O que é ser mulher? Abílio Luiz Ribeiro Alves O que sabe um homem sobre isso? Encontro-me atravessado por uma divisão hoje aqui. Em parte, falo identificado com a posição masculina, viril. Porém, por experimentar em meu ofício certo enfrentamento com um real que não se submete de todo ao simbólico, estou em afinidade com o feminino, digo: “se uma mulher está não toda” referida ao significante sexual (o falo), eu mesmo estou advertido de que a “verdade toda” está a mim vedada. Não posso senão dizer uma verdade “não toda”. Quando digo a mulher, não trato no sentido do gênero, mas do fato que, enquanto falantes, elas portam certo enigma sobre o seu sexo. O significante que diz do sexuado no humano, o falo, não diz tudo sobre o sexo feminino. Daí a questão: o que é ser mulher? O falante identificado à posição viril, lado homem, acredita estar de posse da significação que define o seu sexo. Ele não reclama nada sobre isso, a não ser a partir da perspectiva ou da proximidade do encontro desencontrado com o outro sexo, em que, por alguma razão, põe em dúvida sua capacidade de ali se sustentar com seu falo ou virilidade. Sabemos o quanto na história, os falantes dessa espécie produziram discursos reativos e praticaram atos violentos contra “os semelhantes de certa diferença”, isso em decorrência da angústia que os ameaçavam a partir do enigma e da dúvida que uma mulher acarreta com seu modo de estar no mundo. Assim, a maneira mais comum de oprimir uma mulher é desqualificando a expressão de suas ideias e sentimentos, tratase da degradação moral ou psíquica de sua condição. A dita loucura feminina ou sua má reputação passam a justificar todos os modos de opressão e violência destinados às “loucas e vadias”. Não obstante, desde a antiguidade, há algo no “ser feminino” que nos interroga sobre a sua razão. Se Hipócrates atesta um déficit funcional de um órgão ligado ao sexual que é o útero, seu contemporâneo Platão afirmaria que a frustração de não ter filhos, para uma mulher, irritaria não só o seu útero, mas todos os seus outros sentidos, acarretando uma série de outras doenças. As virgens e viúvas estariam condenadas a toda sorte de desordens. As casadas teriam alguma chance. Desde cedo na História, são indicados às mulheres o sexo no casamento, o cuidado dos filhos e da casa. A Idade Média, por sua vez, vai criticar e abolir a ênfase no sexual. O cristianismo denuncia o excesso e o descomedimento como resultado do combate entre Deus e Satã. O adoecimento da carne ou do corpo denunciaria a derrota do espírito contra o mal. As loucas, as feiticeiras e bruxas, as abandonadas e mundanas seriam tratadas como as faces encarnadas do demônio. O que era a histeria proposta por Hipócrates, seria, a partir de então, possessão demoníaca. E, nesse caso, a fogueira era a condenação e, ao mesmo tempo a purificação da alma. A execução deveria ser pública e tomada como contestação do poder divino. Os inquisidores se baseavam no Malles Maleficarum (O martelo das feiticeiras), manual muito empregado na Europa entre os séculos XV e XVIII. A partir do século XVIII é a psiquiatria que vai se ocupar da loucura feminina. As loucas institucionalizadas se prestaram aos estudos de mestres como Charcot e seu “Teatro das Histéricas” na Salpêtrière. É dessa fonte que beberá o jovem neurologista vienense Sigmund Freud ao ouvir do citado mestre “o segredo de alcova”: a etiologia da histeria é sexual. A sexualidade é reprimida e confinada num sintoma de conversão. Se a histérica fala a partir do próprio corpo, Freud dará ao seu discurso a condição digna de uma fala que porta algo da verdade do sujeito, ainda que a mesma não saiba lê-lo, dado que é nas entrelinhas desse texto no corpo que o inconsciente se dá a ler. O analista, de certa forma, é testemunha de um saber a se constituir, no caso das histéricas: qual a relação entre o sintoma e o desejo? Ou “o que quer uma mulher”? Freud, ao longo de sua obra, faz um grande esforço para transpor o campo da psicopatologia para o da feminilidade no que concerne às revelações que ele escuta de suas pacientes. Freud tira suas histéricas do anonimato e do estigma da loucura. O século XX desenhará um cenário um tanto distinto. As mulheres iniciam um movimento de emancipação. Todavia, se no campo social ocorreram conquistas, no campo político e religioso “a responsabilidade do homem” conserva a diferença sexista arbitrária da