II FÓRUM INTERNACIONAL DE COMUNICAÇÃO E
SUSTENTABILIDADE
06 e 07 de Maio de 2009
MESA 3 - DEMOCRACIA, NÃO VIOLÊNCIA E PAZ
PALESTRAS
Palestrantes: DAVID TRIMBLE - Prêmio Nobel da Paz 1998
ANDRÉ LÁZARO - Secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
SECAD/MEC
MÁRIO SÉRGIO CORTELLA - Filósofo
VINCENT DEFOURNY - UNESCO
TEREZINHA AZERÊDO RIOS - Filósofa
Mediador:
RICARDO KOTSCHO - Jornalista
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06 e 07 de Maio de 2009
DAVID TRIMBLE
Gostaria de começar agradecendo o convite e a oportunidade de estar aqui hoje com vocês. Como
vocês sabem, o subtítulo dessa sessão se refere à educação e à comunicação, e vou tentar falar
alguma coisa sobre estes conceitos ao longo de meus comentários. Mas vocês compreenderão se
eu mantiver minha atenção focada no título, especialmente em relação às referências a
democracia e não violência e paz.
Como vocês sabem, venho de uma sociedade, lá na Irlanda do Norte, onde tivemos instabilidade
política e violência por muitas décadas. Tivemos as primeiras rebeliões que levaram a essa
instabilidade e violência cinco meses depois que me formei na universidade. E agora, perto do fim
da minha vida, estou a três meses de ter o direito de sacar minha aposentadoria por idade, e ainda
assim chegam e me perguntam "Será que a violência voltará?", "As instituições da Irlanda do Norte
permanecerão estáveis?". Então esta é uma questão que dominou minha vida, e espero que não
domine a vida dos meus filhos. Na verdade, sou bastante otimista quanto a isto.
E olhando para a questão da paz, não violência e democracia, eu vou começar no extremo oposto
e refletir sobre o que tem perturbado nossa sociedade nos últimos 30 anos, que é a violência.
Violência especialmente na forma de terrorismo de grupos, mais de um grupo que afligiu nossa
comunidade. Quero iniciar com apenas algumas questões gerais para lidar com isso na
particularidade. E o que, pode-se perguntar, você considera como a principal característica do
terrorismo? Normalmente a resposta é dada em termos do terrorismo ser algo que envolve
ataques indiscriminados contra pessoas inocentes, contra civis. Mas é claro que significa mais do
que isso. Significa ataques contra soldados, policiais e agentes do Estado. São ataques feitos de
uma forma que envolve pessoas não em uniformes de combate, mas em trajes civis, em
emboscadas, chegando de repente...há não muito tempo isto aconteceu na Irlanda do Norte...duas
pessoas chegaram a um acampamento militar para entregar pizzas, com roupas de entregadores
de pizza. E quando chegaram lá, largaram as pizzas, sacaram as armas e pessoas foram
assassinadas. Então você também tem terrorismo nesta forma.
E o que une estes dois exemplos, o ataque aos agentes do Estado, na forma que acabei de
mencionar, e também o ataque indiscriminado a civis inocentes, é que ambos são destinados a
causar medo. Não é por acaso que usamos o termo terrorismo para descrever este fenômeno. Por
que agem dessa maneira? Qual é o propósito disto? E é aqui que acho que chegamos ao ponto
principal. Essas pessoas recorrem à formas de violência para criar medo de forma a tentar compelir
a sociedade como um todo a fazer coisas que de outro modo não faria. O medo é gerado para que
um pequeno grupo de pessoas possa impor sua vontade sobre um grupo maior de pessoas.
Então, eu sugiro que quando encontrarmos terrorismo nesta forma que estou falando, então
estamos lidando com pessoas que sabem que elas não conseguem atingir seus objetivos por
outros meios. Em outras palavras, pessoas que sabem que se elas tentassem avançar seus
objetivos e sua causa por meios pacíficos, democráticos, não teriam êxito. Então elas recorrem a
outros meios por esta razão. Então esse foi nosso caso na Irlanda do Norte. A causa primordial da
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violência terrorista que sofremos veio dos Republicanos Irlandeses militantes, cujo objetivo
principal era tentar conseguir o que eles chamavam de uma Irlanda unificada. Em outras palavras,
compelir a Irlanda do Norte a se tornar parte de um Estado todo irlandês. E eles sabiam que nunca
chegariam a este objetivo democraticamente, porque sabiam que a maioria das pessoas que vivia
na Irlanda do Norte não queria ser parte de um Estado todo irlandês, e queriam permanecer como
parte do Reino Unido. Então eles se implantaram este exemplo ao qual me referi, de que eles
sabem que não conseguem atingir seus objetivos de forma pacífica e democrática. Claro, há muito
mais que isso nessa história.
Os terroristas sempre terão um credo, uma ideologia. Um dos aspectos mais incorretos da Irlanda
do Norte é que os lados geralmente são descritos em termos religiosos, protestantes contra
católicos, mas eu acho isso bastante errado, pois não foi um conflito religioso de verdade . Na sua
essência, não era um conflito religioso. As pessoas não estavam lutando por conta de doutrinas
religiosas ou organização da igreja. Estavam lutando sobre a questão a qual Estado o território
deveria pertencer, e isto é na verdade uma questão política, uma questão que envolve
nacionalidade e aqui, quando olhamos a ideologia que motivava os Republicanos Irlandeses,
vemos que esta é construída, está enraizada no conceito de nacionalidade..
O Movimento Republicano Irlandês e sua forma moderna surgiram no final dos anos 30, no século
XX. Tinha o objetivo de retirar a Irlanda do Reino Unido e criar um Estado irlandês separado e uma
nação irlandesa separada. Então há um elemento nacional naquela ideologia, mas ainda há mais
do que isso. Durante a Primeira Guerra Mundial houve esforços pelo governo Britânico para
providenciar aquilo que chamamos de devolução de administrações políticas regionais, os
Republicanos utilizaram as eleições e foram bem sucedidos nessas eleições no Sul e no Oeste da
Irlanda. Básica e essencialmente, aquelas partes da Irlanda que não são parte da Irlanda do Norte.
Tiverem sucessos naquelas eleições, conseguindo o apoio da maioria dos eleitores de lá, e
conseguiram a maioria das vagas. E baseado nisso, buscaram montar suas instituições políticas e
lutaram o que eles chamaram de uma guerra de independência contra os Ingleses, que resultou na
criação daquilo que agora chamamos de República da Irlanda. Não era isso o que chamávamos no
início, mas é esse agora o nome.
Mas o que os Republicanos alegam é que, como na última eleição que houve na Irlanda como um
todo, em 1918, eles obtiveram a maioria das vagas, eles têm o direito, portanto, de impor sua
vontade de se criar um Estado irlandês separado a todas as pessoas da Irlanda, incluindo daquela
parte da Irlanda onde uma maioria das pessoas era contrária a isso. Eles alegaram que tinham um
mandato democrático lá. E ainda mais, os Republicanos radicais dirão que a última pessoa eleita
em 1918 transmitiu para a organização deles a autoridade moral para se fazer isso. E realmente os
Republicanos irlandeses durante boa parte do século passado reivindicavam que sua organização,
o IRA, era o único governo legítimo da Irlanda. Por muito tempo, eles não reconheciam os
governos de Dublin ou as administrações de Belfast. Mas o ponto chave desta ideologia é que eles
alegavam ter, desde lá das eleições de 1918, um mandato democrático que lhes dava o direito de
usar a força contra aqueles que discordavam deles.
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Além dessa ideologia específica, havia outras questões que somente essa ideologia não causaria a
instabilidade e violência que tivemos na Irlanda do Norte. Existiam outras questões, outras
mágoas, que ajudaram a violência a irromper. Essas mágoas geralmente são ensinadas como sendo
discriminações na Irlanda do Norte contra nacionalistas e foca em coisas como a distribuição de
bens públicos, moradia pública, empregos em órgãos governamentais, exclusão da participação em
certos aspectos da administração e assuntos desta natureza. Agora, não vou entrar no mérito se
estas mágoas tinham ou fundamento, podia-se ter uma longa discussão quanto a isso, mas essas
mágoas existiam e a situação se desenvolveu por que a questão de se lidar com essas mágoas, por
razões que não vou mencionar por uma questão de tempo, não foi tratada tão bem quanto
poderia ter sido nos anos 60. As demonstrações levaram à desordem, a desordem levou ao
tumulto e os tumultos então criaram um contexto em que as organizações paramilitares, o IRA,
pode recriar sua organização e lançar sua campanha.
Claro, seus organizadores lançaram a campanha sob os termos de sua ideologia. Mas é até
interessante, quando você olha as pessoas que na verdade se juntaram ao IRA, a motivação delas
era outra. E há um livro fascinante escrito por um pesquisador espanhol, Rogelo Alozo, baseado em
entrevistas profundas e detalhadas com um número considerável de ativistas do IRA, e o padrão
que surgiu foi que a maioria que se juntou ao IRA foi impelida pelas mágoas e a desordem civil,
achavam que estavam entrando para defender suas comunidades de ataques, e somente tomavam
conhecimento da ideologia num momento posterior.
Há ainda dois outros fatores além da ideologia e as mágoas sociais sobre quais eu falei, e alguns
desses são gerais. Há uma atração à violência, e há pessoas que são atraídas à violência e que
gostam da ideia de serem capazes de exercer controle, questões de vida ou morte para outras
pessoas, e deliram com esta oportunidade, e há muitas pessoas que, ao longo dos anos, em várias
sociedades, se juntaram a movimentos extremistas ou partidos extremistas por serem
parcialmente atraídos por isso. E também há o fato que dizem a elas que a violência pode resolver
os problemas. É como a velha história de Alexandre o Grande e o nó górdio, quando ele pegou
uma espada para cortar o nó. As pessoas acham que a violência de alguma forma ajuda a trazer
soluções mais rapidamente.
A realidade quando se olha isto é que a violência sempre piora as situações, as tornam mais difíceis
de resolver e não mais fáceis, mas lá estamos nós. Há ainda outro fator que temos que considerar.
