Dr.ª Mary C. Neal
TUDO O QUE
VI NO CÉU
Uma médica narra a sua extraordinária morte,
as suas conversas com Deus e os anjos
e o seu regresso à vida.
Uma história real.
To Heaven and Back
A Doctor’s Extraordinary Account of her Death,
Heaven, Angels, and Life Again.
A True Story
Traduzido do inglês por
Michelle Hapetian
CONTEÚDOS
PRÓLOGO
INTRODUÇÃO
> 1 :: OS PRIMEIROS ANOS
> 2 :: DESCONTROLO
> 3 :: MÉXICO
> 4 :: UM NOVO DESPERTAR ESPIRITUAL
> 5 :: DEUS É FIEL
> 6 :: A DECISÃO DE SER FELIZ
> 7 :: QUANDO É PRECISO, DEUS GRITA
> 8 :: QUEBRAR AS CORRENTES
> 9 :: UMA AVENTURA NO CHILE
> 10 :: MORTE NO RIO
> 11 :: O MEU SALVAMENTO
> 12 :: REGRESSO A CASA
> 13 :: ANJOS NO RIO
> 14 :: REGRESSO AO WYOMING
> 15 :: O PODER DA ORAÇÃO
> 16 :: VISÃO NÍTIDA
> 17 :: CONVERSA COM UM ANJO
> 18 :: A UNIDADE DE INTERNAMENTO
> 19 :: A MINHA RECUPERAÇÃO FÍSICA
> 20 :: BOB
> 21 :: O MEU QUERIDO GEORGE
> 22 :: INSPIRAÇÃO PARA OS OUTROS
> 23 :: DEUS REMOVE A PEDRA
> 24 :: WILLIE
> 25 :: BILL
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TUDO O QUE VI NO CÉU
> 26 :: CHAD
> 27 :: COMPULSÃO PARA A ESCRITA
> 28 :: O DIA MAIS LONGO DO ANO
> 29 :: O MEU LINDO FILHO
> 30 :: O OUTRO LADO DO TEMPO
> 31 :: DÁDIVAS DE COMPAIXÃO
> 32 :: UM PLANEAMENTO PERFEITO
> 33 :: CONCLUSÕES LÓGICAS
RETRIBUIR
PERGUNTAS À DR.ª NEAL
AGRADECIMENTOS
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1. OS PRIMEIROS ANOS
Conheço bem os desígnios que tenho para vós – declara o Senhor.
Desígnios de prosperidade e não de calamidade, de vos garantir
um futuro de esperança.
–Jeremias 29:11
Nasci e cresci numa cidade perfeitamente normal do Midwest, no
Michigan. Morava num bairro de classe média, com os meus pais,
Bob e Betty, os meus dois irmãos, Bob e Bill, a minha irmã, Betsy, e
um pequeno dachshund chamado Trinka. O meu pai era médico de
cirurgia geral e a minha mãe era dona de casa.
Tive uma infância agradável que, em alguns aspetos, até foi idílica.
Nem sempre tinha tudo o que queria, mas nunca me faltava o necessário. Mais importante ainda para qualquer criança, sempre me senti
amada pela minha família. O ribeiro que passava nas traseiras do
nosso terreno era para mim fonte de grande excitação e oportunidades. Passava muitas horas a entrar e sair dele – a patinar no gelo, a
andar de barco, a pescar, a nadar e a explorar. Aprendi sobre caracóis,
lesmas e sanguessugas. Fiquei a saber o que acontece quando um cão
come o pedaço de toucinho que está preso no anzol de pesca e aprendi a não fixar os olhos de uma tartaruga-mordedora. Só depois de
construirmos um elaborado viveiro de mexilhões de água doce é que
eu e a minha melhor amiga descobrimos que são as ostras que dão
pérolas e não os mexilhões. Divertia-me imenso e foi assim que desenvolvi o gosto pelas atividades ao ar livre, em pleno mundo natural.
A minha família frequentava a igreja presbiteriana local, participando numa congregação em que tinham sido pastores o meu avô, o
meu bisavô e o meu trisavô. A nossa tradicional igreja de pedra erguia-se, alta e sobranceira, na praça principal da cidade. Embora a parte
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TUDO O QUE VI NO CÉU
exterior fosse bastante austera e pouco acolhedora, o interior formava
um arco apontado para o céu, ostentando enormes janelas com belíssimos vitrais coloridos. Os bancos já bastante usados eram feitos de
uma madeira robusta e escura. Eu e os meus irmãos frequentámos a
catequese e as aulas de preparação para o crisma, as missas e uma ou
outra reunião de grupo, mas eu considerava essas atividades demasiado mecânicas e aborrecidas. Ainda que fosse de livre vontade, nenhuma parecia ter muito significado na minha vida.