sociedade que dá ao masculino maior poder. As mulheres são tomadas, aos olhos do Direito, como um grupo social distinto e, portanto, passível de ser autorizada ou não frente à Lei. A história recente nos revela que do direito ao trabalho remunerado e voto à liberdade sexual a luta se deu num verdadeiro campo de batalha. Apesar da demonstração de competência e compromisso, as mulheres ganham menos que os homens. Elas continuam a sofrer atos de violência e violação de seus corpos e dignidade em índices absurdos em todo o mundo: países ricos e desenvolvidos ou não. Nesse contexto, a luta dos movimentos feministas pela igualdade de direitos e condições sociais foi muito importante. Mas, como toda ideologia sustentada por um discurso do falante, o Feminismo está fadado aos equívocos do “não todo” acesso à verdade. Por exemplo, a “maternalização” da figura do pai na atualidade supõe uma igualdade onde não há. Isso tem gerado uma série de consequências desastrosas tanto à conjugalidade quanto à parentalidade. O que importa para a criança é que a mãe revele um desejo fora dela (criança), assim é fundamental que o pai encarne o terceiro incluído pelo desejo da mãe como uma diferença entre ela e seu filho. O pai-mãe (pãe) não deixa lugar para a diferença. Ainda, a sacralização da maternidade deixa a mulher cativa de uma verdade absoluta e universal que não lhe dá nenhuma alternativa além de se realizar como mãe. O feminino está além das perspectivas sociais imputadas ao papel da feminilidade na ideologia dominante do macho. Do mesmo modo, vocês vão me queimar na fogueira aqui mesmo, a preconização de um discurso da igualdade e da liberalidade promove a liquidação da diferença sexual: todos gozam de todos e de tudo e já não se sabe o que se deseja. Nesse cenário, só um ingênuo não percebe que as mulheres mais vulneráveis ao julgamento moral e social se perpetuam como objeto a serviço do gozo dominador do homem. As histéricas de Freud se impediam ou se sacrificavam quanto ao gozo sexual, elas esperavam pela resposta impossível de se constituir como universal: “o que é ser mulher”? Nisso reside a verdade de seu sintoma de conversão_ uma falta irremediável de saber. Ao falicismo do homem, elas demonstravam a sua recusa. É no ponto desse impasse ou embate entre os sexos que situo para vocês as contribuições do psicanalista francês Jacques Lacan. Ele que foi tão atacado pelas feministas. Seu primeiro aforismo bombástico foi: “Não há a relação sexual”. Há o ato sexual, sem dúvida, contudo, isso não garante um encontro sexualmente complementar entre esses seres falantes e distintos pelo real do corpo. As distinções anatômicas entre os sexos, longe de esclarecer as dúvidas infantis, parecem mais confundir. A anatomia por si só não define a diferença entre os sexos Mannoni (Maud) em seu livro Elas não sabem o que dizem (1999), cita uma caricatura inglesa em que numa imagem Adão e Eva estão completamente nus. Uma menina e um menino olham para ela, então o garoto pergunta: “Quem é o Adão e quem é a Eva”? Ao que a garotinha responde: “Não sei, se estivessem vestidos eu saberia!”. Talvez as vestes possam distinguir aquilo que o único referente sexual, o falo, não é capaz de dar a ver. As vestes femininas cobrem o que a função fálica deixa simbolicamente descoberto, “o não todo” referido ao falo do lado mulher. A mulher se enfeita, se inventa, num adorno que a permite suportar o seu vazio de ser. Porém a anatomia ilude. O lado homem, sempre todo respaldado pela significação fálica, o permite localizar o gozo em seu precioso órgão. Desculpem a forma grosseira, “mas um homem vale pelo pau que tem”! O que o conduz ao abismo da castração quando está ameaçado de perdê-lo. O gozo feminino não se limita a localização anatômica, digo: ao órgão sexual. Ele parece invadir todo o seu corpo e sua vertigem de ser. Esse impossível de se localizar do gozo feminino, isso que escapa à lógica fálica, escapa a uma fórmula universal, o que nos leva a outro aforismo polêmico de Lacan: “A mulher não existe”. Falta um significante relativo à mulher que impede um universal. Assim, esse gozo que tão somente ela experimenta, dele ela nada pode dizer. Daí outro petardo de Lacan: “As mulheres não sabem o que dizem”. Significa dizer que Lacan devolve as mulheres ao confinamento da loucura? A falta estrutural de um significante que abarque todo o feminino situa uma mulher e seu ser na via de um tornar-se. Se o falante que se identifica do lado homem acredita ter e gozar com a significação de seu sexo, o falo, diremos que ele é menos livre em seu gozo que é o do órgão. Uma mulher é mais livre por estar “não toda” significada na função fálica. Entretanto, afetada pelo enigma sobre o seu sexo: “o que é ser mulher?”