0 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO ELIENY DO NASCIMENTO SILVA RESPONSABILIDADE SOCIAL NAS AÇÕES DE EXTENSÃO DO PROGRAMA INICIATIVAS NEGRAS: TROCANDO EXPERIÊNCIAS JOÃO PESSOA-PB 2012 1 ELIENY DO NASCIMENTO SILVA RESPONSABILIDADE SOCIAL NAS AÇÕES DE EXTENSÃO DO PROGRAMA INICIATIVAS NEGRAS: TROCANDO EXPERIÊNCIAS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba como pré-requisito para o título de Mestre. Orientadora: Profa. Dra. Joana Coeli Ribeiro Garcia. Área de concentração: Conhecimento e Sociedade. Informação, Linha de pesquisa: Ética, Gestão e Políticas de Informação. JOÃO PESSOA-PB 2012 2 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S586r Silva, Elieny do Nascimento. Responsabilidade social nas ações de extensão do Programa Iniciativas Negras: Trocando Experiências [manuscrito] / por Elieny do Nascimento Silva. – 2012. 150 f. : il. ; 29 cm. Cópia de computador (printout). Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Universidade Federal da Paraíba. Orientador: Profa. Dra. Joana Coeli Ribeiro Garcia. 1. Responsabilidade Social Universitária. 2. Extensão Universitária. 3. Responsabilidade social na Ciência da Informação. I. Título. CDD: 378.135 3 ELIENY DO NASCIMENTO SILVA RESPONSABILIDADE SOCIAL NAS AÇÕES DE EXTENSÃO DO PROGRAMA INICIATIVAS NEGRAS: TROCANDO EXPERIÊNCIAS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba como pré-requisito para o título de Mestre. Área de concentração: Conhecimento e Sociedade. Informação, Linha de pesquisa: Ética, Gestão e Políticas de Informação. BANCA EXAMINADORA _________________________________________ Profa. Dra. Joana Coeli Ribeiro Garcia Doutora em Ciência da Informação – PPGCI /UFPB ___________________________________________ Profa. Dra. Miriam de Albuquerque Aquino Doutora em Ciência da Informação – PPGCI /UFPB ___________________________________________ Profa. Dra. Joselina da Silva Doutora em Ciências Sociais – UFC __________________________________________ Prof. Dr. Wagner Junqueira de Araújo Doutor em Ciência da Informação – PPGCI /UFPB SUPLENTE JOÃO PESSOA-PB 2012 4 Dedico esta dissertação primeiramente a Deus, criador de todas as coisas, que guia e ilumina meu caminho aqui na Terra. Aos meus pais Raimundo e Tereza, exemplo de perseverança e dedicação à família; às minhas irmãs Eliene, Eleni, Raquel e Irlêr, por sempre acreditarem em meus sonhos; aos meus irmãos José Carlos, Elias e Eliseu pelo apoio e confiança. À toda minha família, que é responsável por minhas conquistas nesta jornada. 5 AGRADECIMENTOS A minha orientadora Professora Dra. Joana Coeli Ribeiro Garcia, por sua dedicação, encorajamento e contribuições, que foram essenciais na concretização desta pesquisa. À Banca, professores Dra. Joselina da Silva, Dra. Mirian de Albuquerque Aquino e Dr. Wagner Junqueira de Araújo, pelas contribuições com o propósito de melhorar minha pesquisa. À UFC - Campus Cariri, pela liberação e incentivo para minha qualificação profissional. A todo o Colegiado do Curso de Biblioteconomia do Campus Cariri; pelo apoio. Aos Alunos do Curso de Biblioteconomia da UFC Campus Cariri pela compreensão. À equipe da biblioteca da UFC Cariri, especialmente a bibliotecária Glacinésia Leal Mendonça, pelo apoio e amizade. À UFPB pela oportunidade ímpar de cursar o mestrado. Ao PPGCI, pelo incentivo aos meus estudos. Aos Professores Dr. Gustavo Henrique de Araujo Freire, Dra. Isa Maria Freire, Dr. Carlos Xavier de Azevedo Netto, Dr. Edvaldo Carvalho Alves, pelos ensinamentos e competência profissional. A todos os professores do PPGCI, que colaboraram com meu aprendizado. A Coordenação do PPGCI, Dra. Bernardina Juvenal Freire de Oliveira, pelo apoio. Ao Antonio, ex-secretário do PPGCI, pela dedicação, amigo sempre presente. 6 Aos colegas do PPGCI Turma 2010, pela convivência. À CAPES, pela incentivo, através da concessão de bolsa. Aos amigos Lucas Almeida Serafim e Carla Façanha de Brito pela amizade, companhia, força e determinação, não somente no decorrer do mestrado, mas também no percurso da vida. Ao Jorge Luís, pelo apoio e amizade. Ao amigo Cláudio Temóteo, exemplo de solidariedade e companheirismo, pessoa ímpar, meu muito obrigado. Às amigas Adriana Nóbrega e Fátima Cysne, pelo carinho e incentivo. À amiga Meire Peixoto e família, pelo companheirismo, presteza e dedicação. À minha família, pela compreensão e solidariedade. A Deus, pela força, coragem e companhia em todos os momentos, para concretização deste sonho. A todos, que direta ou indiretamente, contribuíram para o alcance deste êxito. MEU MUITO OBRIGADO!!!!!! 7 Entende-se que, através da extensão, a Universidade possa chegar à plenitude do seu papel social (...); sem o trabalho extensionista, o Ensino Superior não conduz as IES ao nível de sua verdadeira dimensão social (...); cabe à extensão exercício do relacionamento Universidade/Sociedade, propiciar que a competência acadêmica estenda-se ao uso comum (...). (Carta de Fortaleza, 1987) 8 RESUMO Nas últimas décadas, a globalização mudou o ambiente empresarial, influenciando significativamente o gerenciamento dos negócios, fator que contribui para a incorporação da responsabilidade social nas instituições. Nesse contexto, as questões sociais problemáticas tornaram-se sociais das mais nações. visíveis, Por ser evidenciando a ainda universidade um mais as espaço multidimensional, o estudo da responsabilidade social no contexto torna possível a inclusão da temática cidadania no ensino superior, proporcionando discussões para o fortalecimento acerca dos direitos sociais e individuais. A pesquisa verificou a Responsabilidade Social Universitária sob a ótica da extensão nas ações do Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências, na perspectiva do III Curso IN (2011), sua abrangência em nível nacional e seus impactos na região do cariri. De modo a atingir os propósitos traçados, foi realizado um estudo exploratório. O campo e população da pesquisa foram os bolsistas do III Curso IN (2011) e os participantes dos minicursos e oficinas da região do Cariri que fazem parte de projetos/movimentos sociais. As técnicas de coleta de dados utilizadas foram: formulários de inscrição dos bolsistas selecionados, questionários e diário de campo, os quais são instrumentos de suporte necessários para coleta de dados. Os dados coletados foram categorizados em dois grandes conjuntos: os que avaliam a abrangência do programa de extensão iniciativas negras, através do evento III Curso IN (2011), em nível nacional e; os que avaliam o impacto do referido programa a partir da percepção dos participantes oriundos da região do Cariri. A análise dos dados foi fundamentada em uma abordagem compreensiva, que preza a análise qualitativa dos dados. Para a interpretação dos dados qualitativos, utilizou-se o Método de Interpretação de Sentidos. As análises realizadas evidenciaram a abrangência do referido Curso em nível nacional e os impactos sociais em nível local. Os impactos provocados por essa ação denotaram a responsabilidade social universitária do Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências. Palavras-chave: Responsabilidade Social Universitária. Universidade. Extensão Universitária. Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências. 9 ABSTRACT In recent decades, globalization has changed the business environment, significantly influencing the management of business, a factor that contributes to the incorporation of social responsibility in institutions. In this regard, the social question has become more evident, showing even more social problems of nations. Because being the university a multidimensional space, the study of social responsibility in the context of traffic makes it possible to include the citizenship issue in higher education, providing for discussions about the strengthening of social and individual rights, equality and justice as supreme values of a democratic society. This survey found the University Social Responsibility from the perspective of the extent the actions of Black Outreach Program Initiatives: sharing experiences from the perspective of Course IN (2011), its coverage nationwide and its impacts in the region of Cariri. In order to achieve the outlined purposes an exploratory study was conducted. The field and the research population were fellows of the Third Course IN (2011) and the participants in the Cariri. The following data collection techniques used were: Application forms of scholarship recipients, questionnaires and field diary, which are instruments of support needed for data collection. The collected data were categorized into two major groups: those that evaluate the impacts of black outreach program initiatives through courses in Event III (2011), at the national level, those that evaluate the impact of that program from the participants' perceptions from the region of Cariri. Data analysis was based on a comprehensive approach, which values the qualitative data analysis. For the interpretation of qualitative data from this study we used the method of interpretation of meanings. The analysis shows the impacts of Course IN (2011). These impacts caused by this action denoted the social responsibility of the University Extension Program Initiatives Black: exchanging experiences. Keywords: University Social Responsibility. University. Extension. Black Outreach Program Initiatives: exchanging experiences. 10 LISTA DE FIGURAS Figura 01 – Estrutura da Universidade .......................................................................... 56 Figura 02 – Funções da Universidade .......................................................................... 60 Figura 03 – I Curso IN (2007) ........................................................................................ 75 Figura 04 – II Curso IN (2009) ....................................................................................... 75 Figura 05 – Palestra Henrique Cunha – II Curso IN (2009) ........................................... 76 Figura 06 – Divulgação do III Curso IN (2011) .............................................................. 77 Figura 07 – Organização do evento: seleção de bolsistas para o III Curso IN(2011).... 78 Figura 08 – Organização do evento: seleção de bolsistas para o III Curso IN(2011).... 78 Figura 09 – Organização do evento: seleção de bolsistas para o III Curso IN(2011) .... 79 Figura 10 – Oficina: A Literatura infantil – uma perspectiva afro- brasileira (Curso IN 2011) ............................................................................................................................. 102 Figura 11 – Palestra: Violência de Gênero (Curso 2011) .............................................. 103 Figura 12 – Mapeamento das Comunidades Quilombolas no Cariri Cearense GRUNEC (Curso IN 2011) ............................................................................................ 104 Figura 13 – Mapeamento das Comunidades Quilombolas no Cariri Cearense GRUNEC (Curso IN 2011) ............................................................................................ 105 Figura 14 – Mapeamento das Comunidades Quilombolas no Cariri Cearense GRUNEC (Curso IN 2011) ............................................................................................ 106 11 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Gráfico 01 – Origem dos bolsistas selecionados........................................................... 89 Gráfico 02 – Nível de escolaridade dos bolsistas selecionados .................................... 92 Gráfico 03 – Faixa etária dos bolsistas selecionados .................................................... 93 Gráfico 04 – Participantes do III Curso IN (2011) da região do Cariri .......................... 98 Gráfico 05 – Participantes do III Curso IN (2011) da região do Cariri por movimento / projeto social ................................................................................................................. 99 Gráfico 06 – Faixa etária dos participantes da região do Cariri ..................................... 108 Gráfico 07 – Nível de escolaridade dos participantes da região do Cariri ..................... 109 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Municípios e comunidades visitadas .......................................................... 37 Quadro 2 – Instituições parceiras .................................................................................. 74 Quadro 3 – Bolsistas por estados representativos dos projetos/movimentos sociais ... 94 LISTA DE TABELA Tabela 01 – Número de participantes por região .......................................................... 80 12 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACN Associação Cultural do Negro APN’s Agentes de Pastoral Negros CAEN Curso de Mestrado em Economia CI Ciência da Informação CMDMC Conselho Municipal dos Direitos da Mulher Cratense CONAE Conferência Nacional de Educação CONEC Comissão Negritude dos Capuchinos FN Frente Negra FNB Frente Negra Brasileira GRENI Grupo de Religiosos Negros e Indígenas GRUCON Grupo de União e Consciência Negra GRUNEC Grupo de Valorização Negra do Cariri – Ce IN Iniciativas Negras IPECE Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará LEP Laboratório de Estudos da Pobreza MN Movimento Negro MNU Movimento Negro Unificado N’BLAC Núcleo Brasileiro, Latino-Americano e Caribenho de Estudo em Relações Raciais, Gênero e Movimentos Sociais RSC Responsabilidade Social Corporativa RSU Responsabilidade Social Universitária SINAES Sistema Nacional de Avaliação Superior UFC Universidade Federal do Ceará UFPB Universidade Federal da Paraíba UFPE Universidade Federal de Pernambuco 13 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 15 2 SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E EXCLUSÃO SOCIAL ..................................... 24 2.1 O negro e o racismo .............................................................................................. 26 2.2 Movimentos sociais .............................................................................................. 30 2.2.1 Movimentos sociais negros no Ceará .................................................................. 34 2.2.2 Movimentos sociais negros na região do Cariri .................................................... 39 3 RESPONSABILIDADE SOCIAL ............................................................................... 44 3.1 Responsabilidade social na Ciência da Informação .......................................... 47 3.1.1 A função social da universidade ........................................................................... 53 3.1.2 Responsabilidade social universitária: um novo/antigo contrato social ............... 57 4 A EXTENSÃO COMO AÇÃO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL UNIVERSITÁRIA .......................................................................................................... 64 4.1 O Curso de Biblioteconomia da UFC Cariri e suas ações sociais: projetos de extensão.................................................................................................................. 69 5 PROGRAMA DE EXTENSÃO INICIATIVAS NEGRAS: TROCANDO EXPERIÊNCIAS ............................................................................................................ 73 6 METODOLOGIA ........................................................................................................ 81 7 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS .......................................................... 87 7.1 Análise dos formulários de inscrição dos bolsistas selecionados .................. 87 7.2 Análise dos questionários aplicados aos participantes (não bolsistas) da região do Cariri ............................................................................................................ 98 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 126 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 132 APÊNDICE A – PARA PARTICIPANTES DO EVENTO DA REGIÃO DO CARIRI ..... 143 14 ANEXO A – EDITAL 01.2011 - III CURSO DE EXTENSÃO INICIATIVAS NEGRAS: TROCANDO EXPERIÊNCIAS ..................................................................................... 145 ANEXO B – FORMULÁRIO PARA SELEÇÃO DOS BOLSISTAS .............................. 148 ANEXO C – APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA ................................................... 150 15 1 INTRODUÇÃO Na sociedade contemporânea, a informação tornou-se base paradigmática para o desenvolvimento e bem-estar social dos indivíduos e das nações, sobretudo a partir do advento das tecnologias da informação e comunicação no período póssegunda guerra mundial. Dependem dela os diversos setores econômicos, sociais, políticos, culturais, educacionais, etc., explicitando-se novas relações de poderes entre os sistemas sociais. Analogamente aos outros períodos de mudanças sociais, este paradigma intangível impulsiona o atual momento revolucionário, semelhantemente à terra e às atividades rurais nas sociedades primitivas, fundamentadas na agricultura e às máquinas e demais processos de automação, na sociedade industrial (TOFLER, 1993). Da posse de terras ou dinheiro (base do capitalismo), as diferenças sociais passam a se basear na posse da informação, e do uso que se faz dela, o conhecimento. Paradoxalmente, ao crescente volume informacional produzido, contrasta a problemática da exclusão social da grande maioria dos indivíduos fundamentada na atual conjuntura do não acesso a informações e falta de competência para o uso da informação, nos diversos contextos sociais. Entre os diferentes segmentos sociais, permanecem desigualdades históricas, que urgem por soluções governamentais e da sociedade como um todo. Dentre elas, destaca-se a necessidade de promover uma maior participação social dos diversos segmentos que compõem as chamadas minorias: mulheres (quando nos referimos a sua participação social), crianças, idosos, homossexuais, religiosos, negros, deficientes dentre outros (TOFLER, 1993). Faz-se necessário conhecer concepções de minoria para compreender o assunto. Para o Dicionário de Ciências Sociais (1986, p.767), o termo minoria (ou a expressão grupo minoritário) é usado como sinônimo de grupo étnico, racial ou mesmo religioso. É definido a partir de características físicas, culturais ou ambas, dependendo de sua origem. As minorias são subgrupos dentro de uma sociedade que se distinguem do grupo dominante no poder (quase sempre designado como maioria) por diferenças de raça, língua, costumes, nacionalidade, religião etc. (seja um só destes fatores, seja qualquer combinação deles). As minorias são segmentos que historicamente estão em posição de desvantagem na sociedade, resultando em consequências negativas, desde a 16 questão da auto-estima até a sua participação em suas comunidades. Esses resultados provocados pela exclusão produz estigmas oriundos da forma como esses grupos são tratados na sociedade, afetando assim as relações sociais. Ainda para o referido dicionário, a existência de minoria implica a existência de um grupo dominante com status social mais alto e maiores privilégios, e o status de minoria significa a exclusão de participação na vida da sociedade. As minorias ocupam posição desvantajosa na sociedade, possuem marcas de identificação raciais, culturais ou outras, são alijadas de certas oportunidades: econômicas, sociais, políticas e são objetos de preconceito e discriminação (DICIONÁRIO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 1986, p. 767). Nesta pesquisa objetivou-se usar o conceito de minorias do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA: podem-se entender hoje minorias como grupos que, devido a características peculiares de sua inserção na sociedade nacional – em geral marcada pela discriminação e pela negação da condição de sujeitos de direitos –, enfrentam dificuldades em ter suas demandas legitimamente incorporadas à agenda pública, tendo acesso a oportunidades reduzidas de inclusão e estando mais propícios a ter seus direitos violados (BRASIL, p.781, 2009). À medida que tais relações ou diferenças sociais, como por exemplo, a constatação de que as diferenças sociais com base na cor da pele dos indivíduos, ocorrem no âmbito informacional, elas passam a ter destaque no âmbito da Ciência da Informação (CI), contexto do qual trata a presente pesquisa. No cenário do ensino superior, a responsabilidade social confunde-se com a função social da universidade pública e da responsabilidade social universitária, cujo compromisso ético volta-se “para com a sociedade que a financia e a sustenta” (AQUINO; GARCIA, 2011, p. 43). Para Vasilescu et al. (2010), a universidade, enquanto um importante pilar na sociedade, deve estar atenta para uma nova postura da responsabilidade social da atualidade, algo que vai além da filantropia do passado, fundamentada na contribuição dos negócios para o desenvolvimento sustentável e soluções proativas para o desenvolvimento social e ambiental (VASILESCU et al., 2010, p. 4177). A responsabilidade social evidenciada na educação superior e na área da CI tem origem no mundo dos negócios, exigindo das empresas repensarem os modos de produção frente aos novos cenários de mudanças. Nas últimas décadas, a globalização mudou o ambiente empresarial: o mercado tornou-se mais acirrado, 17 caracterizado pela intensa competitividade, influenciando significativamente a formulação das estratégias e o gerenciamento dos negócios. Nesse contexto, a ideia de restringir os objetivos das empresas à maximização dos interesses dos proprietários evoluiu para abarcar expectativas de outros atores que contribuem para o seu desenvolvimento e sua permanência, principalmente com o fenômeno da globalização (SIMÕES, 2008). O processo de globalização – uma integração de caráter econômico, social, cultural e político entre os diferentes países – é oriundo de evoluções ocorridas, principalmente, nas telecomunicações. A globalização, responsável pela diminuição das distâncias espaciais e temporais, provoca mais veementemente discussões sobre a temática da responsabilidade social. Nessa perspectiva de mudança de padrões, tem-se um quadro de reformulações nos aspectos gerenciais e sociais das empresas, fundamentados não somente nos aspectos técnicos e econômicos, mas também valorativos. Consequentemente, as organizações contemporâneas estão reconfigurando seus papéis baseadas em suas relações mantidas com seus diversos atores, sejam eles internos ou externos, como seus funcionários, clientes, acionistas, fornecedores, comunidades locais e outros (SIMÕES, 2008). Se há o lado bom, a globalização também provoca ou amplia a visibilidade das disparidades. A paisagem social vigente é gritante: há um enorme fosso entre aqueles que se beneficiam e usufruem dos seus direitos de cidadãos por terem acesso à informação e aqueles que ficam à margem, sem usufruir das necessidades básicas: moradia, saúde, educação, segurança e realização pessoal. Pode-se verificar essa realidade nos dados elaborados pelo Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP), do Curso de Mestrado em Economia (CAEN) da Universidade Federal do Ceará (UFC), pelos quais o Ceará possui 4.570.485 pessoas vivendo na chamada linha de pobreza – com renda equivalente a R$ 154,36 por mês –, o que representa aproximadamente 56,38% da população residente no Estado. Com isso, o estado registra a 6ª maior proporção de pobres entre as 27 unidades da Federação, perdendo apenas para Alagoas, Maranhão, Piauí e Bahia. Na linha de indigência, encontram-se 2.287.855 de cearenses (29,46% da população total), que conseguem viver com R$ 77,18 mensais. Apesar do Estado do Ceará estar reduzindo o número de pobres, nos últimos três anos, a diminuição absoluta foi praticamente inexistente (-0,60%), contra -1,35% para o Nordeste e -0,22% para o país (DIÁRIO DO NORDESTE, 2011). 