Nem eu, nem os meus irmãos e irmã desenvolvemos qualquer relação com um Deus vivo e pleno de amor, durante o nosso crescimento,
e não me lembro de alguma vez me terem exigido que incorporasse
Deus ou Jesus Cristo na minha vida e nos meus pensamentos diários.
Deus parecia ser “coisa de domingo” e não me recordo de ouvir os
meus pais a discutirem questões de espiritualidade ou religião em
casa. Em muitos aspetos, contudo, proporcionaram efetivamente aos
filhos um modelo de vida cristã. A minha mãe dava-nos muito carinho e todo o apoio de que precisássemos e era uma voluntária ativa
em várias organizações de serviço ao próximo. O meu pai demonstrava uma grande compaixão pelas pessoas em circunstâncias difíceis
e era altruísta na profissão de cirurgião.
Tinha o costume de seguir o meu pai, quando ele fazia a ronda dos
pacientes no hospital, ou quando o chamavam do serviço de urgência,
aos fins de semana. Percebia que a sua vida se centrava no serviço ao
próximo, pela forma como tratava os outros, sempre com amabilidade
e respeito, porque não tinha como principal motivação o dinheiro e
pelo facto de colocar sempre os sentimentos e necessidades dos outros
antes dos seus.
Perto da adolescência, tornei-me mais independente e comecei a
formar as minhas próprias opiniões. Descobri que embora o meu pai
fosse bom nas nossas atividades em conjunto, não era lá grande coisa
a partilhar os seus sentimentos comigo ou a discutir temas que eu
considerava importantes ou difíceis. Apesar dos seus defeitos, adorava-o e fiquei pasmada quando, na primavera de 1970, a relação dos meus
pais acabou e a minha mãe lhe pediu para sair.
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1. OS PRIMEIROS ANOS
Naquela época, o divórcio ainda era um escândalo e fiquei furiosa
quando os meus pais se divorciaram, no outono de 1971. Estava no
sétimo ano e depressa me tornei uma adolescente confusa e revoltada. Quando confrontada com a notícia do divórcio deles no jornal, já
não podia negar que a imagem que tinha da família tradicional americana ao estilo dos anos 50 explodira. Nesse período, frequentar a
igreja foi um dos poucos aspetos estáveis da minha vida.
Os meus dois irmãos mais velhos já estavam na universidade e eu
e o meu irmão mais novo continuávamos a viver com a nossa mãe,
na casa onde tínhamos crescido. Todos os domingos de manhã, o
meu pai levava-me a um café ranhoso para tomarmos o pequeno-almoço e, depois, à missa. Uma vez que ainda me sentia envergonhada e, muito provavelmente, revoltada com o divórcio dos meus
pais, recusava-me a ir à missa da igreja presbiteriana com ele. Então,
íamos à missa matinal da igreja episcopal da nossa zona. Em geral,
depois da missa, dávamos um passeio a pé e íamos para o apartamento dele, onde acabávamos o dia com um jantar de frango assado
no forno e feijão verde: a única refeição que aprendeu a cozinhar.
Embora lhe reconhecesse as limitações, nem por isso deixava de me
agarrar à fantasia de o ver regressar a casa, para sermos outra vez a
família ideal das minhas recordações de infância.
A minha mãe era uma mulher jovem, atraente e interessante. Não
lhe devia ter levado a mal o desejo de namorar, mas foi o que fiz, chegando mesmo a tentar sabotar-lhe o que pudesse. Mack foi o primeiro homem a interessar-se seriamente pela minha mãe, depois de o
meu pai ter saído de casa. Certa noite, quando voltei para casa, descobri que ele comera todos os biscoitos que eu tinha feito naquele dia
(sendo ele a última pessoa a quem eu os queria oferecer) e fiquei
furiosa. Fiz questão de expressar bem a minha opinião e fiquei encantada por nunca mais o ver.