. Então, se não há um universal, resta a cada mulher inventar-se, uma a uma. Algumas mulheres, não todas! Pretendo agora abordar algumas personalidades femininas, o modo como puderam se confrontar e, a sua própria maneira, responder ao enigma sobre o seu sexo. Santa Teresa nasceu em 1515 na província de Ávila. Quando menina gostava de relatos sobre a vida e martírio dos santos, aos 14 anos perdeu a dedicada mãe. Alternou sua devoção à Virgem Maria com o interesse por novelas de cavalaria. Era ainda muito preocupada com sua aparência, bela e sedutora. Aos 16 quase perdeu a virgindade com o primo. Ela era inquieta, embora buscasse ser contemplada pelo olhar de Deus o seu comportamento resistia. Nessa época, foi enviada como interna para um convento de freiras agostinianas. Seu estado de saúde foi abalado por uma grave paralisia. A sua atitude não se conformava ao ambiente. Ela escreveu nesse período que fazer de alguém que tem um corpo um anjo, era desatino. O pai a trouxe de volta para casa. Diante do agravamento de seu quadro recebeu de um tio, o livro: O Terceiro alfabeto Espiritual do Padre Francisco de Osuna. Obra que traz instruções para exames de consciência, auto-concentração espiritual e contemplação interior. Em acréscimo, utilizava ainda os “Exercícios Espirituais” de Santo Inácio de Loyola. Teresa relata que durante a doença passava do estágio baixo de oração mental para o mais elevado de “devoções em êxtase”, em que vivia uma perfeita união com Deus, recebendo “benção de lágrimas”. Após três anos de enfermidade, torna-se freira Carmelita. A sua tentativa de ser disciplinada e devotada a Deus e as orações conflitavam com as suas inquietudes. Durante muitos anos alternou sintomas de bulimia e anorexia. O contexto histórico-cultural dessa época correspondia ao Jansenismo, movimento dogmático, moral e disciplinador que colocava o pecado original como a causa da corrupção da natureza humana. Nesse contexto Teresa estava insegura, confusa, em conflito. Alguns enxergavam na inspiração e devoção de Teresa a face da manifestação diabólica. Ela se infligia várias torturas até que seu confessor a reassegurou sobre sua divina inspiração. Ela, então, revelará uma visita de Jesus em corpo presente e, ainda outra, a de um Serafim que inspirou Bernini na escultura O Êxtase de Santa Teresa: “Eu vi em sua mão uma longa lança de ouro e, na ponta, o que parecia ser uma pequena chama. Ele parecia para mim estar lançando-a por vezes no meu coração e perfurando minhas entranhas; quando ele puxava de volta, parecia levá-las junto também, deixando-me inflamada com um grande amor de Deus. A dor era tão grande que me fazia gemer e, apesar de ser tão avassaladora a doçura desta dor excessiva, não conseguia desejar que ela acabasse...” Santa Teresa se tornou uma grande escritora e uma das personalidades mais importantes da Igreja. Lacan retira dessa imagem descrita por Santa Teresa e esculpida por Bernini a inspiração para propor o gozo místico ou o gozo outro_ o gozo feminino. Irônico que seja justamente em uma santa a quem Lacan venha referir o gozo feminino, ele diz um gozo do corpo e além do falo (das capturas imaginárias do órgão sexual e do significante, logo no real): “Há um gozo dela, desse ela que não existe e não significa nada. Há um gozo dela sobre o qual talvez ela mesma não saiba nada a não ser que o experimenta_ isto ela sabe. Ela sabe disso, certamente, quando isso acontece. Isso na acontece a elas todas” (Seminário 20, p. 100). Assim, Lacan estabelece um impossível de dizer e escrever sobre esse gozo místico. Santa Teresa o escreve recorrendo à relação de seu êxtase com Deus _ à imagem desse todo Ser. Contudo, uma mulher que experimenta no próprio corpo esse gozo, dele nada pode dizer a não ser que ele a invade de um lugar não localizável e que se irradia no corpo e se torna inapreensível. O psicanalista francês dá à experiência da santa outro estatuto que não o da ordem da psicose, mas da loucura de um indizível. Camille Claudel é uma das maiores e exuberantes artistas da história das Belas Artes. A