Foi resumido, eu me lembro, por um soldado em uma conferência a qual fui há muitos anos, ao se
referir ao terrorismo na Irlanda do Norte, ele disse que o terrorismo era um estado superior de
uma ocupação de baixo risco. Que o risco dos terroristas serem presos ou mortos eram limitados
na situação que existia lá, as pessoas estavam envolvidas nela, tinham acesso a riqueza, então nas
comunidades erradas era uma questão de um estado superior, e ainda hoje, em algumas partes de
Belfast, nas partes menos favorecidas de Belfast, você vê que os únicos ídolos que inspiram
principalmente os rapazes são pessoas envolvidas no crime organizado, e você sabe disso por sua
própria atitude, esses líderes são os únicos a inspirarem os rapazes. E temos que lembrar também
que os rapazes, principalmente no início da adolescência, são extremamente vulneráveis a essas
coisas, e aos atrativos que mencionei.
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Todas as organizações paramilitares, todas as organizações terroristas da Irlanda do Norte, seus
alvos eram os rapazes, eles tentavam recrutá-los e envolvê-los com violência numa idade tenra, ao
fazerem isso eles moldavam as vidas desses meninos de formas que, claro, eram terríveis para
aquelas pessoas e para todos aqueles afetados por suas ações.
Eu mencionei estes fatores porque eu acredito que temos este tipo de instabilidade em nossa
sociedade, este tipo de violência, precisamos compreendê-la se vamos ter sucesso em lidar com
ela, precisamos saber. E não quero dizer compreender de uma forma insípida, dizendo que uma
vez que você compreende, você pode perdoar tudo e o resto. Não, o que precisamos entender é
qual a ideologia que está motivando essas pessoas, quais são as questões sociais que estão
utilizando, quais grupos específicos da sociedade são particularmente vulneráveis a este apelo, de
forma a se conseguir lidar com o problema. Então não se deve acreditar piamente na ideologia
Mas é um dos fatores que precisamos saber onde combater.
E considerando todas estas situações, ganhar o que chamamos de guerra ideológica é crucial.
Muito obrigado mesmo, isso é muito necessário para me sustentar. Até que se consiga mostrar
para a sociedade como um todo e principalmente para aqueles sujeitos que mencionei que são
vulneráveis a ela, até conseguirmos mostrar a eles que a ideologia está deslocada, que há
melhores maneiras de se resolver seus problemas, então nunca teremos sucesso, então é essencial
vencer a guerra ideológica. É essencial não somente para mostrar de forma intacta, mas também
para diminuir o apoio, permitindo que se comece a virar as pessoas, as comunidades em geral, e os
indivíduos também. Ao lidar com isso, a coisa mais importante é a inteligência, a inteligência no
sentido de se descobrir quem está nas organizações, qual seu papel e quais são seus planos. A
oposição mais eficaz a qualquer organização terrorista são as pessoas que, em termos de sua
história, de sua vida comunitária, seus antepassados étnicos, sua visão política, sejam mais
próximas a eles. Não porque eles estejam necessariamente envolvidos, é porque as pessoas que
são mais próximas dos terroristas etnicamente, politicamente, estas pessoas você pode recrutar
para se infiltrarem nas organizações e destruí-las de dentro para fora.
Eu me lembro de uns anos, no início dos anos 90, quando chefe de polícia da Irlanda do Norte dizia
frequentemente que 4 em cada 5 operações de organizações terroristas eram frustradas pela
polícia, que eles conseguiam impedir que 4 em cada 5 operações acontecessem. E eles somente
conseguiam fazer isso, e realmente conseguiam fazer isso, mas somente porque naquela época
praticamente todas as organizações terroristas haviam sido infiltradas de forma eficaz. Eu não sei
qual foi a data disso, e eu imagino que saberemos algum dia, mas em algum momento no início
dos anos 90 a liderança do movimento Republicano descobriu que eles foram infiltrados pelas
forças de segurança, até o mais alto nível. Não sei precisar a data disso. O que sabemos é que o
agente que eles descobriram estava tão alto na hierarquia que não se sentiram capazes de revelar
sua identidade ou tomar qualquer atitude contra ele a não ser convencê-lo a se aposentar e deixar
a operação. E este cavalheiro ainda está vivo e vem, agora já é fato público e notório que naquele
momento ele era um agente do governo no alto da hierarquia, bem próximo ao topo máximo da
organização.
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Eu mesmo conheci muito bem um cavalheiro que chegou ao nível de chefe do Comando Sul do
IRA. E ele era alguém que foi atraído a violência por razões ideológicas, por volta dos anos 70, e
então percebeu que ele aquilo no qual ele estava se envolvendo era simplesmente uma guerrinha
suja entre dois grupos que não tinham nenhuma conexão com os ideais que ele achava que a tinha
criado, então ele deixou a organização mas então resolveu que na verdade ele tinha a obrigação de
tentar por um fim naquilo que ele ajudou a criar, então ele voltou para a organização como um
agente da polícia da República Irlandesa, tornando-se um agente de alta hierarquia no IRA.
Quando a história aconteceu, ele era na verdade o segundo no comando do Comando Sul, e a
pessoa que era o chefe do Comando Sul foi para os Estados Unidos, para Boston, em uma missão
ambiciosa para tentar comprar uma grande quantidade de armas de fogo, explosivos, munições. Eu
gosto de contar essa história porque à revelia deste senhor, que agora é um membro do
Parlamento Irlandês, à revelia dele, seu número dois estava contando ao governo irlandês tudo
sobre esta operação enquanto nosso amigo ia para Boston negociar lá com criminosos irlandesesamericanos, montaram uma carga de 7 toneladas de armas de fogo e explosivos, embarcaram-na
em um navio pesqueiro e então enquanto ele navegava para fora do porto de Boston, o gângster
Irlandês-Americano com o qual ele havia negociado pegou o telefone e ligou para seu contato no
FBI e deu a eles detalhes do carregamento porque o este gângster na verdade era um agente do
FBI, além de ser um gângster. Eu adoro contar esta história porque aqui tínhamos um chefe
terrorista que foi apanhando em ambas as pontas da operação, tanto em casa na Irlanda, quanto
nos Estados Unidos. Isso é só para mostrar que é fundamental se infiltrar nestas organizações.
Outra coisa fundamental é o estado não reagir de forma excessiva, e adotar táticas de
policiamento, de lei, que ainda sejam civilizadas. Talvez seja necessário mudar as táticas, talvez seja
necessário mudar as estruturas jurídicas, mas isto deve ser feito dentro de limites que ainda sejam
reconhecidos pela sociedade como civilizados. Eu utilizo esse termo ao invés de me referir a
convenções internacionais e direitos humanos porque algumas vezes os detalhes dessas
convenções são problemáticos. Eu creio que é fundamental as autoridades agirem de uma maneira
civilizada. Temos dificuldades ainda hoje. Ao ouvir as controvérsias sobre técnicas de interrogação
utilizadas pelos Estados Unidos, ouvir as mais recentes revelações sobre isso, a questão de
culpabilidade por isso, foi como um deja vu para mim, eu já vi este argumento antes.
Lá atrás, no início dos anos 70, o nosso próprio exército usou técnicas modernas de privação
sensorial, o caso foi levado para a Corte Europeia de Direitos Humanos e a decisão foi contrário a
isso. Mas a decisão foi contrária não se fundamentando que isso era tortura, uma frase relevante
da Convenção Europeia de Direitos Humanos " tortura ou tratamento desumano ou degradante", e
a Corte entendeu que a privação sensorial e pressões dessa natureza não era tortura no sentido
estrito, mas era tratamento desumano e, portanto, contrariava a convenção. A posição dos Estados
Unidos em relação ao que aconteceu recentemente é um pouco mais complicada porque eles
estão lidando não com a Convenção Europeia de Direitos Humanos, mas com a Convenção de
Genebra, que é um tanto quanto mais conservadora. Mas a verdadeira questão por trás disso é
que estas técnicas são técnicas que o cara comum, você e eu, diríamos que não são ações de
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pessoas civilizadas. É por isso que acho que o termo civilizado é na verdade o mais importante de
todos.
Mas há uma questão que é crucial nesta questão de como se lida com estas situações, e isso me
leva ao nosso subtítulo, que é a Comunicação. Até que ponto as autoridades ou a sociedade deve
se comunicar com aqueles que estão envolvidos nisto? Agora, é claro, há muita controvérsia lá na
minha terra e em outros lugares sobre se é certo ou não conversar com terroristas. Mas a palavra
conversar, assim como a palavra comunicar, realmente precisa ser desmembrada porque contém
tantas coisas dentro delas. Do ponto de vista do governo, é desejável garantir que os canais de
comunicação estejam abertos. Mesmo que o governo em si não queira falar com os terroristas, é
importante haver estes canais para que, caso aconteça de aqueles que estão envolvidos na
violência desejaram se comunica, haja canais de comunicação confiáveis para tanto. Também é
importante, do ponto de vista do governo, que todos entendam realmente sua política. Os
políticos geralmente reclamam que a mídia, a imprensa, a televisão nem sempre apresentam
todos os detalhes das políticas, nem sempre as entendem de início. E quando se trata de uma
questão delicada como essa, o governo vai querer saber que não há confusão nas mentes daqueles
que estão engajados na violência de qual é a real política. Algumas vezes isto pode ser feito através
de discursos, mas às vezes é preciso assegurar que há alguns intermediários para checarem se
houve confusões ou se deixaram de entender para se ter certeza que as pessoas não estão
recorrendo à violência para resolver questões que podem ser solucionadas de outra forma.
Há também... Eu passei por cima de um assunto que eu deveria ter mencionado, que também é
imensamente importante ao se lidar com isso. Refere-se às mágoas, as mágoas sociais que
mencionei mais cedo, elas devem ser amenizadas, mesmo que você ache que não há muito mérito
na questão, eu acredito que é importante lida com as percepções, bem como da substância.