18 Segundo o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará - IPECE, (2010), a região do Cariri, da qual fazem parte os municípios de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha, transforma-se em um polo atrativo para investimentos, e isso melhora a condição de renda dos moradores. Mesmo assim, a maior parte da população vive com rendimento médio mensal inferior a R$ 400,00 por domicílio. Para ter suas necessidades humanas supridas, é necessário que a população disponha de recursos, e esses recursos incluem desde a moradia, passando pela segurança até a questão da autoestima. Abraham Maslow, psicólogo americano, enfatizou que, quando estas necessidades não são supridas, desencadeiam-se fatores que afetam diretamente tanto o indivíduo como a sociedade em geral. Segundo a Teoria de Maslow, as necessidades humanas podem ser reunidas em cinco grupos, que são: a) Necessidades fisiológicas - estas são as necessidades mais básicas, como água, comida etc. A falta da provisão destas necessidades leva o ser humano a um estado de doença, causando inúmeras sequelas nas pessoas, tanto físicas como psíquicas. Por isso, para restabelecer seu organismo interno, o indivíduo pratica ações para suprir esta necessidade. b) Necessidades de segurança – neste mundo de extrema violência, a questão da segurança é vital; precisamos de proteção e o ser humano busca de diversas formas essa segurança, seja física, psicológica, emocional etc. c) Necessidades sociais – estas necessidades estão relacionadas com o fato de o indivíduo pertencer a determinado grupo social, desde a família até grupos on line na atual sociedade globalizada. Pertencer a um grupo é essencial para o desenvolvimento pleno do indivíduo. Daí a preocupação de estar inserido em grupos para que não ocorra o isolamento, o que pode trazer sérias consequências para o indivíduo. d) Necessidades de “status” ou estima – Assim como há a necessidade de pertencimento a um grupo, a necessidade de “status” ou estima é vital para o desenvolvimento pleno do cidadão; obter aprovação de um grupo, ser reconhecido como ser humano, com os mesmos direitos e deveres, participar das atividades da sociedade são tão necessários quanto às necessidades de alimentação. Quando isso não acontece, o indivíduo também adoece, não somente fisicamente, mas mentalmente, pois o sentimento de inferioridade, de não pertencimento faz com que o ser humano, aos poucos, vá perdendo o prazer pela vida. Daí esta necessidade 19 ser tão importante, pois envolve a estima do indivíduo, provocando a auto ou baixo estima. e) Necessidade de autorrealização – A autorrealização é vital para o indivíduo, pois, nesse processo, o ser humano busca sua realização como pessoa, demonstrando seu potencial e fazendo-se conhecido na sociedade, tornando-se essencial (SERRANO, 2011). Conforme a teoria de Maslow, o ser humano é dotado de necessidades e desejos que precisam ser supridos, e a realização pessoal é um elemento fundamental para que o indivíduo se torne um ser pleno. Nesta perspectiva, a população, independentemente de credo, cor, status social, precisa ter suas necessidades supridas, e a aceitação pessoal é primordial para que qualquer um possa se desenvolver integralmente. Mas, para que isso ocorra, é necessário que as barreiras que impedem ou prejudicam o desenvolvimento do ser humano sejam discutidas e encontradas soluções para saná-las, como o caso do racismo, por exemplo. De volta ao contexto do ensino superior, a presente pesquisa busca compreender essas discussões a partir da função da extensão universitária como ação de responsabilidade social, considerando o Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências, do Curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Ceará, no Cariri. Discutir o significado de Responsabilidade Social Universitária (RSU) e retratar aspectos de sua trajetória na sociedade contemporânea, no âmbito das universidades públicas, constitui um dos focos nesta pesquisa. Por outro lado, a questão social é um problema concreto, tanto no Brasil como em qualquer parte do globo terrestre, fazendo parte do processo de transformação da humanidade, principalmente em contexto da globalização, na qual as barreiras territoriais fundiram-se e tornaram as mazelas mais acentuadas. Sendo a universidade um espaço multidimensional, em prol de uma visão de sociedade mais igualitária, há a necessidade de lutar por uma sociedade mais justa e humana, partindo da função de discutir essas temáticas sociais que envolvem todos os seus segmentos. Para Aquino (2011), o estudo da responsabilidade social no contexto das universidades torna possível a inclusão da temática cidadania no ensino superior, proporcionando discussões para o fortalecimento acerca dos direitos sociais e 20 individuais, enfatizando a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade democrática, independentemente de credo, cor ou status social. Ainda para a autora supracitada, [...],exige-se dessas instituições a busca de soluções para resolver os principais problemas sociais que historicamente afetam os grupos humanos na sua luta pela construção de estratégias que visem uma melhor distribuição dos bens socioculturais, bem como a criação de mecanismos mais justos para a inclusão de grupos socialmente vulneráveis” (AQUINO, 2011, p.43-44). Seguindo esse raciocínio, as universidades, principalmente as públicas, têm um importante papel tanto para o desenvolvimento do indivíduo quanto para a sociedade. Conforme Matos (2011, p.11), como uma instituição que procura associar a produção do conhecimento a sua eficiência social, que garanta a execução de um projeto concreto que contribua de forma eficaz para a consolidação de uma sociedade competente, independente científica e tecnologicamente, mas também justa e solidária. De acordo com o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior SINAES, as instituições de educação superior devem solidariamente produzir os meios para o desenvolvimento sustentado do País e a formação dos cidadãos de uma dada sociedade, de acordo com as pautas valorativas hegemônicas nas relações de forças sociais e políticas de um determinado momento histórico. Dois dos mais importantes critérios de qualidade da educação superior consistem na relevância da formação e da produção de conhecimentos para o desenvolvimento do conjunto da população e para o avanço da ciência, e na sua eficácia para fortalecer preferências éticas e políticas dominantes em um determinado momento histórico. Para o cumprimento das responsabilidades sociais que lhe são historicamente determinadas, a instituição educativa precisa de liberdade especialmente para criar, pensar, criticar, aprender, produzir conhecimentos e, enfim, educar (INEP, 2007, p.91, grifo nosso). Para as minorias, essa responsabilidade ético-social das universidades públicas tem a função de identificar a exclusão dessa população para eliminar as diferentes formas de manifestação de preconceitos, discriminação e racismo que estranha e repele a presença dos (as) negros (as) nas universidades (AQUINO, 2011, p. 47). Essa prática social das universidades tem como objetivo intervir na sociedade e ser copartícipe na produção do conhecimento para sua intervenção. Nessa perspectiva, percebemos a relevância das instituições de ensino superior na e para a sociedade, visto que seu papel educador pode influenciar fortemente a comunidade em que está inserida, não só em nível local, mas também regional e 21 nacional. Para isso suas atividades de ensino, pesquisa e extensão devem estar vinculadas às necessidades das comunidades assistidas. O INEP enfatiza que as atividades de extensão e ações de intervenção social vinculadas à sociedade devem ter como objetivos: a valorização educativa da extensão, sua integração com o ensino e a pesquisa, as políticas de extensão e sua relação com a missão da universidade, a transferência do conhecimento, ressaltando a importância social das ações universitárias, os impactos das atividades científicas e culturais para o desenvolvimento regional e nacional, suas relações com o setor público, o produtivo e o mercado de trabalho, promoção da cidadania, dentre outros (INEP, 2009). Estudar a temática responsabilidade social universitária, considerada especialmente no que se refere à sua contribuição em relação à inclusão social, é desafiador perante uma sociedade de educação superior muitas vezes elitista e excludente. A responsabilidade social deve ser discutida nos diversos setores da sociedade, seja político, social, econômico, educacional, para o surgimento de um diálogo mais amplo em todas essas esferas. Cabe às universidades participarem deste diálogo para que possam intervir mais veementemente na sociedade. Conforme Aquino e Garcia, a responsabilidade social constitui-se uma temática que orienta as discussões acerca das universidades públicas nos últimos anos. Essa preocupação não poderia passar despercebida em diferentes áreas do conhecimento, interessadas em explorar questões referentes a grupos sociais etnicamente vulneráveis que vivem em condições desiguais na sociedade contemporânea. A associação do tema à problemática do negro e da negra se encaminha na direção de um aprofundamento maior por parte de pesquisadores de diferentes instituições de ensino superior (AQUINO; GARCIA, 2011, p. 13). Nessa perspectiva, o Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências trabalha a temática de inclusão social, tanto em nível nacional com diversos estados do Brasil, como na região do Cariri, ampliando as discussões acerca do tema, buscando soluções para atenuar essa realidade enraizada na sociedade brasileira desde sua colonização. Vivemos, no terceiro milênio, um momento histórico, em que as questões de reconhecimento, justiça social, igualdade, diversidade e inclusão são colocadas na agenda social e política, na mídia, na esfera jurídica e, também, na esfera educacional (CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2010, p. 96). O “Programa Iniciativas Negras: trocando experiências” é uma oportunidade na socialização dos saberes e experiências empreendidas por bolsistas e professores 22 que têm como missão a luta e a construção de uma sociedade menos desigual, seja social ou étnica. A centralidade deste tema diz respeito à concepção de uma educação democrática e menos elitista que deve permear toda a universidade. O Programa citado traz para dentro e fora da universidade a discussão acerca da questão racial, que ainda é muito forte no Brasil. A garantia de uma educação competente, científica e tecnológica, mas também inclusiva, pautada na justiça social, produz esse diálogo aberto com a sociedade e a participação ativa do universitário frente aos problemas sociais existentes na comunidade em que está inserido. Partindo-se do princípio da CI como uma ciência social, tomemos por empréstimo o uso desta para os estudos das ações de extensão da Universidade Federal do Ceará no Cariri, de seu relacionamento com a comunidade e como este estudo pode contribuir para a melhoria da qualidade do fluxo da informação e do conhecimento desta instituição na e para a sociedade. O grande desafio da sociedade na atualidade é buscar um modelo de equilíbrio para dirimir ou para enfrentar mais criticamente essa disparidade social existente entre os negros e brancos, entre ricos e pobres. Portanto, trabalhar com essa temática de responsabilidade social das universidades contribui para ampliar o leque do conhecimento sobre a temática em foco. A principal ação do Programa concretiza-se no Curso de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências, evento realizado dentro de dois formatos: um curso com duração de dez dias, na região do Cariri, realizado de dois em dois anos, e cursos, com duração de três dias, em várias partes do Brasil. Na presente pesquisa, buscou-se compreender tal ação tanto no nível local como no nacional, tendo como questionamentos básicos: Qual a abrangência e relevância social do curso IN no âmbito nacional? Quais os benefícios sociais do curso para a região do Cariri? As ações do Programa configuram-se como responsabilidade social? Que impactos essas ações têm provocado na sociedade? Como a sociedade tem participado do programa? Para a consecução desses questionamentos, definiram-se os seguintes objetivos: 23 a) Geral: - analisar as ações do Programa de Extensão Universitária Iniciativas Negras: trocando experiências, sob o enfoque da responsabilidade social universitária. b) Específicos: - Identificar as ações desenvolvidas pelo Programa Iniciativas Negras: trocando experiências; - Relacionar a Extensão Universitária do Curso de Biblioteconomia da UFC Cariri com o Programa de Extensão Iniciativas Negras: Trocando Experiências como uma ação de responsabilidade social universitária; - Avaliar as ações do programa Iniciativas Negras: trocando experiências nacionalmente e na região do cariri; - Investigar melhorias das relações da comunidade, da sua auto-estima, de se perceberem como cidadãos a partir da visão dos participantes, da região do Cariri, do programa. Esperamos abordar a responsabilidade social universitária, de forma a suscitar discussões locais e regionalmente, contribuindo para fomentar estudos sobre a CI e sua relação com a diversidade, dentro da Linha de Pesquisa Ética, Gestão e Políticas de Informação do Programa de pós-graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba (PPGCI - UFPB). 24 2 SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E EXCLUSÃO SOCIAL Uma das características mais marcantes da sociedade contemporânea é o aumento significativo das desigualdades sociais. A evolução da distribuição de renda em alguns países desenvolvidos é paradoxal com a realidade de países subdesenvolvidos, onde a miséria predomina em grande parte da população. Com a incorporação de novas tecnologias ao processo produtivo, muitas máquinas passaram a substituir a mão de obra humana, ocasionando desemprego, gerando mais disparidades entre as camadas menos favorecidas da sociedade (TEDESCO, 2002). Essas transformações no mundo do trabalho provocam o aumento nos níveis de desigualdades econômicas e exclusão social. As duas juntas geram inúmeras problemáticas à sociedade, como o aumento da marginalização, um fosso maior entre ricos e pobres, alto índice de violência, resultado dessas disparidades sociais, necessitando assim de ações para que se possa dirimi-las. É necessário enfatizar que mais do que nunca o papel da educação é primordial, tendo em vista que as formas emergentes de organização social apoiam-se no uso intensivo do conhecimento e das variáveis culturais de associação e participação social. Tedesco ressalta que, as instâncias através das quais se produzem e se distribuem o conhecimento e os valores culturais - instituições educacionais, educadores, intelectuais – em geral ocuparam um lugar central não só na análise das novas configurações, como na definição de estratégias de intervenção social e política (TEDESCO, 2002, p.24). A responsabilidade da educação no país é a via que produzirá meios para que a sociedade possa enfrentar esses desafios e encontrar soluções para minimizar essa paisagem social tão divergente. Cabe às instâncias educacionais seja de ensino fundamental, médio ou superior - caminharem junto com a sociedade, para que programem ações para modificar esse quadro caótico da atualidade. O ensino e a aprendizagem devem ser pautados por interações baseadas nas relações entre as instituições de ensino e a sociedade, para que possam produzir frutos para a melhoria de ambas, influenciando e sendo influenciada pelo outro, provocando mudanças necessárias à nação. A principal questão que se abre para a sociedade contemporânea refere-se, principalmente, à elaboração de políticas para que todos tenham as mesmas 25 oportunidades. A análise das práticas políticas adotadas nos diversos setores da sociedade deve ser reconfigurada dentro desses novos paradigmas da sociedade. A enorme transição social pela qual passamos convoca todos a uma responsabilidade social urgente seja para com as pessoas, como para o meio ambiente (TEDESCO, 2002). Corroborando este pensamento, temos: os processos e estratégias de desenvolvimento e inclusão social encontram-se hoje indissociáveis das dinâmicas e políticas de informação, conhecimento, aprendizado e informação. Esses temas têm norteado não apenas as agendas de pesquisa acadêmica, nas várias disciplinas e áreas do conhecimento, como também as agendas das políticas públicas e estratégias organizacionais (ALBAGLI, 2006, p. 17). Desta forma, urge que todos os segmentos da sociedade reflitam a temática da responsabilidade social e juntos tracem objetivos para minimizar essa paisagem social tão gritante encontrada no país. Uma sociedade baseada no uso do conhecimento produzirá fenômenos de mais igualdade ou desigualdade, caberá a esta mesma sociedade responder o que ela quer produzir. Portanto, a preocupação com a inclusão de todos os indivíduos é vital para que a sociedade se desenvolva com mais qualidade e se torne mais homogênea nos aspectos sociais, econômicos, educacionais, políticos, culturais, etc., minimizando as disparidades existentes entre as diversas camadas da população. A educação promove mudanças tanto no indivíduo como no coletivo, daí sua importância como agente ativo na luta pela responsabilidade e inclusão social. Ao intervir, através de ações de gestão, ensino, pesquisa e extensão, nas problemáticas sociais em lócus e, em interação contínua com a sociedade, buscando encontrar soluções, se não para dirimir, mas para atenuar as problemáticas que assolam a nação, as universidades cooperam para o desenvolvimento das comunidades em que estão inseridas. A educação tem um papel social primordial nesse contexto de mudanças de paradigmas nesta sociedade do conhecimento, pois se a Internet permite-nos interagir com pessoas a quilômetros de distância, os preconceitos raciais, étnicos e culturais impedem-nos de dialogar com o vizinho ao lado (TEDESCO, 2008). Para refletirmos sobre preconceito e preconceito racial, faz-se necessário conceituá-los. Oliveira (1994) conceitua preconceito como ideias, opiniões ou sentimentos que se formam sem conhecimento prévio. Já o Dicionário Básico de 26 Sociologia (1979, p. 112) define preconceito como uma atitude emocionalmente condicionada, baseada em uma mera crença, opinião ou generalização, determinando simpatias ou antipatias com relação a indivíduos ou grupos, sem uma base real. Para Santos (2007, p.27), o preconceito racial é um dos fatores responsáveis pela restrição de oportunidades na vida de milhões de brasileiros que sofrem as mais diversas mazelas de ordem social, econômica e educacional por pertencerem a um grupo étnico que, historicamente, tem sido considerado inferior – o negro –, que tem lutado pelo reconhecimento de direitos sociais básicos. O racismo contra o negro tem sido praticado desde a chegada forçada deste no Brasil. A escravidão continua sendo a forma mais extrema de opressão racial na história brasileira. Apesar da abolição da escravatura, há registro que ela ainda continua presente em algumas localidades, mesmo sendo ilegal. A profunda desigualdade racial entre negros e brancos em praticamente todas as esferas sociais brasileiras é fruto de mais de quinhentos anos de opressão e/ou discriminação racial contra os negros e continua a se perpetuar na realidade brasileira. Portanto, a educação deve refletir seu papel nesse cenário social carregado de incertezas e cooperar para influenciar nas mudanças necessárias nesse processo. Desta forma, trabalhar com temáticas que afetam diretamente a população, principalmente os setores menos favorecidos, é um modo pelo qual a universidade consolida seu aspecto social e resgata a posição pela qual foi criada, que é cooperar com o desenvolvimento e promoção do social 2.1 O negro e o racismo No Brasil, dentre as causas da exclusão social, encontra-se o racismo. O racismo é um problema que afeta toda a população brasileira, principalmente, os que têm a cor da pele negra, sendo, portanto, um problema nacional. Para compreender melhor o assunto, faz-se necessário conceituá-lo. Por racismo entende-se como uma doutrina que afirma haver uma conexão entre características raciais e culturais, e que algumas raças são inerentemente superiores a outras. Em inglês, racism (racismo) é um termo novo em substituição à palavra racialism (racialismo), extensamente usada em passado recente por muitos autores que trataram do problema. Há um acordo geral entre os sociólogos 27 quanto a esta palavra referir-se a uma doutrina de supremacia racial. O racismo inclui no seu conceito de raça, indiscriminadamente, agrupamentos não-biológicos tais como seitas religiosas, nações, grupos lingüísticos e grupos culturais. Daí pode ser considerado uma forma particularmente virulenta de etnocentrismo. Racismo envolve a afirmação de que a desigualdade é absoluta e incondicional, i.e., que uma raça é por sua natureza intrínseca superior a outras, independentemente das condições físicas do habitat e dos fatores sociais (DICIONÁRIO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 1986, p. 1022-1023, grifo nosso). Para Santos (2007, p.19), racismo é um ato de desrespeito àquele que é diferente, independentemente de ter como marco único a cor da pele, porém sem desprezar tal característica que, no caso brasileiro, é um dos pontos ainda considerados para se fazer a distinção econômica, educacional e cultural da população negra. Essas concepções de racismo denunciam as consequências que esta prática traz aos segmentos que são afetados por ele, necessitando, portanto, de mais estudos e ações para que possam minimizar essa ação que provoca tanto malefícios aos que são afetados. Hasenbalg (1979) lembra que a Abolição não serviu para inserir os negros e seus descendentes no mercado de trabalho, mas, quanto mais distantes estamos de maio de 1888, mais percebemos a exclusão dos afro-brasileiros das diferentes instâncias da vida social. Segundo Moore (2007, p.287), “ao contrário de retroceder, como era de se esperar, tendo em conta o enorme salto da humanidade em matéria de educação e de conhecimentos em geral, o racismo se insere na dinâmica socioeconômica do século XXI com um novo e brutal vigor excludente”, tornando-se mais solidificado, porém, mascarado por trás de uma sociedade que se diz não racista, mas cujas práticas diferem de seus discursos. Santos (2005) enfatiza que a discriminação racial e seus efeitos nefastos construíram dois tipos de cidadania neste país, a negra e a branca. Basta observar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) brasileiro, desagregado por cor/raça, para facilmente notar esta lamentável situação de injustiça. O IDH indica que há dois países no Brasil, quando desagregamos por cor/raça a população brasileira. O Brasil branco, não discriminado racialmente, e o Brasil negro, discriminado racialmente, que acumula desvantagens em praticamente todas as esferas sociais,especialmente na educação e no mercado de trabalho, em função do racismo. Com o processo de globalização, debatem-se temáticas sociais diversas, e a questão racial ainda é um desafio do presente, ressaltando que se trata de algo que 28 existe desde o passado e suas consequências são bem-enraizadas na sociedade contemporânea. Moore enfatiza, os preconceitos, medos e ódios seculares que o racismo gerou ao longo dos tempos se têm enraizado no imaginário coletivo dos diversos povos e sociedades, formando incríveis labirintos de sentimentos inconfessos de repulsa automática contra o segmento de origem africana e de insensibilidade para com seus interesses e anseios (MOORE, 2007, p. 289). No decorrer da história da humanidade, a crença na existência de raças superiores e inferiores foi utilizada para justificar a escravidão ou o domínio de determinados povos por outros e isso se perpetua desde a Antiguidade, quando se observa a submissão de determinados povos a outros, ou com a submissão de determinadas classes sociais a outras. A evolução de tecnologias, com a diluição das barreiras geográficas e temporais através da globalização, não conseguiu minimizar a problemática entre excluídos e dominados ainda presentes na sociedade contemporânea, e, de certa forma, acentuou a visibilidade entre as duas. No Brasil, desde a chegada dos portugueses em solo brasileiro, houve a supremacia de uma raça dita superior, os portugueses, ou seja, os brancos, aos nativos, os indígenas ou amarelos. Com a exploração da colônia brasileira, houve a importação do negro, oriundos de países da África, que chegou ao Brasil como mercadoria, sem gozar de qualquer direito como cidadão. Os negros tornaram-se, pois, objeto de exploração, sem nenhuma perspectiva de ser cidadão brasileiro no sentido pleno da palavra. Silva (2008, p 131) afirma que “sendo os afro-brasileiros oriundos de famílias escravizadas, desde a sua entrada em solo brasileiro seus descendentes deixam de gozar de status, prestígio e mesmos legados financeiros tradicionalmente usufruídos pelo grupo de não negros”. Segundo a autora, percebe-se que a mobilidade social em relação aos não negros, em virtude do racismo, é bem-diferenciada e muito forte ainda em um Brasil dito não racista. A supremacia de uma raça em detrimento da subserviência de outras continua ocasionando inúmeros problemas à sociedade. Os problemas relacionados às causas de racismo, preconceito e discriminação estão muito presentes na sociedade atual e devem ser discutidos e tratados pelas instituições competentes. Sendo as universidades um centro difusor de conhecimento, esse debate faz-se necessário nesta instituição geradora e disseminadora do saber. Nessa perspectiva, Moore afirma 29 a luta permanente e multifacetada contra o racismo, nas suas formas estruturais e sistêmicas, no imaginário social, nas suas formulações ideológicas, se faz necessária em nível planetário. A Humanidade não tem outra opção. De outro modo, o ser humano terá voltado as costas ao mais elementar dos requisitos da natureza e dos organismos viventes: a diferenciação, a constante multiplicação do diferente – do Outro – como origem, essência e exigência para a continuidade da vida. Acabar com o Outro – negando-o ou exterminado-o, é, necessariamente, fechar a porta ao futuro, acabar com nossa espécie, assassinar a Vida (MOORE, 2007, p.293). A responsabilidade universitária é emergente e muito desafiadora, pois deve buscar soluções para atenuar esses males enraizados não só na cultura brasileira, mas também em todo o planeta. A Declaração Final da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, à discriminação racial, à xenofobia e formas correlatas de intolerância, realizada em 2001, na cidade de Durban, reitera que a pobreza, o subdesenvolvimento, a marginalização, a exclusão social e as disparidades econômicas estão intimamente associadas ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata e que contribuem para persistência de práticas e atitudes racistas as quais geram mais pobreza ( BRASIL, 2001). A educação é um sólido alicerce para minimizar as questões sociais da população. Uma sociedade pautada em um modelo de ensino promotor do bemestar individual e coletivo proporciona meios para dirimir a exclusão social em suas diversas matizes. Aquino vem ao encontro desse raciocínio ao afirmar que as bases para a construção da sociedade da informação, rumo à sociedade do conhecimento, visando competir em iguais condições com as demais nações em que muito se fala em inovação, democratização da informação e educação para todos, são insuficientes para o Brasil superar os patamares dramáticos de desigualdades sociais que se transformam em desigualdades raciais, atingindo, sobretudo, a/o afrodescendente e forçando/a a experimentar uma dupla discriminação: ser negro e ser pobre. Trata-se de um processo de exclusão, que empurra uma grande parte da população brasileira para um estado crescente de pobreza, de preconceito, de discriminação e de racismo cada vez mais complexo, obrigando os grupos socialmente marginalizados (negros, índios, judeus, etc.) a viverem uma contradição: de um lado uma sociedade que se emaranha nas múltiplas redes de comunicação, nos fluxos de informação e nas flutuações econômicas em níveis diversos, gerando opulência e riqueza para uma minoria privilegiada; e, do outro, uma sociedade injusta e intolerante, que impede a maioria de usufruir integralmente dos bens econômicos e sociais, fazendo-a sucumbir em um alto nível de mortalidade e analfabetismo (AQUINO, 2010, p.27-28). Tanto o racismo como a discriminação racial estão entre os grandes atores protagonistas do desenvolvimento econômico e social de uma parcela significativa da população brasileira (Silva, 2008). Cabe, também, às universidades traçarem 30 planos de ações para atenuar essa disparidade social tão presente na nação brasileira desde os primórdios de sua exploração pelos portugueses, em 1500. Para compreendermos melhor discriminação social e discriminação racial utilizamos o Dicionário Básico de Sociologia que conceitua discriminação racial: tratamento desigual segregativo dado a um determinado grupo étnico. Pode ser difusa, quando tem por base um preconceito, ou jurídica, quando a desigualdade está legislada; discriminação social: tratamento segregativo e desigual dado a minorias sociais com base em elementos sociais, étnicos, religiosos, políticos, econômicos ou sociais. Como exemplo tem o impedimento a mulheres a determinado status social em alguns países (DICIONÁRIO BÁSICO DE SOCIOLOGIA, 1979, p.46,47). Numa sociedade marcada por profundas desigualdades sociais, de classe, de gênero, étnico-raciais, as questões de igualdade racial abordadas pelos movimentos sociais são de fundamental relevância para refletirmos sobre a atual situação por qual passam os negros no Brasil, no Ceará e, principalmente, nos municípios do Cariri, lócus de realização desta pesquisa. Portanto, integrar e discutir essa temática no âmbito da universidade constitui uma questão de compromisso, ética e responsabilidade social para com a sociedade. 