem atuou como assessora, ao longo de 2004
e 2005, inicialmente, o texto apresenta as características básicas do projeto. A seguir,
são explicitados princípios e utopias, eixos de trabalho, traços principais de sua
metodologia e reflexões iniciais sobre dois dos desafios fundamentais do trabalho: a
liberdade das crianças circularem livremente pelos espaços e a busca de superação de
uma prática educativa que empareda as crianças, distanciando-os do mundo natural.
Ao final, fazendo uma avaliação do que já é conquista e do que ainda é intenção,
destacamos alguns pontos-chave, aspectos para os quais é preciso investimento em
formação de educadores, se o objetivo é aprofundar uma experiência que está em seus
primeiros passos.
Características do projeto
Em 2004, após uma trajetória que, em 57 anos de trabalho, assumiu diferentes
perfis (proteção à infância e à maternidade, arte-educação, educação infantil) a
instituição decidiu experimentar uma nova modalidade de atendimento, que tem como
norte a qualidade de vida em relação às ecologias pessoal, social e ambiental. Isto
implicou num compromisso com uma educação de corpo inteiro, de pessoas
1
Professora do Departamento de Educação e do Curso de Especialização em Educação Infantil da PUC-RIO.
Consultora do Programa SESC-Rio para Crianças e Jovens.
2
Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, São João de Meriti, Niterói, Teresópolis, Petrópolis, Friburgo e Três Rios.
2
respeitadoras e amantes da diversidade cultural e da biodiversidade. Vale lembrar que
a Proposta (Gouvêa e Tiriba, 1998) elaborada pelo coletivo dos profissionais, entre
1995 e 1998, segue sendo a referência do trabalho atual: ela tem como norte a
qualidade da vida em relação às três ecologias (Guattari, 1990).
Nesta perspectiva, há espaço para os desejos do corpo, para o lúdico e a festa,
para o não fazer e o não pensar. Nesta perspectiva, a educação tem sentido amplo,
abrangente de dimensões humanas que vão além da razão; em que a intuição, a
expressão criadora, o afeto que atravessa as relações coletivas e a proximidade, a
reverência e o cuidado da natureza são legítimos caminhos de conhecimento e
aprimoramento do espírito. Estes são também caminhos de reestruturação da
civilização, em moldes que valorizam as pessoas e não os objetos, e, portanto, “não
ameaçam, mas, pelo contrário, assegurem a continuidade da vida das espécies sobre o
planeta” (Gouvea e Tiriba, 1998:27).
Um conjunto de razões levou a direção do SESC-RJ a esta transformação.
Primeiramente, a exigência legal de credenciamento e regulamentação, junto às
secretarias municipais de educação, de todos as iniciativas que se configurem como
creches e/ou pré-escolas, de acordo com o que prevê a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB/1996). Entendendo que não é sua missão oferecer estas
modalidades, mas, ao mesmo tempo, buscando manter o compromisso histórico com
as crianças pequenas, a instituição buscou a invenção/criação de um projeto que
enriquecesse suas experiências de vida.
Ao ousar a experimentação de um novo formato, a instituição quer, na medida
da evolução de sua experiência, contribuir para as administrações públicas que buscam
novos horizontes de formação dos educadores da infância, sobretudo nas áreas da
cultura e da educação ambiental.
Estas são as principais características do atendimento:
-
Não há separação por faixa etária, mas grupos heterogêneos, reunindo
crianças de 3 a 7 anos.
3
- Os grupos de referência não se constituem arbitrariamente, mas a partir do
estabelecimento de relações empáticas entre crianças-adultos, criança-criança, criançaespaço.
-
Há liberdade das crianças circularem livremente e escolherem suas
atividades.
-
As salas de aula foram substituídas por espaços de atividades: de música
e dança; de teatro; de artes visuais; de terra, água e céu; de pesquisa em ciências e
tecnologias; sucatário, biblioteca e internet.
-
O trabalho está organizado em 5 Campos de Ação-Pesquisa: artes, leitura
de mundo, corpo e movimento, meio ambiente, eu e os outros.
Estas características são de difícil conquista porque implicam numa revolução
nas concepções de educação que são hegemônicas em nossos dias. O modelo
disciplinar é substituído por uma perspectiva rizomática, materializada em Campos de
Ação-Pesquisa, onde conhecimentos, valores e afetos se interpenetram e realimentam
de maneira transversal.
A liberdade que têm as crianças de circularem livremente pelos espaços internos
e em contato com a natureza provoca uma radical alteração nos lugares de poder: são
os adultos que as acompanham e orientam nos aprendizados de seu interesse, e não o
contrário. Este desafio envolve um conceito de liberdade que não é rousseauniano, que
não é kantiano, porque nada tem de idealizado. Numa perspectiva mais próxima de
Foucault, é processo de libertação que inclui, de forma categórica, o desejo de produzir
outras lógicas relacionais/educacionais.