Mas voltando para a comunicação, peço desculpas por deixar meus olhos vagarem por cima deste
ponto específico em minhas anotações, porque estava lá. Uma grande dificuldade que tivemos no
início dos anos 90 foi em relação aos canais de comunicação que o governo Britânico estabeleceu
com os Republicanos lá no início dos anos 70, e na verdade esses não foram significativamente
utilizados a não ser quando das greves de fome do IRA nos anos 80. Mas no início dos anos 90 uma
mensagem do IRA surgiu no canal de comunicação com o governo Britânico. Posteriormente houve
controvérsias quanto à precisão da mensagem que o governo Britânico recebeu, mas não havia
dúvida que havia uma mensagem de substância. E quando o governo investigou a mensagem a
fundo, descobriu que sim, não era algo aleatório ou de pequenos elementos, mas algo que vinha
da liderança da organização. E a mensagem era "Queremos deixar a violência e queremos entrar
para a política, e queremos participar das conversas políticas que estão acontecendo entre as
partes." Lá atrás em 1972 houve uma certa abertura feita ao governo Britânico e esse, naquele
momento, após a declaração do cessar-fogo, imediatamente, em uma questão de horas após o
cessar-fogo, colocou uma delegação do IRA em um avião da Força Aérea Real e os levou para
Londres, e foram despachados para o centro de Londres para conversarem com o Secretário de
Estado da Irlanda do Norte. Na verdade, naquele momento em 1972, o IRA interpretou aquela
ação como um sinal de fraqueza e rapidamente interromperam-se as conversas, eles voltaram para
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Belfast, a violência voltou, e a violência voltou não somente do lado do IRA, mas também
começou a crescer de forma significativa da parte dos paramilitares lealistas que também tomaram
as ações do governo Britânico como fraqueza. Então o governo Britânico se escaldou em 1972, por
isso em 1992 eles tiveram muito mais cuidado, ouviram a mensagem chegando e então
começaram a estabelecer condições criteriosas a serem atendidas, para garantir que isso era
genuíno e que haveria uma mudança verdadeira e que as pessoas então entrariam no processo
político na base de um comprometimento com a democracia e um comprometimento de se usar
somente meios pacíficos. Isso foi lá nos finalmente, quando conseguimos desenvolver um processo
político que culminou no acordo que, eu acredito, trouxe paz para a Irlanda do Norte e permitiu
que a grossa parte daqueles que estiveram envolvidos na violência fossem para a sociedade e se
envolvessem. Não resolveu todos os problemas, mas os que restaram são de natureza limitada.
Eu disse que falaria alguma coisa sobre educação. Durante as conversas que tivemos que
implicaram em conhecer pessoas que estavam em níveis de liderança das organizações
paramilitares, e conversando com elas, eu ficava abismado várias vezes ao ver o quão pouco elas
na verdade conheciam, e quão pouco elas compreendiam de como a sociedade e a política
funcionam. Essas pessoas tinham expectativas irreais. Elas tinham temores de coisas que eram
irreais porque não sabiam na verdade como funcionava o sistema político. E me lembravam de
uma história que eu sabia desde o início, antes de acontecerem os primeiros tumultos. Eu conhecia
um senhor que era professor de direito, e ele decidiu ir até algumas dessas organizações civis que
se causavam agitações por conta das mágoas que existiam para dizer a elas: "olha, esses problemas
podem ser resolvidos através do sistema judiciário, você pode processar estas autoridades locais
que você acham que estão te discriminando, esta é a maneira de resolver as mágoas sem
violência." E as pessoas as quais ele se dirigiu, eu lembro de uma delas porque isto ficou registrado
por escrito em uma carta que foi enviada para o jornal na época, onde dizia que havia ouvido mas
não tinha se impressionado porque "temos certeza que eles podem manipular o processo." Em
outras palavras, a pessoa a qual o professor de direito se dirigiu era alguém que realmente não
entendia como funcionava o sistema judiciário e como se podia recorrer a este, na nossa situação,
com confiança, e abriu mão da oportunidade de resolver a questão sem violência. Eu só usei isso
como um exemplo, mas eu me abismei, como disse antes, ao ver que aqueles que estavam
envolvidos na violência na verdade não entendiam aspectos importantes sobre o funcionamento
da sociedade. E eu acho que um dos problemas do nosso sistema educacional é a concentração em
matérias acadêmicas, matérias técnicas, e não se faz o suficiente para assegurar que as pessoas
entendam como a sociedade funciona politicamente e como a sociedade funciona em relação a
simplesmente lidar com as dificuldades que surgem vida afora. E apesar de ter dito isto, sendo eu
mesmo um professor de direito universitário por 20 anos até 1990, eu acredito que muitos de
meus colegas acadêmicos que foram enviados para falar com aqueles que estavam envolvidos nas
agitações políticas, para dar conferências operacionais sobre os sistemas políticos e jurídicos da
época, que eles mesmo podem não ter sido capazes de pintar um retrato preciso de como esses
sistemas realmente funcionavam. Mas talvez isto seja consequência de alguns de meus
preconceitos.
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No final das contas, eu acredito que resolvemos a instabilidade política, a violência política que
tínhamos ao menos parcialmente, não, não parcialmente, mas sim em boa parte por causa das
medidas que adotei. Eu tenho que dizer que nossa experiência é somente isso, é só nossa
experiência, as outras situações não são necessariamente iguais. Em outras situações há uma outra
mistura, talvez seja necessária uma abordagem diferente. E estou muito feliz de vir aqui nessa
ocasião e refletir um pouco sobre nossa experiência, mas eu sempre digo "Cuidado, olhe para sua
própria situação, olhe para suas situações específicas com seus próprios méritos." Por favor, se
houver algo do que tenho a dizer que possa te ajudar, mas não são lições simples que podem ser
aplicadas em uma situação e outra. A vida humana não é simples assim. Todas essas situações são
complexas e precisam ser examinadas e entendidas com cuidado para serem resolvidas.
Obrigado.
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ANDRÉ LÁZARO
Eu fico muito feliz de recuperar a Carta da Terra que é um documento muito forte, muito bonito,
muito poético e ao mesmo tempo muito carregado de valores que nós precisamos enfrentar. Eu
participava ontem de um debate no Senado Federal sobre educação, e o professor Erasto Forte da
Secretaria de Direitos Humanos, fez uma observação que me pareceu super adequada para a
conversa de hoje eu vou repetir pedindo licença a ele. Ele falava que os ideais da Revolução
Francesa, de liberdade, igualdade e fraternidade, e foram ideais que moldaram o mundo
contemporâneo, moldaram a época atual e ainda moldam, esses ideais eles tiveram muita ênfase
na dimensão da liberdade, liberdade econômica, liberdade política, liberdade de imprensa,
liberdade individual e o vídeo trata muito o modo como os jovens encaram a sua liberdade
individual, que a igualdade sustentou toda uma política de esquerda, de luta por equilibrar de
alguma maneira liberdades e igualdades, mas que a fraternidade foi um pouco esquecida e que ela
se tornou um valor de dimensão quase que estritamente religiosa e não política. Como que se a
fraternidade fosse problema talvez da origem do termo, doméstico, e não um problema político. E
a sustentabilidade ela está exatamente no cerne do debate da nossa capacidade de sermos ou não
fraternos. Então eu acho que recuperar um debate político em que a fraternidade, para recuperar
para citar um valor da sociedade contemporânea e um valor universal da sociedade
contemporânea, recuperar o debate político da fraternidade, talvez seja uma tarefa que nós
precisemos encarar.
Eu às vezes me preocupo e o vídeo chama atenção para isso, quando a gente vê a garotada, a
meninada mais nova, em torno de vinte a trinta anos, e diz agora é com vocês. Eu acho que não é
isso. Eu acho que a gente não pode segmentar as nossas responsabilidades, e nós de cabelos
brancos ou sem cabelos, dizemos, bom a fiz minha parte quando eu tinha a sua idade. Não é
verdade. A nossa responsabilidade não é delegável. Porque o que nós aprendemos nós precisamos
manter vivo em nós pelo diálogo, mas aprender com aqueles que aprendem hoje. Então eu queria
falar um pouco de uma visão que procura enxergar uma responsabilidade partilhada. E não uma
responsabilidade atribuída ao outro. Nenhum de nós está isento dessa responsabilidade, pela
sustentabilidade, pelo futuro, e pelo aprofundamento da Fraternidade.
Em geral a gente olha para a educação brasileira, e só vê motivo de tristeza. Eu acho que nós
somos injustos se olharmos dessa maneira. O Brasil tem quarenta e oito milhões de alunos em
educação básica, em escolas públicas. Quarenta e oito milhões de alunos. Eu recentemente tive
em um evento na França, e eu tinha dez minutos para falar da educação no Brasil. Dez minutos, o
que eu vou fazer? Eu não tive dúvida, eu botei na tela, uma única imagem que era o número de
alunos por nível de ensino no Brasil. Quando as pessoas olham diz: “essa é a população do meu
país.” Pois é a população de muitos países europeus, estão em nossas escolas públicas, recebem
livros didáticos, recebem alimentação diária, recebem transporte. É a educação brasileira merece
um olhar mais carinhoso. O professor público brasileiro merece. Em linhas muito gerais, vamos
fazer a seguinte conta: cada idade no Brasil, cada coorte como diz o IBGE, tem mais ou menos dois
milhões e novecentas mil pessoas. Cada coorte. Então olha só. De zero a três anos, o Brasil tem
dezessete por cento das crianças em creches. De quatro e cinco anos, nós já temos setenta por
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cento das crianças na pré escola. De seis a catorze anos, nós temos noventa e sete por cento das
crianças na escola. De quinze a dezessete anos nós temos oitenta e dois por cento dos jovens na
escola. E de dezoito a vinte quatro algo como treze por cento na universidade. A sociedade
brasileira está conseguindo responder de maneira bastante razoável a questão da oferta, da
cobertura do acesso à educação. Estamos conseguindo. Não é fácil em um Brasil complexo,
diverso, as pessoas aqui em São Paulo conhecem a diversidade das diferentes regiões, a
complexidade da educação para todos. Agora lembra que tem um Brasil Amazônico, como
lembraram aqui. Tem um Brasil do Pantanal, tem o Brasil da Caatinga e do Semi-Árido, tem o Brasil
litorâneo, tem o Brasil do Pampa, pois noventa e sete por cento de nossas crianças estão na
escola. Isso é muito bom demais. Segundo problema: essa escola tem qualidade? Primeira
resposta nossa é não. Eu diria calma, vamos com calma. A gente fez uma prova aqui no Brasil,
equivalente ao “PISA”, que foi a prova Brasil, o IDEP. O PISA é uma prova internacional, a Irlanda
está lá em cima, o Brasil está lá embaixo. O Brasil é um dos últimos. Então o Ministro da Educação
fez uma prova, na mesma régua do PISA, mesmo parâmetro do PISA. E a média brasileira ficou lá
embaixo. Mas o que é muito interessante, é que se a média é baixa, a dispersão é extraordinária.