George foi o homem seguinte que conseguiu captar a atenção da
minha mãe. Era diretor-geral do clube de campo onde os meus irmãos
trabalhavam e eles é que lhe falaram na nossa mãe. Depois de muito
insistirem para que ele lhe telefonasse, entre George e a minha mãe
surgiu uma bonita relação de namoro. Embora os meus pais já se
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TUDO O QUE VI NO CÉU
tivessem divorciado há bastante tempo, ainda odiava a ideia de a minha
mãe ter um “namorado”. Devo dizer que George era um homem divertido, simpático, gentil, compreensivo e extremamente paciente. Para
além disso, nunca conheci ninguém que desse massagens nas costas
tão boas e demoradas e tenho de confessar que essa foi uma excelente
forma de quebrar a minha hostilidade para com ele! George adorava
não só a minha mãe, mas também os filhos dela. Assim, quando a
minha mãe fez uma reunião de família, cerca de um ano depois de
começarem a namorar e nos pediu permissão para casar com ele, foi
impossível recusar-lhe essa felicidade. Não obstante, ainda me sentia
em conflito, no fundo do meu coração. George era um bom homem
e eu achava que seria um padrasto razoável, mas continuava a rezar
todos os dias pelo regresso do meu pai e o retorno à vida que conhecera com ele em casa.
Até ao preciso momento, em 1973, em que o pregador declarou oficialmente a minha mãe e George “marido e mulher”, não parei de
rezar para que o meu pai aparecesse de rompante e interrompesse a
cerimónia do casamento para reclamar a sua família. Como isso não
aconteceu, concluí que Deus não deu ouvidos à mais desesperada das
minhas orações e muito menos lhe deu resposta.
Desiludida, descartei a própria noção de rezar. Não passava de uma
criatura ínfima, num planeta com mais de quatro mil milhões de
habitantes. Se Deus realmente existisse, porque havia ele de ouvir as
minhas preces e de as atender? Decidi que a ideia de um Deus omnipresente que zela pelas pessoas não tinha passado de uma crença
infantil e tola, e por isso resolvi “seguir adiante” e desistir de tudo
em que acreditava.
Aos 15 anos, era uma jovem esperta, talentosa e confiante. Julgava
saber o que mais me convinha e estava convencida de que seria capaz
de criar o meu próprio futuro, sem qualquer ajuda divina. Na altura,
não me dava conta de que Deus não só respondera aos meus pedidos
mais desesperados, como também o fizera de uma forma bem melhor
e mais enriquecedora do que alguma vez poderia imaginar. Através
do casamento da minha mãe, Deus deu-me um padrasto que era constante no amor, na gentileza e na cortesia que tinha para connosco.
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1. OS PRIMEIROS ANOS
George dava-nos apoio e respeitava-nos. Como padrasto, ensinou-me
acerca da alegria, da amizade e da responsabilidade. Para além de me
proporcionar o modelo de um casamento cheio de amor e respeito,
também se tornou uma das influências mais importantes da minha
vida. Deus cumpriu mesmo a Sua promessa, acerca dos Seus desígnios de nos garantir um futuro de esperança. A entrada de George
na minha vida não foi decididamente a resposta por que rezara. Foi
melhor.
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2. DESCONTROLO
O futuro pertence a quem acredita
na beleza dos seus sonhos.
– Eleanor Roosevelt
Apesar da presença estabilizadora de George, quando passei para a
secundária, a minha vida continuava mergulhada no caos e na dor.
A maioria dos meus amigos consumia drogas e bebidas alcoólicas e
eu começava a descontrolar-me. Numa noite fria de março que, aliás,
era a data de aniversário da minha mãe, John, Linda e um outro amigo
foram buscar-me a casa, no Chevy Impala novinho em folha do irmão
de John. John tinha acabado de tirar a carta de condução, mas conseguimos convencê-lo a seguir por umas colinas tipo montanha-russa,
quando íamos todos a uma festa numa cidade vizinha. Não é por
acaso que lhes chamamos montanha-russa. Se seguirmos com alguma velocidade, sentimos o estômago colado à garganta nas subidas.
As estradas invernosas de março estavam cobertas de gelo, e os bancos novos de vinil tornaram-se suaves e escorregadios quando começámos a voar sobre as colinas. Linda insistiu para que puséssemos
os cintos de segurança e mal tínhamos ouvido o clique das fivelas
quando John perdeu o controlo do carro. O carro desatou a girar até
embater numa árvore e de imediato ouvimos o violento som do porta-bagagens a separar-se da cabine dos ocupantes.
Ao colidir com a árvore, o carro foi catapultado para o outro lado da
estrada e embateu noutra árvore, perdendo o compartimento do motor.
