DIVISÕES TÉCNICAS OBRAS VIÁRIAS: CORTES, ATERROS, TÚNEIS OU VIADUTOS? ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS* empresariais originalmente especiaferencialidade da engenharia viária arcando a transição lizados técnica e patrimonialmente brasileira, preferencialidade que veio da tração animal em obras de terra... a se tornar um traço cultural, por para a tração moPor óbvio que a preferencialidacortes e aterros sobre túneis e viadutorizada (advento de brasileira por obras de terra não tos para vencer os desníveis topográdo trem e do autoconstituiu, à época, um erro de vificos que se colocavam ao longo do móvel), agitado período que se essão, e até pode-se dizer que se justraçado: a abundância e a profunditendeu da segunda metade do século tificou inteiramente, tal o real signidade de solos no meio físico tropical; 19 às primeiras décadas do século 20, ficado e peso dos fatores envoltórios um desprezível valor monetário das procedeu-se em todo o mundo uma acima apontados. E, vale registrar, terras de superfície a serem desaproverdadeira revolução técnica no que válidos por um longo período de priadas; um maior domínio tecnolódiz respeito aos parâmetros básicos tempo. Considere-se também que a gico sobre obras de terra; a necesside projeto para as obras de infraesclássica diretriz de compensação de dade quase completa de importação trutura viária. volumes de corte e aterNo Brasil, primeiraro, consagrada normatimente tendo como condivamente no Diagrama de cionantes as característiMassas, ou Diagrama de cas de tração mecanizada Bruckner, por muito teme os fatores de segurança po entendido como regra próprios do transporte pétrea para a definição do ferroviário – fortemente greide otimizado, contriincrementado no país já buiu – e tem contribuído a partir das últimas déca– para, nos casos em que das do século 19, e mais há compatibilidade geoadiante, por força dessas técnica dos materiais de mesmas características corte para seu uso na exeagora próprias do transcução de aterros, reduzir porte rodoviário moderno ao menos em parte os imque marcava sua explosiva pactos físicos, ambientais presença no país ao iníe econômicos negativos cio do século 20 –, a enintrínsecos a essa alternagenharia viária brasileira tiva técnica. obrigou-se a adotar direNo entanto, se procetrizes de projeto progresdermos a uma indispensivamente mais exigentes sável reavaliação desses no que diz respeito espefatores inter venientes à cialmente aos raios míniluz das alterações de conmos de cur vatura horizon- Imagem do Google mostrando aspectos construtivos do Trecho Oeste do torno que se impuseram tal e às rampas máximas Rodoanel Mario Covas no Estado de São Paulo – e continuam em plena admissíveis. evolução, desde especialEm termos práticos isso mente o final da década de 1960 e o de tecnologia, equipamentos e comimplicou na necessidade de construinício da década de 1970 –, é muito ponentes para a execução de obras ção de vias a cada vez menos torprovável que a engenharia viária natuosas e, especialmente em regiões de arte; as dificuldades imensas da cional identifique a necessidade de de relevo ondulado a montanhoso, na abertura de túneis por via das técuma salutar revisão de seus, vamos necessidade de execução de grandes nicas então disponíveis; a inexistêndizer, “costumes tecnológicos”. ser viços de terraplenagem em cortes cia de pressões ambientais de ordem Como um parêntese, vale lembrar e aterros para o atendimento do greipolítica ou legal; uma indisfarçável que, ainda que se permita trabalhar desimportância para os possíveis gade de projeto. com rampas máximas um tanto menhos em quilometragem final que Diversos fatores, alguns pernos exigentes, as obras dutoviárias uma opção túneis/viadutos pudesse manentes, outros circunstanciais, (em um verdadeiro boom no país) trazer; a pressão política de grupos determinaram ao seu início a pre- 32 ENGENHARIA engenharia 620 620 // 2014 2014 WWW.BRASILENGENHARIA.COM www.brasilengenharia.com e de um ostensivo aparato legal para exercê-la efetivamente; valorização social, por seu rareamento geográfico, de mananciais superficiais de água doce (sempre ameaçados pelos perversos