2.2 Movimentos sociais O quadro de desigualdades presente no país dá origem aos movimentos sociais objetivando alternativas para enfrentar as disparidades étnicas e sociais existentes na sociedade brasileira. Como resultado da luta empreendida pelo MN, há décadas assiste-se mudanças lentas de postura, em vários segmentos da sociedade brasileira, em relação ao tratamento conferido às questões da população negra no país, como é o caso da implantação da Lei 10.639 de 2003 e a questão das cotas nas universidades, produzindo resultados satisfatórios para a população negra. As trajetórias dos movimentos sociais no Brasil foram marcadas por lutas e conflitos das organizações, sejam dos movimentos feministas, lutas de classes, ecológicas, étnicas e sociais com a política atual. Essa luta dos movimentos sociais envolvendo grupos negros perpassa toda a história do país. Conforme Hanchard (2001, p.115) as agressões, tensões e desafios que costumam ser resolvidos por alguma forma de competição, nos casos em que as pessoas implicadas pertencem a 31 um mesmo grupo racial, traduzem-se em conflitos raciais nas disjunções que envolvem pessoas de grupos étnicos ou raciais diferentes. Na atualidade, esses movimentos tornaram-se visíveis e formaram parcerias com a sociedade civil, com o Estado, para juntos cooperarem na construção de um país mais igualitário, menos excludente. A luta por democratização abriu novos espaços para os movimentos sociais diversos, pois outros grupos, também marginalizados pela sociedade, como o feminismo, os homossexuais, começaram a se organizar e lutar por seus direitos. Hoje temos uma diversidade de grupos de movimentos que lutam e buscam por seus objetivos, principalmente o MN. O MN constituiu-se como mecanismo de organização contra a discriminação e resistência racial presente na sociedade brasileira. Para compreender os movimentos sociais, faz-se necessário defini-los. Para Gohn (1995, p.44), movimentos sociais são ações coletivas de caráter sociopolítico, construídas por atores pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles politizam suas demandam e criam um campo político de força social na sociedade civil. Suas ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em situações de: conflitos, litígios e disputas. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural e cria uma identidade coletiva ao movimento, a partir de interesses em comum. Essa identidade decorre da força do princípio de solidariedade e é construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo. Os movimentos sociais são necessários na sociedade contemporânea, visto que as lutas por direitos humanísticos e igualitários continuam presentes. Esses movimentos lutam pelo pluralismo racial, pela afirmação das diferenças, contra o racismo, que é um fator permanente e solidificado na sociedade (MOORE, 2007). Buscam o bem comum de determinados grupos marginalizados, que são discriminados e desprovidos de seus direitos como sujeitos construtores e partícipes da sociedade. Nessa perspectiva, os movimentos sociais, sobretudo os de caráter identitário, são os principais atores que problematizam essa situação. São os coletivos políticos, tais como os movimentos negro, feminista, das pessoas com deficiência, ecológico, indígena, etc. que denunciam a neutralidade nas políticas públicas. As questões da diversidade, do trato ético e democrático das diferenças, da superação de práticas pedagógicas discriminatórias e excludentes e da justiça social se colocam para todas as instituições de educação básica e superior, independentemente de sua natureza e do seu caráter (CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2010, p.102). 32 Os Movimentos Sociais expressivos envolvendo grupos negros perpassam toda a História do Brasil. Contudo, até a Abolição da Escravatura, em 1888, esses movimentos eram quase sempre clandestinos e de caráter radical, tinham como principal objetivo a libertação dos negros cativos. A quilombagem, principal forma de exteriorização dos negros rebeldes contra a escravidão, durou cerca de quatro séculos, e englobava formas de protestos individuais ou coletivos. Com o fim do Império, os grupos negros se incorporaram a diversos movimentos populares, particularmente, de base messiânica, como o de Canudos e o do beato Lourenço (PEREIRA, 2000). Segundo o autor supra-citado, nos principais centros de mobilização, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia, os movimentos sociais afro-brasileiros começaram a trilhar novos caminhos a partir de meados dos anos 1910, numa tentativa de lutar pela liberdade recém-adquirida e evoluir para organizações de âmbito nacional. A primeira grande manifestação nesse sentido é o surgimento da Imprensa Negra Paulista. Em 1930, desenvolveu-se um dos mais interessantes movimentos afrobrasileiros de caráter nacional: a Frente Negra Brasileira (FNB), que teve uma atuação destacada contra a discriminação racial, tendo sido responsável pela inclusão de negros na Força Pública de São Paulo. Depois, constitui-se como partido político, em 1936. Todavia, a vida da FNB como partido político foi curta. Em 1937, com a decretação do Estado Novo por Getúlio Vargas, todos os partidos políticos foram declarados ilegais e dissolvidos. A partir desse momento, e praticamente até a redemocratização, em 1945, os movimentos sociais negros recuaram para suas formas atuais de resistência cultural. Na década de 1950, os movimentos sociais negros iniciaram um lento ciclo de rearticulação, cujo marco é a fundação, em São Paulo, da Associação Cultural do Negro (ACN), porém durante a ditadura militar brasileira, na década de 1960, foram inviabilizadas todas as manifestações de cunho racial. Para Pereira (2000), o MN, como proposta política, só ressurgiu realmente em 7 de julho de 1978, quando um ato público organizado em São Paulo contra a discriminação sofrida por quatro jovens negros no Clube de Regatas Tietê deu origem ao Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNU). A data, posteriormente, ficaria conhecida como o Dia Nacional de Luta Contra o Racismo. 33 Os anos pós-Constituição de 1988 registraram avanços nas lutas institucionais dos movimentos afro-brasileiros contra o racismo, mas a barreira do preconceito racial e social continua a permear a sociedade, de forma que as lutas dos movimentos por uma igualdade racial ainda é muito forte. Essa luta histórica por cidadania e direito de participação na sociedade continua vigente, por esse motivo o Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências tem como objetivo formar e capacitar ativistas, pesquisadores, dentre outros, que trabalham na causa da militância negra tanto em nível local - na região do Cariri -, como em nível nacional, trabalhando em parcerias com órgãos e instituições para fortalecimento da causa negra no país. Vivemos em um momento em que as questões de reconhecimento, justiça social, igualdade, diversidade e inclusão estão presentes na agenda social, política e educacional. Cabe, portanto, às universidades discutirem com mais veemência esse assunto, tomando um posicionamento junto à sociedade, proporcionando reflexões que conduzam a um diálogo com as classes menos favorecidos, exercendo assim, sua função social perante a sociedade que a mantém. Para Aragão (2011, p.203), o grande legado dos movimentos sociais, em particular do movimento social negro tem sido o de pautar, também, no meio educacional, a incorporação do debate da equidade e do respeito às diferenças. Nesse cenário de transformações, as universidades são fundamentais para apoiar esses movimentos sociais, cooperando para sua capacitação teórica e na formação de pessoas comprometidas com estas causas. A UFC Cariri tem buscado, através de seus programas e projetos de extensão, proporcionar meios para minimizar os problemas dessa realidade na sociedade caririense. Programas de extensão como o Iniciativas Negras: trocando experiências busca proporcionar melhorias na comunidade, através de parcerias que fortaleçam o vínculo entre a comunidade e a academia, na formação de ativistas e no fortalecimento de projetos/movimentos sociais que promovem transformações nessas camadas sociais menos favorecidas. Cabe às instituições de ensino refletir sobre as questões sociais que permeiam toda a sociedade, cooperando se não para dirimir, pelo menos para influenciá-las, capacitando os indivíduos para se integrarem nesse diálogo com a sociedade, incentivando em suas tomadas de decisão, sendo agentes ativos no processo de cidadania. Discutir essas questões sob a ótica da responsabilidade 34 social universitária, integrando a comunidade nesse diálogo, é uma das formas que as universidades têm para ressaltar sua significação social como instrumento de desenvolvimento econômico, político, social e cultural. 2.2.1 Movimentos sociais negros no Ceará No Ceará, os movimentos sociais foram marcados por conflitos, pois mesmo com a abolição da escravatura, os negros continuavam sofrendo preconceitos sociais, políticos e econômicos. Até mesmo famílias negras que possuíam posses sentiam-se excluídas da sociedade, como pode ser observado na assertiva no Ceará, o Movimento Negro surge através de famílias negras que conseguiram, ao longo dos séculos, estruturar-se sócio-politicamente e também nos aspectos religioso e cultural, na tentativa de manter vivos os ritos e costumes dos ancestrais. Mesmo com a escravidão imposta ao povo negro e cearense, pouco ou quase nada foi repassado à sociedade cearense como um todo sobre a existência dessas famílias negras que não se deixaram curvar às mazelas do sistema vigente. Seus membros não foram escravos. Eles tinham vida própria, casa, terras, plantações, gado. Porém, foram isolados do contexto histórico, social, político e econômico da província. Foram inúmeras famílias negras, comunidades, cativos, negros fujões, que organizaram e deram o exemplo das primeiras organizações de negros no Ceará, no intuito da busca da valorização como raça, como ser humano (PEREIRA, 2000, p. 82). A história do MN institucionalizado no Ceará começa com a fundação do GRUCON, através dos contatos pessoais que Lúcia Simão mantinha, através de cartas, com a articulação desse grupo em São Paulo, que ainda em 1891iniciou articulações por todo o país em busca de sua autonomia em relação à Igreja Católica. Desde 1977, Lúcia Simão conhecia as Irmãs Religiosas da Congregação do Sagrado Coração de Jesus da qual fizera uma experiência vocacional, e em 1981, viajou a convite delas para participar da Missa dos Quilombos em Recife (SOUSA, 2006, p.39-40). Como membro e atuante da Pastoral Operária, após ter desistido da vocação religiosa, e participar da Semana da Consciência Negra e do Encontro Nacional do GRUCON, de onde retornou nomeada como articuladora local, ela decide estudar o Estatuto do Grupo de União e Consciência Negra e formar o grupo de militantes negros da Igreja Católica. Tal movimento desenvolve, no território cearense, no início da década de 1980, oriundo das reflexões do grupo de pensadores e militantes da Igreja Católica 35 do Grupo de União e Consciência Negra. O MN foi iniciado em 13/julho/1982, através de cinco jovens e coordenados por Maria Lúcia Simão, negra cearense, de uma congregação religiosa. O MN é o nome genérico dos diversos movimentos sociais afro-brasileiros, particularmente aqueles surgidos a partir da redemocratização pós II Guerra Mundial, no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Para Pereira (1993), o MN, no Ceará, surgiu com o despertar de uma consciência crítica entre algumas pessoas negras que sentiram a necessidade de conhecerem suas raízes e se assumirem como negras. Durante quase duas décadas, renasceram outras realidades e oportunidades de fazer o Movimento Negro organizado no Ceará. Afirmaram-se como entidades os Agentes de Pastoral Negros (APN’s), grupo que tem sua atuação centrada na realidade católica, através de padres, leigos engajados, bispos e religiosas. Dos APN’s surgiram outros grupos específicos, como os Franciscanos Negros, grupo de religiosos que hoje se assumem como GRENI – Grupo de Religiosos Negros e Indígenas; a Comissão Negritude dos Capuchinos (CONEC), já extinta; dentre outros (PEREIRA, 2000). Sousa (2006) ressalta que, durante o período da ditadura militar, a UFC, representou um importante centro de resistência ás arbitrariedades do regime, e muitos docentes tornaram-se articuladores políticos e membros dos movimentos sociais. Esse fato começou a incomodar alunos negros de outras universidades, especialmente o Núcleo de Estudantes Universitários do Piauí – NEUPI, acentuando mais o desejo e a necessidade de mobilização e organização de estudantes negros e africanos do Piauí, que somaram suas reflexões às iniciadas na UFC e no bairro Jardim Iracema, fortalecendo o papel da universidade nesses movimentos sociais. Em 1982, alguns debates politizados são promovidos pela UFC, revelando a fecundidade do tema no meio acadêmico. O autor supra-citado destaca que outro grupo criado para fomentar discussões acerca das condições que vivia a população negra no Ceará foi o grupo de negros do Partido dos Trabalhadores, que surgiu durante a administração da prefeita Luiza Fontenele (1985-1989), que promoveu intensa programação de promoção étnica na capital. Nesta mesma época, existia, também, o grupo de negros do PDT, que, no Rio de Janeiro, inovara na política e na administração 36 pública nomeando e criando órgãos públicos voltados especialmente para as demandas da população afro-brasileira (SOUSA, 2006). Na história do MN cearense, os questionamentos em torno da realidade social do negro esteve em vários locais e espaços de atuação sócio-político, promovendo discursos que procuravam ressignificar a própria negritude e ensejavam a necessidade de congregação desses grupos que surgiam com o propósito de contrapor-se a diversas situações de discriminação. Para Sousa (2006), esses grupos de consciência negra, que articulados promoveram o que chamamos de MN cearense, surgidos no início da década de 1980, estavam ligados, direta ou indiretamente, através de seus militantes e líderes, a algumas matrizes discursivas: a Igreja Católica, a Universidade, os Partidos Políticos de Esquerda ou a Movimentos Sociais. As influências que essas matrizes discursivas exercem no MN cearense podem ser percebidas de diversas formas, pela articulação, através dos diversos grupos de consciência negra espalhados pelo Ceará, servindo-se de outras instituições como apoio, pela suas buscas de institucionalização junto às organizações governamentais ou não governamentais, nacionais e estrangeiras, e pelas formas de arregimentação da população negra que lhes garante representatividade como segmento organizado dessa população (SOUSA, 2006). Ainda segundo o autor, a constante busca por legitimidade e representatividade, que influencia nas formas como os grupos aparecem mais destacadamente num panorama social mais amplo, ressalta-se que o MN cearense só ganhou legitimidade, como representante da cultura afro-cearense, a partir do momento em que se fez reconhecer-se socialmente, pela comprovação da existência de uma presença da população negra presente neste Estado, vivendo sob condições de exclusão social. Na atualidade, para corroborar com estas questões sociais, as universidades, através de seus projetos de extensão passaram a contribuir mais veementemente com esta parcela da população no tocante às questões étnicas e sociais. O racismo tem sido um tema discutido nos programas de pesquisa e extensão da UFC. Na UFC Cariri, destacamos o Núcleo Brasileiro Latino Caribenho N’BLAC e o Programa Iniciativas Negras: trocando experiências, dentre outros que trabalham com esta temática social. Outras questões como a pobreza, a 37 alfabetização, o desenvolvimento sustentável e a inclusão social também são tratadas em projetos de pesquisa e extensão da UFC Cariri. O Programa Iniciativas Negras: trocando experiências trabalha com esse segmento da população que tanto contribui com a construção do nosso Estado, mas que, ainda hoje, vive à margem dele, sem participar dos benefícios gerados pelo desenvolvimento do país, vivendo, muitas vezes em condições sub-humanas, miseráveis, conforme dados mostrados em pesquisa realizado pela Cáritas Diocesana do Crato e o Grupo de Valorização Negra do Cariri - GRUNEC, apresentados no III Curso IN (2011), conforme Quadro 1. Quadro 1: Municípios e comunidades visitadas MUNICIPIOS COMUNIDADES 1. AURORA Tipi 2. CRATO Catingueira Angicos 3. MISSÃO VELHA Jamacaru e Pau D’arco 4. BREJO SANTO Não identificada 5. JARDIM Mulatos 6. JATI Alto dos Madalenas 7. PORTEIRAS Vassourinha(*) 8. MAURITI Vila das Ritas e Extrema 9. MILAGRES Valdivino 10. ARARIPE Arruda(*)e Cachoeirinha 11. POTENGI Catolé e Caracará (**) 12. ASSARÉ Inficado (Casa do Barão de Aquiraz) 13. VARZEA ALEGRE Panelas 14. CAMPOS SALES Não identificada 15. SALITRE Lagoa dos Crioulos, Serra dos Chagas(*), Serra dos Nogueira, Arapuca, Facões, Cacetes, Serra dos Quincas, Baixio dos Mocos,Lagoa dos Paulinos, Serrinha; (*) Comunidades certificadas pela Fundação Palmares; (**) em processo de organização. Fonte: CDC/GRUNEC Para Vidal (2011), o processo de mapeamento das comunidades negras e/ou quilombolas iniciou-se com visitas realizadas in loco, graças à articulação da Cáritas Diocesana de Crato com o GRUNEC, dentre muitas parcerias firmadas com 38 a sociedade civil organizada e organizações governamentais. Os primeiros contatos foram feitos com os Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais dos municípios visitados, uma vez que todas as comunidades, até mesmo as três certificadas pela Fundação Palmares, inicialmente identificam-se como comunidades rurais. Ainda segundo o autor citado, as bandeiras de lutas estão relacionadas com a questão da terra, acesso à água e políticas públicas fundamentais, como: educação contextualizada, saúde, moradia, políticas para juventude e para as mulheres. A agricultura familiar constitui o principal componente da renda familiar, acrescida dos programas sociais, como bolsa-família, aposentadoria. Para melhor visualização do mapeamento realizado, destacamos a realidade de algumas comunidades negras, rurais e quilombolas do Cariri: a) Comunidade de Arruda: foram visitadas 35 famílias, todas com casa própria, algumas de taipas; nenhuma família possui o título de propriedade da terra, plantam em terras alheias; água é uma dificuldade na comunidade, todas as casas são beneficiadas com cisternas de placas do programa P1MC e “luz para todos”; o lixo é jogado em terrenos e às vezes queimado. Não há saneamento básico na comunidade. Embora seja uma comunidade certificada como quilombola, não associam sua identidade com a história do negro africano, da escravidão. b) Comunidades Extrema e Vila das Ritas: Nessas comunidades verificou-se que a população feminina jovem, assim como a juventude usualmente migra para os centros urbanos em busca de trabalhos domésticos e/ou sazonais (corte de cana, colheita de tomate etc). Muitas delas não voltam para a comunidade, perdendo os vínculos familiares e culturais. c) Comunidade de Cachoeirinha: formada por cerca de dez famílias, todas descendentes do Sr. Gustavo Nascimento, irmão do Sr. Antonio João Nascimento da comunidade de Arruda. O senhor Gustavo, trabalhador rural aposentado, afirma que “todos aqui vive agridido” (sic), ou seja, o sonho de todos é ter terra pra plantar. Vivem sem terra, água, saúde, ocupação; “Do pouco que colhe ainda tem que pagar o dono da terra”. As crianças estudam na comunidade vizinha e, quando chove, as estradas não permitem acesso. A economia local gira em torno dos programas 39 sociais e dos produtos oriundos da cultura de sequeiro. Os mais velhos da comunidade lembram-se dos reisados e cantigas. d) Comunidade Alto dos Madalenas: Os Madalenas não têm registro legal público da propriedade, mas há um reconhecimento coletivo sobre a questão. Os madalenas como outras comunidades negras rurais são vítimas do que podemos chamar de “racismo ambiental” conceito que se refere a qualquer política, prática ou diretiva que afete ou prejudique, de formas diferentes, voluntária ou involuntariamente, a pessoas, grupos ou comunidades por motivos de raça ou cor. Os madalenas hoje mais do que nunca estão em petição de miséria. Não registra um só integrante que seja abastado. Muitos não têm emprego, arrumam no máximo alguns bicos, há muita gravidez na adolescência. São marginalizados pela cor, grau de instrução e com certeza pelo poder aquisitivo (VIDAL, 2011). A UFC Cariri, através de seus programas de pesquisa e extensão permite que seu alunado tenha contato com a realidade vigente da região. Essa experiência nos projetos de extensão e a participação nos cursos realizados pelo programa de extensão IN proporcionam aos discentes uma realidade ímpar, pois os possibilita conhecer na prática a realidade que, muitas vezes, é conhecida somente na teoria. Essa oportunidade de vivenciar a realidade in loco reflete no alunado uma forma de olhar e interpretar os fatos de forma mais crítica e solidária, promovendo assim a formação de profissionais com capacitação técnica, mas, sobretudo, humanitária e cidadã. 2.2.2 Movimentos sociais negros na região do Cariri As terras do Ceará foram ocupadas tardiamente, em relação a outras áreas do Nordeste. Sua inserção na economia nacional dá-se de forma quase natural, decorrente do desempenho da pecuária que, por um bom tempo, permanecera como extensão dos engenhos de açúcar. Com a crescente expansão da lavoura canavieira e a necessidade de incorporação de novas áreas do setor produtivo, a atividade pastoril viu-se empurrada, gradativamente, para a zona do semi-árido, posteriormente, por todo o sertão nordestino. O Cariri localiza-se no sul do Estado do Ceará, com destaque para a cidade de Juazeiro do Norte que, em virtude das romarias em torno do Padre Cícero, 40 transformou-se no centro comercial da região. O comércio e as indústrias artesanais, principais atividades econômicas da cidade, atraíram pessoas vindas de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e outros estados do Nordeste, na sua maioria pretos ou pardos, que, atraídos pela fé no Padre Cícero e fugindo dos sertões semi-árido passaram a residir em juazeiro do Norte e nas cidades mais próximas. Essa população é responsável pela diversidade cultural presente na região (NUNES; CUNHA JÚNIOR, 2011, p.46). A ocupação do sertão cearense ocorreu de forma rápida, o que comprova o vertiginoso crescimento populacional. Em 1775, o número de habitantes no Ceará era de 61.474, passando, em 1808, para 125.878, um aumento populacional de mais de 100%. Uma população marcadamente de “homens de cor”. (Ferreira, 2009, p.45). A economia da província cearense, nos séculos XVIII e XIX, foi marcada com momentos de desenvolvimento da lavoura, o que ocasionou o crescimento vertiginoso da população na região. O Cariri cearense, durante o Brasil Colônia, não foi grande produtor de açúcar, no entanto, a cultura canavieira foi, durante os séculos XVIII e XIX, a principal atividade econômica da região, utilizada na produção de rapadura e aguardente. Esses engenhos expandiram-se marcados pelo trabalho escravizado que foi utilizado para triturar a cana em moendas de pau (NUNES; CUNHA JÚNIOR, 2011, p.46). Segundo os autores acima citados, o povo negro tem presença significativa na região do Cariri, desde a sua colonização, participando da construção histórica e cultural dessa região, na formação de quilombos, na organização de confrarias religiosas e nas diversas práticas culturais desenvolvidas pela população negra caririense, necessitando, desta forma, de ações que fortaleçam uma consciência coletiva (NUNES; CUNHA JÚNIOR, 2011). Nessa perspectiva, os movimentos negros no Cariri são fundamentais para a preservação e perpetuação dessa memória coletiva. Todavia, os movimentos negros na região do Cariri têm travado uma luta para sua consolidação, em virtude dos poucos recursos financeiros e capacitação teórica dos envolvidos nesse processo. Devido à extensão e o difícil acesso à região, a comunicação entre esses movimentos era muito precária. Com o processo de globalização e desenvolvimento econômico e social da região e a chegada de 41 novas empresas e universidades, essas distâncias têm-se tornado menor, proporcionando uma melhor integração entre esses projetos e movimentos sociais. Um dos principais movimentos sociais da região é o GRUNEC. Trata-se de uma associação civil sem fins econômicos, fundada em abril de 2001, no município de Crato/CE, formada por diversos profissionais: professores universitários, servidores públicos, religiosos, profissionais liberais, artistas, estudantes, negros e não negros. Tem como foco a valorização de auto-estima do povo negro, como forma de combater o racismo persistente a que a sociedade brasileira submete esta parte de sua população. O GRUNEC, ao longo de sua existência, constrói um debate sobre relações étnicas raciais, políticas afirmativas, dentre outros temas. Para tanto, investe na articulação e mobilização junto ao movimento social organizado e o poder público na região do Cariri, realizando palestras, seminários, comemoração da Semana da Consciência Negra, lançamento de livros, audiências públicas, visitas a comunidades rurais negras no Cariri, cursos para geração de emprego e renda, intercâmbios e parcerias. Para atingir os propósitos estabelecidos, o GRUNEC tem feito parcerias para o seu fortalecimento, dentre as quais destacamos: Universidade Regional do Cariri – URCA; Conselho Municipal dos Direitos da Mulher – CMDMC; Cáritas Diocesana do Crato, UFC Cariri etc. Estas parcerias têm levado o GRUNEC a uma atuação efetiva na região, possibilitando interação e participação nos Fóruns locais. Entre as atividades do GRUNEC, estão o desenvolvimento de ações afirmativas, acadêmicas, culturais, políticas, entre as quais se destaca o acompanhamento das comunidades da região sul do Estado do Ceará, retratadas pelo projeto Mapeamento das Comunidades Rurais Negras e ou quilombolas do Cariri, que mostrou uma realidade de exclusão e discriminação em 25 localidades de treze municípios do sul do Ceará, cujo resultado foi apresentado no III Curso IN (2011) e I Seminário sobre violência racial e violência de gênero, conforme demonstrado anteriormente no Quadro 1. O GRUNEC trabalha com diversas metodologias, especialmente no ensino profissionalizante e no desenvolvimento de atividades artísticas, fertilizando um terreno para aflorar a autoestima do povo de pele negra no Cariri que se encontra em exclusão social, promovendo encenações de danças, desfiles, músicas e outras manifestações ligadas à arte. 42 Atua de forma efetiva na Semana da Consciência Negra e em ações realizadas junto às Secretarias Municipal e Estadual de Educação para garantir o cumprimento das normas reguladoras como um dos patamares condutores a uma conscientização mais sólida sobre a afrodescendência na região, como a implementação da Lei 10.639/2003 nas escolas de ensino fundamental e médio. Esse trabalho não é realizado no meio universitário, mas também junto às comunidades pobres da região, onde a população de cor negra atinge índice mais elevado e onde a marginalização e tudo o que ela gera está concentrada em um percentual preocupante. A proposta do GRUNEC, juntamente com as instituições parceiras (Conselhos Comunitários, Associações de Bairros, Projetos e Movimentos sociais), é desenvolver e colaborar em projetos, em favor dos menos favorecidos na região do Cariri, dentre os quais destacamos: a) Mapeamento das Comunidades Rurais Negras O GRUNEC vem realizando com a Cáritas Diocesana do Crato visitas aos municípios de Jati, Salitre, Jardim, Assaré, Potengi, Mauriti e Missão Velha, na região do Cariri Cearense, com o objetivo de identificar as comunidades rurais negras e/ou quilombolas, documentando sua história e características socioeconômicas e culturais. Este projeto significa a possibilidade de estender ações de valorização da autoestima e da cultura dos afro-brasileiros, bem como buscar garantias dos direitos de cidadania desses agrupamentos. Conforme o GRUNEC (2011), a expressão do descaso dos poderes públicos no trato e reconhecimento da dignidade das comunidades quilombolas, revela-se, sobretudo, na negação de sua existência, conforme se verifica na baixa qualidade dos dados estatísticos que os órgãos públicos têm sobre estas comunidades, ocasionando, desta forma, seu anonimato, tornando-as invisíveis perante a sociedade. Portanto, conhecer a realidade dessa parte da população e suas necessidades é essencial para discutir formas de acionar o poder público e instituições, a fim de proporcionar políticas públicas que venham intervir nessa realidade local. 