A cabine dos ocupantes, onde ainda estávamos nós os quatro, foi a
rolar pela encosta abaixo, até parar voltada ao contrário. Embora tivéssemos ficado pendurados de cabeça para baixo, suspensos pelos cin23
TUDO O QUE VI NO CÉU
tos de segurança que tínhamos acabado de apertar, nenhum de nós
sofreu ferimentos graves.
Enquanto rolávamos pela ravina abaixo, ouvi alto e bom som Deus
dizer-me: “Estou contigo.” Nesse momento, o medo que sentia desapareceu e consegui até maravilhar-me com a beleza da imagem rodopiante de árvores e arbustos que via através dos vidros estalados, ao
longo da descida. Foi a primeira experiência de que me recordo da
presença de Deus na minha vida. Fiquei maravilhada com o que tinha
ouvido e sentido, mas, para ser franca, também fiquei assustada. Comecei a pensar que Deus, afinal, talvez não fosse uma mera “crença infantil e tola”. Para mim, Deus era real, estava presente e, ao que tudo
indicava, tinha mais planos para a minha vida do que eu própria.
Depois desse acontecimento, a minha vida como adolescente continuou confusa, mas já parecia ter mais sentido e futuro. Comecei a
analisar o meu comportamento, as minhas amizades e as minhas
escolhas. Decidi que estava na altura de levar a vida mais a sério e
fazer algumas mudanças. Já não gostava de “andar” com a malta às
sextas-feiras à noite, e passei a dedicar mais tempo a pensar no meu
futuro e nas coisas que me eram importantes. Refleti sobre os meus
objetivos e sobre o meu papel no mundo.
Continuei a frequentar as missas tanto da igreja episcopal como
da presbiteriana e comecei a ir de vez em quando à igreja cristã de
Oakland Road, com a minha amiga Merry Ann. Apesar de ter sido
batizada e crismada na igreja presbiteriana, optei por me submeter
a um batismo de plena imersão numa das chamadas ao altar da igreja cristã de Oakland Road. Dá-me vontade de rir, lembrar-me disso,
pois sou um pouco para o introvertida. Quando me imaginam a subir
ao altar, numa chamada pública, e a ser mergulhada num tanque em
acrílico num santuário apinhado, a maioria dos meus amigos desata
logo a rir. Não obstante, foi o que fiz e o Espírito Santo deve ter entrado em mim, porque ao emergir, senti-me leve como uma pena. Fiquei
cheia de energia, eufórica e extasiada. Sentia-me limpa e renascida;
tornei-me outra pessoa. Cumpriu-se a promessa de Deus: “se alguém
está em Cristo, é uma nova criação. O que era antigo passou; eis que
surgiram coisas novas.” (2.a Coríntios 5:17)
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3. MÉXICO
Confia no SENHOR, do fundo do teu coração,
e não te fies na tua própria inteligência!
Reconhece-o em todos os teus caminhos,
e Ele endireitará as tuas veredas.
– Provérbios 3:5-6
Pouco depois da minha transformação espiritual pela via do batismo,
li um boletim da igreja que continha o anúncio de uma ação de angariação de fundos, da parte de um casal de missionários que vivia nas
montanhas do centro do México. Embora sem uma formação específica para aquela tarefa, o casal orientava campos dedicados ao ensino da Bíblia e geria uma clínica médica que proporcionava cuidados
de saúde à população carenciada das montanhas circundantes de
Matehuala, no estado de San Luis Potosi. O pedido de ajuda que lançavam fez-me sentir imediatamente impelida a agir.
Tinha 15 anos, não possuía dinheiro para dar ao casal e não sentia
interesse pelo trabalho evangélico que levavam a cabo, mas achava que
trabalhar numa clínica médica remota seria uma grande aventura.
Contactei imediatamente o casal que aceitou afavelmente a minha
oferta de ajuda. Só perguntaram quando é que eu podia ir e quanto
tempo podia ficar. Anunciei os meus planos à minha mãe e conseguimos que a escola me concedesse créditos curriculares pelo meu
serviço no México.
Muito em breve tinha tudo preparado e pude partir para o México.
Foi um bom exemplo (olhando para trás, claro) da facilidade com que
as coisas acontecem, quando começamos a cumprir a vontade de
Deus. Demorei muitos anos a perceber que, sempre que tudo nos
parece complicado e nos sentimos a nadar contra a corrente, é porque
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TUDO O QUE VI NO CÉU
muito provavelmente não estamos a cumprir a vontade de Deus. Quando a cumprimos, tudo parece acontecer sem grande esforço ou com
poucos obstáculos.