Então, a gente tem escola pública no Brasil que é melhor do que a média do Reino Unido. Há
escolas públicas no Brasil que tem resultados melhores do que a média do Reino Unido, do que a
média da Holanda. Na cidade Trajano Moraes no Rio de Janeiro, por exemplo, no primeiro “Prova
Brasil” uma escola tirou oito. A média do Reino Unido na mesma escala é sete. Sete e meio. Da
Holanda é sete. Você pode pegar no site do MEC, tem muita escola pública boa, só que elas não
estão nas grandes cidades, e nem nas pequenas, estão nas cidades médias. Agora no ENEM o
Estado de São Paulo ... deu show, deu show. Escolas públicas com notas muito boas. O que que eu
quero dizer, chamar a atenção para isso? É que a gente não pode olhar para o tamanho esforço
que a sociedade faz de garantir a educação, com muitas dificuldades e problemas, e jogar tudo
fora porque nada presta. Não é verdade.
Vocês sabem que hoje há no Brasil, sessenta milhões de pessoas, com quinze anos ou mais, que
não têm o ensino fundamental completo. Essas pessoas são os pais, as mães, os tios, os avós das
crianças que estão na escola. Qualquer um de nós aqui, eu tomo por mim, a coisa mais legal do
mundo era chegar a casa, e fazer dever de casa com a minha mãe. Opa, Édipo, está achando graça.
Vou ter minha mãe agora – éramos cinco filhos, Vou ter minha mãe agora só para mim, para me
atender, para eu fazer o dever de casa. Como é que você vai estudar em casa, em uma família que
não tem o ensino fundamental completo? E que é a maior parte da população brasileira? Então, a
gente está vivendo o hoje e a gente não pode perder a dimensão histórica do que nós estamos
vivendo. Nós estamos vivendo o momento em que pela primeira vez em que uma geração inteira
vai viver a escola. Pela primeira vez, na história desse Brasil e eu não estou falando isso para
brincar com as frases que o Lula fala não, eu estou olhando isso de uma perspectiva de longo
prazo. Da perspectiva da sustentabilidade. Então, chegamos finalmente ao momento que uma
geração inteira está na escola.
Não sei se o grupo que está aqui ouviu isso, mas o ouviu o que eu vou falar. Meu pai me disse e
deve ter dito a cada um de nós que estamos aqui, porque somos mais velhos: meu filho – não é
igual aquele rapaz que disse eu vou deixar dinheiro para os meus filhos e o resto que se dane. Não
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é isso não, ele disse: Meu filho eu não tenho nada para deixar para você a não ser educação,
portanto, vire-se. Aguenta a educação, vai frequentar a escola e vai fazer. Esta geração se
escolarizada vai dizer isso para os seus filhos. E ai o Ministro chama atenção sempre para isso, diz
“olha se a gente educar uma geração, o problema da educação não é um problema do Estado, do
Governo, a sociedade vai garanti-la. Mas a sociedade ainda não garante, sabe por que? A gente
aprovou uma lei estabelecendo piso salarial de novecentos e cinquenta reais para quarenta horas
para os professores da rede pública, e isso não foi aceito. Tem até hoje ação no STF para acabar
com isso. Então às vezes eu sinto que a gente está um pouco ainda preso a uma visão muito
partidária que não ajuda a população que precisa que suas elites tenham um compromisso mais
profundo e mais amplo.
Mas o Brasil tem mais um problema na educação que afeta a questão da sustentabilidade, que é o
problema da equidade. Eu dizia, temos cobertura, qualidade é desigual, mas a equidade é muito
preocupante. Dos catorze milhões de analfabetos com quinze anos ou mais que o Brasil tem, e são
muitos, dez por cento da população de quinze anos ou mais, dois terços são negros. Dois terços
são negros. A escolaridade média no Brasil, quando você compara preto e branco, ela vem
crescendo há três gerações. O Ricardo Henrique fez um estudo sobre isso muito legal: mostra que
o avô o pai e o filho, brancos e negros, vem crescendo há três gerações. Só que a diferença entre
eles não diminui. Não diminui há três gerações. Disseram ao avô do rapaz que está hoje com
dezoito anos, que a educação ia resolver a vida dele. Disseram ao pai dele e estão dizendo a ele.
Mas a diferença não diminuiu. A população do campo brasileira tem menos três anos de educação
que a média da população do resto do Brasil. Então o Brasil tem um desafio. E este é o momento
de enfrentar o desafio. Sabe por que? Porque as crianças estão na escola.. Nós tivemos um esforço
muito bonito, muito legal porque não foi esforço só do Ministério foi de todos os Estados. Nós
fizemos uma conferência de educação ambiental infanto-juvenil. Crianças de dez a catorze anos,
discutiram nas suas escolas a questão da sustentabilidade, discutiram, elaboraram cartas de
responsabilidade, sobre como a sua escola se compromete com o seu entorno, para melhorar a
sustentabilidade, fizeram conferências estaduais e nacional. Eu fui na nacional. Eram setecentas
crianças, do Brasil inteiro, só de escolas públicas, de dez a catorze anos de idade. Cada garoto,
cada menina que você encontrava, você via no olho dele um brilho de uma liderança e de uma
esperança. Ela sabia que ela estava informada. Ela estava preparada, essa menina sabia que ela
podia fazer alguma coisa. Então, para devolver a questão que você nos coloca, eu acho que cabe à
gente que já passou por uma ditadura militar, e sobreviveu a ela, já passou por um descrédito
profundo na política, e tiramos um presidente. Já passou por muitos processos, dizer às gerações
que se a vida é uma festa, e ela é, nós não fomos convidados apenas para sentar à mesa, mas
também para preparar a comida, para arrumar a sala, lavar a louça. Talvez o senso de
responsabilidade pelo processo da vida, é que a gente precisa aprofundar. E tomara que a
educação nos ajude a cumprir esse papel.
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MARIO SERGIO CORTELLA
Eu gosto demais da idéia deste fórum, e especialmente que ele aconteça no mês de maio, por
duas razões: a primeira delas é de natureza quase que etimológica. Porque maio tem esse nome
dado pelos romanos, em homenagem a uma divindade chamada Maia, e “Maia” é a deusa do
parto é a deusa do cuidado, é a deusa da proteção. Por isso, quem aqui estudou filosofia, um dia
se lembra, que a palavra parto em grego é maiéutica, e ela também tem origem, claro, no mês de
maio. Portanto, maio, não por acaso, é o mês da proteção, do cuidado com a vida. Não é casual
também que essa seja a razão pela qual o dia das mães aparece como comemoração muito
anterior ao mero consumo. Já na antiguidade grega, depois os romanos, se homenageava a Deusa
Rea, mãe de todos os deuses, e depois entram os Romanos, a Deusa Cibele, também ela, mãe de
todos os deuses. Mas vale pensar exatamente o que significa organizar o Fórum de Comunicação e
Sustentabilidade exatamente no mês de maio. É preciso que nós sejamos capazes de honrar
aquela que dá nome a este mês, nas culturas ocidentais. Por isso eu gostaria de lembrar
exatamente isso como ponto de partida. É preciso olhar sustentabilidade como um processo de
maiéutica, como um processo de partejamento, como a capacidade de dar a luz, a vida a uma
situação que se sustente. Porque parto tem a ver com o futuro. Você sabe, eu sei, as mulheres
sabem mais ainda, parto não é algo isento de desconforto. Não é isento inclusive de dor em várias
situações, mas a recompensa no mais das vezes em relação ao processo de partejamento com
todo o incômodo que ele possa carregar, ultrapassa, no mais das vezes, qualquer tipo de tristeza,
irritabilidade, dor ou até desespero.
A segunda razão pela qual eu gosto da idéia, deste fórum no mês me maio é há exatos cinco dias,
no dia 02 de maio, sábado, nós lembramos a morte do corpo de Paulo Freire. Paulo Freire faleceu
na madrugada do dia 2 de maio de 1997. E há exatos doze anos, quando o corpo dele foi
sepultado, ali não foi sepultada uma obra. A obra Freiriana de proteção à vida, de acreditar na
possibilidade da educação, como prática da liberdade, nome de seu primeiro livro e também a
pedagogia da autonomia, que é o último livro que ele escreveu em vida, porque aquele que saiu
depois, foram escritos que foram guardados e selecionados. A primeira obra em livro de Paulo
Freire, foi “Educação Como Prática da Liberdade”, e a última, com a publicação dele e o
lançamento, foi “Pedagogia da Autonomia”. Veja que coisa bela e forte: liberdade e autonomia.
É preciso pensar uma coisa quando nós olhamos esta realidade que aqui está. Paulo Freire usava
muito a palavra utopia, mas ele foi substituindo aos poucos, a palavra Utopia, por uma expressão
bem própria dele, que era “inédito viável”. O inédito viável: aquilo que ainda não é mas pode ser.
Por que ele fez isso? Porque de maneira geral, as pessoas no ocidente, utilizam o termo “utopia”
como sendo sinônimo de impossibilidade. Ou como sinônimo de lugar nenhum. É preciso lembrar
– a Terezinha Rios e eu – somos amigos e colegas há mais de trinta e quatro anos, e nesta
trajetória a gente escreveu várias vezes sobre utopia. E é preciso lembrar que quando Thomas
Morus, no mundo britânico do século XVI, criou a palavra Utopia, ele falava nessa obra de um
mundo de felicidade, de paz, de harmonia, de não violência. Ele não falava em democracia, porque
este não era um conceito presente naquele mundo, naquele momento. Mas ele falava em paz,
harmonia e equilíbrio. Thomas Morus, inclusive é considerado pelos católicos, santo porque ele foi
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decapitado pelo rei Henrique VIII em função até das posições que teve, contrárias ao estilo da
monarquia britânica naquele momento. Mas eu quero lembrar é outra reflexão. Thomas Morus,
criou um lugar do lugar da felicidade. Ele chamou essa ilha de Utopia. E é interessante, porque
quem conta no livro Utopia sobre essa ilha, é um navegador português. Que não por acaso,
quando Thomas Morus fez a obra ele chamou esse navegador de Rafael. Quem aqui tem
ascendência judaica ou estudou textos religiosos do cristianismo e do islamismo, sabe que Rafael é
um dos três arcanjos principais do judaísmo clássico: Miguel, Gabriel e Rafael. E na tradição
judaica que os cristãos e islâmicos absorveram, Rafael é o anjo que dá a luz. É o anjo que ilumina.