Não há portos seguros onde ancorar definitivamente, esta é uma condição da
própria existência, mas há sentidos, há desejos que definem escolhas, trajetos. Como
na crítica foucaultiana, mas também próximo das idéias de Deleuze e Guattari, na
experiência que estamos relatando, o processo de desnaturalização dos lugares de
poder (dos adultos, da pedagogia, da escola) é processo de libertação assegurado pelo
exercício da crítica ao que é produzido como acontecimento cotidiano.
4
Utopias e princípios: as Três Ecologias e o Cuidar
A nova modalidade de atendimento segue reafirmando o compromisso com a
necessária tecitura de novos equilíbrios ecosóficos. O conceito de ecosofia, formulado
por Félix Guattari (1990) nos permite articular três registros ecológicos – pessoal 3,
social e ambiental. Estes registros nos possibilitam vislumbrar e abraçar múltiplas
dimensões da existência das espécies e do planeta.
O primeiro, é o da ecologia pessoal: registro das relações de cada ser humano
consigo mesmo. O segundo é o da ecologia social: registro das relações que os seres
humanos estabelecem entre si; e o terceiro é o da ecologia ambiental: registro das
relações que os humanos estabelecem com a biodiversidade. Conforme está na
proposta educativa da Recreação Infantil,
A ecologia pessoal diz respeito às relações de cada um consigo mesmo, às
conexões de cada pessoa com o seu próprio corpo, com o inconsciente, com os
mistérios da vida e da morte, com suas emoções e sensações corporais, com
sua espiritualidade.
A ecologia social está relacionada às relações dos seres humanos entre si.
Desde as relações geradas pela vida em família, com nossos pais, filhos,
cônjuges e outras pessoas com quem partilhamos nosso micro-cotidiano, até as
relações que estabelecem as nações e os povos entre si, passando por toda
uma rede infinita/indeterminada de relações sociais que articulam a vida na
escola, no bairro, na cidade, nos movimentos e nas lutas sociais, nas atividades
de lazer, culturais. Assim, são exemplos as relações de poder entre povos do
Norte e do Sul, entre as nações ricas e pobres, entre classes dominantes e
dominadas, entre grupos sociais majoritários e minoritários, entre homens e
mulheres, educadores/educandos, companheiros de trabalho, vizinhos, entre
adultos e crianças. A ecologia social retrata a qualidade destas relações.
A ecologia ambiental diz respeito às relações que os seres humanos
estabelecem com a natureza. A ecologia ambiental reflete as diferenciadas
maneiras como os grupos humanos se relacionam com a natureza, de maneira
sustentável ou predadora: com o objetivo de satisfazer suas necessidades
fundamentais, ou com o objetivo de apropriação-transformação-consumo3
Na proposta da RI, a terminologia é ecologia mental, idêntica à utilizada por Félix Guattari, em “As três
ecologias”. Sem prejuízo ao conceito do autor, preferimos agora adotar o termo “ecologia pessoal”, por
considerarmos uma expressão mais abrangente, que aponta para a superação do dualismo corpo/mente.
5
descarte, quatro ações básicas que equivocadamente definem, em nossa
civilização, o nível de desenvolvimento das sociedades. (Gouvea e Tiriba,
1998:26)
Em sua articulação, as três ecologias definem equilíbrios ecosóficos que
expressam uma melhor ou uma pior qualidade das condições de existência. Assim, este
conceito nos permite perguntar: que equilíbrios ecósoficos nossos tempos definem?
Como estão as relações de cada ser humano consigo mesmo? Qual a qualidade das
relações dos seres humanos entre si? E as relações destes com a natureza - isto é,
com a Terra, espaço que a espécie humana habita? No quadro sócio ambiental em
que vivemos, qual a qualidade deste amálgama de relações? Estas perguntas em
torno das ecologias – pessoal, social e ambiental -
norteiam a ação educativa no
sentido de qualificar a vida.
Visamos uma educação atenta à qualidade de vida, à qualidade do existir
cotidiano. Assim, pensamos, planejamos e avaliamos permanentemente as práticas
sócio-educativas pretendendo produzir revoluções moleculares que contribuam,
sempre, para “reconstruir as regras das relações entre as pessoas, os grupos sociais e
entre os povos do planeta, num aprendizado permanente de respeito à singularidade, à
diversidade de estilos de vida e de modelos de desenvolvimento” (Gouvea e Tiriba,
1998:27).
O cuidar é uma categoria central de análise das relações dos seres humanos
entre si e com a natureza porque possui uma dimensão ontológica. Isto é, está
relacionado à constituição do ser humano: do o nascimento até a morte, é condição
para a sua existência. De acordo com Boff (1999), é no cuidado que pode ser
encontrado “o suporte real da criatividade, da liberdade e da inteligência”.4 Mas,
4
De acordo Heidegger, o cuidado está na raiz primeira do ser humano, é anterior e acompanha todas as
suas ações. Nele está enraizado o querer e o desejar, a dimensão intelectual existencial (cogitare) e a
dimensão afetiva (preocupação por). Identificando no cuidado os princípios, os valores e as atitudes
fundamentais à vida, Boff (1999) propõe caminhos de resgate da essência humana, caminhos que
passam, todos, pelo cuidado. Se, como essencial, não pode ser suprimido nem descartado, a partir dele
seria possível fazer uma crítica à civilização agonizante, assumindo-o como princípio inspirador de um
novo paradigma de conviviabilidade.
