cê multishow caetano veloso ao vivo cê ao vivo "Cê" é antes de tudo um disco de banda. Registrar essa banda em atividade num show seria o procedimento a se adotar o mais prontamente. E assim foi feito. Gosto de pensar na banda do "Cê" como uma das bandas de que Marcelo Callado e Ricardo Dias Gomes participam. Felizmente, no Rio de Janeiro há um bom número delas. Gosto de vê-la também como uma das bandas que Pedro Sá poderia criar e liderar. Não que não goste de que ela seja a expressão de minhas próprias necessidades musicais agora. Acho o som que fazemos com "Cê" o que melhor mostra o que sempre tenho sido. E isso justamente por parecer opor-se a tanto do que fiz. Ele me livra um pouco de mim mesmo para que eu me aproxime mais de ser quem sou. No show é que se vê melhor a semelhança com "Circuladô", "Livro" ou "Noites do Norte" - e também com "Jóia", "Qualquer Coisa", ou "Bicho". Mais que tudo, a identidade com "Uns", "Velô" e "Transa". Além da proximidade imediata com o "Eu não peço desculpa" que dividi com Jorge Mautner. Mais longe, a luz sobre a Tropicália. Termos em mãos agora esse registro do show, em som e imagem, vale muito, por tudo isso. Os três da banda e eu estamos atarefadíssimos desde que o disco saiu. Já fizemos um número enorme de apresentações e há mais muitas por vir. Foi em meio a essas atividades tantas vezes diversas - o show é basicamente o mesmo mas, dependendo do lugar onde o apresentamos, pode parecer um show de rock convencional ou um espetáculo teatral minimalista que comenta tanto os shows de rock quanto o sentido da minha carreira individual - foi em meio a essas atividades assim cambiantes, dizia eu, que se gravaram o CD e o DVD que agora lançamos. Já não vivemos aquele tempo de fausto das gravadoras, em que até artistas pouco comerciais (como fui a maior parte do tempo ao longo de 40 anos) filmavam seus espetáculos em película e requintes de produção cinematográfica. Sabíamos que teríamos de trabalhar com câmeras de vídeo e, na parceria com o Multishow, realizar ao mesmo tempo o DVD e um especial para o canal televisivo. Mas desde cedo a produção me informou de que a captação do som (CD e DVD) estaria a cargo de Moreno, e a captação de imagem (DVD), a cargo de Mauro Lima. Moreno é a quem já devíamos a clareza do som do disco de estúdio - e é, além do grande artista que vem se afirmando no grupo +2, na Orquestra Imperial, nas participações com Adriana Calcanhoto ou com João Donato, meu filho e conselheiro. Devo a ele o encontro com Pedro Sá e Kassin (que produziu o disco que fiz com Mautner), com toda uma geração de músicos inventivos. Quanto à captação de imagens, a escolha caiu sobre Mauro Lima, que é o diretor do que para mim é o vídeo de música mais poético e mais bonito já feito no Brasil: o clip de "Todo errado", a canção que abre "Eu não peço desculpa" (o título do disco é o primeiro verso dessa canção). Mauro Lima é o diretor desse pequeno filme de 9 minutos que fez com a canção de Mautner, na interpretação que este e eu lhe demos, o que só um poeta faria. Assim, nas mãos Mauro Lima e Moreno, deixei rolar o que viesse. Tínhamos nossos arranjos, o cenário de Hélio Eichbauer e a luz de Maneco Quinderé. A produção teria que optar por um show com platéia ruidosa e participativa (em que ele fica com ares de show de rock convencional) ou um show em sala quieta (onde ele fica com ares de peça minimalista pretensiosa). No primeiro caso perde-se a clareza de intenções da série de músicas do repertório, o valor dado aos silêncios, e a composição espacial das formas no espaço; no segundo perde-se a animação que as canções mais aceleradas sugerem. Optou-se por uma sala animada. A Fundição Progresso foi uma escolha feliz porque as negociações, o convívio profissional e pessoal com a turma de Perfeito foram sempre ótimas, e isso pesou mais do que as dificuldades acústicas da grande e simpática sala. Não posso negar que nós quatro sobre o palco sentimos que não estávamos podendo render o melhor show do "Cê" de que já éramos capazes então (hoje, com o amadurecimento, tudo foi ficando ao mesmo tempo mais agulhado e mais solto). Mas o que se fez com o que apresentamos é um registro justo do que é o "Cê" ao vivo. E é uma peça elogiável por seus próprios méritos. O som ficou vivo e limpo, rico e despojado. A imagem ficou com uma textura sofisticada que a distância das meras transmissões televisivas. A captação de detalhes da ação dos músicos com seus instrumentos ficou elegante e sempre fiel à realidade musical no corte final. A entrevista que se pode ver nos extras foi conduzida com a maior simplicidade e sinceridade, num tom muito pouco usual nesse tipo de coisa. Eu, que falo muito e não agüento mais me ver falando, achei que até para mim a conversa soa bem (e as imagens do passado a pontuam em ritmo adequado). Enfim, mais alguma coisa boa que esse grupo de pessoas pode oferecer a um grupo maior de possíveis interessados. Esperamos que dentre estes muitos a recebam com prazer e proveito. Caetano Veloso caetano veloso multishow