Inclusive há no registro do livro sagrado dos judeus, uma passagem em que Rafael ilumina Tobias.
Dá a luz a Tobias que houvera se tornado cego. Por isso a ideia de Utopia é aquela que nos
ilumina. A ideia de Utopia é aquela que nos abre os olhos, a ideia de Utopia é aquela que impede
que a gente se conforme com as quais tais como elas estão.
A tarefa da educação é semear utopias. Mas cautela. Agora eu quero trabalhar o termo no modo
como Thomas Morus o fez e não na versão que foi passada ao ocidente. Porque Thomas Morus
era um estudioso do grego clássico. Você sabe que “Topos” em grego é lugar. Mas ele, Morus, se
ele quisesse chamar a ilha de lugar nenhum, ou seja, de impossível, ele teria usado um prefixo
antes de topus que era “a”. Porque “Atopia” é que significa “lugar nenhum”. Tanto que se você
tem os sintomas de algumas patologias, as vezes se diz que ele é o medicamento é atópico.
Thomas Morus conhecia grego clássico. Ele sabia que no mundo clássico o prefixo “a” é usado
para lugar. Mas que ele por escolha, obviamente, escolheu o prefixo “u”. Que em grego clássico é
negação para tempo. E não para lugar. Por isso a palavra Utopia significa “ainda não”. Em vez de
significar “lugar nenhum”. Nós temos uma utopia, você e eu. Ou como diria Paulo Freire, existe um
inédito viável. Esse “inédito viável” é uma sociedade em paz. Cautela: paz não é ausência de
conflito. Conflito resulta da democracia, da divergência de opinião, da divergência de ação. Agora
não se confunda conflito com confronto. Porque conflito é divergência a ser trabalhada. Confronto
é a tentativa de anular a outra pessoa, extinguir a vida que se coloca a tua frente. Não é por acaso
que quando Paulo Freire recebeu o prêmio de “Educador da Paz” pela UNESCO já há vinte e dois
anos, que ele tenha escrito eu era possível, era necessário lutar pela paz. Olha que coisa curiosa,
pareceria uma contradição falar em luta pela paz. Mas Paulo Freire dizia, “da luta justa, a luta que
é aquela que deseja que não haja confronto.”
Curiosamente, muitas pessoas chamam uma guerra ou chamam até os confrontos na Irlanda tal
qual você colocou aqui com tanta clareza, chamam de conflitos, e isso não faz sentido. Uma guerra
nunca é um conflito. Uma guerra é um confronto. A democracia é o lugar de abrigar o conflito e
rejeitar o confronto. Porque o confronto, insisto, é a procura de aniquilar, extinguir aquele que se
opõe a você. Por isso é preciso lutar pela paz. E a paz é um inédito viável. E isso precisa ser
trabalhado em educação.
A educação para paz, ela não é algo colocado apenas no campo da abstração. Ao contrario, eu
várias vezes assisti ao vídeo da MTV, aliás, eu fui brindado nesses mais de dez anos que a MTV
trabalha essa ideia com a tarefa de a cada vez que ele foi apresentado poder discuti-lo em vários
lugares e eu dizia uma frase neste mais recente que nós hoje assistimos, e eu acho que vale para
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nós, é uma frase antiga, mas que vale para nós ainda, na qual se diz, “o mundo que nós vamos
deixar para os nossos filhos, depende muito dos filhos que nós vamos deixar para esse mundo.”
Que filhos estamos deixando? Filhos – e ai entendido filhos não só como filiação genética – mas
como as gerações que conosco convivem. Como lembrou muito bem o André, a questão do futuro
não interessa aos que viverão no futuro, mas àqueles que já vivem o futuro que somos nós. Vou
dizer uma coisa absolutamente óbvia me permite o Kotscho que é um grande jornalista: mas todo
ser humano sempre viveu na era contemporânea. Sem exceção na história da humanidade, todas
e todos sempre viveram na era contemporânea. E portanto, a questão da sustentabilidade é uma
questão contemporânea. E ela será de todos os contemporâneos estiverem ele onde estiverem,
qualquer época e em qualquer tempo. Também nesta direção o inédito viável precisa vir à tona.
Lembrou o Kotscho antes da idéia de no Blog, se falar da falta de esperança. Eu gosto demais de
um pensador que era alguém na época austríaco-francês que recebeu o Nobel da Paz também no
século XX, chamado, Albert Schweitzer. Schweitzer recebeu o Nobel da Paz em 1952. Ele viveu
cinquenta anos na África. Ele era médico, dedicou a vida dele a cuidar da vida. Não há modo
melhor de usar a própria vida do que usá-la para cuidar da vida. E ele o fez. Há muitas divergências
em relação à tarefa religiosa do Albert Schweitzer, porque ele por ser alguém ligado a uma igreja,
ele impôs muitas vezes a idéia de que a religião dele era a única verdadeira, tal como hoje Bento
XVI o faz e algumas estruturas, inclusive na África. Mas quando o grande Albert Schweitzer
dedicou meio século da existência dele a cuidar da vida, ele fez um trabalho de educação em
relação a vida. E ele dizia algo, que a gente não pode esquecer. Ele dizia: “a tragédia não é quando
o homem morre, a tragédia é aquilo que morre dentro de um homem, enquanto ele ainda está
vivo.” Digo de novo: a tragédia não é quando o homem morre, a tragédia é aquilo que morre
dentro de um homem, enquanto ele ainda está vivo. E o que não pode morrer? A esperança.
Agora cautela, dizia Paulo Freire: a esperança tem que ser a esperança do verbo esperançar,
porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é
esperança, é espera. “Ai eu espero que dê certo, eu espero que funcione, eu espero que resolva”
isso não é esperança, é espera. Esperançar é ir atrás é se juntar é não desistir.
Frei Beto, grande amigo nosso, amigo de vários aqui, estivemos juntos no aparelho de Estado
nacional, Frei Beto e eu escrevemos um livro pela editora Papiro, chamado “Sobre a esperança –
um diálogo”. É uma conversa sobre esperança. Aliás o Wellington lembrou que eu podia dizer que
ao final a hora que nós terminarmos, algumas pessoas estavam pedindo que alguns de nós
autografassem os livros, e eu estarei, a Terezinha Rios e outros na livraria fora para quem tiver. E
um deles, é a conversa com o Frei Beto. Esse livro com o Frei Beto ele começa com a frase que eu
acho espetacular: eu sou professor da PUC de São Paulo, de uma Universidade Católica, atuei por
trinta e dois anos no departamento de teologia, tal como a Terezinha Rios, e eu gosto demais de
uma frase que os cristãos atribuem a Jesus de Nazaré e que eu acho espetacular. Tenha você uma
religião ou não a frase vale. Ela está registrada no evangelho de João, capítulo X versículo X. Para
quem pensa em Educação, André, é fácil, é João, dez, dez. Que é o que nós queremos no Pisa. Dez
em matemática, dez em língua nacional. É João dez, dez. Olha que coisa gostosa, ele está
conversando naquele momento com André. Não este, mas o outro. E ao conversar com André
Jesus diz “quero que tenhais vida e vida em abundância.” Olha que frase forte. “quero que tenhais
vida e vida em abundância.” Ele não disse quero que você tenha vida. A frase tem um conteúdo
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político-social. Ele disse eu quero que tenhais vida e vida em abundância. Vida em abundância o
que é? Não é mini vida, sub vida, menos vida. Vida em abundância é vida em paz. E o que é vida
em paz? Vida em paz é aquela que você não é vitimada pela falta de condição material de
existência, não é humilhado pela ausência de uma escolaridade completa, não é atingido pela falta
de um atendimento de saúde possível, não é agredido pela ausência de um lazer sadio, de uma
sexualidade saudável, de uma religiosidade livre, de uma habitabilidade partilhante, isso é paz. Paz
é estar em paz. Estar em paz significa, como diria um dia Paul Ricoeur, um pensador francês, ao
definir ética, “paz” – diz ele sobre ética - “é vida boa para todas e todos, em instituições justas. E
justa é a instituição que protege a vida, que não descarta, que não a deixa menos abundante”.
Aliás, curiosamente, o que é vida boa para todas e todos? Vida boa é a capacidade de qualidade da
vida. Cuidado não é qualidade de vida. Porque qualidade de vida é muito restritiva. Usa-se a
expressão “qualidade de vida” para dizer que eu vou morar em um lugar melhor, que eu vou
poder sair com os meus cães para passear, etc. Eu estou falando de qualidade da vida. E qualidade
da vida é a capacidade de vida boa e sustentável para todas e todos. E isso exige que a gente não
confunda qualidade com privilégio. Cuidado: às vezes se fala em sustentabilidade pensando na
manutenção de alguns privilégios. Para sustentar o planeta, para que a vida não cesse nas suas
múltiplas formas, para que a nossa vida não cesse, é preciso que se abra mão de muitos
privilégios, inclusive, nossos. Afinal de contas, insisto, não se confunda qualidade com privilégios.
Por exemplo, se fala muito de qualidade em educação, que é necessária e o MEC vem buscando
isso na gestão atual, não é o único que o faz, mas vem fazendo com bastante intensidade. E deste
ponto de vista, é preciso lembrar que em uma democracia, qualidade tem que ser qualidade
social. E qualidade social só existe quando existe quantidade total. Se você não tiver todos os
homens e mulheres em uma boa escola, não há qualidade de educação. Há privilégio. Qualidade
para poucos, é privilégio, não é qualidade. É só você pensar o seguinte: São Paulo é uma cidade na
qual se come muito bem. É verdade. Quem come? Quem come o que? São Paulo tem duzentos e
sessenta cinemas, tem mais de setenta e cinco teatros, tem mais de trinta e oito museus, quem
pode fruí-los? Qualidade sem quantidade total não é qualidade é privilégio. E eu quero aproveitar
os cinco minutos finais para pensar um pouco essa ideia.
Democracia, não violência e paz. Obviamente tem conexão com a educação. Educar as gerações
significa nos educarmos com elas. Mas antes de mais nada, pensar que é necessário descartar
qualquer adesão ao privilégio. Enquanto nós continuarmos, por exemplo, admitindo que se
compre para uma criança e às vezes você compraria ou eu, se compre para teu filho ou tua filha,
um par de tênis, que custe o preço de dois pneus de um carro ou uma calça que por conta da
marca custa o preço de uma TV de trinta e duas polegadas, desbalanceando a relação de custo
benefício, a relação matéria prima, capacidade de guarda, enquanto nós imaginarmos que a nossa
atitude pode ser predatória em relação ao cotidiano, é claro, nós não teremos vida e vida em
abundância.