6
Como ter cuidado e aprender a cuidar numa sociedade que não cuida da
natureza, das outras espécies, nem da própria espécie, que destrói em função
dos objetivos do capital? (...) Na sociedade estruturada em torno da produção de
mercadorias, não da reprodução da vida (Merchant, 1992), o cuidar se restringe
à família, no máximo aos membros mais próximos de uma comunidade.
Desobrigado de responsabilidades sociais, políticas e ambientais, o cuidado foi
privatizado, vinculado à circunstâncias particulares, ofuscando a necessidade de
um compromisso com a necessidade de cuidar de todos, do conjunto dos seres,
humanos e não humanos. (Tiriba, 2004: 81)
Na experiência que relatamos, o cuidar é referência fundamental porque orienta
o trabalho em relação às três ecologias e nos ajuda a avaliar:
- a qualidade dos espaços/atividades relacionadas ao eu (ecologia pessoal)
- a qualidade das interações coletivas, relacionadas ao nós (ecologia social)
- a qualidade das relações com a natureza (ecologia ambiental).
Campos de Ação-Pesquisa desenhados como rizomas
Para dar conta de um compromisso com a qualidade de vida - considerando,
como tal, a qualidade das relações em cada um dos registros ecológicos: pessoal,
social e ambiental – optamos metodologicamente por eixos de trabalho que
denominamos como “Campos de Ação-Pesquisa”. Eles nasceram de um compromisso
com o aprendizado da transformação da realidade sócio-ambiental. Foram assim
denominados porque “é através da ação sobre a realidade, iluminada pela pesquisa,
que é possível essa transformação”. (Gouvea e Tiriba, 1998: 81)
O trabalho articulado em torno dos Campos possibilita uma visão crítica que não
é fruto, apenas, de uma leitura intelectual, mas sensitiva, corporal, estética, artística,
transformadora. Os Campos nos possibilitam novas indagações porque
“(...)são mais abrangentes que as áreas de conhecimento: incluem temáticas e
questões com as quais nós sempre trabalhamos , mas que nunca estiveram
reveladas de uma forma mais transparente, mais evidente, nem na proposta,
nem no planejamento de trabalho. Neles cabem o sentimento do mundo, a gama
de conteúdos das diferentes áreas de conhecimento, a vivência do afeto, a
expressão da arte, assim como a força das relações sociais (...)” (Gouvea e
Tiriba, 1998: 81).
7
Os Campos de Ação-Pesquisa buscam superar a fragmentação provocada pela
ânsia de objetividade do método científico. Por outro lado, nos Campos, procuramos
resgatar tudo que, em seu propósito de cientificidade, este método descarta ou
subestima, isto é, o subjetivo, o intuitivo, as emoções, a qualidade das relações
humanas, o afeto, as artes, a reverência à natureza.
Haveria limites entre os Campos de Ação-Pesquisa? Não, eles são campos sem
cercas, o que os define é um determinado olhar sobre a realidade, uma determinada
mirada: cósmica, estética, corporal. O campo apenas demarca territórios na realidade
que a vida conecta.
Diferentemente do que aprendemos com Piaget (ou mesmo com Vygotsky? 5),
não há um caminho definido para a construção de conhecimento, não há linearidade,
não há hierarquia, não há uma obrigatoriedade de começar por aqui ou por ali, há
possibilidades infinitas... Por isto, como Deleuze e Guattari (1992), para definir este
modo de conceber o conhecimento, utilizamos a metáfora do rizoma.
O que seria uma educação rizomática? Seria uma educação aberta ao que se
anuncia como desejo de aprender, desejo de adentrar realidades... seguir, penetrar,
conectar infinitamente, como um rizoma. Não há pontos definitivos de chegada, uma
educação rizomática se estrutura em rede, não se limita às fronteiras disciplinares! Com
a idéia dos Campos de Ação-Pesquisa, nossa intenção é realizar um movimento de
rompimento com estas fronteiras.
No jeito de explicar de Gallo (2001), na escola, para assistir as aulas de cada
disciplina, as crianças abrem as gavetinhas de seu arquivo mental.
E como cada uma das gavetinhas é estanque, sem nenhuma relação com as
demais, os alunos não conseguem perceber que todos os conhecimentos
vivenciados na escola são perspectivas diferentes de uma mesma e única
realidade, parecendo cada um deles autônomo e auto-suficiente, quando na
verdade só pode ser compreendido como parte de um conjunto, peça ímpar de
um imenso puzzle que pacientemente montamos ao longo dos séculos e
milênios (Gallo, 2001: 23)
5
Poderíamos dizer que Vygotysky, ao defender que a criança internaliza a realidade social, estaria mais
próximo da metáfora rizomática?