43 b) Projeto mães de presos, mães de presas... mães presas O GRUNEC, juntamente com instituições governamentais e não governamentais, executa o Projeto “Mães de Presos” coordenado pelo CMDMC, junto a mulheres que têm familiares presos ou presas. Este projeto garante atendimento psicossocial e jurídico a essas mulheres e seus familiares. O CMDMC, é um órgão de ação fundamental no combate à violência contra a mulher cratense. O cenário desta violência está nos dados da Delegacia de Defesa da Mulher deste município. O CDMC juntamente com o GRUNEC tem desenvolvido palestras e oficinas para sensibilização e conscientização dos direitos da mulher em combate à violência de gênero na região. A articulação destas instituições tem promovido discussões no âmbito educacional local, principalmente no ensino superior, provocando as instâncias públicas a refletirem sobre a atual situação em que se encontram esses indivíduos na sociedade. O GRUNEC tem sido um dos principais parceiros na capacitação e formação de ativistas no Programa de Extensão Iniciativas Negras na região, como também colaborador e difusor das questões étnico-raciais e violência de gênero, sendo um importante agente de denúncia social na região do Cariri, buscando intervir proativamente na sociedade local. 44 3 RESPONSABILIDADE SOCIAL O atual panorama da globalização tem exigido das empresas novos desafios para que possam acompanhar o ritmo que a sociedade se encontra. Um desses desafios tem sido a responsabilidade social empresarial. Hoje, mais do que nunca, as empresas precisam estar comprometidas com o desenvolvimento social. Sua fundamentação na ética, valores e princípios precisa ser a base para a sobrevivência e desenvolvimento nesse mercado globalizado. Veloso (2005, p.3) enfatiza que “preocupação com princípios éticos, valores morais e um conceito abrangente de cultura é necessária para que se estabeleçam critérios e parâmetros adequados para atividades empresariais socialmente responsáveis”. Assim, a ética pode ser considerada o termômetro das empresas, a fim de nortear e avaliar seus valores, conceitos e comprometimento com a sociedade. A ideia de responsabilidade social das empresas não é nova. Em 1920, Henri Ford defendia que as empresas tinham de participar do bem-estar coletivo. Segundo Garcia (2007), também não ressurgiu agora, como modismo da atualidade, mas é um valor que foi crescendo, evoluindo, tomando corpo até adquirir uma dimensão universal. A Responsabilidade Social Corporativa (RSC) é mais importante do que nunca, tornando-se imprescindível no ambiente organizacional. A ética afeta desde os lucros e a credibilidade das organizações até a sobrevivência da economia global (VELOSO, 2005, p.5). Nesta perspectiva, as empresas precisam redefinir seus valores frente a esta revolução que está acontecendo na sociedade e adequar-se a este novo cenário empresarial exigido na atualidade. A Responsabilidade Social Empresarial (RSE) pode ser conceituada como “a obrigação de um negócio para usar seus recursos de forma a beneficiar a sociedade, através da participação empenhada como membro da sociedade, tendo em conta a sociedade em geral [...], independente de ganhos direto da empresa”(KOK et al., 2008, tradução nossa, grifo nosso). Para Vallaeys, RSE é um conjunto de práticas da organização que integra sua estratégia corporativa e que tem como finalidade evitar danos e/ou gerar benefícios para todas as partes envolvidas na atividade da empresa (clientes, empregados, acionistas, comunidade, periferia, etc.), com finalidades 45 racionais, que devem redundar em benefício tanto da organização como da sociedade; [...] Ação conjunta de toda a empresa, conscientizada (trabalhadores, diretoria e proprietários) de seu papel como unidade de negócio que agrega valor e que subsiste em um espaço em que obtém lucros. Conscientização no plano social (de ajuda aos mais desfavorecidos e de respeito aos consumidores), ambiental (de sustentabilidade em relação ao meio ambiente) e econômico (de práticas fundadas na confiabilidade, transparentes no manejo de suas finanças e de investimentos socialmente responsáveis) (VALLAEYS, 2006, p. 36). Nessa perspectiva, tanto a ética como a responsabilidade social deve estar agregada à cultura da empresa, fazendo parte de sua rotina a fim de alcançar seus objetivos propostos frente às mudanças e exigências da sociedade. Diante destes desafios, as empresas têm adequado seu modo de administração às cobranças impostas pela sociedade. Nesse novo contexto empresarial, as atitudes e atividades de uma organização precisam caracterizar-se por: preocupação com atitudes éticas e moralmente corretas que afetam todos os públicos/stakeholderes envolvidos (entendidos da maneira mais ampla possível); promoção de valores e comportamentos morais que respeitem os padrões universais de direitos humanos e cidadania e participação na sociedade e participação na sociedade; respeito ao meio ambiente e contribuição para sua sustentabilidade em todo o mundo; maior envolvimento na comunidade em que se insere a organização, contribuindo para o desenvolvimento econômico e humano dos indivíduos ou até atuando diretamente na área social, em parceria com governos ou isoladamente (VELOSO, 2005, p.6, grifo nosso). Nesse sentido, todas as organizações, inclusive as de ensino, devem programar e priorizar ações para atingir os propósitos acima citados, premissas deste novo contexto empresarial. Através de suas ações – ensino, pesquisa e extensão -, comprometidas com a comunidade local, buscando cooperar com o desenvolvimento sustentável da região e com a formação de profissionais cidadãos, não apenas técnicos, mas acima de tudo, responsáveis para com a sociedade, a UFC Cariri desenvolve ações para formar cidadãos responsáveis e comprometidos com a sociedade. A partir da revolução causada pela globalização, a ética anteriormente discutida apenas na seara econômico-trabalhista passa a ser focada em outros setores. A partir dos anos 60, não somente a economia tem sido abordada pela ética, mas todo o agir social (TRASFERETTI, 2010). Com o desencadeamento do 46 processo de globalização, reflexões acerca do comprometimento ético têm sido questionadas pela própria sociedade. Repensar a postura dos agentes que participam desta transformação na sociedade torna-se primordial para o desenvolvimento de uma sociedade mais comprometida com o coletivo e com o meio ambiente. A ética constitui parte integrante de toda a sociedade. Portanto, torna-se necessário um trabalho sério de educação de base que não deve começar somente nas empresas, mas também na família, na escola, nas universidades, nas igrejas e em todas as instituições que exercem poder formativo sobre as pessoas, pois a convivência pessoal enfrenta, na sociedade contemporânea, fatores comprometedores (TRASFERETTI, 2010, p.53, grifo nosso). As empresas devem pautar-se em valores não apenas econômicos, mas também intensificar suas relações com o meio onde está inserida, proporcionando novos relacionamentos com a comunidade. Portanto, discutir e refletir sobre as funções sociais das empresas neste contexto de contínuas mudanças é essencial para que o “outro” seja incluído nesse diálogo. O “outro” pode ser visto como o “diferente”, a “minoria”, mas que precisa estar inserido’ nesse processo da sociedade, se não ficará excluído do complexo processo da globalização. Vem ao encontro desta Trasferetti, que enfatiza o princípio fundamental que constitui a ética é: o outro é um sujeito de direitos e sua vida deve ser digna tanto quanto a nossa deve ser. O fundamento dos direitos e da dignidade do outro é a sua própria vida e a sua liberdade (possibilidade) de viver plenamente. As obrigações éticas da convivência humana devem pautar-se não apenas por aquilo que já temos, já realizamos, já somos, mas também por tudo aquilo que poderemos vir a ter, a realizar, a ser. As nossas possibilidades de ser são partes de nossos direitos e de nossos deveres. São partes da ética da convivência (TRASFERETTI, 2010, p.58, grifo nosso). Ética e responsabilidade social destacam-se como elementos importantes no mundo empresarial. Portanto, devem ser discutidas dentre os novos parâmetros da sociedade contemporânea, trazendo para as instituições novas configurações e valores. Faz-se necessário às instituições repensarem seus papéis e se comprometerem com as questões sociais cada vez mais evidentes nesse processo mundial. 47 3.1 Responsabilidade social na Ciência da Informação O desenvolvimento científico e tecnológico e a explosão informacional no período pós I Guerra Mundial promoveram estudos pioneiros que prenunciavam o surgimento da CI (PINHEIRO; LOUREIRO, 2005). Dentre eles, a teoria cibernética, de Wiener, e a teoria matemática da comunicação, de Shannon e Weaver, na década de 1940. Nas primeiras tentativas de conceituação da área, os autores supracitados identificam o termo informática, proposto pelo russo Milkailov (1966), refletindo sua preocupação com a informação científica, e o de CI proposto por Borko (1968). Garcia explica que a contribuição da conceituação de Borko (1968) para a CI foi complementar ao conceito proposto nas conferências do Georgia Tech: na realidade Taylor (1966, p. 19) chama atenção para quatro pontos importantes da conferência do Georgia Tech, dentre os quais a formulação, pela primeira vez, de uma definição de CI. ‘[...] .ciência que investiga as propriedades e o comportamento da informação, as forças que governam o fluxo da informação e os meios de processar a informação para ótimo acesso e uso. O processo inclui origem, disseminação, coleção, organização, estocagem, recuperação, interpretação e uso da informação’. Borko (1968, p. 3) explica que ‘isto inclui a representação da informação em sistemas naturais e artificiais, o uso de códigos para transmitir a mensagem e o estudo de processo e técnicas tais como computadores e seus sistemas de programação. O campo é derivado de, ou (e na definição de Borko, 1968, p. 3) relacionado a matemática, lógica, linguística, psicologia, tecnologia do computador, pesquisa operacional, artes gráficas, comunicação, biblioteconomia, administração e outros campos similares’. E, Borko (1968, p. 3) acrescenta ‘tem componentes de ciência pura quando questiona o assunto sem se preocupar com sua aplicação e componentes de ciência aplicada quando desenvolve serviços e produtos’ (GARCIA, 2002, p.9). Segundo a autora, o registro oficial da denominação CI ainda é discutido, pois vários autores, em publicações mais recentes ou mais antigas, dentre os quais Pinheiro (1998), Shera (1968), Taylor (1966), referem-se às conferências do Georgia Tech como marco para a CI. No entanto, não há, pelo menos no Brasil, um estudo em que se aprecie a totalidade das ocorrências de tais eventos. Além disso Bougnoux (1999) afirma que as ciências da informação e da comunicação (CIC) se originaram na década de 1960 (época das conferências), e tem duas vertentes, uma ligada a necessidade teórica e a outra ao estabelecimento, nas universidades, de um curriculum para tais áreas. [...]. Há ainda um outro aspecto, relativo a uma das correntes da CI, que a vê como uma evolução da biblioteconomia (GARCIA, 2002, p.2). 48 A CI surge, então, tendo como problemática a tarefa de tornar acessível um crescente acervo de informações registradas relacionadas à ciência e tecnologia. Informação esta propulsora de desenvolvimento e emancipação nas sociedades. Para Gonzalez de Gomez (2003, p.32-33): a CI, assim, seria aquela que estuda fenômenos, processos, construções, sistemas, redes e artefatos de informação, enquanto ‘informação’ for definida por ações de informação, as quais remetem aos atores que as agenciam, aos contextos e situações em que acontecem e aos regimes de informação em que se inscrevem [...] o que se denomina informação constitui-se a partir das formas culturais de semantização de nossa experiência do mundo e seus desdobramentos em atos de enunciação, de interpretação, de transmissão e de inscrição [...] o que se denomina hoje como informação resulta da sobre-determinação de uma ‘indecibilidade estrutural’, mediante atos ou processos seletivos explícitos e formais ou tácitos e não-formalizados, dos indivíduos e grupos sociais em suas práticas culturais. Para Garcia et al. (2009, p. 240), “a CI é um campo do conhecimento em que as relações entre o homem, a informação, o conhecimento e a sociedade fazem-na assumir práticas sociais com as características da responsabilidade social”. Como campo científico, a responsabilidade social é atribuída: [...] a todos que a constroem e nela estão envolvidos desde a sua gestação, os arquitetos do seu desenvolvimento e avanços, enfim, aqueles que a tornaram um campo científico. [...] Trata-se de uma rede sócio-técnicocientífica constituída por pesquisadores e professores, profissionais de informação de diferentes formações, instituições de ensino e pesquisa, sociedades e periódicos científicos, eventos técnico-científicos, formuladores de políticas públicas, órgãos de fomento, bibliotecas, centros, redes e sistemas de informação, tecnologias de informação e comunicação e todo o conjunto de novos recursos de informação na Internet, sejam bibliotecas virtuais, digitais, repositórios ― humanos e não-humanos (PINHEIRO, 2009, p. 1). Para Saracevic (1999), a CI é uma área interdisciplinar, está inexoravelmente conectada à Tecnologia da Informação (TI) e tem um papel ativo na sociedade da informação. Essa assertiva traz para a CI a ideia de responsabilidade social, trazendo assim discussões teóricas para a área a respeito de tal tema. A CI tem como um de seus pilares a responsabilidade social, dando ênfase ao usuário e suas necessidades informacionais. A CI surgiu, portanto, com o intuito de resolver um grande problema: coletar, organizar e tornar acessível o que era produzido em ciência e tecnologia, criando uma estrutura de comunicação que possibilitasse maior eficiência e eficácia na transferência da informação em ampla escala. 49 A responsabilidade social das instituições merece destaque e a CI tem-se preocupado com este quesito. Autores como Freire (2004; 2006), Garcia (2007; 2011) e Targino (2006) trabalham com foco nessa dimensão social, propondo a existência de um fundamento social para ela. Freire (2006, p.17) enfatiza que [...], um dos objetivos da CI seria contribuir para a informação se tornar, cada vez mais, um elemento de inclusão social, trazendo desenvolvimento para as pessoas e nações. Dessa forma, haveria uma responsabilidade social como fundamento para a CI definindo sua atuação na sociedade. Quando cientistas e profissionais da informação organizam textos ou documentos para atender a necessidade de um determinado setor da sociedade, deveriam fazê-lo acreditando que essas informações serão úteis para seus usuários potenciais e que delas resultarão benefícios para a sociedade. Continuando, Freire (2004, p.12) cita que “o problema de transmissão do conhecimento para aqueles que deles precisam é uma responsabilidade social, e esta responsabilidade social parece ser o real fundamento da “CI”. Ainda sobre a responsabilidade social da CI, Garcia destaca a CI configura um campo do saber interdisciplinar e socialmente responsável, seja por meio de sua ação de mediação entre o cliente e a informação, ou por sua produção científica visando atender as necessidades informacionais e tecnológicas da sociedade (Garcia et al, 2009, p.2). Considerar a CI como uma ciência social parte, portanto, do entendimento de que a informação se constitui no contexto das relações sociais e sua mediação comunicacional. A informação é dinâmica, ultrapassa autorias e só existe e adquire sentido num contexto de comunicação em que se estabelecem permutações simbólicas. A questão de definir o conceito de informação é primordial para qualquer área do conhecimento e a CI tem buscado definir um conceito de informação para fundamentar melhor seus termos e conceitos. Autores como Buckland, 1997; Lund, 1997; White e Mccain, 1998; Hjorland, 2000 e outros, dentro desse novo contexto da sociedade, passaram a substituir o termo documentação por informação, enfatizando assim a relevância de uma definição do termo para a referida área do conhecimento. Logo, evidencia-se a dificuldade de um único conceito para a informação. Na perspectiva de Gonzalez de Gomez (2003), a ação de informação definiria quando a informação pode ser considerada ou não informação, com base no contexto no qual 50 ela está inserida. A abrangência do objeto de estudo da CI passa a ser utilizado para justificar este (nem tão) novo campo estruturado e organizado de conhecimento científico, estando atualmente em foco as questões éticas e de responsabilidade social em uma sociedade cada vez mais complexa e globalizada. Para lidar com a dimensão da informação, como elemento de transformação social, a CI precisa conhecer, discutir e analisar, tanto os aspectos teóricos e conceituais que norteiam e sustentam esse processo, como os elementos externos, tais como as tecnologias da informação, que têm cada vez mais interferido na vinculação informacional da sociedade. Se “a informação é uma matéria prima que o conhecimento deve dominar e integrar” (MORIN, 2004, p.18), cabe destacar o papel dos centros de informação na disseminação do conhecimento. Desenvolver competências de responsabilidade social no tocante à transmissão da informação implica repensar o papel das universidades como propiciadoras e disseminadoras da informação. Para Barreto (1994), a importância que a informação assumiu na atualidade pós-industrial recoloca para o pensamento questões sobre seu conceito e os benefícios que podem trazer ao indivíduo e no seu relacionamento com o mundo onde vive. Nesse aspecto, cabe ressaltar o papel dos profissionais de informação na gestão e transferência da informação. A práxis social transformadora, a atividade consciente dentro dos objetivos a que se propõe a prática bibliotecária conduz a uma ação transformadora na sociedade. Essa assertiva é comprovada na Conferência do Georgia Institute of Technology, ao ser destacado que tanto os profissionais da biblioteconomia como de ciência e tecnologia nos Estados Unidos preocupavam-se com o tratamento de todo tipo de informação, [...], em março de 1961 começa, no Georgia Institute of Technology, a se pensar em um treinamento para estudantes, visando ao manuseio da informação técnica. Foram programadas as primeiras discussões que ocorrem na conferência de Atlanta, em 1961. A segunda conferência realiza-se em 1962, da qual participam cientistas, bibliotecários, pesquisadores, especialistas em informação, além de representantes da American Library Association (ALA), da American Documentation Institute(ADI) e da American Association of Library Schools (AALS).[...], tais eventos são presididos por Dorothy M. Crosland, diretora de bibliotecas do Georgia Tech e presença efetiva nas discussões.[...], dos 59 participantes, 7 são de sexo feminino, 13 são do Georgia Tech, 19 estão vinculados a universidades dos diversos estados americanos e 27 estão ligados à biblioteconomia, na qualidade de professor, diretor de biblioteca, administrador de biblioteca ou de bibliotecário (GARCIA, 2002) 51 O comprometimento com os interesses e o progresso da comunidade assistida conduz a uma ação transformadora social, refletindo na responsabilidade social da instituição e de seu profissional. Para compreendermos melhor a responsabilidade social da CI, é necessário que compreendamos o conceito de informação. Capurro (2007, p. 149) enfatiza que “informação como usado no inglês cotidiano, no sentido de conhecimento comunicado, desempenha papel central na sociedade contemporânea”. Nessa perspectiva, a informação e o desenvolvimento individual estão intrinsecamente relacionados. Um indivíduo não pode ser um cidadão pleno se não tiver as informações necessárias para seu desenvolvimento, pois esta favorece o compartilhamento e é necessária à sua sobrevivência. Targino (1991, p. 150) ressalta que “a informação é um dos elementos que permite a todos nós ajustarmo-nos ao mundo exterior, de forma legítima e coerente, conquistando o status de cidadãos”. Nessa perspectiva, a cidadania é compreendida como dimensão pública da participação dos homens na vida social e política, para isso o acesso, a posse e o processamento crítico desta informação. Continuando, a autora acima citada ressalta que [...] essa concepção de cidadania incorpora três elementos: o civil, o político e o social. O elemento civil congrega os direitos essenciais à liberdade individual, como: liberdade de ação; liberdade de consciência, [...; liberdade de acesso à informação. O direitos políticos, explicitados pela Constituição Brasileira, nos artigos 14º e 16º se referem, a grosso modo, ao direito de participar no exercício do poder político, como membro de organismo investido da autoridade política ou como eleitos dos membros desse organismo. Por elemento social, deve-se entender tudo o que vai desde o direito de um mínimo bem-estar econômico e segurança ao direito de participar da herança social e viver de acordo com os padrões sociais prevalecentes (TARGINO, 1991, p.151). Considerando que a informação é um fenômeno social e deve ser compreendido a partir de sua geração, Freire (2004) apresenta três condições básicas para a sua existência, que são: a) Ambiente social - contexto que possibilita a comunicação de informação. Esse ambiente se caracteriza sempre pela existência de uma possibilidade de comunicação; b) Agentes – no processo de comunicação, os agentes são o emissor, aquele que produz a informação, e o receptor, o que recebe a informação; c) Canais – os canais estão relacionados aos meios por onde as informações circulam. 52 Para que o fluxo de informação seja eficiente, é necessário que estas três condições estejam inter-relacionadas e o indivíduo seja capaz de processá-la criticamente, a fim de que alcance seu propósito. Sendo a informação um bem comum, que atua como fator de integração, democratização, igualdade, cidadania, libertação, dignidade pessoal, deve ser disponibilizada a todos que dela necessite. Não há exercício de cidadania sem informação, isto porque, até para cumprir seus deveres e reivindicar seus direitos, sejam eles civis, políticos ou sociais, o cidadão precisa conhecer e reconhecê-los, e isto é informação (TARGINO, 1991, p. 155). Portanto, a informação é a mola mestre que permite acessibilidade nessa aldeia global. Para atendermos aos objetivos propostos nesta pesquisa, tomamos por empréstimo o conceito de informação de Gonzáles de Gomez (2004, p. 62): “denominamos informação àquilo que se constitui uma ação de informação: [...], informação para algo e para alguém”. Nesse sentido, a informação, além de seu papel democratizante e libertador, exerce mudanças significativas na sociedade. Para tanto, deve fluir livremente, sem censuras, para todos, independentemente do status social do indivíduo. A responsabilidade social da CI na sociedade e seus campos de atuação, destacando seu compromisso com o uso da informação, por meio de ações que possam dispor de forma efetiva e eficaz a comunicação da informação é relevante ao se discutir RSU. Para Garcia, Targino e Silva (2011, p. 1) em virtude da importância que a responsabilidade social assume no âmbito institucional em vários países e no Brasil, inferimos que, assim como a cultura integra nosso cotidiano, também a ética, a moral e a responsabilidade estão em situações assemelhadas. No entanto, diante da impossibilidade de os códigos de ética reunir todas as atividades desempenhadas pelo ser humano em sua globalidade, os princípios éticos e os valores morais devem culminar em atividades sociais ou socialmente responsáveis como princípio altruísta de inclusão e de solidariedade em relação aos demais. Nessa perspectiva, percebe-se que a RS na CI está intimamente relacionada na transferência da informação, igualitariamente a todos os segmentos da sociedade, sem distinção de credo, cor ou status social. A informação e seu uso, proporcionam emancipação ao indivíduo, gerando assim benefícios a ele, resultando na inclusão social. Ainda para Garcia, Targino e Silva (2011), a RS está ligada às ações das organizações, ampliando-se para os indivíduos e seus stakeholders. Embora a RS 53 deva ser assumida pelo Estado, empresas, campos do conhecimento e universidades assumem esta atividade por perceberem possibilidades de benefícios, tais como melhoria da imagem diante da sociedade etc. Diante do exposto, a RS é um caminho que propicia benefícios tanto às instituições que praticam ações de RS como para aqueles que são afetados, direta ou indiretamente por estas ações. Ações e práticas de RS são necessárias, tanto para o fortalecimento das instituições e campo de conhecimento como para a sociedade em geral. 