Quero concluir nesses três minutos com a seguinte noção: eu tenho um livro chamado “Qual é a
tua obra”. É um livro, por incrível que pareça, de filosofia, “Qual é a tua obra”, quando você se for,
o que é que vai ficar. É um livro da “Vozes”. Quando nós nos formos, o que é que vai ficar? Há um
grande gaúcho, chamado Aparício Torelly, foi apelidado por si mesmo de Barão de Itararé, ele
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disse um dia, “a única coisa que você leva da vida é a vida que você leva”. Que vida levo eu, que
vida levas tu? Com quem levamos, como levamos, será que nos educamos intergeralcionalmente
para partejar o futuro, para que a deusa Maia nos proteja para a vida abundante? Será que a
nossa vida é primaveril, como é o caso do hemisfério norte, ou ela é outonal, com as coisas caindo
e desfolhando e desmatando, e desumanizando. Por isso, vale pensar: qual é a tua obra, qual é a
minha obra, quando a gente se for, o que restará? Eu, Cortella, passei anos e anos, pensando em
um epitáfio para o meu túmulo. Coisa de quem ia fazer filosofia um dia, e se dedica a inutilidade. E
ai eu passei décadas, quando criança eu nasci em Londrina, eu sou paranaense, eu costumo dizer
que eu sou VIP que é “vindo do interior do Paraná”. Mas eu estou em São Paulo há quarenta e um
anos. E eu sempre pensei em um epitáfio para o meu túmulo. E de fato, um dia, aos dez anos eu
cheguei a ele, e sosseguei. Hoje eu não sou mais a favor do sepultamento, eu defendo a cremação
por entendê-la inclusive como ecologicamente mais correta, na vida urbana, mas é uma questão
das pessoas. Eu inclusive fui secretário de educação na cidade de São Paulo e defendi muito a idéia
de cremação, fiz campanha junto á época prefeita Luíza Erundina, para que a gente pudesse fazer
um acordo, com o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, para gente fazer uma campanha
pela cremação. São Paulo só tem um crematório aquele da Vila Alpina e eu queria uma campanha
por isso. A Caixa Econômica até entrou na discussão e depois o Banco do Brasil, né, e a prefeita
não deixou porque eu tinha criado um lema era um lema ótimo, só um jornalista que faria isso,
que não é o meu caso, o lema por isso que ela não deixou, a Luiza Erundina, o lema era “vem para
a caixinha você também”. Já imaginou? Não faz muito sentido, as vezes na tradução.
Voz:
E o teu epitáfio?
Mário Sérgio Cortella
Qual?
Voz:
O epitáfio.
Mário Sérgio Cortella
Não, vou falar. E o epitáfio, hoje eu queria, o epitáfio eu pensei e um dia a três anos eu fui visitar
Porto Alegre uma cidade a qual eu vou quase toda a semana, e fui visitar as coisas do poeta
brasileiro que eu mais admiro que é Mario Quintana. E Mário Quintana tinha mandado por no
túmulo dele o que eu queria no meu. E ai eu fiquei com raiva do Mário Quintana. Sabe o que ele
mandou escrever no túmulo dele? Ele mandou escrever “eu não estou aqui”. Isso é genial. Eu não
estou aqui. Se ele não está ali, onde está ele? Está em nós na vida que ele deixou, na solidariedade
que ofereceu, na educação que repartiu, na sexualidade que praticou, na religiosidade que
construiu, na fraternidade que elevou. Agora, o que restará a mim? Mandar escrever no meu
túmulo “Nem eu”. Mas aí é um túmulo com citação, bibliográfica, normas da ABNT, etc. Quero
concluir nesses quarenta segundos, com uma ideia. Cautela. Qual é a tua obra qual é a minha
obra. Quem faz o prefácio desse meu livro, quem conhece é a minha filha, Carol, que mora em
Florianópolis, e ela termina o prefácio dizendo “Qual é a nossa obra?”, ela diz “É o futuro, pai.
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Nossa obra é o futuro.” Eu começo o livro “Qual é a tua obra” com uma frase e termino com outra,
obviamente citadas e quero dizer as duas. Uma delas porque tal como você foi um dia Primeiro
Ministro, eu quero citar aqui um grande britânico, do século XIX, chamado Benjamin Disraeli– que
foi o Primeiro Ministro da Rainha Victória – ele tem uma frase que eu e você não podemos
esquecer, diz ele “A vida é muito curta para ser pequena”, “A vida é muito curta para ser
pequena”. E nós precisamos de cautela para não apequenar a vida. E esse livro termina com outra
frase, que é de um grande francês, chamado François Rabelais, quem aqui gosta de literatura
francesa, como é o caso do André que eu conheço há um tempo, sabe que Rabelais , é um dos
grandes nomes da renascença francesa, escreveu “Gargantua”, “Pantagruel” e ele tem uma frase
que eu vou dizer duas vezes, porque ela é muito profunda e vale para você e para mim. Disse
Rabelais “Conheço muitos que não puderam quando deviam, porque não quiseram quando
podiam”. Digo de novo. “Conheço muitos que não puderam quando deviam, porque não quiseram
quando podiam” A gente quer, deve e pode. Façamos. Obrigado.
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VINCENT DEFOURNY
Quando pensei, o que podemos dizer de coisa bem concreta que estamos fazendo e que
pensamos fazer, e desenvolver mais, e pensando realmente nos desafios na emergência, no
momento crítico ao qual estamos hoje, pensei em um outro momento que foi também um grande
de consentimento de urgência muito grande, justo depois da segunda guerra mundial, nesse
momento onde ainda o mundo inteiro estava baixo choque realmente depois dessa catástrofe,
mundial, de muitos milhões de pessoas que morreram, que sofreram dessa guerra, e que nesse
momento as pessoas mais lúcidas, do nosso planeta, os filósofos, as pessoas de Estados, não
chefes de governo, pessoas de Estados, realmente que tinham um grande sentimento do Estado,
pensaram: isso não pode acontecer mais. Isso, temos que encontrar uma solução para romper
esse círculo vicioso que nos levou a essa catástrofe. E nesse momento, ao mesmo tempo, ao
mesmo tempo que instalava em Nova York o Conselho de Segurança, para dizer “não, temos que
conter os exércitos, temos que conter a violência, temos que encontrar os mecanismos para não
deslanchar os confrontos.” Ao mesmo tempo, reunidos em São Francisco, diziam, visto que as
guerras nascem nas mentes das pessoas e na mente das pessoas que temos que reger as defesas
da paz. E por isso, nós, Nações Unidas, criamos a Organização das Nações Unidas, para a
educação, a ciência e a cultura, UNESCO. Acho que esse sentido de urgência, esse momento crítico
de 1945, quando realmente algo grande acabava de acontecer, e que foi criada a UNESCO, como
uma resposta concreta, como uma resposta absolutamente necessária do tamanho do problema,
a nível mundial, nível planetário, a responder e responder de uma forma profunda, os desafios,
apostando, não apostando, imaginando, e pensando bem no poder transformador da educação e
criando um mecanismo de cooperação internacional acho que isso foi uma coisa bem concreta.
Claro que sessenta anos, sessenta e dois anos de existência, fizeram que talvez tenhamos
cumprido todas as promessas, mas acho que a intenção da UNESCO é muito válida hoje. E hoje,
nesse momento grave, nesse momento de crises múltiplas, crises financeiras, crises climáticas,
crises sanitárias, as múltiplas crises que estamos vivendo hoje, são sintomas, nada mais, da
insustentabilidade de nosso mundo, tem que nos levar a pensar em respostas bem concretas.
Respostas bem concretas a todos os níveis. Nível local, nível nacional, nível regional. Mas também
no nível global, por que justamente –e isso é uma das grandes lições, já da Segunda Guerra
mundial, mas também dessas crises hoje, que nenhuma solução tem via possibilidade de se
deslanchar, viabilidade se não tem o tamanho do mundo. Porque nosso planeta ficou pequeno,
ficou muito interligado, inter-relacionado. E por isso precisamos encontrar os mecanismos para
repensar o mundo, para repensar a forma que queremos viver e viver de uma forma, fazer essa
utopia, fazer desse futuro inédito, desse inédito viável como o Cortella acabou de falar, e como
falava muito bem Paulo Freire, como podemos fazer acontecer esse futuro inédito.
E acho que um mecanismo não é o único, com certeza, mas uma das peças do quebra-cabeça que
precisamos arrumar, é essa questão da cooperação internacional. Esse mecanismo da cooperação
internacional, acho que de alguma forma, a intuição, as idéias geniais, estão na concepção de um
organismo internacional que é a UNESCO. E isso que realmente me ajuda a me mobilizar, a me
levantar a cada dia, que a luta para representar esse organismo no qual acredito muito porque
acho que temos um mandato muito grande, muito lindo, mas acho que não é palavra, é coisas
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bem concretas, que queremos fazer acontecer e isso que eu gostaria de desenvolver também um
pouco nessa lógica da intenção da UNESCO, na intenção inicial da UNESCO. Claro que é uma
UNESCO que temos que reinventar, são as Nações Unidas que temos que repensar, mas, da
mesma forma que a democracia dos gregos foi repensada no século dezoito, dezenove e que
agora também precisamos reinventar a democracia, temos que reinventar esses conceitos, essas
noções geniais, que foram dadas pelos seus fundadores. E ai eu gostaria realmente de fazer essa
relação com o pensamento do filósofo, porque a ideia principal da UNESCO é criar uma cultura de
paz. Desenvolver essa paz duradoura que realmente uma paz sustentável. Essa paz é uma paz que
temos que imaginar. E o filósofo que acabei de mencionar em um livro e em uma palestra que fez
na UNESCO sobre o tema “Imaginar a Paz”, dizia a seguinte coisa: “Imaginar a paz, não é sonhar.
Não é uma questão de um sonho, de uma ilusão. Imaginar a paz é como um arquiteto imagina
uma casa, imagina uma cidade, é fazer os desenhos, é criar as condições para que isso aconteça.”