8
Uma educação que respeite os movimentos inesperados do pensamento não
pode estar repartida em gavetas sem conexão, ela caminha na contramão da
compartimentalização do saber, quer articular o que na realidade não se separa6. Uma
educação rizomática reconhece que os conhecimentos são gerados na complexidade
social, onde todos os saberes convivem e produzem realidades: são muitos os
caminhos de conhecer e não há hierarquia entre eles.
Uma educação rizomática tem como referência o dia-a-dia, pois é aí que a vida
se faz, que os desejos se conectam produzindo realidade. É, portanto, o cotidiano o
espaço tempo do conhecimento: ele pode ser criado e recriado sempre, como
acontecimento brotado da vida, das relações/interações humanas, daquilo que mobiliza,
que é desejo.
A Natureza como lugar do incontrolável
Um dos aspectos que nos desafiam cotidianamente é o de assegurar a liberdade
das crianças circularem livremente pelos espaços internos e em contato com a
natureza. O que fazer com a obsessão que nós, adultos, temos pelo controle?
Esta questão nos indaga em relação a incontáveis pontos de vista. Trataremos,
aqui, daquela que diz respeito às relações com o mundo natural, lembrando que as
escolas reproduzem, em seu cotidiano, o processo de divórcio entre seres humanos e
natureza, marca fundamental da civilização ocidental moderna (Sousa Santos, 2001;
Tiriba, 2005).
Aqui vale lembrar que a idéia de compartimentalizar o saber é contemporânea do
movimento de afirmação e expansão do capitalismo, característico dos séculos XVII,
XVIII e XIX. Está, portanto, estreitamente relacionada ao poder de produzir tecnologia
para produzir mercadoria. Transformar a natureza em matéria prima para a produção
de mercadorias implica em desvendar os seus segredos, auscultar seu corpo, partir
6
Esta maneira de conceber o conhecimento é trabalhada por outros autores, que utilizam diferenciadas
metáforas no esforço de conceituá-lo. O fenômeno que Guattari e Deleuzze chamam de rizoma, ou de
transversalidade, Foucault denominaria “capilaridade do poder”; Lefébre, Certeau e Latour,
“conhecimento em rede”; Boaventura de Souza Santos, “rede de subjetividades gerados em redes de
contextos cotidianos”; e Morin, “pensamento complexo”. (Gallo, 2003)
9
para conhecer. Neste contexto, o desejo de conhecer se confunde com o desejo de
dominar, o que implica em necessidade de controlar. De fato, a educação escolar tem
intimidade com os mecanismos de controle, tanto de movimentos corporais (seria
necessário paralisar o corpo para assegurar a atenção mental), quanto do seu jeito de
se relacionar, de se colocar socialmente, frente aos professores, frente à norma adulta.
Não é por acaso que a expressão “disciplina escolar” está relacionada tanto às áreas
de conhecimento delimitadas como campos de saber para a aprendizagem, como ao
comportamento.
(...). A disposição espacial de uma sala de aula, seja ela qual for, é sempre uma
disposição estratégica para que o professor possa dominar os alunos, pois nesta
concepção de escola o aprendizado só pode acontecer como domínio. (...) uma sala
de aula nunca é caótica, há sempre uma ordem implícita, que, se visa possibilitar a
ação pedagógica, traz também a marca do exercício do poder, que deve ser sofrido
e introjetado pelo aluno (Gallo, 2001:24)
Esta é uma das razões pelas quais as crianças permanecem por tanto tempo em
espaços entre-paredes. De acordo com o que dizem os próprios professores:
“A gente manipula mais as crianças dentro daquele espaço”.
“Na verdade, libertar as crianças nos causa medo de perder o controle. Porque
está embutido e nós precisamos ter o controle sobre elas, como se elas estivessem
soltas e a gente estivesse perdendo o controle. É uma necessidade nossa”7.
De onde viria esta necessidade?
A busca de respostas nos leva à Europa de meados do século XVIII, quando a
nova distribuição espacial e social da riqueza industrial e agrícola impôs novos tipos de
controle sobre a sociedade. Foi com o movimento de constituição social das idéias
capitalistas que a educação ganhou a forma escolarizada, levando a que, pouco a
pouco, os conhecimentos passassem a ser ministrados de forma hierarquizada.
Denominada por Foucault (1987) como instituição de seqüestro, a escola, junto
com outras instituições, como os presídios, os hospícios e os quartéis passam a
controlar não apenas o tempo dos indivíduos, mas também seus corpos, extraindo
7
Estes depoimentos estão em Tiriba, 2005, p. 181.
10
deles o máximo de tempo e de forças. De forma discreta, mas permanente, as formas
de organização espacial e os regimes disciplinares conjugam controle de movimentos e
de horários, rituais de higiene, regularização da alimentação, etc. A escola assume a
tarefa de higienizar o corpo, isto é formá-lo, corrigi-lo, qualificá-lo, fazendo dele um ente
capaz de trabalhar.