3.1.1 Função social da universidade A universidade pública nasceu como uma instituição social, voltadas para as necessidades da sociedade, mas, ao longo dos anos, foi perdendo sua identidade. A partir de sua consolidação na Europa, a universidade passa a ser caracterizada como instituição social. Fundada no reconhecimento público e legitimada como uma prática e/ou ação social, assim como a Igreja, as atribuições da universidade eram diferenciadas, pois a sociedade da época lhe conferia autonomia perante outras instituições sociais; sua estrutura e ordenamentos, regras, normas e valores de reconhecimento eram legitimados pelas instâncias internas da instituição (MINGUILI et al, 2007). Como patrimônio público, o ensino superior deve preocupar-se com as questões sociais, seja por meio da pesquisa, do ensino e da extensão, o que torna a universidade uma instituição social. Assim, a RSU é a ponte entre dois universos bem distintos: a universidade, a detentora do saber, e a sociedade, com suas misérias, desigualdades sociais, pobrezas e mazelas e a globalização, fenômeno que afeta mais ainda as comunidades. Dias Sobrinho (2005, p.170) enfatiza: a educação superior é um patrimônio público na medida em que exerce funções de caráter político e ético, muito mais que uma simples função instrumental de capacitação técnica e treinamento de profissionais para as empresas. Essa função pública é sua responsabilidade social. A Universidade tem de repensar sua função e tornar-se um catalisador que facilite aos estudantes e à sociedade os meios e ferramentas essenciais para a construção de uma sociedade mais igualitária, pautada na ética e no compromisso 54 com o outro. Nesta perspectiva, a UFC Cariri tem por objetivo preservar, elaborar, desenvolver e transmitir o saber em suas várias formas de conhecimento, puro e aplicado, propondo-se para tanto: a) ministrar o ensino para a formação de quadros destinados às atividades técnicas e aos trabalhos da cultura; b) realizar pesquisas e estimular criações que enriqueçam o acervo de conhecimentos e técnicas nos setores abrangidos; c) estender a comunidade o exercício dessas atividades de ensino e pesquisa (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, 2010, p.2). Por ser a universidade uma instituição que tem como objetivos a geração de conhecimento e a formação e capacitação de profissionais, há uma necessidade de se trabalhar com a responsabilidade social. O alunado necessita desenvolver a consciência de compromisso com a sociedade e se tornar um agente ativo, contribuindo tanto com seus conhecimentos técnicos e com suas práticas sociais, cooperando com o desenvolvimento holístico da sociedade. Calderón (2006, p.9) enfatiza que as universidades sustentam-se em princípios e valores tais como – fraternidade, solidariedade, dignidade da pessoa, liberdade, integridade, bem comum e equidade social, desenvolvimento sustentável, apreço à diversidade, entre outros – os quais deveriam nortear o fazer acadêmico, sem se restringir à procura da competência, eficiência e êxito pessoal. As universidades podem desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento do país e da localidade onde está inserida. Através de suas atividades, pode contribuir para dirimir as desigualdades sociais locais, tornando sua região mais partícipe do progresso do país. Bólan e Motta (2008, p.16) enfatizam: “não que a universidade deva assumir o ônus social, mas pode contribuir para a extinção ou controle das mazelas que afetam o país”, cooperando desta forma para o progresso da sociedade. Diante dos inúmeros problemas sociais existentes, há a necessidade do estabelecimento de uma nova relação entre a universidade e a sociedade, tendo como norte o desenvolvimento humano. Carizzo aponta que este novo pacto deve incidir na responsabilidade social da universidade num mundo crescente de complexidade. Existem de um lado, inúmeros desafios gerados pela mundialização e, de outro, as demandas dos países pobres do hemisfério sul focadas, principalmente, na erradicação da injustiça social, da pobreza e das desigualdades de oportunidades (Carizzo, 2006, p. 13). Urge, portanto, uma nova postura da universidade frente aos desafios da sociedade em constante transformação, para minimizar essas desigualdades sociais 55 que são alarmantes e excludentes. Cabem às IES a missão de agir e transformar a história através de um processo de transformação política, crítica e consciente da sociedade a partir de suas ações, tendo como objetivo a redução das mazelas oriundas desse processo capitalista e globalizado. Ribeiro (1991) em seu livro A Universidade necessária, destaca que o maior desafio das universidades é torna-se um instrumento catalisador do processo e da revolução social, capaz de reverter seu papel tradicional de perpetuadora do sistema predominante, convertendo-se em um “agente de transformação da sociedade”. Se a responsabilidade social era uma necessidade há mais de quatro décadas, essa necessidade, hoje, é mais real, visto que ela tem adquirido novas matizes em decorrência do processo de globalização. Aquino enfatiza que a responsabilidade social tem sido objeto de debates e polêmicas nas organizações, nas empresas no Brasil e no Exterior e na literatura especializada trazendo inúmeros questionamentos sobre a sua utilização em alguns setores da atual sociedade. Esse dilema não poderia passar despercebido nas universidades públicas também interessadas em debater e refletir questões complexas que atravessam cotidianamente as relações acadêmicas e administrativas, afetam suas dinâmicas operatórias e produzem uma multiplicidade de sentidos, dando novas configurações para a sociedade da informação, do conhecimento e da aprendizagem (AQUINO, 2011, p. 43) As universidades devem preocupar-se em estabelecer uma relação de reciprocidade com a sociedade, a fim de juntas traçarem metas para o alcance de um progresso igualitário para todos os partícipes da sociedade. Aquino (2011, p.50) enfatiza que “a educação universitária é o caminho para a formação da responsabilidade social”, e essa educação deve perpassar os intramuros da universidade e chegar às comunidades, propiciando uma consciência mais crítica para a sociedade. Bólan e Motta enfatizam, a promoção do ensino socialmente responsável abarcaria a formação de indivíduos qualificados para a inclusão no mercado de trabalho e igualmente a formação de indivíduos críticos, moralmente competentes, capazes de tomada de decisão frente a questões éticas, não apenas considerando uma questão deontológica, mas também seus contextos pragmáticos, morais e sociológicos (BÓLAN; MOTTA, 2008, p.17). Sendo a universidade uma peça de um controle social, cabe a ela traçar meios para influenciar a sociedade, se não para solucionar, pelo menos influenciar na conscientização das causas das desigualdades sociais, contribuindo para uma sociedade mais igualitária. 56 Calderón (2006, p. 14) destaca que “a universidade é uma instituição que tem por missão transmitir e produzir novos conhecimentos por meio de três atividades fundamentais: ensino, pesquisa e extensão”. A ponte entre a universidade e a sociedade é mediada por meio da extensão universitária, é por meio desta que a universidade tem concretizado sua relação com a sociedade e mostrado suas pesquisas e suas ações de ensino. Para Calderón (2006), a universidade é uma grande pirâmide constituída de uma base e três grandes faces entrelaçadas entre si (Figura 1): Figura 1 – Estrutura da Universidade Fonte: Calderón (2006, p. 17). Vallaeys (2006, p.36) corrobora ao afirmar que, a RSU exige, a partir de uma visão holística, a articulação das diversas partes da instituição, em um projeto de promoção social de princípios éticos e de desenvolvimento social equitativo e sustentável, com vistas à produção e transmissão de saberes responsáveis e à formação de profissionais cidadãos igualmente responsáveis. Nesse tocante, a interação entre ensino, pesquisa e extensão é de fundamental importância para a gestão eficiente das universidades. Portanto, cabe às universidades exercerem seu papel para as quais foram criadas, que tanto é gerar conhecimentos como formar e capacitar profissionais além de cooperar para o desenvolvimento da comunidade assistida. 57 3.1.2 Responsabilidade social universitária: um novo/antigo contrato social Discutir a responsabilidade social universitária é um tema importante na atualidade, visto que nossas ações dependem do compromisso que temos tanto com o público interno e externo, portanto, abrir esse espaço para analisar o diálogo da Universidade com a Sociedade suscita uma discussão necessária nessa pósmodernidade. A responsabilidade social universitária tem sido tratada por diversos autores como Freire (2004); Bólan e Motta (2007), Calderón (2006), Vallaeys (2006), Carrizo (2006), Garcia (2011), Aquino (2011), Tedesco (2011), dentre outros, que trabalham com a dimensão social das universidades frente aos novos desafios desta sociedade moderna. A globalização, a sociedade do conhecimento, as inovações tecnológicas estão entre os fatores-chave que exercem influência sobre a missão, o modo de operação e a prestação de serviços das organizações e as universidades precisam acompanhar essa exigência da sociedade. Mas, como acompanhar toda essa evolução, sem esquecer o papel para qual foi criada? Esse é um questionamento que a universidade deve analisar. As universidades são afetadas pelo novo contexto em que operam e, nessa perspectiva, o ensino superior tornou-se mais competitivo (GIBBIONS, 2005). Assim a responsabilidade social passa a ser também protagonista desse cenário educacional, exigindo de seus atores comportamentos e ações que atendam a demanda da sociedade. Frente a esse panorama, compreender a dimensão da RSU para uma promoção de um ensino superior socialmente responsável constitui tarefa desafiadora para as instituições de ensino. Compreender esta dimensão e colocá-la em prática exige uma reestruturação do modo de pensar das universidades, e isso implica em discutir a temática da responsabilidade social. A RSU está incluída nas pautas de associações internacionais das universidades, apontando os novos desafios para o ensino superior frente às mudanças vivenciadas pela sociedade. Calderón enfatiza que a RSU constitui-se uma temática emergente, que especialmente no cenário universitário brasileiro, ficou em evidência a partir das tendências delineadas pelas estratégias de marketing das instituições de ensino superior (IES) do setor privado, uma conseqüência direta da expansão da 58 responsabilidade social empresarial e do terceiro setor (CALDERÓN, 2006, p.7). Acrescentando à citação anterior, as ideias de Vallaeys (2006, p.28) ao afirmar que na universidade a RS assume um quarto pilar, acrescendo ao ensino, à pesquisa e à extensão, a gestão como “organização socialmente responsável e exemplar” possibilitando aos estudantes, docentes e pessoal administrativo “aprender „na‟ universidade e „da‟ universidade uma cultura democrática, gestão ecológica, bem estar social, luta contra segregações, imagem institucional responsável etc”. E no que respeita a existência de currículo oculto da universidade, realizar um diagnóstico para “identificar a reprodução das injustiças e patologias do mundo de hoje” negadas somente “a partir da ingênua e falsa autonomia da instituição educacional em relação a seu contexto social” (VALLAEYS, 2006, P.31). Comungando com o pensamento de que a universidade necessita transformar-se em prol das atitudes responsáveis e éticas, Carrizo (2006, p.77) destaca que a função do conhecimento é a chave, em termos de transformação e em termos de cidadania e responsabilidade social. Nesta urgente tarefa ética, o papel da universidade torna-se a cada dia mais estratégico e decisivo. Na qualidade de instituição produtora de conhecimentos e formadora de opinião e tendências, a universidade detém inquestionável responsabilidade social.[...]. A posição estratégica própria da universidade, no âmbito de uma sociedade, conclama sua responsabilidade, sempre. Hoje, porém, mais do que nunca, isto se torna imperioso. A universidade tem de integrar-se neste contexto. Um triplo vínculo precisa ser fortalecido, com vistas à geração de um desenvolvimento humano sustentável: a trilogia ciência-políticacidadania. Garcia et al (2009, p.4) aponta que parcela da intelectualidade brasileira opõe-se a proposta da universidade em adotar atitudes que originariamente são desenvolvidas no meio empresarial. A constatação de que a universidade está integrada por categorias profissionais, instituições e indivíduos, envolvidos com responsabilidade econômica, legais, éticas, morais e sociais, permitem o uso da denominação RSU, porquanto desenvolvida numa instituição de Ensino Superior (IES) e pela possibilidade de ampliá-la e conduzi-la as diversas áreas. E mais, como mecanismos que ajudam no combate às desigualdades sociais, como transmissora do conhecimento, exercitando suas funções segundo seus pilares de sustentação: ensino, pesquisa e extensão. Por fim, formando uma tríplice aliança, a partir da qual a universidade presta serviços de responsabilidade social à comunidade. Como qualquer instituição, as universidades atuam em um ambiente composto por clientes, usuários e organizações, que interagem dinamicamente, resultando em serviços e produtos, visando a satisfazer as necessidades humanas. 59 Cabe a elas não se preocupar apenas com a geração e disseminação do conhecimento, mas também com os aspectos sociais das comunidades onde estão inseridas. Desenvolver elementos para desenvolver a consciência da responsabilidade social para com as pessoas, corporações e governos deve prevalecer como foco da Universidade e permear em todas as suas ações. Para as universidades do século XXI, o desafio é encontrar modernas maneiras de se valorizar e se tornarem relevantes dentro de um ambiente altamente competitivo, de constantes e rápidas mudanças, cumprindo tanto com seu papel educacional como também social. Carrizo (2006, p. 77) aponta tanto do ponto de vista social, político, cultural e econômico, perspectiva da crescente complexidade do mundo real, a conhecimento é a chave, em termos de transformação e em cidadania e responsabilidade social. Nesta urgente tarefa ética, universidade torna-se a cada dia mais estratégico e decisivo. quanto função termos o papel da do de da A dependência da informação por parte de todos os governos e população é fato comprovado, mas ampliar o escopo destas pesquisas e estudar a política do conhecimento desde a geração até a disseminação da informação pelas instituições competentes: universidades, centros de documentação, museus etc., visto que esse fluxo informacional propicia o desenvolvimento da cidadania é tarefa desafiadora e essencial neste século XXI. Para Aquino (2010), “estabelecer políticas de informação que conduzam argumentos coerentes para um agir ‘politicamente correto’, respeitando valores, tradições, etnias, etc., são fundamentais para o alcance do sucesso das universidades”. Para alcançar esses propósitos, é necessário que as IES estabeleçam parcerias com a sociedade para a construção conjunta dessas políticas. Nessa perspectiva, a universidade tem a responsabilidade de promover espaços de discussão para debater sobre estes temas, como também facilitá-los, conduzi-los e enriquecê-los, propiciando, especialmente aos estudantes, os meios para informar-se e proceder a reflexões sobre os problemas sociais vigentes que afetam a sociedade (ALIGLERI, ALIGLERI, KRUGLIANSKAS, 2009). Por responsabilidade social compreende ser o compromisso das empresas e sua contribuição ao desenvolvimento econômico sustentável da sociedade, em uma 60 ação conjunta com todos seus atores – internos e externos. Nesta perspectiva, esta pesquisa utiliza-se dos seguintes conceitos de RSU: a capacidade que tem a universidade de difundir e colocar em prática um conjunto de princípios e valores gerais e específicos, por meio de quatro processos considerados essenciais, quais sejam, gestão, docência, pesquisa e extensão universitária. Comprometendo-nos, assim, do ponto de vista social, com a própria comunidade universitária e com o país que se insere (DE LA JARA, FONTECILLA; TRONCOSO, 2006, p. 63). Vallaeys corrobora ao afirmar que, a responsabilidade social exige, a partir de uma visão holística, a articulação das diversas partes da instituição, em um projeto de promoção social de princípios éticos e de desenvolvimento social equitativo e sustentável, com vistas à produção e transmissão de saberes responsáveis e à formação de profissionais cidadãos igualmente responsáveis (VALLAEYS 2006, p. 39). Seguindo esta mesma visão de RSU, temos: um conjunto de princípios e de valores gerais e específicos, com base em quatro processos considerados primordiais na universidade, ou seja, gestão, docência, pesquisa e extensão universitária, atendendo assim, do ponto de vista social, a própria comunidade universitária, à região e ao país 1 em que se inspira (CONSTRUYE PAÍS . Tradução nossa). Essa assertiva é descrita na figura 2: Figura 2 – Funções da Universidade Fonte: De La Jara; Fontecilla; Troncoso (2006, p. 65). 1 In: JIMÉNEZ, DE LA JARÁ, Mônica. Invitatación a vivir los valores centrales de la responsabilidad social universitária, 2003. 61 A responsabilidade social deve ser analisada com base em um conjunto de políticas, rotinas e programas gerenciais que perpassam todos os níveis e operações de negócio, conseguindo desta forma, sistematizar o diálogo com os stakeholders (ALIGLERI; ALIGLERI; KRUGLIANSKAS, 2002), enfim, todos os atores afetados direta e indiretamente pela universidade precisam estar envolvidos nessa visão holística da RSU. A RSU deve ser discutida amplamente nas instituições educacionais, principalmente nas universidades públicas, em virtude de sua missão e objetivos. Para tanto, é necessário mais discussões para fomentar pesquisas na área e ampliar o escopo dessa temática tão relevante na pós-modernidade. A Universidade, hoje, precisa dar mais do que o mínimo - um ensino de qualidade -, envolvendo-se mais com a sociedade, que a criou e financia. Ter esse compromisso ético é essencial para sua visibilidade na comunidade. A instituição acadêmica não pode transferir o conhecimento acadêmico dissociado de sua realidade local. Permanecer unicamente na prática do ensino é insuficiente frente às demandas da sociedade. Ensino, pesquisa e extensão são os pilares que sustentam a universidade, portanto, devem ser tratados de forma responsável pela gestão universitária, pois são através destas três ações que as universidades produzem e transmitem seus conhecimentos, conseguindo desta forma atingir o propósito para as quais foram criadas. A universidade não deve agir isoladamente, sem manter diálogo com a sociedade que a mantém. Por isso suas ações devem ser voltadas para o bem comum de todos, a partir da integração com a comunidade. Mesquita (1996, p.48) cita: “a universidade deve ser a sociedade se refletindo, produzindo o próprio saber através da cultura, da ciência e da tecnologia. Consequentemente, os fins da universidade não podem estar dissociados da sociedade”. As instituições de educação superior devem produzir os meios para o desenvolvimento sustentável do país e para a formação do cidadão de uma dada sociedade, de acordo com as pautas valorativas hegemônicas nas relações de forças sociais e políticas de um determinado momento histórico (INEP, 2007). Portanto, ensino, pesquisa e extensão devem ser ações integradas, cooperando, desta forma, para o desenvolvimento da sociedade. Por ser a educação um direito social e dever do Estado, 62 este princípio é o fundamento da responsabilidade social das instituições educativas. As IES, mediante o poder de regulação e de direção política do Estado, têm a responsabilidade de um mandado público para proporcionar aos indivíduos o exercício de um direito social. Dado seu caráter social, uma instituição educativa deve prestar contas à sociedade, mediada pelo Estado, do cumprimento de suas responsabilidades, especialmente no que se refere à formação acadêmico-científica, profissional, ética e política dos cidadãos, à produção de conhecimentos e promoção do avanço da ciência e da cultura. (INEP, 2007, p. 90). As IES devem zelar pela qualidade do ensino, da pesquisa, oferecendo meios para que seus alunos tenham uma capacitação mais efetiva tecnicamente e socialmente. Suas ações devem ser voltadas para promoção de desenvolvimento da sociedade, refletindo assim em bens para a população. Para Vallaeys (2006, p.39), a relação entre a crise do saber técnico-científico, hiper-especializado (fragmentado) e sua cegueira crônica quanto aos efeitos globais dela decorrentes, por um lado, e a crise social e ecológica mundial, por outro, há de ser o ponto de partida para uma reforma universitária de responsabilização social não meramente cosmética, mas, sim, produto de uma profunda reflexão sobre o significado social da produção de conhecimento e da formação profissional de líderes na era da ciência. As universidades europeias estão empenhadas em aumentar a consciência do aluno para as necessidades da sociedade, procurando torná-los indivíduos plenamente envolvidos e dedicados, com personalidades sociais. Essa responsabilidade pela sociedade envolve a melhoria pessoal aos benefícios da sociedade e as suas preocupações principais serão as desigualdades globais, proteção ambiental e a reciclagem (VASILESCU et al, 2010, tradução nossa). Nesse contexto de envolvimento social, o Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências, que faz parte do grupo de pesquisa Núcleo Brasileiro Latino-Americano Caribenho – N’BLAC da UFC Cariri, promove estudos e ações nas temáticas voltadas às questões étnico-raciais, violência de gênero e movimentos sociais, trabalhando assim na perspectiva da RSU. Tem como linhas de pesquisa: a) relações raciais voltadas para os aspectos socio-culturais e históricos dos afro-descendentes; b) as diversidades regionais nas construções de gênero e raça; c) teoria e práxis dos movimentos sociais que abordem os recortes de gênero e raça, na região nordeste e suas fronteiras; 63 d) os estados-nação e suas correlações analíticas sobre as identidades plurais. Estes projetos buscam fortalecer os estudos sobre estas questões na sociedade caririense, trabalhando tanto com professores, como com ativistas. Desta forma, percebe o comprometimento da universidade brasileira na busca por transformações singulares na sociedade local, proporcionando através de seus pilares - ensino, pesquisa e extensão - trabalhar a realidade a fim de buscar soluções conjuntas para a melhoria de vida da comunidade, proporcionando um diálogo que ultrapassa as barreiras geográficas e chegue a toda sociedade. 64 4 A EXTENSÃO COMO AÇÃO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL UNIVERSITÁRIA A contemporaneidade traz a marca de uma sociedade em transformação pelos determinantes culturais, econômicos e socio-ambientais, pautados em disputas de modelos de sociedade com uma diversidade socio-cultural. Para acompanhar o desenvolvimento desta sociedade, as universidades procuram meios para interagir de forma mais incisiva nas comunidades em que estão inseridas. Estudos para conhecimento das comunidades, trabalhos com as lideranças comunitárias, projetos que corroborem para o fortalecimento do vínculo com a sociedade são ferramentas necessárias para que a universidade interaja com a população assistida. Para Nogueira, no contexto da abertura política, os segmentos universitários – docentes, servidores técnicos administrativos e discentes -, além da sociedade civil em geral, passaram a discutir a universidade enquanto instituição pública, cobrando dela o compromisso com setores menos favorecido da população. A extensão é, então, resgatada como um meio através do qual a universidade vai cumprir sua função social. Repensar a extensão enquanto atividade acadêmica significava colocá-la ao lado do ensino e da pesquisa, na cadeia de produção e difusão do conhecimento. Significa entendê-la como o instrumento que vai possibilitar a democratização do conhecimento produzido e ensinado na universidade e atender as demandas mais urgentes da população. Ao mesmo tempo, ela se constitui em uma forma privilegiada, por meio da qual a universidade avalia e submete à avaliação o conhecimento que produz, pelo confronto com situações concretas (NOGUEIRA, 2005, p.11, grifo nosso). A extensão reflete o compromisso da universidade com a transformação da sociedade em direção à justiça, à solidariedade e à democracia, proporcionando desta forma uma sociedade mais igualitária, portanto, menos excludente. A relação dialógica entre universidade e sociedade se fortalece através da extensão, proporcionando benefícios para as partes. Por meio da extensão busca-se intervir na realidade local, gerando melhoramentos para as comunidades ao redor da IES. A extensão universitária surgiu na Inglaterra, na segunda metade do século XIX, vinculada a uma ideia de educação continuada, destinada não apenas às camadas menos favorecidas, mas à população adulta em geral, que não se encontrava nas universidades. As demandas específicas dessa clientela eram atendidas através de cursos breves e outras atividades (Paiva, 1986). Alguns anos 65 depois, registram-se atividades de extensão nas universidades americanas, caracterizando-se pela prestação de serviços nas áreas urbana e rural. No Brasil, esta atividade se inicia sob a influência do modelo europeu. Essas duas vertentes, a de influência inglesa (cursos) e a de influência americana (prestação de serviços) estarão presentes posteriormente, em maior ou menor grau nas ações extensionistas das universidades brasileiras. A primeira referência legal à extensão é encontrada no Estatuto das Universidades Brasileiras, Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931, que diz: a extensão universitária se destina a dilatar os benefícios da atmosfera universitária àqueles que não se encontram diretamente associados à vida da Universidade, dando assim maior amplitude e mais larga ressonância às atividades universitárias, que concorrerão, de modo eficaz, para elevar o nível da cultura geral do povo (NOGUEIRA, 2005, p.18). Segundo o Plano Nacional de Extensão Universitária (2000-2001), o reconhecimento legal da extensão como atividade acadêmica e sua inclusão na Carta Magna da nação deu-se no fim da década de 1980, juntamente com a organização do Fórum de Pró-Reitores de Extensão, obtendo as condições e uma conceituação precisa da extensão universitária. Em meados dos anos 1980, quando a discussão da extensão ganhava ênfase no meio universitário, criou-se o Fórum de Pró-Reitores da Extensão das Universidades Públicas Brasileiras como resultado de uma articulação nacional, a partir de discussão de temas comuns que vinham ocorrendo nas universidades de todo o país. Esse Fórum se constitui realizando reflexões sobre a extensão, que visavam orientar a ação extensionista nas universidades e definir políticas de extensão para as IES públicas brasileiras (BRASIL, 2002, p.7) A partir de 1985, a extensão passa a ser vista como uma forma de ensinar e pesquisar, bem como um conjunto de ações voltadas para o desenvolvimento da própria universidade. O objetivo da extensão passa a ser, então, o de projetar e retroalimentar as funções básicas da Universidade: o ensino e a pesquisa. No I Encontro Nacional de Pró-Reitores de Extensão Universitária, em 1987, formaliza-se a nova concepção de extensão como “processo educativo, cultural e científico”, articulador do ensino e da pesquisa e viabilizador da relação transformadora entre Universidade e sociedade (CALDAS; BARBOSA, 1995, p. 32). Conforme o Plano Nacional de Extensão Universitária (2000-2001) a extensão universitária é o processo educativo, cultural e científico que articula o 66 ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora em entre a Universidade e a Sociedade. De acordo com este Plano, a extensão universitária é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido aquele conhecimento. Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, terá como conseqüências a produção do conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional, a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade. Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social (BRASIL, 1998). As universidades têm a função de produção e socialização do saber, visando intervir na realidade e possibilitar acordos e ações coletivas com as comunidades. Nesse tocante, o Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências procura intervir na realidade local à medida que promove encontros, palestras, seminários, dialogando com a população local, regional e nacional, na formação e capacitação de agentes ativos na sociedade. Ao reafirmar o compromisso social da universidade como forma de inserção nas ações de promoção e garantia dos valores democráticos, de igualdade e desenvolvimento social, a extensão coloca-se como prática acadêmica fundamental nas IES. Percebe-se a relevância da extensão para uma atuação mais eficiente da Universidade frente aos desafios propostos pela globalização, tornando o compromisso social cada vez mais importante nessa relação Universidade e Sociedade. Para Nogueira, refletir sobre a extensão é um desafio para aqueles que a entendem e desenvolvem com qualidade acadêmica tão importante quanto as outras atividades, o ensino e a pesquisa, considerando que as três funções da Universidade compõem o processo acadêmico que se estendem desde a produção do conhecimento até a transmissão dos resultados (NOGUEIRA, 2005, p. 11). Para alcançar seus propósitos a Extensão Universitária está fundamentada em princípios, que norteiam sua prática, que são: a) a ciência, a arte e a tecnologia devem alicerçar-se nas prioridades do local, da região, do país; b) a universidade não se pode imaginar proprietária de um saber pronto e acabado, que vai ser oferecido à sociedade, mas, ao contrário, exatamente 67 porque participa dessa sociedade, a instituição deve estar sensível a seus problemas e apelos, quer através dos grupos sociais com os quais interage, quer através das questões que surgem de suas atividades próprias de ensino, pesquisa e extensão; c) a Universidade deve participar dos movimentos sociais, priorizando ações que visem à superação das atuais condições de desigualdade e exclusão existentes no Brasil; d) a ação cidadã das Universidades não pode prescindir da efetiva difusão dos saberes nelas produzidos, de tal forma que as populações cujos problemas tornam-se objeto da pesquisa acadêmica sejam também consideradas sujeito desse conhecimento, tendo, portanto, pleno direito de acesso às informações resultantes dessas pesquisas; e) a prestação de serviços deve ser produto de interesse acadêmico, científico, filosófico, tecnológico e artístico do ensino, da pesquisa e da extensão. Deve ser encarada como um trabalho social, ou seja, ação deliberada que se constitui a partir da realidade e sobre a realidade objetiva, produzindo conhecimentos que visem à transformação social (BRASIL, 2002, p.7, grifo nosso). A extensão desempenha um papel relevante na universidade, visto que seus princípios estão pautados em valores que cooperam para o desenvolvimento da cidadania, contribuindo para o progresso do país. Portanto, um ensino de qualidade deve estar corroborando para a integração e participação do alunado na sociedade, tornando-o mais conhecedor da realidade em que está inserido. Para que isso aconteça, é necessária a articulação de todas as ações da IES no processo educativo. A extensão mantém a Universidade em sintonia com as demandas sociais, culturais e tecnológicas externas à Academia. Assumindo esse papel, a Universidade está apta a contribuir de forma efetiva para o desenvolvimento da comunidade ao seu entorno. O Programa Iniciativas Negras: trocando experiências tem como um de seus objetivos integrar o alunado do curso de Biblioteconomia da UFC Cariri com a as cidades que fazem parte da região do Cariri, bem como promover uma integração de pessoas de diferentes localidades, tanto em nível nacional e internacional, que participam desse programa. 68 Nessa sociedade contemporânea, em que a responsabilidade social surge como um dos pressupostos básicos para inserção no mercado de trabalho, o comprometimento cidadão é um dos requisitos fundamentais, e a extensão universitária possibilita a mediação entre universidade e sociedade, resultando na qualidade de uma formação com competência mais sólida e humanística. A RSU pode ser entendida como o compromisso de uma educação mais democrática e solidária. Vallaeys afirma que formar eticamente é algo complexo, transcende declarações, exige, entre outros aspectos, discutir seriamente, em aula, as implicações éticas do exercício profissional. Não em uma única disciplina, mas, transversalmente, em todas elas. Ao mesmo tempo, uma excelente maneira de formar eticamente é nutrir o estudante com experiências reais de trabalho junto à comunidade, de solidariedade ativa, de voluntariado (VALLAYES, 2006, p.25). Atentando para o fato de que a universidade ainda está isolada em relação ao meio social onde se encontra – o que representa uma das mais importantes causas de sua crise – é fundamental romper com este isolamento e encontrar com a sociedade, numa comunicação de sentido duplo. “[...]. Na medida em que a Universidade vai à cidade e traz a cidade e os problemas nacionais para o interior estará reencontrando as próprias perguntas e aprendendo a buscar as respostas certas” (MESQUITA, 1996, p.55). A extensão universitária é a ponte que une a academia com a sociedade, proporcionado experiências reais com as problemáticas da sociedade, refletindo no comprometimento de uma educação pautada com a realidade e comprometimento social. É de suma importância que a “Universidade encontre fora de seus limites físicos fonte primária e real para embasar sua pesquisa e arrimar seu ensino, numa precisa e saudável associação, condutora à desincumbência perfeita do seu moderno papel” (MESQUITA, 1996, p.55). Desta forma a IES estará se reencontrando com os objetivos pela qual foi criada. O curso de Biblioteconomia da UFC Cariri, através de seus projetos de extensão, tem buscado trazer a comunidade caririense para dentro da universidade, através das ações de pesquisa e extensão, construindo uma ponte sólida entre a sociedade com a universidade e suas práticas acadêmicas. 69 4.1 O Curso de Biblioteconomia da UFC Cariri e suas ações sociais: projetos de extensão O curso de Biblioteconomia da UFC Cariri foi criado em 03 de Fevereiro de 2006 pela Resolução nº 01/CEPE que em seu título diz que “aprova o projeto de criação do curso de graduação em Biblioteconomia (modalidade bacharelado) – Campus da UFC, no Cariri”. O Projeto Pedagógico do Curso (PPP) foi articulado considerando uma concepção de educação de aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a viver em conjunto e aprender a ser. Isto significa na adoção dialógica entre professores, texto e contexto da formação profissional e entre professores, alunos, instituição e sociedade. O curso enfatiza a formação do profissional com domínio da tecnologia da informação, sem deixar de lado a competência humana de saber ver a diversidade da sociedade, procurando tornar a biblioteca ou unidade de informação um espaço de convivência social, e, portanto, de intercâmbio informacional. Para tanto, é necessário que o bibliotecário conquiste a capacidade de compreender as diferentes concepções filosóficas sobre o conhecimento; de entender e interagir no ambiente sócio, político e econômico em que está inserido; de criar, desenvolver e utilizar técnicas de coleta, tratamento, recuperação e disseminação da informação; de se integrar a diferentes grupos profissionais e desenvolver habilidades do profissional autônomo; bem como de desenvolver e executar atividades culturais e programas de leitura. Destaca a necessidade do profissional de informação manter-se atualizado sobre a realidade social, como forma de tornar-se proativo, capaz de identificar problemas e demandas informacionais gerais e específicas. Aplicar seus conhecimentos e habilidades para atendê-las e solucionar disfunções, bem como contribuir para a boa convivência social e para o exercício da cidadania. Desta forma, o futuro profissional precisa conhecer a realidade social da comunidade onde está inserido e, a partir deste diagnóstico, deve construir ações que possibilitem o desenvolvimento da comunidade. Os projetos de extensão do curso são voltados para atender esse objetivo do Curso: o aprimoramento profissional do futuro bibliotecário como também para o desenvolvimento das comunidades caririenses. 70 O bibliotecário é um profissional da informação qualificado para interagir no processo de transferência de informação, da geração ao uso, dos registros do conhecimento e participar da interpretação crítica da realidade social (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ, 2006). A informação, por seu caráter transformador, é a responsável pelo desenvolvimento na sociedade. A posse e o uso desta promovem mudanças em todo o ambiente social. Cabe aos bibliotecários um comprometimento ético para interagir nesse processo possibilitando meios de acesso e uso destas informações, não permitindo que a censura ou outros mecanismos venham tolher a circulação destas informações tão relevantes para a sociedade. O curso dispõe de projetos de extensão, de monitorias e de pesquisas para alcançar seus objetivos. Atualmente, os projetos de extensão do curso são: a) Modelo de Biblioteca Escolar; b) Doutores da leitura; c) Biblioterapia com crianças portadoras de câncer: a leitura como atividade lúdica. d) Biblioteca comunitária de Vila Fátima; e) Empresa Júnior do Campus de Biblioteconomia da UFC Cariri; f) Projeto de Sistematização, preservação e dinamização da memória documental do Memorial Padre Cícero; g) Laboratório Troca de Afeto – LATA; h) Projeto Metodologia da Pesquisa em Biblioteconomia e CI e estudo de comunidades e usuários: a elaboração de trabalhos acadêmicos no enfoques dos projetos de pesquisas e serviços; i) Laboratório de CI; j) Curso de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências. O número elevado de projetos de extensão do referido curso denota a visão do curso na formação não apenas tecnicista de seu alunado, mas também propõe oportunidades para que os discentes tenham contato com a realidade local através da extensão, promovendo uma formação mais humanística dos formandos. Para compreendermos a relação entre universidade, extensão e comunidade faz-se necessário conceituar a última. O termo comunidade é empregado para uma população de pioneiros, aldeia, cidade, tribo ou nação, onde os membros de qualquer grupo, pequeno ou grande, vivam juntos e de forma que compartilhem condições básicas de vida em comum. 71 O critério fundamental da comunidade está em que todas as relações sociais de alguém podem ser encontradas dentro da comunidade. [...] A comunidade é pois uma área de vida dotada de certo grau de coesão social. [...], toda comunidade é uma combinação de grupos diversos desde o ponto de vista da classe social, da condição econômica, política ou religiosa. Sendo assim, a informação é o principal fator de interação entre as instituições presentes nestas comunidades, pois é a informação que propicia o enriquecimento da comunidade (SUAIDEN, 1995). Para o autor, a desigualdade na distribuição dos recursos aumenta os problemas sociais da comunidade. Nesta pesquisa, objetivou-se usar o conceito de comunidade de Gohn “força local organizada” que, diferentemente do que ocorria nos anos 80, não está mais de costas para o Estado, mas, ao contrário, “é convocada a participar e a interagir com os poderes constituídos e parte de sua força advém dessa interação” (GOHN, 2005, p.59). Neste contexto, a responsabilidade social é uma prática que deve estar presente na universidade, contribuindo para o desenvolvimento da sociedade. Para tanto, é necessário que as IES, principalmente as públicas, assumam sua responsabilidade social sob o risco de que esta sociedade moderna, cada vez mais decepcionada com as lideranças políticas, recuse-se a reconhecê-la como instituição social relevante. Através dos projetos de extensão, as universidades conseguem manter contato direto com as comunidades ao seu redor. Essa troca de experiência entre comunidade e universidade enriquece o ambiente de aprendizagem do discente, visto que o alunado se envolve com a realidade local, buscando meios para dirimir as problemáticas vividas pelas comunidades. Quando surgiu como uma das funções básicas da Universidade Brasileira, a extensão foi conceituada como um conjunto de ações, voltadas para o desenvolvimento das populações. A partir dessa concepção, influenciada pelo sistema educacional americano, identifica os dois objetivos básicos da extensão universitária: a) o primeiro é formar um aluno comprometido com a realidade do país e com a diminuição das diferenças sociais. Para tanto, o aluno deve “se deparar e enfrentar a realidade e trabalhar com essa realidade e tenha capacidade crítica de intervir nos problemas reais da sociedade; b) o segundo objetivo é a formação da cidadania. A universidade deve instrumentalizar a população, fornecendo elementos para que cada indivíduo perceba e entenda os seus direitos e deveres (CALDAS; BARBOSA, 1995). 72 Percebe-se o compromisso e a responsabilidade da extensão com a formação humanística do aluno comprometido com a sociedade. Outra dimensão da extensão é o desenvolvimento da cidadania, que implica na formação de agentes críticos e ativos na sociedade, conhecedores dos seus direitos e deveres. Nessa perspectiva, Nogueira enfatiza a extensão universitária, bem compreendida, é um momento indescartável da realização das atividades-fim da Universidade, seja por instrumento de validação do conhecimento produzido, seja por ser sujeito do mesmo processo de conhecimento na medida em que é a sociedade – público-alvo da extensão – a destinatária da ação da extensão universitária. Trata-se aqui de reconhecer a extensão universitária: a) como instrumento de transferência do conhecimento; b) como instrumento de produção do conhecimento; c) como instrumento de desenvolvimento econômico-políticosocial-cultural – seja na potencialização de políticas públicas, seja no desenvolvimento de ações e programas específicos a partir de capacidades e competências instaladas na Universidade (NOGUEIRA, 2005, p.7). A extensão é uma experiência enriquecedora, que possibilita ao alunado a interação direta com a realidade, contribuindo na formação do profissional mais crítico e humanitário, cooperando para o desenvolvimento tanto individual como coletivo, implicando em progresso para a nação. 73 5 PROGRAMA DE EXTENSÃO INICIATIVAS NEGRAS: TROCANDO EXPERIÊNCIAS O Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências faz parte do Núcleo Brasileiro, Latino-Americano e Caribenho – N’BLAC, que é um grupo de pesquisa de estudos em Gênero, Raça e Movimentos Sociais, constituído no segundo semestre de 2006, no âmbito do Curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Ceará (UFC) / Campus Cariri. Possui como público-alvo professores de ensino fundamental e médio da rede pública e privada de ensino da região do Cariri. Como o ensino proposto pela Lei 10.639/03 tornou-se obrigatório nas escolas e, há uma deficiência do Estado e municípios de capacitarem seus professores para implementação dessa Lei em seus currículos escolares, o N’BLAC trabalha com este segmento da população, professores da rede pública e privada, buscando traçar estratégias para sanar esta dificuldade. O Programa de extensão Iniciativas Negras: trocando experiências, foi criado no segundo semestre de 2007, como propósito de atingir maior abrangência regional. Tem como objetivo capacitar teórica e tecnicamente estudiosos e ativistas dos movimentos sociais que atuam na área do combate ao racismo, buscando contribuir para a instrumentalização de agentes sociais que desenvolvem ou venham a desenvolver projetos de intervenção social. Visa a oferecer subsídios para avaliação de políticas de incentivo aos direitos humanos, que tenham como meta o combate às desigualdades, além de propiciar uma aproximação maior entre pesquisadores, acadêmicos e ativistas dos movimentos sociais antirracistas e antissexistas, com abrangência para a América Latina e o Caribe. Contribui para a formação de pesquisadores e ativistas nos três níveis de formação: graduação, mestrado e doutorado com ênfase nos recortes de relações raciais, movimentos sociais e de gênero. Tem como público-alvo, na região do Cariri, ativistas do movimento de mulheres e do movimento negro, adultos, na faixa etária de 21 a 60 anos. Há também os novos beneficiados: jovens na faixa etária de catorze a 24 anos, que estão envolvidos com essas problemáticas sociais que tanto afetam as populações menos favorecidas. Direitos Humanos e Justiça é a principal área temática desse Programa e tem como áreas secundárias: Cultura, Educação, Saúde, Direitos Individuais e 74 Coletivos. O Programa atua na região do Cariri, principalmente nos municípios de Juazeiro, Crato e Barbalha, além da sua abrangência em nível nacional, através dos Cursos Extensivos que realiza bianualmente. O Curso de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências, na região do Cariri, dá sequência a outro curso – de quinze dias – realizado entre 2002 e 2004, no âmbito do Centro de Estudos Afro-Brasileiros (CEAB) da Universidade Cândido Mendes (RJ), então chamado Fórum Iniciativas Negras – Trocando experiências. Para atingir seus propósitos, o Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências tem parcerias com instituições governamentais e não governamentais, que também se preocupam com essas questões sociais. Tem como parceiros as instituições discriminadas no Quadro 2: Quadro 2 – Instituições Parceiras PARCEIROS TIPO DE INSTITUIÇÃO Fundação Ford Filantrópica FORMA DE PARTICIPAÇÃO Participa do financiamento Serviço Social do Comércio SESC Juazeiro Privada Cede recursos humanos, instalações e equipamentos Universidade Regional Cariri – URCA do Pública Cede recursos humanos, instalações e equipamentos Universidade Federal de Pernambuco– UFPE Caruaru Pública Cede recursos humanos, instalações e equipamentos Associação Cultural de Mulheres Negras de Passo Fundo – RS Organização não Governamental – ONG Cede recursos humanos, instalações e equipamentos Secretaria Municipal de Educação de Caruaru – PE Pública Gera demanda, cede recursos humanos, instalações e equipamentos Fonte: Relatório da Ação de Extensão, 2010. O I Curso de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências foi realizado nos dias 26 de junho a 05 de julho de 2007, nos municípios de Juazeiro do Norte e Barbalha. Com um total de 80 horas, houve palestras, mini-cursos, oficinas, leituras, discussão de textos teóricos e mesas redondas. Mais de 150 pessoas estavam presentes no evento, o que reflete a necessidade destas problemáticas sociais na região. 75 Figura 3 - I Curso IN (2007) Fonte: Arquivo pessoal O II Curso de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências foi realizado em 2009, em Juazeiro do Norte/CE. Cerca de 200 pessoas se fizeram presentes nesta edição do curso, corroborando para a discussão da temática. Figura 4 - II Curso IN (2009) Fonte: Arquivo Pessoal. 76 Figura 5 - Palestra Henrique Cunha - II Curso IN (2009) Fonte: Arquivo Pessoal. O III Curso de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências foi realizado de 4 a 14 de outubro de 2011, nas cidades de Juazeiro, Crato e Barbalha (Figura 3). Vale ressaltar que esta é a primeira vez que o Curso acontece paralelamente com outro evento: I Seminário sobre violência racial e violência de gênero, ampliando e fortalecendo o debate sobre a temática. Essa junção proporcionou um aprendizado mais completo para os participantes e uma visibilidade maior da ação do programa, enfatizando como esse curso tem provocado reações positivas nas comunidades acadêmicas – tanto pesquisadores como alunos e a sociedade, tanto em nível nacional como internacional. Na terceira edição do curso, houve 176 candidatos inscritos concorrendo às bolsas, sendo selecionados 27. Estes dados demonstram a abrangência nacional do curso e a visibilidade que permite a UFC Cariri, e a necessidade de espaços para discussão dessa temática racial. O Curso é inteiramente gratuito e aberto a todos os interessados que buscam se capacitar no principalmente o racismo e a violência de gênero. tocante às questões sociais, 77 Figura 6 – Divulgação do III Curso IN (2011) Fonte: NBLAC (2011). 78 Figura 7 – Organização do evento: seleção de bolsistas para o III Curso IN (2011) Fonte: Arquivo Pessoal. Nota: Professores, alunos bolsistas de Extensão e demais membros do Iniciativas Negras participando do processo de seleção dos bolsistas do III Curso de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências Figura 8 – Organização do evento: seleção de bolsistas para o III Curso IN (2011) Fonte: Arquivo Pessoal. 79 Figura 9 – Organização do evento: seleção de bolsistas para o III Curso IN (2011) Fonte: Arquivo Pessoal. Conforme o edital Nº 01.2011 (ANEXO A), a distribuição de bolsas para o III Curso IN (2022) ficou da seguinte forma: a) Dez bolsas Norte e Nordeste – apenas para residentes do Norte ou Nordeste. Os candidatos receberão passagem (aérea ou terrestre), hospedagem e alimentação; b) Cinco bolsas gerais – para residentes em qualquer ponto do país. Receberão passagem (aérea ou terrestre), hospedagem e alimentação; c) Quinze bolsas parciais – para residentes em qualquer ponto do país. Receberão hospedagem e alimentação. Devem responsabilizar-se por suas passagens (aéreas ou terrestres) de ida e volta. As propostas dos candidatos foram analisadas e verificadas se estavam de acordo com a temática do Curso. Posteriormente, os candidatos foram submetidos às bolsas. Os critérios para seleção dos candidatos agraciados com bolsas foram: 80 a) Regionalidade (capital e interior); b) Etariedade (jovens e idosos compondo o grupo); c) Experiência no movimento negro (novas e antigas alianças); d) Experiência de viagens (maior ou menor probabilidade de mover-se pelo território nacional); e) Formação acadêmica (menor ou maior número de títulos); f) Duplicidade de recursos (pessoas que já fizeram o Iniciativas Negras não poderão se candidatar); g) Equilíbrio entre os gêneros (número de homens e mulheres, mais ou menos equânime). A terceira edição do curso teve palestrantes do Uruguai e da Colômbia, enfatizando a rede de cooperação que está sendo formada por este evento, visto que as questões raciais, de gênero, de movimentos sociais estão presentes em todo o planeta. Com o significativo aumento do número de participantes nos eventos, conforme Tabela 1, houve a necessidade de ampliar as atividades do evento, passando então a se realizar eventos menores em diversos Estados do país, aproximando mais o Curso das populações que têm dificuldade de locomoção devido à acessibilidade de onde se encontram. Tabela 1 – Número de Participantes por região Região/Ano Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul Total 2000 2 1 4 24 12 43 2001 3 10 11 26 23 73 2002 6 27 13 36 17 99 2004 11 33 13 41 22 120 2007 13 66 13 33 17 142 Fonte: Coordenadora do Programa de Extensão Nos anos de intervalo do evento maior, buscaram-se parcerias, no sentido de realizar cursos de dois a três dias em diversas partes do país. Em 2003, houve Fóruns Regionais em Piracicaba, Belo Horizonte, Porto Alegre e Macapá. Em 2008, foram realizadas duas edições do curso nas cidades de Araguaiana/To e em Fortaleza/Ce. Essas ações demonstram a responsabilidade do programa em se expandir e alcançar outras localidades que, devido a dificuldades diversas, participam em menor grau das atividades do programa. 