O casal de missionários tinha uma casa na cidade de Matehuala,
mas passava uma boa parte do tempo numa rústica aldeia montanhosa, a várias horas de distância. Foi quando íamos a caminho de
casa, vindos dessa aldeia na montanha, que a nossa carrinha se atolou
na lama, tal como descrevi na introdução deste livro. Quando estávamos nas montanhas, morávamos numa pequena herdade, onde
proporcionávamos alimentos, aulas de ensino da Bíblia e cuidados
médicos à população que vivia na região. Oferecíamos vários tipos
de cuidados, desde o tratamento de piolhos e de mordeduras de aranhas ou centopeias à imobilização de ossos partidos e pequenas cirurgias para resolver problemas mais comuns, como apendicites. Apesar
de ser um serviço rudimentar, os aldeões consideravam-no o melhor
que tinham à disposição. Na verdade, existia um hospital regional,
mas que ficava a várias horas de distância, pelo que os aldeões só lá
iam quando já estavam quase com um pé na cova.
Esse casal de missionários, em particular, precisava desesperadamente de ajuda e parecia não ter mãos a medir. Quando cheguei,
deram-me um manual de medicina já ultrapassado e disseram-me
que ficaria responsável pelos cuidados de obstetrícia, incluindo partos – e até uma ou outra cesariana. Eu estava à procura de aventura
e era muito segura de mim própria, mas definitivamente não estava
preparada para tanta responsabilidade e pensei se não estariam enganados acerca das minhas habilitações.
Quando lhes falei sobre o assunto, aconselharam-me a rezar, pedindo orientações.
Disse-lhes que só podiam estar loucos.
Rezei fervorosamente, enquanto estive na clínica. Supervisionava
os partos fáceis, fazia os partos difíceis que exigissem intervenções
de algum tipo e fazia cesarianas. Felizmente, apesar dos meus conhecimentos tão limitados, da pouca experiência que tinha e da escassez
de equipamentos, nunca perdemos um bebé ou uma mãe.
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3. MÉXICO
Ao receber os louros por esses êxitos, julgava que era porque tinha
aprendido depressa, lido muito e sido uma “cirurgiã” cuidadosa e aí
por diante. Posteriormente, depois de me ter licenciado em Medicina
e de ter começado a especialização em cirurgia, tornou-se-me dolorosamente evidente que os meus primeiros êxitos pouco ou nada
tinham que ver com os meus esforços. Limitara-me a proporcionar
as mãos, através das quais Deus trabalhava. Todo o mérito tinha sido
de Deus, e não me parece que os nossos pacientes tivessem sobrevivido sem a sua orientação e intervenção.
Quando li o tal boletim da igreja que acabou por me fazer chegar
às montanhas do México, fiquei interessada na clínica médica, mas
de modo algum no trabalho evangélico ou missionário. Achava que o
evangelismo, as missas de domingo e os campos dedicados ao ensino
da Bíblia seriam aborrecidos e desagradáveis. Para mim, a espiritualidade era uma questão do foro íntimo de cada um e não me agradava a ideia de a discutir com outras pessoas ou de estimular a fé em
ninguém. Todas as pessoas que viviam na aldeia da montanha, adultas e crianças, frequentavam os campos de ensino da Bíblia e foi para
mim uma surpresa sentir-me comovida e contagiada pelo entusiasmo
espiritual delas. Quase não tinham posses materiais e, muitas vezes,
só tinham alimentos para fazer uma refeição por dia, mas eram pessoas cheias de compaixão que não cessavam de louvar Deus e de Lhe
agradecer as suas bênçãos diárias. Para eles, Deus não era uma mera
“coisa de domingo” – entoavam hinos com os corações a transbordar
de alegria genuína.
Observar a obra de Deus na vida dos habitantes daquela aldeia remota inspirava-me e fazia-me reconhecer que aqueles camponeses
eram tão visíveis e preciosos para Deus como os habitantes sempre
ocupados e “todos importantes” das grandes cidades. Era por demais
evidente que nada os poderia afastar do amor de Deus. O aspeto evangélico dessa aventura talvez tenha forçado um pouco a minha “zona
de conforto”, mas o certo é que acabou por ser tudo, menos aborrecida.
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TUDO O QUE VI NO CÉU