(...) A ordenação por fileira, no século XVII. Começa a definir a grande forma de
repartição dos indivíduos na ordem escolar: filas de alunos nas salas, nos
corredores, nos pátios; (...) determinando lugares individuais (a organização de
um espaço serial) tornou possível o controle de cada um e o trabalho simultâneo
de todos. Organizou uma nova economia do tempo e da aprendizagem. Fez
funcionar o espaço como uma máquina de ensinar, mas também de vigiar, de
hierarquizar, de recompensar (Foucault, 1987:126).
O pouco caso a atividades ao ar livre relaciona-se a uma concepção de
educação
que
está
voltada
para
processos
de
transmissão/apropriação
de
conhecimentos via razão, que necessita, portanto, de mentes atentas e corpos
paralisados. Pois não é necessário mais do que atenção mental para observar, refletir e
compreender as regras de uma realidade que é entendida como racionalmente
organizada. Em outras palavras, o modo de funcionamento descolado do mundo natural
indica que as práticas pedagógicas das instituições escolares estão definidas,
geralmente, pelas concepções ontológica, epistemológica e antropológica que
estruturam o paradigma moderno, compondo uma idéia de que as leis da realidade
poderiam ser apreendidas por um ser cuja principal atividade é a racional. Em
conseqüência, fica secundarizado tudo que extrapola esta dimensão: as brincadeiras,
as sensações corporais, o devaneio. Mas isto não é só: a reprodução deste modo de
funcionamento se faz com controle do corpo.
Tendo como referência a concepção espinosiana de que a vivência do que é
bom e do que é mau constitui dois tipos humanos, que vivem, aprendem e incorporam
distintos modos de sentir e viver a vida (como potência ou como impotência)
consideramos que esta perspectiva – de controle do corpo - está na contramão de um
11
projeto de educação pautado numa ética da alegria e do cuidado, na medida em que
favorece a constituição de um tipo humano que é fraco, impotente.
(...) dois tipos, dois modos de existência do homem: (...) bom, ou livre, ou
razoável, ou forte aquele que se esforça, tanto quanto pode, por organizar os
encontros, por se unir ao que convém à sua natureza, por compor a sua relação
com relações combináveis, e, por esse meio, aumentar a sua potência. (...) mau,
ou escravo, ou insensato, aquele que vive ao acaso dos encontros, que se
contenta em sofrer as consequências, pronto a gemer e a acusar toda vez que o
efeito sofrido se torna contrário e lhe revela a própria impotência (Deleuze, 2002:
29, grifos do autor).
Observando instituições de Educação Infantil, no Brasil dos dias atuais, podemos
verificar o quanto estão marcadas pela ideologia do controle. As filas que se formam
para levá-las de um espaço a outro, os tempos de espera em que permanecem
encostados às paredes, a falta de conforto das salas, as regras que são impostas nos
refeitórios, os tempos previamente definidos: tudo isto remete à idéia de fabricação de
uma retórica corporal, mas também de uma retórica do espírito, pois, “é dócil um corpo
que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e
aperfeiçoado” (Foucault, 1987:118) .
É nas instituições, entre elas a escola, que os indivíduos se constituem. O seu
objetivo é contribuir para a formação de pessoas que atuem produtivamente na
sociedade. Como, na perspectiva moderna, o atributo humano principal para esta
atuação é a razão, são priorizados os espaços que favoreceriam o seu
desenvolvimento. As salas escolares, como as demais áreas fechadas que limitam os
movimentos, seriam lugares mais apropriados que os pátios para modelizar as formas
de pensar, agir e sentir, como para controlar as possíveis diferenças e ensinar as
crianças a tornarem-se capazes, úteis e adequados à sociedade capitalística .
A pedagogia é um espaço de práticas de poder! Tal como a concebemos hoje,
ela foi inventada com a revolução burguesa. É instrumento de emancipação e,
simultaneamente de regulação: é neste pólo que se coloca a pedagogia do entreparedes! Ela é um dos instrumentos nascidos da necessidade de estabelecimento de
12
normas, regras, rotinas institucionais nas sociedades urbano-industriais-burguesas. A
regra é manter as crianças em rotinas pré-definidas, desatentas ao que mais agrada.
Na modernidade, ao assumir a função de formar as novas gerações para a
reprodução da sociedade industrial, a instituição escolar inspirou-se e fundamentou-se
na
mesma
filosofia,
na
mesma
metodologia
cartesiana
que
possibilitou
o
desenvolvimento científico, econômico e político desta época: divorciou o ser humano
da natureza, separou o corpo da mente, fragmentou o pensar e o fazer, o trabalho e o
lazer... As grades curriculares, as rotinas das instituições educacionais expressam
claramente esta evidência: a de que a escola não tem pelo corpo o mesmo apreço que
tem pela mente. O resultado é um processo educacional “do pescoço para cima”.
Ao mantê-lo por tanto tempo imobilizado, a escola trata o corpo também
como natureza inesgotável, capaz de ceder infinitamente às necessidades
da mente, assim como o meio ambiente natural cede matérias primas às
necessidades impostas pelo mercado (Gouvêa e Tiriba, 1998:109).