efeitos do binômio erosão/assoreamento, próprio das obras de terra Corte na Rodovia Castello Branco, São Paulo extensivas); a valorização econômica merecem hoje, pelos mesmos motide reduções da extensão dos traçavos, também ser reavaliadas em seus dos viários, os altos custos relativos critérios de projeto. de manutenção e recuperação das Consideremos então as novas e obras de terra frente à opção túnel/ claras situações de contorno que viaduto... hoje se apresentam: um consideráCertamente, diante desse novo vel aumento do valor imobiliário das quadro de fatores de contorno – e terras de superfície; ocorrência de considerando ainda, especialmenuma verdadeira revolução tecnológite para relevos ondulados e montaca na engenharia tuneleira de rochas nhosos, a adoção de uma mais livre e solos e na engenharia de obras de gestão geotécnica de greides regioarte (contabilizando grandes ganhos nais –, muitas das situações em que, em tempo de execução, segurança por cacoetes técnicos, adotaríamos estrutural e geotécnica e custos fiuma sequência de grandes cortes nais, diferentemente do que acontee aterros, poderão ser hoje melhor ceu na engenharia de obras de terra, equacionadas técnica, econômica e onde as técnicas executivas básicas ambientalmente com a adoção de alcontinuam essencialmente as mesternativas em túneis e viadutos. Uma mas, variando apenas a capacidade elevação do greide em uma determie porte dos equipamentos); nacionada região de desenvolvimento da nalização intensiva da engenharia obra viária possibilitaria, por exemtuneleira e de obras de arte; o surplo, a redução da dimensão dos corgimento da consciência ambiental tes, convidando a uma complementar adoção de obras de arte mais esbeltas para o vencimento de vales e depressões. Pelo contrário, um rebaixamento regional do greide possibilitaria a execução de obras de arte de menor porte ou até pequenos ou médios aterros para a travessia de vales e depressões, abrindo a conveniência de execução de túneis para a traImplantação do mineroduto Minas-Rio, trecho próximo a vessia dos grandes Ponte Nova, Minas Gerais WWW.BRASILENGENHARIA.COM www.brasilengenharia.com obstáculos de relevo. Outra posição do greide regional poderia, por sua vez, permitir a adoção de uma combinação mais generalizada entre túneis e obras de arte. Essas conjecturas tecnológicas sugerem o entendimento do greide como uma variável de projeto a ser mais livremente administrada na busca da otimização geotécnica do empreendimento. Obviamente, estudos aprofundados e de detalhe serão sempre indispensáveis para determinar quais as combinações mais adequadas frente às condicionantes próprias do contexto geológico, geomorfológico e geotécnico que se apresenta para cada caso: processos naturais de dinâmica externa mais presentes, fenômenos geotécnicos induzidos característicos, densidade hidrográfica, propriedades morfométricas do relevo, amplitudes altimétricas, declividade, comprimento de vertentes, entre outras. Mas o fato é que hoje seguramente há condições tecnológicas de suporte e fatores gerais de contorno muito mais favoráveis ao exercício de uma maior liberdade na consideração e escolha das melhores opções de projeto. Exemplo sugestivo e virtuoso, tivemos em nossa engenharia viária para regiões serranas tropicais úmidas, a exemplo de nossa Serra do Mar, para onde o melhor conhecimento da dinâmica geológico-geotécnica de suas encostas, aliado ao grande desenvolvimento tecnológico das engenharias tuneleira e de obras de arte, propiciaram ao país adotar como novo patamar tecnológico histórico de projetos a plena preferencialidade por túneis e viadutos. * Álvaro Rodrigues dos Santos é geólogo, foi diretor de Planejamento e Gestão do IPT e da Divisão de Geologia; consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente; criador da técnica Cal-Jet de proteção de solos contra a erosão; diretor-presidente da ARS Geologia Ltda.; autor dos livros Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática; A Grande Barreira da Serra do Mar; Diálogos Geológicos; Cubatão; e Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções E-mail: [email protected] ENGENHARIA engenharia 620 / 2014 33