devastação de sua vida contrasta com a rara beleza de suas obras. Ela chega à Paris em 1881, com 17 anos. Ela vem pelo empenho de seu pai que, ao contrário do descontentamento da mãe, acreditava em seu talento como escultora, arte que ela descobriu cedo com o barro. Dois anos depois, o ateliê em que ela trabalhava foi visitado por Auguste Rodin. Seriam necessários mais dois anos para que o mestre a convidasse para vir trabalhar com ele. Camille estava ocupada com uma encomenda do governo francês, as obras As Portas do Inferno e Os Burgueses de Calais. A ela fora solicitadas as mãos e os pés das estátuas. Não se sabe exatamente quando a parceria e produção artística os levaram a um caso de amor. O que se tem registro é que Camille não tarda a revelar a face ciumenta e devastadora de seu amor. O que o trecho de uma de suas cartas ao amante revela: “Deito-me nua para imaginar que está ao meu lado, mas quando acordo já não é a mesma coisa”. O amor devastação de Camille por Auguste Rodin será o motivo de sua loucura, todavia, também a inspiração intensa e espetacular da riqueza de sua obra. A obra A Idade Madura (L’âge mûr) é uma linda representação da paixão e do sofrimento da artista perante o mestre. A escultura nos mostra um homem em idade avançada (Rodin era vinte e três anos mais velho do que ela) sendo conduzido por uma mulher idosa e, ainda, uma mulher mais jovem ajoelhada atrás do casal em expressão de súplica e humilhada. O escritor Paul Claudel afirmou não ter a menor dúvida de que aquela jovem representava a sua irmã Camille. A devastação de Camille diante do amante Rodin indica seu destino trágico marcado desde o início. Ela permaneceu num hospital psiquiátrico por mais de trinta anos. A atitude de sua mãe para com ela, ao longo de sua vida e durante os anos de internação, revela a recusa e privação de um primeiro gesto de amor, algo que Camille irá perseguir até os limites de sua loucura. O barro que ela toma em suas mãos para muito cedo representar o seu mundo, é a própria matéria que ela é para o Outro primordial enquanto resto: “Eu caí no abismo. Eu vivo num mundo tão estranho tão curioso. Do sonho que foi a minha vida, este é o pesadelo” (Camille Claudel). Simone de Beauvoir nasceu em 1908 em Paris, foi escritora, feminista e filósofa existencialista. Escreveu romances e monografias. Viveu uma longa relação aberta com o filósofo Jean-Paul Sartre. Não poderíamos deixar de falar dela quando o título desse encontro é: o que é ser mulher? “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. A mulher não tem um destino bilógico, ela é formada numa cultura que define o seu papel na sociedade. Estaria a mulher fadada aos papéis de mãe, esposa ou reclusa? Em 1949, Simone de Beauvoir publica o “Segundo sexo”, obra em que ela questiona o modo como as mulheres são criadas para serem inferiores aos homens. Mas, talvez não devamos reduzir a obra à mera luta de poder com a ideologia masculina, senão de se fazer ouvir a opressão a qual as mulheres estavam subjugadas, como, por exemplo, a liberdade sexual que era restrita ao sexo dominante. Vou, em função do tempo e espaço disponíveis, comentar aqui alguns aforismos dessa brilhante autora: “Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria natureza”. “Entre as que se vendem pela prostituição e as que se vendem pelo casamento a única diferença consiste no preço e na duração do contrato”. O próximo aforismo talvez seja o mais importante, se levarmos em conta seu impacto nos modos de relação entre os sexos na estrutura capitalista: “É pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separa do homem, somente o trabalho poderá garanti-lhe uma independência concreta”. Tentando ser um tanto quanto justo quanto cabe a um falante localizado do lado homem, cito um último aforismo: “O homem é definido como ser humano e a mulher é definida como fêmea. Quando ela comporta-se como ser humano, ela é acusada de imitar o macho”. Aí está um ponto em que Lacan faz uma diferença. Colocar a questão em termos de macho e fêmea é, talvez, propor uma ordem natural em que esses dois seres se complementem na dita relação sexuada. Quando se está do lado homem, estamos na ordem fálica, quero dizer, submetidos ao falo como significante que inscreve um sexo. Não se trataria de imitação, mas de um mesmo referente. Uma mulher para Lacan faz objeção à lógica fálica, há algo em seu gozo peculiar que