Os corpos humanos, como o de todos os seres vivos, necessitam interagir com a
natureza, ela é a sua fonte de energias. Isto requer a superação de uma visão de
educação enquanto processo intra-muros, entre-paredes. Aprisionados às salas,
sujeitos à normas que impossibilitam às crianças o acesso aos espaços abertos,
podemos dizer, com Foucault, que estão sujeitas a uma disciplina que
(...) aumenta as forças do corpo (em termos de utilidade) e diminui estas forças
(em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do
corpo; faz dele, por um lado, uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura
aumentar; e inverte, por outro lado, a energia, a potência que poderia resultar
disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se a exploração econômica
separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar
estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma
dominação acentuada (Foucault, 1987:119).
A perspectiva foucaultina, como a espinosiana, recusa a dualidade corpo-mente
e, com ela, a dualidade razão-emoção. Ao invés de perguntar “o que é um corpo”, ao
13
invés de buscar uma definição, Espinosa interroga “o que pode um corpo?”8 Fazendo
referência aos sonâmbulos incontrolados, fora dos domínios da mente em estado de
vigília, apresenta a idéia de uma unidade indissolúvel entre corpo e alma (ou corpo e
mente), expressas em “A Ética” (Espinosa, 1983):
A alma humana não conhece o próprio corpo humano nem sabe que existe,
senão pelas idéias das afecções de que o corpo é afetado (p. 151)
A alma não se conhece a si mesma a não ser enquanto percebe as idéias das
afecções do corpo (p.153).
Ninguém, na verdade, até o presente, determinou o que pode o corpo, isto é a
experiência não ensinou a ninguém (...) o que, considerado apenas como
corporal pelas leis da natureza, o corpo pode fazer e o que não pode fazer, a não
ser que seja determinado pela alma humana (p.178).
Escrevendo sobre Espinosa, mais especificamente sobre a tese conhecida pelo
nome de paralelismo, Deleuze (2002, p.24) esclarece que, na filosofia espinosiana não
há eminência do corpo sobre o espírito, não há superioridade de um pólo sobre o outro,
não há ligação de causalidade. Mas Espinosa vai além: ao dizer que, no pensamento e
no corpo, há coisas que ultrapassam nosso conhecimento, ele defende a idéia de que
tanto as potências do corpo quanto do espírito escapam à consciência. Portanto, mais
do que negar a superioridade do corpo sobre o espírito, o filósofo do século XVII aponta
os limites da consciência.
Autoconstituição e aprendizagem não são processos separados: se a vida
trasncorre nos espaços das instituições escolares, é aí que ela se afirma como potência
ou impotência, de corpo e de espírito. É pelo fato de que, entre as crianças a
dissociação não está definida que elas perseveram naquilo que lhes apetece.
8
Ao fazer esta pergunta, Espinosa fere a lógica descrita por Descartes, segundo a qual todas as funções corporais
podem ser explicadas de modo puramente mecânico. Nesta perspectiva, o corpo material opõe-se ao espírito, à
alma, ao pensamento, na medida em que estes seriam indivisíveis e totalizantes, enquanto que aquelas (o corpo, a
matéria) seriam divisíveis e diversificantes (Marcondes e Japiassu, 1996).
14
Nas escolas, historicamente, as atividades ao ar livre estão relacionadas ao
recreio, justamente o momento em que os professores deixam suas funções para
descansar, tomar um café, relaxar. Vários teóricos têm relacionado a dicotomia aula x
recreio, a uma dicotomia maior, entre atividade produtiva e lazer, divórcio típico do
modo de produção capitalista, em que o trabalho é a atividade principal.
Reproduzindo a lógica da fábrica, na escola, o tempo ao ar livre não tem
importância para a pedagogia porque não é o tempo do trabalho produtivo. Não está
sob o foco da pedagogia porque não é lócus de aprendizagem escolar. Do ponto de
vista da pedagogia, o espaço externo não é lugar de ensinar nem de aprender, é o
lugar do nada. Seria, talvez, lugar de uma liberdade temida, porque difícil de controlar.
Conversando sobre o porque de um aprisionamento a espaços fechados,
horários e normas rígidas, podemos perceber uma tendência à inércia, isto é, a
continuar fazendo o que se faz, mesmo quando não se trata de uma ordem. Onde se
localiza a força deste apego?
Na visão de Foucault (1987), a contenção foi incorporada através da submissão
aos espaços e tempos disciplinares, que definem “uma espécie de esquema anátomocronológico do comportamento” (p.129). As educadoras, reproduzem, em seu cotidiano
de trabalho, a idéia de um tempo integralmente útil, porque
Um tempo medido e pago deve ser também um tempo sem impureza nem
defeito, um tempo de boa qualidade, e durante todo o seu percurso o corpo deve
ficar aplicado ao seu exercício. A exatidão e a aplicação são, com a regularidade,
as virtudes fundamentais do tempo disciplinar (Foucalut, 1987:129).