Isso é a grande característica dos homens sobre a grande diferença com respeito ao reino animal,
e o reino animal é muito inteligente, por exemplo, como as abelhas, mas as abelhas fazem coisas
maravilhosas, mas de alguma forma as abelhas não tem essa capacidade de pensar o que elas vão
fazer. O homem pode fazer coisas maravilhosas, pensando o que ele quer fazer. E é essa a
mensagem que eu gostaria de trazer. A força das ideias. A força do pensamento que nos leva a
criar as condições desse futuro inédito, desse futuro ainda viável mas ainda é inédito. E para mim,
pensar esse futuro tem duas dimensões principais. Uma que é sincrônica, hoje com todos os
contemporâneos. E a segunda dimensão é para o futuro. Temos que pensar nessas duas
dimensões: a sincronia e a diacronia. Na sincronia, acho que temos uma carta linda, um plano de
missão muito concreto, muito bem redigido, justamente pelos que imaginaram as Nações Unidas,
que é a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Temos lá trinta artigos elaborados na
elaboração de um consenso internacional, mundial, que nos dá uma pauta bem concreta de fazer
acontecer hoje em todos os lugares, os direitos para todos. Os direitos humanos. Isso, para mim, é
o desafio da sincronia. E o desafio da diacronia, com o futuro e acho que esse é o grande desafio, é
fazer, trazer o futuro no presente, é a sustentabilidade. A questão do desenvolvimento
sustentável. Quer dizer, como hoje o meu comportamento tem um impacto sobre as gerações
futuras. Qual é o laço intergeracional que posso criar com minhas atividades cotidianas, com todas
as coisas que estou tentando dizer. Então, acho que essas duas dimensões tem que ficar
realmente na tela do fundo de nosso pensamento: direitos humanos e desenvolvimento
sustentável. Então, para fazer acontecer isso, a UNESCO tem cinco grandes áreas, que é a
educação, primeiro. E a educação, não só a escola, educação no sentido mais nobre, mais forte,
mais grande, mais potente, que podemos imaginar. A educação que tem quatro pilares: e isso uma
comissão da UNESCO reunida nos anos noventa, desenvolveu esses quatro pilares: aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a ser, e talvez a coisa mais original desse relatório foi
aprender a viver juntos, aprender a viver juntos, realmente significa encontrar essa fraternidade,
redescobrir essa fraternidade. Redescobrir essa capacidade de viver, em sociedade. O que é o laço
social? O que é fazer sociedade? Acho que esse é um dos grandes desafios que temos que fazer,
imaginar, aprender a viver juntos. E isso nos leva a uma outra dimensão muito importante. É a
questão das diversidades. Porque todos nós somos diferentes e isso é uma coisa que eu aprendi
muito nas Nações Unidas. Quando você trabalha com colegas de cento e noventa países
diferentes, quando você está em uma sala assim e que tem todos os países do mundo
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representados lá, são todas as línguas, são todas as culturas, são todos os comportamentos, todos
os jeitos de cada cultura. E essa riqueza da diversidade é um tesouro que é importante essa
diversidade cultural como a biodiversidade no mundo natural, essa diversidade cultural precisa ser
não só preservada, não é uma questão de preservação, é uma questão de encontrar a dinâmica
que vai permitir esse diálogo essa compreensão essa, esse interdiálogo entre as diferentes
culturas e por isso a UNESCO trabalha muito na área da cultura. Claro que conhecemos coisas
lindas como patrimônio mundial, mas quem é o patrimônio mundial? Por que reconhece um sítio
um patrimônio mundial. É porque se acha que esse lugar ou essa tradição porque patrimônio é
imaterial também, tem um valor importantíssimo para o resto da humanidade. E não é para ser o
melhor. Não. Não é uma competição. É um profundo reconhecimento do outro e do valor que o
outro pode aportar à minha realidade que é diferente. Educação, cultura, mas também ciências. E
ciências para resolver, conhecimento para resolver os problemas. Encontrar as soluções. E o gênio
do homem foi de inventar respostas aos seus problemas. Nem sempre. Não está na mesma linha
que os que acreditam. Não podemos seguir consumindo, podemos fazer, tirar todas as coisas pelo
lixo e essas coisas vamos resolver isso no futuro. Não. A história humana conhece experiências
múltiplas, de civilizações que desapareceram, aqui mesmo na América Latina existem várias
grandes civilizações que sumiram completamente. Claro que também o homem conseguiu
descobriu o ferro e descobriu fazer inventar e seu gênio e sua ciência conseguiu encontrar
soluções a muitos problemas, mas nem sempre. Por isso na UNESCO sempre falamos de ciência
com ética. Porque a ética, a dimensão ética da ciência, é fundamental. Fazer ciência com
consciência. Acho que isso é um elemento importante nas ciências naturais, mas também para
resolver justamente os problemas de convivências. E isso são todas as lições das ciências sociais.
As ciências sociais nos aprendem ou nos ajudam a entender, a compreender o que significa a
pobreza, as desigualdades (obrigado). Todos os desafios, que conhecemos muito bem e acho que
o Brasil está ao mesmo tempo tão lindo, mas ao mesmo tempo cheio de desafios do conviver. E
vemos isso em todas as cidades, no interior, e vemos isso em muitas dimensões, hoje dá para
perceber que aí estamos fortalecendo um mundo desigual. Então temos que quebrar essa
desigualdade. Como podemos vencer a pobreza como podemos vencer essas desigualdades? Com
certeza com a educação, mas também com pesquisa, com filosofia, com história, com sociologia,
com psicologia, com toda a mobilização das ciências sociais, que nos ajudam a pensar e a imaginar
esse futuro. Enfim, a quinta área onde a UNESCO trabalha que é a área da comunicação, da
informação, sou dessa área, trabalhei nessa área e acredito muito no poder e na força da
comunicação, acho que a comunicação é talvez a respiração das organizações. A respiração da
sociedade. É através da comunicação – e gostei muito do Dr. Trimble quando falou justamente da
importância da comunicação no momento crítico, das negociações, das discussões, na Irlanda do
Norte que sem a comunicação se o canal não existe não dá para avançar, não dá para fazer
qualquer coisa. Precisamos abrir o canal, ter mensagem clara e ao mesmo tempo fazer. Então eu
acho que são as três dimensões da comunicação, a dimensão sintáxica, quer dizer, abrir o canal, a
dimensão semântica, do que significa, mas ao mesmo tempo a dimensão pragmática, que é o que
quero fazer? Então para a UNESCO, isso significa liberdade de expressão, liberdade de imprensa,
lutar contra as assimetrias da informação. Criar todas as condições para que todas as pessoas
tenham acesso a todas essas informações. Então, os sessenta anos, sessenta e poucos, sessenta e
três anos de existência da UNESCO nos permitiram aprender muitas coisas. Temos desenvolvido
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programas, e atividades em múltiplas áreas, basta só olhar o site da UNESCO que convido vocês
também a olhar porque tem um conhecimento acumulado muito forte, tem textos lindos, tem
pensamentos de várias décadas atrás que são de uma atualidade impressionante. E realmente
esse site, UNESCO.org, cada vez mais em português graças ao esforço da representação aqui do
Brasil, queremos compartilhar e fazer que essas novas tecnologias também nos ajudem a
transformar, a reinventar essa sociedade. Foi apresentado, mais cedo no vídeo, do MTV, essa
geração, nossa geração, e uma geração conectada. Uma geração em rede e uma geração que é
capaz de usar essas tecnologias para fazer outra coisa, não é só consultar, ler na tela é fazer lá na
Internet mas é fazer acontecer no mundo todo. E existem bons exemplos disso. Acho que a eleição
do presidente Barack Obama mostra um caminho impressionante para todos os políticos futuros
que sem Internet, hoje você não faz campanha, sem uma boa comunicação em rede se você não
desenvolver a sua comunidade, não dá para criar esse sentimento de uma, de um futuro possível.
“Yes we can”, o lema do Obama que realmente perpassou e foi muito desenvolvido nessas
comunidades da Internet. Então, coisa bem concreta como documentar-se, informar-se sobre
essas coisas, consultando o site da UNESCO, é uma possibilidade, mas além disso é reinventar,
como eu falei no início, reinventar a cidadania, reinventar a democracia, reinventar o que é esse
laço social. E aí temos que encontrar as novas formas de colocar o futuro no presente. Temos que
encontrar as formas de nos representar de forma comum, a representação comum de nosso
futuro comum. E isso é o grande desafio de hoje. Acho que não é fácil fazer tudo isso acontecer,
mas existem vários caminhos pequenos, várias atividades. Então, pensar democracia mundo, foi o
que comentei no início, que a UNESCO, as Nações Unidas que precisam ser reinventadas, acho que
isso pensar a democracia mundo que é capaz de construir, desenvolver uma cultura de paz e isso
através da força da educação, da ciência, da cultura, é a mensagem que eu queria trazer aqui de
forma muito concreta, muito operacional, mas não podia terminar sem convidar vocês a uma
coisa ainda muito mais concreta e imediato. Na segunda, aqui em São Paulo, vocês que são
paulistas tem a grande chance de receber um artista da UNESCO pela Paz. É um artista francês,
Titouan Lamazou, mas a sua nacionalidade não importa, porque ele viajou pelo mundo todo
durante sete anos para conhecer e olhar de uma forma nova diferente mulheres do planeta e essa
exposição que estamos trazendo para o Brasil e que será inaugurada na Segunda na Oca do
Ibirapuera, e realmente gostaria de convidar cada um de vocês não só a visitar, mas a levar os
colegas, os amigos e os familiares para ver essa exposição que nos mostra, que nos faz uma
demonstração muito concreta que quando você muda o olhar sobre as coisas, o mundo pode
mudar. E olhando de forma diferente as mulheres que têm uma força enorme e que representam
o futuro do planeta, e ai outra vez uma referência a uma fala do Cortella, essas mulheres que são
capazes de colocar no presente o futuro através do parto, através desse momento mágico de dar a
vida, esse, quando você transforma esse olhar, sobre as coisas, você é capaz de imaginar um
futuro inédito. Muito obrigado.