81 6 METODOLOGIA De modo a atingir os propósitos traçados na presente pesquisa, encontra-se esta subdividida em três etapas. A primeira delas, a fase exploratória constitutiva do capítulo 1, que segundo Minayo (1992) por sua importância, pode ser considerada uma pesquisa exploratória, porquanto introduz o tema, contextualizando-o, identificando os problemas e definindo objetivos a serem perseguidos no estudo. Isso conduz a atividades que demandam “conhecimentos sobre os quais se exercita a apreensão, a crítica e a dúvida” (MINAYO, 1992, p.89) a partir de conhecimentos de outros pesquisadores. A citada autora considera a aproximação teórica como parte da etapa anteriormente referida e nela abordamos autores que oferecem contornos para entender as relações raciais que se realizam nas instituições de ensino superior e a responsabilidade social tanto das universidades como da ciência da informação, a saber: a) A problemática da exclusão dos negros na Educação (Cunha Júnior, 2011; Ferreira, 2009; Lima, 2009; Moore, 2007; Pereira, 2000; Silva, 2008, 2011); b) Os movimentos sociais envolvendo os negros, o racismo, a discriminação social e os movimentos negros no Ceará e na Região do Cariri (Aquino, 2011; Cunha Júnior, 2011; Ferreira, 2009; Lima, 2009; Moore, 2007; Pereira, 2009; Silva, 2008, 2011); c) Responsabilidade social no âmbito das instituições de ensino superior, no caso as universidades públicas (Bólan e Mattos, 2007; Calderón, 2006; Carrizo, 2006; De la Jara et al., 2006; Garcia, 2011; Tedesco, 2001; Vallaeys, 2006); d) Responsabilidade social no âmbito da CI (Aquino, 2011; Garcia, 2011; Freire, 2004, 2006). Esses teóricos propiciaram embasamento para a análise e interpretação de dados e informações que, na segunda etapa da pesquisa, denominada por Minayo (1992) de trabalho de campo, constitui a descrição de como se deu o tratamento para preparar os capítulos seguintes. Assim descrevemos a seguir o campo da investigação, a população pesquisada e como se deu a coleta de dados. 82 a) O campo da pesquisa são os Bolsistas do III Curso de Extensão Iniciativas Negras – Trocando Experiências relativo ao ano de 2011; b) Participantes das várias regiões do país que consideramos o nível nacional; c) Participantes da região do Cariri, local onde se verificou o Curso de Extensão. Usamos as seguintes técnicas de coleta de dados: formulários de inscrição dos bolsistas selecionados, questionários e o diário de campo, tendo em vista a importância desses instrumentos para o desenvolvimento da presente pesquisa. Os dados coletados, através dos formulários de inscrição e questionários, referem-se: a) Aos bolsistas do curso III Curso de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências 2011 (ANEXO B); b) Aos participantes do III Curso de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências 2011, da região Cariri, que fazem parte de projetos ou movimentos sociais (APENDICE A). Os questionários foram submetidos a testes prévios antes de sua aplicação final, para que fossem verificadas possíveis adaptações finais. De acordo com os respondentes do pré-teste, fizemos modificações para que alcançássemos o objetivo proposto da pesquisa. Os questionários semi-estruturados, com questões abertas e fechadas foram aplicados aos participantes da região do Cariri. As perguntas foram estruturadas visando atingir os principais objetivos da pesquisa. As respostas às perguntas fechadas foram apresentadas percentualmente em forma de gráficos. As respostas às perguntas abertas foram analisadas com base no referencial teórico. A utilização do diário de campo deu-se como subsídios para complementação da análise que esta pesquisa se propôs, proporcionando uma aproximação entre o pesquisador e os pesquisados, cooperando para uma melhor compreensão da realidade estudada. Para facilitar a compreensão da análise dos dados, algumas das respostas foram transcritas. Após o que analisamos para verificar as ações de responsabilidade social do Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências, verificando-as sob a ótica da responsabilidade social universitária, no eixo extensão. 83 Chegamos por fim a fase de análise e interpretação do material coletado que Minayo (1992) considera como última. A análise tem por objetivo organizar e sumariar os dados de tal forma que possibilite o fornecimento de respostas ao problema proposto para a investigação, enquanto a interpretação visa à procura do sentido mais amplo das respostas, o que é feito mediante sua ligação a outros conhecimentos anteriormente obtidos, conforme os capítulos 7 e 8. Para melhor compreensão das respostas, agrupamo-nas em categorias, facilitando desta forma a compreensão dos dados (GIL, 1987, p.166-167). Os dados coletados foram categorizados em dois grandes conjuntos: a) Os que avaliam a abrangência do programa de extensão iniciativas negras, através do evento III curso de Extensão Iniciativas negras: trocando experiências (2011), em nível nacional, a partir da análise dos formulários de inscrição dos bolsistas (ver ANEXO B); - Embora os dados contidos nos formulários de inscrição permitissem análises mais aprofundadas, buscou-se coletar os dados que permitissem compreender a abrangência nacional do III Curso IN (2011), a saber: Dados Demográficos (Estado de Origem, Faixa Etária, Escolaridade) e Movimento/Projeto Social o qual estão envolvidos. b) Os que avaliam o impacto do referido programa a partir da percepção dos participantes da região do Cariri após a realização do evento, a partir do questionário aplicado (ver apêndice A), a saber: - Dados Demográficos (Estado de Origem, Faixa Etária, Escolaridade) e Movimento/Projeto Social o qual estão envolvidos; - As expectativas iniciais dos participantes do III Curso IN (2011), da região do Cariri; - As perspectivas de aplicação dos conhecimentos vivenciados no III Curso IN (2011) pelos participantes da região do Cariri; - Sobre o que os pesquisados destacariam no III Curso IN (2011); - Sugestões dos pesquisados aos desenvolvedores do III Curso IN (2011); - Os fatores que contribuíram para a participação no projeto, em termos de autoestima, melhoria da comunidade e relações entre os membros da comunidade. 84 A análise dos dados foi fundamentada em uma abordagem compreensiva, que preza a análise qualitativa dos dados. A pesquisa qualitativa “é um processo contínuo de construções, de versões da realidade”, cujo foco não é apenas o fenômeno estudado em si, mas o relato ou discurso do sujeito de pesquisa sobre o fenômeno vivido ou presenciado por ele, e que é este o verdadeiro objeto da pesquisa (FLICK, 2004, p. 25). Para Minayo e Sanches (1993), a metodologia qualitativa trabalha com valores, crenças, representações, atitudes e opiniões e adequa-se a aprofundar a complexidade dos fenômenos, fatos e processos particulares e específicos de grupos mais ou menos delimitados em extensão e capazes de serem abrangidos intensamente. A pesquisa qualitativa visa à compreensão e reflexão acerca dos sentidos dos fenômenos a serem investigados e propõe uma melhor visão dos aspectos sociais dos envolvidos na pesquisa. A metodologia qualitativa preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece análise mais detalhada sobre as investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc. (MARCONI; LAKATOS, 2008, p. 267). Para a interpretação dos dados qualitativos da presente pesquisa, utilizou-se o Método de Interpretação de Sentidos, uma técnica das “perspectivas das correntes compreensivas das ciências sociais que analisa: a) palavras; b) ações; c) conjunto de inter-relações; d) grupos; e) instituições; f) conjunturas, dentre outros corpos analíticos” (GOMES et al, 2005, p.202). Deste modo, a interpretação dos dados ocorreu em três etapas, a saber: a) Leitura compreensiva do material selecionado – Com esta etapa, buscamos, de um lado, ter uma visão de conjunto e, de outro, apreender as particularidades do material. Após essa leitura, montou-se uma estrutura que serve de base para a interpretação, como descrever o material a partir dos atores, das informações e das ações coletadas. Pode-se adotar várias classificações para a distribuição do material. Duas delas são as mais comuns: por segmentos de atores, de ações ou de depoimentos e por gênero dos atores. Nesta pesquisa, optou-se pela categoria de segmentos de atores, em que foram divididos 85 em nível nacional (bolsistas do curso) e oriundos da região do Cariri – cursistas (MINAYO, 2009, p.100). b) Exploração do material – Nesta etapa, é fundamental a capacidade de ir além das falas e dos fatos ou, em outras palavras, caminhar na direção do que está implícito, do revelado para o velado, do texto para o subtexto. Para isso, seguimos a seguinte trajetória: (i) identificação e problematização das ideias explícitas e implícitas no texto; (ii) busca de sentidos mais amplos (socioculturais) atribuído às ideias; (iii) diálogo entre as ideias problematizadas, informações provenientes de outros estudos acerca do assunto e o referencial teórico do estudo (MINAYO, 2009, p.102). c) Elaboração de síntese interpretativa – Esta etapa é o ponto de chegada da interpretação propriamente dita. Na etapa anterior, seguimos o princípio da decomposição do conjunto de material da pesquisa em unidades, enquanto que nesta procuramos caminhar em direção a uma síntese (MINAYO, 2009, p.102). Dentro desta perspectiva, destacam-se duas concepções que ajudam a fundamentar este método. A primeira refere-se à teoria de interpretação da cultura sistematizada por Clifford Geertz (1989) e a segunda diz respeito às concepções hermenêuticas e dialéticas. Para Geertz (1989), com base em Max Weber (1985, p.15), “o homem é um ser amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu”. O referido autor traz uma discussão sobre a relação entre ciência e interpretação, observando que as abordagens interpretativas abordam “a ciência não como um precipitado social opaco, mas como uma ação social provida de sentido” (p.141). Outra importante base para o método de interpretação de sentidos é a discussão que procura articular as perspectivas hermenêutica e dialética. Segundo Bleicher (1980, p.13), a hermenêutica pode ser vista como “teoria ou filosofia de interpretação de sentidos”. Já Gadamer (1999, p.262) a define como “arte de compreender textos”. Com base no pensamento deste autor, Minayo (2002) observa que o ato de compreender caminha na direção de interpretar e estabelecer relações para chegar a conclusões. Arrematando o seu pensamento, a mencionada autora considera a 86 hermenêutica – caminhando entre aquilo que é familiar e o que é estranho – busca “esclarecer as condições sob as quais surge a fala” (MINAYO, 2002, p.92). Com relação aos aspectos que envolvem a responsabilidade ética, a população pesquisada foi devidamente informada através de termo de consentimento esclarecido (APÊNDICE B) dos objetivos da pesquisa, aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal da Paraíba – UFPB (ANEXO C). 87 7 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS Esta seção apresenta os resultados obtidos na pesquisa, suas análises e interpretações baseadas no referencial teórico abordado de modo a verificar a abrangência do Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências sob a ótica da responsabilidade social universitária desenvolvida nas ações do III Curso IN (2011). De maneira a preservar a identidade das pessoas, passa a ser estabelecida que os respondentes sejam reconhecidos pela letra “R” seguidas dos numerais arábicos do 1 ao 33. Do R-1 ao R-27 são os que compõem a categoria dos bolsistas selecionados para o III Curso IN (2011) em âmbito nacional, e do R-28 ao R-33 são os participantes não bolsistas, que fazem parte de projetos ou movimentos sociais, oriundos da região do Cariri. Os dados coletados foram categorizados em dois grandes conjuntos, a saber: os que avaliam a abrangência do programa de extensão iniciativas negras, através do III Curso IN (2011) em nível nacional, a partir da análise dos formulários de inscrição dos bolsistas; e os que avaliam o impacto do referido programa a partir da percepção dos participantes da região do Cariri, após a realização do evento, a partir dos questionários aplicados. 7.1 Análise dos formulários de inscrição dos bolsistas selecionados O Curso, cuja temática foi violência de gênero, racial e movimentos sociais, pela primeira vez, aconteceu paralelamente com outro evento, o I Seminário sobre violência racial e violência de gênero, para juntos discutirem acerca da temática proposta. O III Curso IN (2011) inicialmente teve 176 inscritos, oriundos de todas as partes do Brasil, para participar da seleção das bolsas, dentre estes ativistas, pesquisadores, professores e pessoas comprometidas com a temática em foco. A centralidade da temática do evento reflete o número expressivo de inscritos para as bolsas, expressando a necessidade de espaços de discussão sistematizadas para tais questões sociais. Ao mesmo tempo em que se percebe um número expressivo de participantes a bolsas em nível nacional, verificou-se que, na região do Cariri, o número de participantes de projetos/movimentos sociais foi ínfimo 88 (Gráfico 4), totalizando trinta participantes, exceto os alunos do curso de Biblioteconomia da UFC Cariri que participaram na realização do Evento. A visibilidade desta ação, em nível nacional, dá-se, entre outros fatores, por ter iniciado em outra universidade, no Rio de Janeiro, e dado sequência no Cariri, ocasionando uma procura por parte de ativistas de toda parte do Brasil. Outro fator que corrobora para a visibilidade são os eventos menores, realizados em outras universidades, além das parcerias firmadas pela coordenação do Programa com outras instituições de ensino e pela participação dela em eventos que trabalham com a temática, muitas vezes sem o apoio financeiro da universidade. Em oposição à abrangência e procura nacional, em nível local a procura pela participação no Evento foi pequena. Isso é um reflexo do pouco apoio que a extensão tem, tanto das atividades de gestão, pesquisa e dos outros cursos, como também das outras universidades públicas locais, ocasionando pouca visibilidade desta ação na região, bem como a falta de articulação entre os projetos/movimentos sociais e as instituições públicas locais. A realização deste Evento no Cariri almeja congregar projetos e movimentos negros da região a fim de proporcionar maior visibilidade no cenário tanto local como nacional, cooperando para uma maior efetividade de suas ações, através de formação de parcerias e aquisição de novas informações e conhecimento (através das trocas de experiências), a fim de estes obter mais subsídios para seu desenvolvimento. Nesta perspectiva, o Curso teve na palestra inaugural a vice-coordenadora e ativista da Red de Mujeres Afrolatinomaericanas y afrocaribênas, Ana Karina M. Godoy, do Uruguai, que destacou a luta e o papel das mulheres na sociedade e a necessidade dos mecanismos sociais intervirem nesse processo. Ressaltou o compromisso de estes mecanismos proporem ações para combater a invisibilidade da cidadania dos menos favorecidos, a importância de estar no coletivo e o fortalecimento dos grupos menos favorecidos na sociedade, sendo primordial reverter a situação que se encontram as minorias na sociedade global. A temática da palestra de abertura denota a visão que a coordenadora do Programa tem da participação mínima do Cariri, sendo, portanto, uma das razões para o convite a Ana Karina, buscando provocar também discussões locais acerca destas problemáticas sociais que afetam a comunidade caririrense. A palestra ressaltou a importância da temática do curso, revelando que essas questões estão 89 sendo discutidas não apenas no âmbito nacional, mas internacional, refletindo que essa discussão deve ser permeada em mais locais a fim de propiciarem ações que favoreçam os grupos atingidos por essas problemáticas sociais. Esse fato incita a universidade a refletir seu comprometimento social diante de tais questões. De modo a avaliar a abrangência nacional do III Curso IN (2011), procedeu-se a análise dos formulários de inscrição dos bolsistas selecionados para participar do programa, no corrente ano. Apesar do edital do Curso IN (2011) prevê a seleção de trinta bolsistas, em nível nacional, dele participaram 27, por motivos diversos. Em virtude de o processo seletivo dos bolsistas demandar tempo, não houve oportunidade de selecionar outros bolsistas para as vagas remanescentes (Gráfico 1). Gráfico 1 – Origem dos bolsistas selecionados Fonte: III Curso IN (2011). Nota: O gráfico 1 apresenta, respectivamente, o Estado, a quantidade de participantes e a porcentagem deste número em relação ao número geral de participantes. O Gráfico 1 demonstra a diversidade de origem dos participantes. Os 27 bolsistas selecionados representaram dezoito estados brasileiros, de todas as regiões do país, incluindo o Distrito Federal. A região Nordeste lidera o número de bolsistas selecionados para o III Curso IN (2011), com onze (41%) participantes. Em 90 segundo lugar, a região sudeste com nove (33%) participantes, e em terceiro, a região Norte com três (11%). As demais regiões, Sul e Sudeste, com dois (8%) participantes, e o Distrito Federal, com um (4%) participante. A diversidade de estados representados nos faz associá-la à amplitude das ações do Curso IN, em nível nacional, bem como compreender a necessidade das Unidades Federativas brasileiras, representadas pelos bolsistas, em pensar suas problemáticas raciais. Para Souza (1995), o reconhecimento da importância do espaço como instrumento de manutenção, conquista e exercício de poder é o primeiro passo para a discussão das problemáticas sociais. É no Estado, através da governança, políticas e diretrizes que surgem tanto os mecanismos de dominação quanto os de libertação. O reconhecimento do espaço é fundamental para a construção das sociedades democráticas. A presença de participantes de diversos Estados no III Curso IN (2011) proporcionou um ambiente favorável para a discussão, e suas relações de poder, de espaço, de ocupação em que se encontra a população negra no país, buscando soluções para questões como inclusão educacional, responsabilidade das IES. Forma-se uma rede que envolve indivíduos com interesses comuns, que se apoiam uns nos outros, fortalecendo os projetos/movimentos dos quais participam. A diversidade de origem dos participantes do III Curso IN (2011) corrobora com o estudo de Lima e Nascimento (2009) ao perceber que as discussões sobre as questões raciais se deslocam do eixo Rio/São Paulo/Salvador, para locais onde são pouco abordadas pela literatura acadêmica, as populações e por via de consequência os movimentos são mais carentes, como a Região Nordeste, por exemplo. Percebe-se a contribuição do III Curso IN (2011) em mudar este cenário, não apenas pela seleção de bolsistas cearenses, mas por congregar as discussões étnico-raciais (racismo, violência de gênero, movimentos sociais, homofobia etc.) entre as variadas regiões e localidades brasileiras. A formação acadêmica constituiu outro fator de seleção do Curso com a proposta de unir ativistas com formações diferentes, pois na diversidade acontece troca de experiências considerada importante para o grupo selecionado. O Gráfico 2, a seguir, focaliza que um bolsista (4%) possuía Ensino Médio. Dos bolsistas selecionados, 22 (81%) participantes estavam cursando ou terminaram a graduação, e quatro (15%) já cursaram pós-graduação. A proposta de 91 interagir o saber acadêmico com o popular para estimular a reflexão crítica das diversas experiências, a fim de discutir com todos os segmentos da sociedade e, não somente com os pares, induzindo que a universidade saia de seu patamar de centro do saber e chegue às demais classes sociais, cooperando, desta forma, na capacitação de ativistas que não são envolvidos com as IES, é um dos objetivos do Curso IN. Para que esse objetivo seja alcançado, é necessário que as IES desenvolvam programas de extensão que contemplem esse público e interaja com ele, através de projetos, ações e atividades, na perspectiva de formar multiplicadores nas próprias comunidades. A ínfima participação de pessoas com menor nível de escolaridade no evento implica que as universidades devem promover ações específicas para atingir essa camada da população, necessitando de mais diálogo com as comunidades. A RSU implica uma educação democrática e solidária (VALLAYES, 2006), que busca intervir na realidade local a fim de proporcionar mudanças benéficas na sociedade. Para que as IES alcancem esse objetivo, é necessário que as ações de gestão, pesquisa e ensino apoiem as atividades de extensão, cooperando para que elas consigam êxito. Para Daniel (2002), a educação desempenha uma função relevante na maneira como as sociedades criam e transmitem crenças, valores, percepções e interpretações, sobre muitos aspectos de nossas vidas, incluindo questões de conflito, paz e violência. Nesse sentido, o nível educacional proporciona um olhar mais crítico sobre as problemáticas da sociedade, cooperando para a formação de cidadãos mais comprometidos com as questões sociais, culturais, ambientais, etc. do país. Porquanto é a educação que promove mudanças no indivíduo, no meio onde vive, contribuindo para o bem-estar coletivo. Essas transformações ocorridas pelo processo educacional permitem que o indivíduo se aproprie de seus direitos, de sua cidadania em busca de melhores condições na sociedade. O III Curso IN (2011) propicia aproximação entre pesquisadores, acadêmicos e ativistas dos movimentos sociais negros tanto em âmbito nacional como local, estimulando a troca de saberes, entre grupos distintos. A diversidade do nível de escolaridade dos participantes contribui para o alcance desse objetivo. Nesse tocante, a variedade dos níveis 92 educacionais dos pesquisados é proposital à medida que enriquece a formação e capacitação de ativistas brasileiros. Gráfico 2 – Nível de escolaridade dos bolsistas selecionados Fonte: Curso IN (2011). Nota: O gráfico 2 apresenta, respectivamente, o nível de escolaridade, a quantidade de participantes e a porcentagem deste número em relação ao número geral de participantes. Em outra perspectiva, o nível educacional da maioria dos participantes (graduação e pós-graduação) contribui para desenvolver e fomentar ações locais e nacionais, inerentes aos participantes do projeto. Através de uma consciência crítica, fundamentada em uma educação que possibilite meios de libertação, cada indivíduo pode dar passos com firmeza e dignidade capazes de corresponder aos propósitos da sociedade que enlaça a vida de todos, pode, ainda, formular objetivos e metas para uma sociedade mais igualitária (DANIEL, 2002). Outro fator que contribuiu para a diversidade das discussões proporcionadas pelo III Curso IN (2011) foi a faixa etária dos bolsistas (Gráfico 3). 93 Gráfico 3 – Faixa etária dos bolsistas selecionados Fonte: III Curso IN (2011). Nota: O gráfico 3 apresenta, respectivamente, a idade, a quantidade de participantes e a porcentagem deste número em relação ao número geral de participantes. A maior parte dos participantes, vinte (37%) está constituída por adultos jovens em idade universitária, o que também reflete os níveis de escolaridade apresentados no Gráfico 2. A etariedade consistiu um fator de seleção dos bolsistas, de modo a atender a proposta inicial do III Curso IN (2011) em promover a capacitação de jovens e adultos. Através da troca de experiências dos diversos segmentos etários, busca-se equacionar as ideias e olhares diferenciados sobre as questões raciais em pauta. Outro aspecto que caracteriza as experiências de vida dos participantes é a participação em projetos ou movimentos sociais (Quadro 3). 94 Quadro 3 – Bolsistas por estados representativos dos Projetos/Movimentos Sociais Estados Projetos/Movimentos Sociais Núcleo da Consciência Negra de Alfenas Minas Gerais Centro Cultural Oré – CECORE Organização de Mulheres Negras Ativas Movimento Negro Unificado de Divinópolis – MUNDI Agentes de Pastoral Negros do Brasil – APNS São Paulo OSCIP Imagem da Vida Centro Cultural Francisco Solano Trindade Rio de Janeiro Recife Maranhão Mato Grosso do Sul Santa Catarina Brasília Goiás Incubadora Afro- Brasileira Associação de Mulheres Negras Aqualtune Comissão de Identidade Étnico-Racial Centro de Cultura Negra do Maranhão Centro de Cultura Negra do Maranhão – CCN/Ma Movimento Negro de Mato Grosso do Sul Núcleo de Estudos Negros – NEN Movimento Social Fala Negra Coletivo de Estudantes Negras e Negros Beatriz Nascimento– CANBENAS Paraná Movimento Negro de Maringá Paraíba Articulação de Juventude Negra da Paraíba Pará Associação Quilombola Unidos do Rio Capim – AQUR Movimento Afrodescendente do Pará – MOCAMBO Piauí Instituto da Mulher Negra do Piauí – AYABÁS Acre Rede Acreana de Mulheres e Homens – RAMH Bahia Rio Grande do Norte Pernambuco Ceará Coletivo Si’Ori Fórum Nacional da Juventude Negra – FONAJUNE Kilombo – Organização Negra do RN Projeto Educação para uma cultura de paz Grupo Retratores de Memória de Porteiras /Ce – REMOP Notadamente, o Quadro 3 focaliza, por meio da origem institucional dos bolsistas selecionados, a variedade de aspectos tratados pelos projetos/movimentos sociais brasileiros em nível nacional. Esses dados corroboram com Lima (2009) ao afirmar que as trajetórias dos movimentos sociais no Brasil são marcadas pela 95 retomada das diversas temáticas a fim de atender as necessidades dos grupos em questão. Nesse contexto, capacitar e formar teórica e tecnicamente estudiosos e ativistas dos movimentos sociais atuantes na área do combate ao racismo, ao sexismo, à violência de gênero e movimentos sociais, buscando contribuir para a instrumentalização de agentes sociais que possam operar em projetos de intervenção e mudança social é um dos objetivos do III Curso IN (2011). A diversidade dos projetos/movimentos sociais participantes coopera para o alcance desse objetivo, demonstrando que as questões étnico-raciais estão presentes em todas as sociedades, necessitando de mais ações e discussões para o seu enfrentamento. A busca de capacitação e integração com outros movimentos, a fim de se fortalecerem e estabelecerem parcerias é importante nesse processo de autorreconhecimento e afirmação da identidade negra e das ações dos projetos/movimentos social presentes no III Curso IN (2011). A visão que se deslumbra diante do exposto é: como reverter esse quadro persistente de injustiça e desigualdades raciais ainda tão presente na sociedade brasileira? Domingues (2007) ressalta que, por meio das múltiplas modalidades de protesto e mobilização que os movimentos negros vêm dialogando e confrontando, não apenas com o Estado, mas principalmente com a sociedade brasileira. Apesar de todas as dificuldades, os movimentos negros têm-se tornado protagonista no cenário nacional, discutindo questões que continuam e cooperam na discriminação racial estrutural da sociedade. A responsabilidade de discutir e criar mecanismos de defesa e combate às questões étnico-raciais é de todos os segmentos que compõem a sociedade brasileira, mas raros são os momentos dedicados à reflexão sobre as consequências do preconceito e discriminação racial. Nessa proposta, os projetos/movimentos sociais têm buscado dialogar com outras instituições para refletir e propor estratégias de superação das desigualdades raciais. Daí a necessidade e importância da academia interagir mais nessa proposta e favorecer ambientes favoráveis para discussões dessa temática. O III Curso IN (2011) tem proporcionado, ao longo de suas edições, a disponibilidade de um espaço coletivo, na academia, para discussão de temas importantes para o desenvolvimento social. Mais do que informar, o III Curso IN (2011) busca aproximar a universidade da sociedade, proporcionando uma parceria 96 no combate ao racismo e à violência de gênero, ainda tão presentes na sociedade brasileira. Moore (2007) enfatiza que proporcionar discussões sobre o racismo é remeter aos custos e benefícios que ele implica para todos os segmentos e atores sociais que compõem as sociedades historicamente racializadas, destacando que a função primordial do racismo é proteger os privilégios do segmento hegemônico da sociedade ao mesmo tempo em que fragiliza e fraciona os segmentos subalternizados. A Constituição Brasileira (1988), em seu preâmbulo, destaca que um Estado democrático deve assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais: a liberdade, a segurança, o bem-estar, a igualdade, dentre outros, como valores maiores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Às instituições cabe discutir veementemente essas problemáticas para conseguir o ideal proposto pela Carta Magna: uma sociedade fraterna, em que a ordem e o progresso estejam ao alcance de todos, independentemente da cor da pele e do gênero do indivíduo. Portanto, às universidades, principalmente as públicas, devem participar desse diálogo e cooperar em busca de ações para o alcance dos objetivos. Uma universidade socialmente responsável estabelece uma filosofia baseada em princípios democráticos e igualitários para trabalhar a inclusão das minorias. Um sistema de educação pautado na responsabilidade social traça suas ações não apenas para o mundo acadêmico, o mundo da ciência, mas também para a esfera social. Do ponto de vista da Extensão Universitária, o III Curso IN (2011) proporciona o que Silva (1997) valoriza: que a universidade vá até a comunidade como também receba pessoas de outras comunidades em seu campus, prestandolhes serviços, assistência, auscultando-lhes os anseios e as necessidades. Forma cidadãos, responsáveis multiplicadores do que aprenderam e apreenderam. Assim, a universidade coleta dados e informações, no intuito de realizar estudos e pesquisas, visando atender as necessidades das comunidades, possibilitando a colaboração da universidade no desenvolvimento das comunidades. Percebe-se que o Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências, através de suas ações, estende-se às comunidades perpassando o local e chegando ao nacional, contribuindo, desta forma, para o desenvolvimento social do país, capacitando e formando pessoas para intervirem em sua realidade. 