Mesmo quando a ordem inexiste, ou melhor, não vem do exterior, é difícil
escapar a ela, porque está internalizada como um programa que tem ritmo obrigatório,
que é útil para uma determinada finalidade, que esquadrinha a ação. Este modo de
funcionamento pessoal-institucional tem origem numa dinâmica de funcionamento
social que se estruturou a partir do século XVII, desenhando uma nova “microfísica do
poder” cujas técnicas essenciais se espalharam “por campos cada vez mais vastos,
como se tendessem a cobrir o corpo social inteiro” (idem, p.120).
15
A dificuldade de romper com normas que não atendem aos interesses das
crianças – e, muitas vezes, nem dos adultos - se deve ao fato de que elas estão
introjetadas. São obedecidas porque não há a compreensão de que podem ser revistas
sempre que não estiverem de acordo com as necessidades e desejos de crianças e
adultos. É como se as regras, os horários, as rotinas existissem para nós servirmos a
elas e não ao contrário. Este é o efeito ótimo de uma estrutura de funcionamento
institucional e social em que o poder exterior se interioriza, tornando-se difuso e
assegurando a auto-vigilância.
Assim, as instituições escolares tendem a funcionar como uma engrenagem
indiferente aos ritmos infantis: tendo aprendido a engolir os desejos, são estes mesmos
esquemas que necessitamos reproduzir, através de normas que impomos às crianças,
modelando os gestos e, simultaneamente, aquietando o espírito. Pois, corpo e espírito
não estão separados, o que é ação no corpo, é, necessariamente, ação na alma
(Espinosa,1983).
Mas o desejo conspira... Na visão de Charles Fourier (1978), porque não tem
outras alternativas, outros caminhos para satisfazer-se! Torna-se, assim, um subversivo
permanente, “que trabalha de maneira infatigável na desorganização da sociedade,
desrespeitando todos os limites colocados pela legislação” (Konder, 1998:17). Isto
acontece por uma questão de sobrevivência física-e-espiritual. O desejo persevera
porque, oprimido, se manifesta como sintoma, como doença, do corpo e da alma, pois,
“toda paixão estrangulada produz uma contrapaixão tão maléfica quanto a paixão
natural seria benéfica” (idem, p.19).
Entendendo que a liberdade é a fonte da felicidade, Fourier propõe que toda a
atividade educativa, tal como o trabalho, seja prazerosa. Descrente das experiências
educacionais das sociedades civilizadas, quer que a culinária faça parte do currículo,
com o objetivo de estimular o prazer de comer e possibilitar, em nome deste prazer,
que todos os seres humanos sejam cozinheiros competentes. Além disto coloca a arte a música, a dança, o teatro e composição de cenários, a poesia, a mímica, a pintura no centro do projeto educativo. Com a mesma ênfase, destaca a importância da
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proximidade da natureza, para que as crianças se reconheçam como parte e se
identifiquem com ela. Na sua visão, todos estes fatores proporcionariam meios de
enriquecimento individual e condição para integração na coletividade.
Como caminhar nesta direção, se estamos, nós, adultos, aprisionados, apegados
à regras e normas que nos mantêm alheios aos próprios desejos, insensíveis às
vontades do corpo, amedrontados diante do que liberta? Como avançar na perspectiva
de uma educação libertadora se a ordem do sistema escolar, como a ordem
capitalística, impõe que o sujeito do desejo se veja sufocado, como um eu de segunda
categoria, que pode ser ludibriado, enganado, distraído, dominado pelo sujeito da
razão?
Na visão de Gallo (2003), trabalhar no desmonte desta lógica seria a função de
uma “educação menor”, que atua no plano molecular, como trincheira contra a tentativa
de modelização do sistema escolar, como “máquina de resistência” contra a educação
maior, macropolítica, dos grandes mapas e projetos.
Esta perspectiva favoreceria o resgate de uma concepção de infância que Kohan
(2004) denomina como minoritária, isto é,
(...)uma infância como experiência, como acontecimento, como ruptura da
história, como revolução, como resistência, como criação (p.62).
em contraposição a
(...) uma infância majoritária, a da continuidade cronológica, da história, das
etapas do desenvolvimento, das maiorias e dos efeitos: a infância que, pelo
menos depois de Platão, se educa conforme um modelo (p.62).
Considerações Finais
Identificado com uma “educação menor”, o projeto inova em relação à estrutura da
organização escolar, pautada na homogeneidade etária dos grupos, na existência de
um principal espaço propício a ensinar (a sala de aula) e na idéia de que todos têm o
direito de aprender a mesma coisa num mesmo tempo. Na contra mão desta visão, o
projeto questiona a idéia de que o professor é que decide o que cada um e todos vão
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aprender a cada momento; e provoca uma ruptura em relação a um conceito de
conhecimento marcados pela linearidade e pela hierarquia.