está foracluído do simbólico, está no real. Daí ele afirmar que o lado homem é menos livre, está submetido ao semblante fálico e ameaçado pela perda das insígnias fálicas. Do lado mulher, o falante estaria mais livre, pois há algo no gozo feminino que estaria além do significante. Temos aí Lacan com Simone: “Não se nasce mulher, torna-se”. Clarice Lispector nasceu na Ucrânia em 1920, veio para o Brasil com dois anos, passou a infância e adolescência em Recife, mudando-se com dezessete anos para o Rio de Janeiro. Ela é considerada uma das mais brilhantes escritoras em todo o mundo. Em Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, a professora isolada e desencantada do mundo, sofrendo em “carne viva”, fará através do amor uma redescoberta, Lóri rompe com sua vida melancólica quando se apaixona por Ulisses, inicia uma aprendizagem: “ter fé na própria fé”. Trata-se, nessa obra, de um amor que vai da alienação à libertação, uma forma de poder encontrar o próprio desejo que só se mantém além de si, no mundo redescoberto e repovoado. Acontece que o amor também pode ser uma devastação, uma busca pelo “ser” jamais encontrado, um mergulho profundo ou queda no abismo do deserto do Outro: um gozo mortífero. Clarice Lispector nos ensina que o amor precisa nos ensinar a falar, mais, nos permitir uma escrita. Se Clarice nos escreve a partir do indizível de uma mulher, de algo que está foracluído do simbólico, logo, no real, em sua criação ela se vale do significante e do gozo fálico. Ela se vale do simbólico para não cair errante na loucura e na busca do impossível do “ser”. Ulisses é a borda da linguagem para a outra personagem Lóri, Ulisses é um dos “Nomes do Pai” criado por Clarice. É por que a escritora conta com a ordem fálica que pode tão bem nos fazer entrever no texto o “ser” real de uma mulher. “estava na hora de se vestir: olhou-se ao espelho e só era bonita pelo fato de ser uma mulher: seu corpo era fino e forte, um dos motivos imaginários que fazia com que Ulisses a quisesse; escolheu um vestido de fazenda pesada, apesar do calor, quase sem modelo, o modelo serio o seu próprio corpo mas Enfeitar-se era um ritual que a tornava grave: a fazenda já não era um mero tecido, transformava-se em matéria de coisa e era esse estofo que com seu corpo ela dava corpo_ como podia um simples pano ganhar tanto movimento? seus cabelos de manhã lavados e secos ao sol do pequeno terraço estavam da seda castanha mais antiga_ bonita? não, mulher... (Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, 1998, p. 16-17). O pano veste um corpo de mulher na tessitura do texto de Clarice, uma mulher é coisa que se inventa com as palavras, mas “não toda a mulher”, nem todas as palavras, pois há aquela que não há, a que defina o sexo feminino. Sobre o ato de escrever deixo que a própria autora o diga: “Este é um livro fresco_ recém-saído do nada. Escrevo para nada e para ninguém. Inspiração não é loucura. É Deus. A impessoalidade é uma condição. A loucura é a tentação de ser totalmente o poder. Pois também eu solto as minhas amarras: mato o que me perturba. Escrevo para me livrar da carga difícil de uma pessoa ser ela mesma. Amadurecimento? Até agora vivi sem ele! Chegou o instante de aceitar em cheio a misteriosa vida dos que um dia vão morrer. Quando eu caio a raça humana em mim também cai. O que aqui escrevo é forjado no meu silêncio e penumbra. Estou escrevendo porque não sei o que fazer de mim” (As palavras, 2013, p.10-11). Bibliografia: BRANDÃO CARREIRA, Luciana. Os tempos da Escrita na Obra de Clarice Lispector_ No litoral entre literatura e psicanálise. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2014. CLAUDEL, Camille. guiadoestudante.abril.com.br . DE Ávila, Teresa in Wikpédia, a enciclopédia livre. GOMES, Ana Paula. A loucura do amor e o amor louco em Camille Claudel. Não publicado. KAUFMANN, Pierre. Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. LISPECTOR, Clarice. As palavras. Rio de Janeiro: Rocco, 2013. LISPECTOR, Clarice. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. Rio de janeiro: Rocco, 1998. LACAN,Jacques. O seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge zahar Editor, 1985. MAUD, Mannoni. Elas não sabem o que dizem: Virginia Woolf, as mulheres e a psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. SARAIVA MELLONI, Maria Teresa. Teresa_ um nome para o gozo do Outro. Trabalho não publicado.