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TEREZINHA AZERÊDO RIOS
Eu quero começar com essa ideia de participar de novo. Eu digo isso porque exatamente tenho às
vezes sido solicitadas a explorar temas que venho explorando no meu trabalho. E aí eu penso: “lá
vou eu de novo falar a propósito de democracia, não violência, paz, ética.” Eu me constrangia um
pouco, até que eu me dei conta do que eu dizia. “Lá vou eu de novo.” Se é de novo, não é de
velho. E quem sabe eu posso, trazer algo que tenha esse caráter mesmo de inovação. Estou
falando nisso porque muitas vezes chamamos de novo apenas as novidades. E eu quero começar
fazendo uma distinção entre o que é novo e o que é original. Há coisas que constituem novidade,
mas que não têm originalidade. O original é o que vai às origens. É o que explora efetivamente o
que é fundante, o que tem relação com princípios. Não princípio de começo, mas princípio de raiz.
Por isso, acho que o que a gente tem que buscar, é aquilo que é original. Eu estou me lembrando
de um livro que exploramos ali nos anos setenta, escrito por um paranaense chamado Roberto
Gomes, e que tinha o título de “Crítica da Razão Tupiniquim”. O Roberto Gomes pensava um
pouco em qual era a característica, ele estava explorando a questão de se existia ou não uma
filosofia brasileira. E dizia “ah nós somos muito abertos quando estamos no futebol, quando
estamos no samba, mas quando nos pomos a pensar, fazemos isso de terno e gravata.” E ele
então dizia “será que para haver uma identidade, o que é preciso para haver uma identidade. É
algo que se reporte à originalidade. E não à novidade. Ao modismo pura e simplesmente.” Ele diz
assim: “um automóvel que constituísse uma grande novidade porque não tem portas, não tem
motor, não tem rodas, portanto não anda, é mesmo uma grande novidade, mas não tem nada de
original, porque é de sua essência movimentar-se, poder andar, não é verdade?” Então, quando
pensamos nessas questões, relativas à educação, temos que pensar se essa educação que
propomos hoje para o futuro, é algo que tenha esse caráter de originalidade. De ir às raízes
efetivamente, se mexe com a gente enquanto esses seres humanos que somos desde sempre. É
claro que vamos nos tornando, mas que é algo que pode nos identificar. E então é mesmo
recorrendo a algo que já estive explorando, e que acho que pelo menos tinha a pretensão de ter
algo de originalidade, que retomo a conversa aqui. Às vezes brinco com os alunos lá quando
recomeçamos o trabalho, e digo assim: “como eu ia dizendo” e digo “o que eu ia dizendo
mesmo?”. Para gente poder retomar. Como não estávamos todos juntos em Brasília, eu ia dizendo
que abordaria a questão fazendo recorrência a algumas palavras chave. E as palavras que eu trazia
naquele momento eram convivência, alteridade, e utopia. E é por isso que digo que acho que o
Cortella abordou parcialmente a questão. Eu quero levar adiante porque a palavra que estava
escondida aí, a palavra chave, escondida não, guardada, era, a ética. Não é? A ética enquanto esse
olhar crítico sobre os valores que estão na nossa vida, e que perguntam sobre o seu fundamento,
questionam a moral nossa de cada dia, e se propõem a renová-la quando é necessário. Renová-la
efetivamente, inovando, trazendo alguma coisa nova. Com um novo olhar, como já se disse aqui,
vários que me antecederam, disseram isso, não é? O Vincent falou em reinventar. O original
reinventa. Cecília Meirelles dizia algo muito bonito em um de seus poemas, ela dizia “A vida só
vale reinventada”. Um desafio para que essa vida nossa de todo dia, não seja a mesma vida. Possa
ter um caráter de vida boa. Aquela de que falava o Cortella. O núcleo da ética é exatamente a
procura do bem comum, e representa vida boa para todos. Eu vou recomendar para vocês a
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leitura de um livro de um professor de filosofia espanhol, Fernando Savater, um livro traduzido
entre nós o primeiro que nos chegou, que se chama “Ética para meu filho”. Lá o Savater diz o
seguinte: “toda ética digna deste nome, parte da vida, e se propõe a ampliá-la, a torná-la mais
digna.” Portanto, falando de ética, falando de uma educação desejável, a gente tem que falar de
uma vida e não de uma vida qualquer. De uma vida digna. De uma vida boa, efetivamente. Por isso
que a pergunta da ética é diferente da pergunta da moral. A moral tem nos perguntado sempre:
“O que eu devo fazer?” Se a gente ficar se perguntando o que eu devo fazer, por um mundo mais
sustentável, talvez a gente ainda faça uma pergunta incompleta. A pergunta da ética é “Que vida
eu quero viver?”. E quando eu pergunto que vida que eu quero viver, aí sim que eu posso
perguntar, quando eu respondo a essa pergunta, que eu posso perguntar o que eu devo fazer para
ter essa vida. Então, quando eu pergunto que vida eu quero, eu vou pensar nessa vida plena que
quem sabe, uma nova educação possa nos trazer. A gente tem falado às vezes, tem ouvido as
pessoas falar, que é necessária uma nova ética, para as relações, para a educação. Não penso
assim, sabem? Acho que a ética tem sido essa mesma ética, se a gente pode dizer assim. A antiga
ética. A ética de sempre que com os seus princípios do respeito, da justiça, da solidariedade, tem
nos perguntado pela vida que a gente quer ter, e que a gente precisa de construir. Se a ética
entrar no pedaço da educação, aí sim ela terá condições de ser uma nova educação. Porque de
moral a educação nossa já está cheia. De moral as instituições já estão repletas. Sem ela,
impossível uma consistência das instituições, entretanto, às vezes falta exatamente essa ética para
problematizar essa moralidade. O que eu devo, se eu quero? Cortella falou, fez a pergunta final,
trouxe a afirmação de Rabelais para nós, exatamente no espaço dessa ética que se cruzam um
dever, sim, mas um dever que perde o sentido se não há um saber. Se não há uma consciência.
Um dever que perde o sentido se não há uma liberdade, um poder. E é um dever que perde o
sentido também se não há uma vontade, uma intencionalidade, um querer. Saber, dever, querer,
poder. É um quarteto que não pode se separar, como fizeram os Beatles. Ele em que ficar junto
para gente poder responder a essa questão. Meu tempo é breve. Como sempre e eu quero pensar
nessa perspectiva dessa vida mais ampla de que queremos. Sou mineira e costumo contar para os
paulistas colegas paulistas, uma anedota que eu acho que ilustra bem essa história de jeito de
olhar a vida. A história é de um paulista que estava de terno, empresário, que parou num bar
numa estrada para tomar um café porque tinha saído muito correndo de casa. Entrou e pediu um
café com leite e um pão com manteiga. Pois daí a pouco entra um mineirinho. E diz para o cara:
“me traga ai uma pinga dupla e um torresmo, um pires de torresmo”. E entrou na cachaça e no
torresmo. O paulista olhando e meio incomodado. Teve uma hora que ele não se conteve ele
disse: “Meu senhor eu não tenho nada com a sua vida, mas as sete da manhã, cachaça e
torresmo? O senhor vai encurtar a sua vida.” E ai o mineiro disse “ah é que o senhor não sabe
como é que a gente é, a gente aqui, de Minas Gerais.” Ai ele disse: “Para nós, tem mais
importância a largueza que o comprimento.” Se a vida é curta, vamos fazê-la larga. Vamos fazê-la
do jeito que somos merecedores. E a que temos direito. Essa é a lição para gente por-se a campo
para ir contra a violência, para ir contra a crueldade, que é um tipo de violência intencional,
planejada, etc. Para gente dar conta, disso, dessa reinvenção que a gente precisa. É fazer esse
futuro. Cortella e eu de vez em quando recorremos ao Millor Fernandes quando se trata de pensar
na hora de fazer na vida. A única hora é o presente, não é verdade? O único tempo é este. Mas a
gente às vezes não toma consciência disso e diz assim: “No meu tempo”, e no meu tempo é
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sempre no passado, não é verdade? Quando pai diz: “Olha, no meu tempo não se fazia isso.” O
Millôr Fernandes, num momento muito feliz diz assim: “Olha aí moçada, quando eu digo no meu
tempo, é daqui a dez anos.” E então é o nosso que a gente tem que esticar. Termino o meu tempo,
convidando vocês a ouvir outro mineiro. Não o caboclo lá do bar. Carlos Drummond de Andrade.
Quando ele de certa maneira expressa isso que eu gostaria de partilhar com vocês, e que de certa
maneira já estamos partilhando desde o inicio. “O homem as viagens”.
O homem, bicho da terra tão pequeno
Chateia-se na terra
Lugar de muita miséria e pouca diversão,
Faz um foguete, uma cápsula, um módulo
Toca para a lua
Desce cauteloso na lua
Pisa na lua
Planta bandeirola na lua
Experimenta a lua
Coloniza a lua
Civiliza a lua
Humaniza a lua.
Lua humanizada: tão igual à terra.
O homem chateia-se na lua.
Vamos para marte — ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em marte
Pisa em marte
Experimenta
Coloniza
Civiliza
Humaniza marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro — diz o engenho
Sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
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O homem põe o pé em Vênus,
Vê o visto — é isto?
Idem
Idem
Idem.
O homem funde a cuca se não for a Júpiter
Proclamar justiça junto com injustiça
Repetir a fossa
Repetir o inquieto
Repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira terra-a-terra.
O homem chega ao sol ou dá uma volta
Só para te ver?
Não-vê que ele inventa
Roupa insiderável de viver no sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o sol, falso touro
Espanhol domado.
Restam outros sistemas fora
Do solar a colOnizar.
Ao acabarem todos
Só resta ao homem
(estará equipado?)
A dificílima dangerosíssima viagem
De si a si mesmo:
Pôr o pé no chão
Do seu coração
Experimentar
Colonizar
Civilizar
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Humanizar
O homem
Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
A perene, insuspeitada alegria
De con-viver.
Acho que é ai que se encontra o convite dangerosíssimo, perigosíssimo que nos faz o Drummond,
a essa viagem de nós, a nós mesmos, uma viagem que faz o retorno, de um conjunto de planetas,
deste nosso planeta, ao planeta-mundo dentro de nós. Diz lá o Drummond, civilizar humanizar o
homem. É isso mesmo, porque a gente vai se reinventando enquanto ser humano. Falamos no ser
humano e às vezes dizemos: já vimos isso em algum lugar. Já sim. Foi no espelho. E se a imagem
que a gente vê desagrada a gente, não adianta quebrar o espelho, tem é que mudar a imagem.
Corajosa e humildemente.
Obrigada.
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Transcrição - Palestras