Especialmente em algumas unidades, de fato, as crianças aprendem aquilo pelo
qual estão interessadas, e vão de um espaço ao outro em busca do que necessitam
para realizar a sua pesquisa ou complementar um trabalho. Colocam-se, assim, na
perspectiva de uma educação rizomática, em que os adultos educadores assumem
papel auxiliar no processo de invenção/descoberta de caminhos de conhecimento que
brotam das experiências individuais e grupais.
Em processo de avaliação que, em novembro de 2005, envolveu o coletivo dos
educadores, destacamos alguns pontos-chave, aspectos para os quais é preciso
atenção, dedicação, investimento em formação, se o objetivo é aprofundar uma
experiência que está em seus primeiros passos:
- a
avaliação, praticamente unânime, é de que constituição de grupos
heterogêneos, reunindo uma faixa etária que vai dos 3 aos 7 anos, favoreceu a
integração entre as crianças, as deixou mais à vontade, enriqueceu as trocas de
saberes e experiências, enfim, ampliou os processos de socialização e aprendizagem
porque ampliou zonas de desenvolvimento proximal (Vygotsky,1986) .
- outro aspecto que merece destaque diz respeito aos benefícios da constituição de
grupos de acordo com as referências afetivas construídas na prática, tal qual acontece
na vida, isto é, em função de afinidades que vão sendo naturalmente tecidas entre
crianças e educadoras. Este processo não se estende a todas as unidades: em
algumas,
os
grupos
seguem
sendo
previamente
definidos,
ficando
sob
a
responsabilidades desta ou daquela educadora.
- ao redefinirmos os espaços de atividades, com base nas idéias do que Freinet (1979)
chama de materialismo escolar, mexemos no que é concreto e modelas as nossas
práticas, alteramos as condições materiais sob as quais o seu trabalho se estrutura. Um
novo lugar espacial é capaz de provocar, de engendrar novas relações humanas menos
verticais, mais horizontais.
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- as crianças conquistaram, de fato, a liberdade de circularem livremente e escolherem
suas atividades. Mas, em cada unidade, a circulação assume um formato e, sem
dúvida, define um maior ou menor grau à qualidade da escolha das crianças.
Este é um balisador do projeto, que, portanto, merece atenção especial, pois se
constitui como desafio permanente, questionando os lugares de poder do adulto, nos
interrogando sobre os riscos de assumirmos perspectivas espontaneístas e
permissivas, alimentadoras de posturas individualistas.
- as educadoras, pouco a pouco, assumem uma nova função: agora elas acompanham
e desafiam os grupos que se constituem em função de interesses emergentes das
crianças. Este foi uma dos aspectos mais trabalhados em 2005. Ele exigiu o abandono
de posturas que correspondem ao modelo tradicional, em que o foco da atividade
educacional está na intenção do adulto educador, não na atividade das crianças.
- hoje, a Arte (a expressão criadora, em todas as suas modalidades: música, dança,
teatro, artes visuais e literatura) está presente como prática cotidiana. Ao longo de
2005, contamos com a assessoria de profissionais que atuam especialmente nas quatro
primeiras. Elas não deram aulas para as crianças nem para os adultos: o que fizeram
foi inventar, junto com as educadoras, espaços de exercício destes caminhos de
expressão, contribuindo para que crianças e adultos dancem, cantem, pintem,
dramatizem a vida no cotidiano.
- é duplo o compromisso do projeto: com a diversidade cultural, própria da espécie
humana; e com a biodiversidade, infinitude de outras espécies e formas de vida que
constituem a Terra. Queremos e respeitamos a liberdade, a integridade, a expansão
das culturas humanas, tanto quanto desejamos e respeitamos a plenitude da Natureza,
da qual somos apenas uma parte. Assim, investimos no sentido de que todas as
atividades sejam balizadas pela perspectiva da sustentabilidade. Em 2005 foram
permanentemente desenvolvidas práticas de Revegetação, de Coleta de Pilhas e
Baterias, de Reaproveitamento da Produção Gráfica do SESC-Rj e de cada unidade; e
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de substituição do uso de copos plásticos por copos de vidro ou canecas. Todas as
unidades participaram de uma ou outra forma destas atividades e as incorporaram
permanentemente as suas dinâmicas de funcionamento, incluindo, inclusive, outros
setores da instituição. Em algumas unidades houve efetiva redução de desperdício e
mesmo redução de produção de material gráfico. Além disto, 6 das 10 unidades criaram
suas hortas em parceria com setores que cuidam da jardinagem e da nutrição. Há
locais em que o lanche começa a ser confeccionado com produtos plantados e colhidos
pelas crianças. Estas iniciativas são inovadoras, em termos de produção de
experiências sustentáveis.
Finalmente, vale informar que o registro permanente é um dos objetivos do
projeto, numa perspectiva de sistematização e socialização das experiências
cotidianas. Elas vêm nos apontando caminhos que possibilitam às crianças, e também
a nós, adultos, a vivência de um espaço educacional conectado com o que potencializa,
é alegria, é desejo...
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relato de experiência - educação, ecologias e - NIMA - PUC-Rio