97 A universidade, ao comunicar-se com a realidade local, regional e nacional, tem a possibilidade de renovar constantemente sua própria estrutura, suas ações, conduzindo-as para o atendimento da verdadeira realidade do país, exercendo desta forma o papel social para o qual foi criada. A RSU exige um comprometimento de toda a universidade, seja ensino, pesquisa, extensão e gestão, para que essas funções bem coesas proporcionem mudanças à realidade na qual está inserida. Diante da realidade exposta no decorrer do III Curso IN (2011) percebeu-se um comprometimento ínfimo da UFC Cariri. Ressalte-se que o Curso não teve apoio financeiro da universidade, visto que a ação ficou sob a total responsabilidade da Coordenação do Programa, sem cooperação/colaboração da gestão universitária local e do curso de Biblioteconomia. Nas palavras de Valleys (2006), a RSU deve, numa visão holística, articular as diversas partes da instituição em um projeto de promoção social com princípios éticos e de desenvolvimento social, equitativo e sustentável, para a produção e transmissão de saberes e para formação de cidadãos igualmente responsáveis. Para que aconteça essa integração/articulação entre as diversas partes que compõem a universidade, é necessária a compreensão da dimensão da RSU face às demandas sociais existentes e um comprometimento, tanto individual quanto coletivo, de cada ator que a compõe. Aquino e Garcia (2011) ressaltam que, sem esta compreensão do papel social da universidade frente às demandas da sociedade, é impossível que as universidades possibilitem a formulação de ações para inibir as práticas preconceituosas, discriminatórias e racistas que afetam diretamente os grupos sociais etnicamente vulneráveis nos diversos setores da sociedade. Cabe à Universidade refletir sobre seu papel social e traçar ações, compartilhadas, em ação conjunta, para propiciar ferramentas de enfrentamento da realidade excludente imposta pela sociedade capitalista. 98 7.2 Análise dos questionários aplicados aos participantes (não bolsistas) da região do Cariri Nesta categorização, os dados foram coletados a partir da percepção dos participantes dos encontros (palestras, minicursos e oficinas) promovidos pelo III Curso IN (2011), oriundos da Região do Cariri. Dos trinta questionários distribuídos, houve retorno de dezesseis. Dentre eles, analisamos seis, por serem de participantes de projetos/movimentos sociais na região. Com a finalidade de identificar o perfil dos respondentes, caracterizamo-los a partir da cidade de origem, dos movimentos/projetos sociais que participam, faixa etária e nível de escolaridade. Dentre a região do Cariri, foram identificados participantes das cidades de Crato e Juazeiro do Norte (Gráfico 4). Gráfico 4 – Participantes do III Curso IN (2011) da região do Cariri Fonte: III Curso IN (2011). Nota: O gráfico 4 apresenta, respectivamente, a quantidade e a porcentagem de participantes de projetos/movimentos sociais dos municípios de Juazeiro do Norte e Crato. O III Curso IN (2011) procura reunir um grupo heterogêneo, envolvendo tanto palestrantes como participantes de diversos estados, profissões, movimentos/projetos sociais distintos, idade etc., na perspectiva do racismo, à violência de gênero e a formação dos movimentos sociais etc., reunindo um grupo 99 diverso, proporcionando uma relação multi, inter e transdiciplinar, gerando mais subsídios para a aprendizagem coletiva. O gráfico 4 demonstrou que, da região do Cariri, somente os municípios de Juazeiro do Norte e Crato tiveram representatividade no Evento. Por estes dados, entendemos que os municípios que possuem universidade, que trabalham com as temáticas sociais tratadas no Curso, tiveram projetos/movimentos sociais locais participando do Evento, levando-nos a refletir sobre a responsabilidade social universitária. Entende-se que as parcerias firmadas entre as organizações públicas com os projetos/movimentos sociais produzem resultados satisfatórios para toda a comunidade envolvida. Nesse processo, as universidades têm um papel importante, mas sua participação deve ser mais incisiva para poder participar mais ativamente da vida das comunidades. Dos que participam de movimentos/projetos sociais, foram identificados um participante de Juazeiro do Norte e cinco do Crato (Gráfico 5). Gráfico 5 – Participantes do III Curso IN (2011) da região do Cariri por projeto/ movimento social Fonte: III Curso IN (2011). Nota: O gráfico 5 apresenta, respectivamente, a quantidade e a porcentagem dos projetos/movimentos sociais dos municípios de Juazeiro do Norte e Crato. 100 Os projetos/movimentos sociais aos quais os participantes do III Curso IN (2011) da região do Cariri se vinculam foram três, sendo dois do Crato e um de Juazeiro do Norte, a saber: a) Cáritas Diocesana do Crato É um projeto social que busca intervir, através de ações da própria Igreja Católica em parceria com outros projetos/movimentos sociais da região, na realidade, local em busca de transformações proativas na sociedade. Tem entre suas prioridades: Desenvolvimento sustentável e territorial. Defesa e promoção de direitos e controle social de políticas públicas. A Cáritas, através de suas ações promove o desenvolvimento sustentável das comunidades quilombolas, a preservação da memória e cultura local. O PROJETO SOLARI – Energia solar, educação contextualizada, economia de reconciliação e agroecologia –, capacita jovens, promovendo a vida e conservando o meio ambiente em comunidades assistidas pela Diocese do Crato, é uma das ações que busca intervir na realidade local em busca da promoção social da população da região do Cariri. Fruto de uma iniciativa coletiva, a partir da articulação entre a Cáritas Diocesana do Crato, o GRUNEC, Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri, Universidade Regional do Cariri – URCA, dentre outras, o SOLARI contribui com a formação humana afetiva, política, social e ambiental de quarenta jovens oriundos de cinco comunidades da Diocese do Crato. b) Associação Memorial de Vida Berê Projeto comunitário de Juazeiro do Norte que trabalha com mulheres na perspectiva de inclusão no mercado de trabalho, através das artes manuais. Foca tanto a questão social como a autoestima das mulheres em Juazeiro do Norte. Fica localizado em um bairro pobre do município de Juazeiro do Norte e busca intervir em sua realidade através da emancipação de mulheres moradoras das localidades circunvizinhas. 101 Tanto a Cáritas Diocesana do Crato como a Associação Comunitária Vida Berê participaram do III Curso IN (2011) a fim de buscarem capacitações e desenvolverem parcerias para discutirem mais veementemente os problemas locais da região, principalmente os que tratam do racismo e violência de gênero, fatores bem presentes no Cariri Cearense. Na oficina A literatura infantil: uma perspectiva afro-brasileira, observou-se a participação de ambas as representações dessas instituições (Figura 10). Esta oficina teve como objetivo desmistificar o racismo presente na literatura infantil brasileira, disseminado na maioria das escolas. Nesta, discutiu-se que Monteiro Lobato pode ser considerado, por alguns estudiosos, como racista, por enfatizar em seus textos a figura do negro de forma pejorativa: pobre e analfabeto. Foram citados como exemplos os personagens do Tio Barnabé, o Zeca Tatu, a tia Nastácia – que ocupavam as funções mais subservientes da casa – as quais eram discriminadas pela boneca Emília. Também, foi relatada a descoberta das cartas, escritas de próprio punho por Monteiro Lobato, em que ele se declarava racista. Essas cartas estão disponíveis no site da editora abril2. Nesta perspectiva, percebe-se a relevância de mais discussões acerca dos ensinamentos que são ministrados pelas escolas a fim de que questões como o racismo e a discriminação, que são disseminadas de forma sutil, sejam discutidas mais veementemente nas escolas. Na oficina, foi ressaltado que a literatura africana deve ter um espaço maior no meio educacional, a fim de valorizar e preservar a cultura afro-descendente, desmitificando a cultura negra, ainda vista por muitos como inferiorizada e carregada de estigmas negativos. Para que esses objetivos sejam atingido, é necessário que a referida literatura seja mais discutida e disseminada na esfera educacional, propiciando uma maior divulgação dessa cultura. 2 Disponível em http://www.bravoonline.abril.com.br 102 Figura 10 – Oficina: A literatura infantil - uma perspectiva afrobrasileira (Curso IN 2011). Fonte: Arquivo Pessoal. Nota: Facilitadora Ana Cristina Santos (UFAL). c) GRUNEC Movimento social que combate a violência de gênero, raça e desigualdades sociais. O GRUNEC tem sete anos de formação, conta com o apoio de cerca de mais de trinta indivíduos qualificados para capacitações pedagógicas e para diversos eventos como seminários, oficinas e reuniões, sempre com embasamentos técnicos, legais e jurídicos de tudo o que diz respeito às questões políticas e sociais no país. Localizado na cidade do Crato, esse projeto objetiva promover a igualdade étnica/racial e a autoestima da população de cor negra na região caririense, além de propagar a consciência sobre a afro-descendência, valorizando a história e cultura da população negra no Cariri. Conta com o apoio de entidades governamentais e não governamentais, profissionais liberais, autoridades religiosas, empresários e de outras pessoas comprometidas com a sociedade. Participa ativamente das atividades do Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências, sendo um parceiro essencial na região do Cariri, visto que trabalha com a proposta do Programa. Está sempre presente nas edições do Curso IN, trazendo suas contribuições sobre a temática através de seus projetos e ações sociais realizadas no Cariri cearense. Uma das palestras mediadas pelo 103 GRUNEC teve como temática a “Violência de Gênero”, enfatizando a problemática da violência contra a mulher caririense (Figura 11). Figura 11 – Palestra: Violência de Gênero (Curso IN 2011). Fonte: Arquivo Pessoal Nota: Palestrantes: Prof. Dr. Iara Maria de Araújo. Segundo dados proferidos pelo CMDMC, no III Curso IN (2011) na palestra “Violência de Gênero”, foi demonstrado que, há mais de uma década, mesmo com a implementação da Lei Maria da Penha, o número de violência contra as mulheres no Cariri tem aumentado. Daí a importância da discussão dessa temática nesses fóruns que reúnem diversas pessoas de localidades diferentes, para que juntas possam discutir e propor ações que confrontem a incidência de violência contra as mulheres na região. A formanda do curso de Biblioteconomia da UFC Cariri, Marta Benjamin, demonstrou através de pesquisa realizada como bolsista de extensão do Programa Iniciativas Negras: trocando experiências dados dessa realidade que permeia a região do Cariri. Essa ação do Programa de Extensão revela seu compromisso em denunciar as desigualdades sociais existentes no Cariri cearense. Foi enfatizado pelas palestrantes que esse enfrentamento e resistência contra esta realidade tem-se tornado mais evidente na região através da articulação dos projetos/movimentos sociais e o apoio da Universidade Regional do Crato, a UFC Cariri, através do Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências e alguns órgãos governamentais. 104 A palestra realizada pelo GRUNEC intitulada “Mapeamento das Comunidades Quilombolas no Cariri Cearense”, foi exposto o mapeamento das comunidades quilombolas da referida região e demonstrado como estas comunidades vivem: a maior parte sem a menor infraestrutura necessária para uma sobrevivência digna. A falta de água é uma das causas que mais aflige estas comunidades, sem mencionar questões como desemprego, saúde, moradia, alta taxa de natalidade entre as adolescentes e não reconhecimento enquanto quilombolas. (Figuras 12-14). Figura 12 – Palestra: Mapeamento das Comunidades Quilombolas no Cariri Cearense (GRUNEC/Curso IN 2011) Fonte: Arquivo Pessoal. Nota: Palestrantes: Membros do GRUNEC. 105 Figura 13 – Palestra: Mapeamento das Comunidades Quilombolas no Cariri Cearense (GRUNEC/Curso IN 2011) Fonte: Arquivo Pessoal. Nota: Levantamento do GRUNEC das comunidades quilombolas das cidades que compõem a região do Cariri. 106 Figura 14 – Palestra: Mapeamento das Comunidades Quilombolas no Cariri Cearense (GRUNEC/Curso IN 2011) Fonte: Arquivo Pessoal. Nota: Levantamento do GRUNEC das comunidades quilombolas das cidades que compõem a região do Cariri. O mapeamento identificou as comunidades remanescentes de quilombos na região, e está sendo feito como um trabalho de resgate da memória desse povo, buscando meios de preservar a identidade cultural da região caririense. A necessidade de formação de parcerias para a conclusão deste projeto é um fator de entrave, tanto por parte do Estado e do município, como de outras instituições da região, que, muitas vezes, tornam-se alheias a essa problemática social. Essas comunidades precisam de políticas afirmativas, do apoio de instituições que possam ajudar a promover o seu desenvolvimento e a preservar sua cultura e identidade. Nessa perspectiva, a capacitação de cidadãos comprometidos com a sociedade é um dos objetivos do III Curso IN (2011), para alcançar o propósito da universidade, que é intervir na realidade tanto local como nacional, disponibilizando ferramentas para a aquisição, transferência e produção do 107 conhecimento, contribuindo na formação de cidadãos que irão interferir positivamente em sua realidade, produzindo benefícios à sociedade. Nessa proposta, Garcia (2011) discorre que o terceiro pilar da RSU é a formação da cidadania democrática de estudantes e cidadãos responsáveis. As atividades de extensão devem propiciar um aprendizado que perpasse os muros da universidade e cheguem à sociedade, produzindo ações para o desenvolvimento das comunidades assistidas. Corroborando, o INEP (2007) destaca que um dos critérios de avaliação da educação superior é verificar os impactos das atividades das IES na qualidade de vida da população em aspectos como educação, saúde, cidadania, criação de organizações econômicas e sociais visando a inclusão social dos setores marginalizados. Discutir e ampliar essas questões no âmbito universitário, dialogando diretamente com as comunidades é uma grande oportunidade de crescimento para as partes envolvidas, desmitificando assim o caráter excludente e elitista da universidade. Nesse tocante, o objetivo da extensão - aproximar a universidade e sociedade -, levando para o âmbito acadêmico a discussão dos problemas das classes menos favorecidas é alcançado nessa ação do programa. Bólan e Motta (2007), afirmam que uma instituição educacional socialmente responsável traz para a academia os problemas da sociedade a fim de fomentar formação de liderança para proporcionar discussões e intervenções que contribuam para que a própria sociedade supere seus problemas. Não se torna responsável pela sociedade, mas apoia seu caminhar a fim de conseguir a maturidade responsável. Promover espaços de discussão, capacitação e promoção dos indivíduos, tanto para o público interno da universidade - representado por seus alunos, professores, como para o público externo - os ativistas, líderes comunitários e cidadãos comprometidos com a sociedade, provoca uma ação transformadora na sociedade, gerando comprometimento em busca de ações que confrontem esses males prejudiciais à sociedade. As ações de extensão cooperam, segundo Bólan e Motta (2007) para reafirmar a extensão universitária como processo acadêmico definido e efetivado em função das exigências da realidade, indispensável na formação do alunado, 108 capacitação do docente e no diálogo com a sociedade, promovendo relações multi, inter e transdisciplinar. Promover a interação da comunidade com a universidade, com todas suas problemáticas e anseios é um dever da educação superior, a fim de prover meios para a emancipação, seja política ou econômica, dessas parcelas da população desprovidas dos benefícios desta sociedade excludente. A diversidade dos participantes da região do Cariri no III Curso IN (2011) também foi percebida a partir dos dados de faixa etária e nível de escolaridade (Gráficos 6 e 7). Gráfico 6 – Faixa etária dos participantes da região do Cariri Fonte: III Curso IN (2011). Nota: O gráfico 6 apresenta a faixa dos participantes de projetos/movimentos sociais dos municípios de Juazeiro do Norte e Crato. A heterogeneidade dos participantes (cidade de origem, dos movimentos/projetos sociais que participam, faixa etária e nível de escolaridade) permite que se crie uma troca de experiências enriquecedora no Curso, visto que possibilita integrar jovens e adultos dentro de uma perspectiva de fortalecimento a fim de propiciar meios para o melhoramento de suas comunidades. Esses dados demonstram que a percepção sobre as questões étnico-raciais ganham um envolvimento por parte dos segmentos jovem e adulto da população, 109 que estão em busca de uma sociedade mais igualitária, em que todos possam ter acesso e usufruir os mesmos direitos e benefícios gerados na sociedade. Gráfico 7 – Nível de escolaridade dos participantes da região do Cariri Fonte: III Curso IN (2011). Nota: O gráfico 7 apresenta a escolaridade dos participantes de projetos/movimentos sociais dos municípios de Juazeiro do Norte e Crato. A escolaridade dos jovens e adultos participantes do III Curso IN (2011) demonstra que o acesso da população ao Ensino Superior funciona como um agente transformador do ser humano, porque os alunos são levados à reflexão sobre a busca de seus objetivos (XAVIER, 2008), tornando-se agentes transformadores na sociedade. A formação acadêmica percebida nos pesquisados indica que ela fomenta um olhar mais crítico perante a realidade e que a formação educativa da universidade pode provocar o cumprimento da responsabilidade social de cada indivíduo. A partir dessa categoria, as questões foram abertas a fim de verificar as expectativas, os impactos, da participação no Curso dos participantes da região do Cariri. O segundo questionamento investigou as expectativas iniciais dos participantes do III Curso IN (2011), da região do Cariri. Nessa proposta, destacamos as respostas: 110 Respondente Resposta R29 Compreender algo novo, que possa levar para “minha” comunidade, e disciminar conhecimento também para seus membros, no sentido de promoção (sic) R30 Trocar experiências e adquirir novos conhecimentos R31 R32 Adquirir conhecimento e principalmente compartilhar ações desenvolvidas pelo meu grupo Fortalecimento político no que se refere à capacitação para implementação de políticas públicas voltadas para a população negra As atitudes positivas com relação aos participantes são bem diversas, desde a comunicação facilitada pelo III Curso IN (2011) para o desenvolvimento de parcerias, até a interação proporcionando a construção de rede de relacionamentos, resultando em benefícios para os participantes do Curso. Essas atitudes são bem visíveis, principalmente, nos momentos das trocas de experiências, nos quais a socialização de saberes, das habilidades, de informação diversas proporcionam um aprendizado enriquecedor para cada participante. O momento trocas de experiências é um fator primordial no Curso, destacaram os participantes. Esta ação do programa de extensão representa uma experiência ímpar na formação de cada indivíduo, pois propicia uma aproximação entre pesquisadores, acadêmicos e ativistas de movimentos sociais negros em âmbito nacional e internacional, estimulando troca de saberes. Essa formação contribui consubstancialmente para a atuação destes participantes no tocante às relações étnico-raciais, violência de gênero e movimentos sociais em suas comunidades. Corrobora com esta afirmativa o respondente R30, que afirmou que seu impacto frente às expectativas iniciais do Curso IN (2011) foi “trocar experiências e adquirir novos conhecimentos”. A busca por novos conhecimentos para ampliar a participação mais efetiva e eficaz na comunidade foi outro fator de expectativas quanto à participação no III Curso IN (2001) destacado pelos participantes. Nogueira (2005) afirma que a extensão universitária tanto é um instrumento de produção e transferência do conhecimento, como de desenvolvimento econômico, político, social e cultural. Propiciar esses momentos de trocas de saberes entre universidade (conhecimento científico) e comunidades (conhecimento popular) a fim de unir esses conhecimentos em prol de benefícios para as comunidades é salutar para a academia. 111 Já para Luckesi, Cosma e Baptista (2005), o conhecimento, como entendimento e compreensão da realidade faz o ser humano um ser diverso dos demais adaptando-se ou modificando as circunstâncias, tornando sua realidade mais agradável. Por conhecimento entende-se a compreensão do mundo, um mecanismo fundamental que torna a vida mais inclusa e satisfatória na sociedade. Nesse sentido, o homem dotado de conhecimento rompe com a ignorância e torna-se protagonista de suas ações, sendo agente de sua vida, em sua comunidade e na sociedade. Conhecer sua história, refletir a realidade que se encontra, buscar suas causas e consequências é fundamental para a transformação pessoal e coletiva. Percebe-se que essa ação do programa de extensão coopera para um aprendizado mútuo, no qual a interação entre a academia e a comunidade produz novos conhecimentos, gerando benefícios para todos os envolvidos no processo. A intervenção pessoal de cada indivíduo faz-se necessária para a transformação da sociedade, dentro de uma perspectiva mais emancipatória e igualitária, buscando valorizar a história, cultura e identidade dos grupos étnicos que compõem a sociedade brasileira. Enquanto a responsabilidade social implica ações para promover benefício mútuo, levando em consideração a cultura, a economia, a saúde, dentre outros, através da promoção do Curso Iniciativas Negras: trocando experiências, percebese a relevância desta ação para os participantes desse processo, conforme evidenciado nas respostas acima. Por serem os participantes integrantes de projetos/movimentos sociais, os benefícios proporcionados pelo Curso perpassam o individual e atinge o coletivo, dando subsídios para a formação de um grupo mais crítico politicamente, conhecedor de seus direitos e deveres. Conforme o respondente R29, suas expectativas iniciais ao participar foi “compreender algo novo, algo que possa levar para “minha” comunidade, e disciminar conhecimento também para seus membros, no sentido de promoção” (sic). Esse comprometimento multiplicador dos participantes em transmitir o que aprendeu para sua comunidade enfatiza a responsabilidade social dos participantes, que se reconhecem como protagonistas das dificuldades que a vida apresenta, suplantando-as, valorizando-se cada vez mais como cidadãos. Há que se pensar no 112 desenvolvimento pessoal, mas promover o da comunidade é ter consciência do quão responsável somos por cada indivíduo. Esta é a essência da responsabilidade social, que está em ver o outro como merecedor dos mesmos direitos e deveres, podendo participar dos bens da sociedade, tornando-se um agente nesse processo de construção da humanidade. O Programa de extensão iniciativas negras: trocando experiências trabalha essa dimensão de visão e compreensão do outro. Daí a importância do momento “trocas de experiências”, no qual cada participante torna-se visível para o outro, cooperando através de cada experiência compartilhada. Outra resposta que destacamos foi: “adquirir conhecimento e principalmente compartilhar as ações desenvolvidas pelo meu grupo” (R31). Através da participação no Curso, os bolsistas tanto adquirem como repassam conhecimentos importantes para os movimentos/projetos sociais dos quais participam. Esse conhecimento compartilhado é transferido para seus projetos ou movimentos sociais, gerando benefícios para o grupo e para as comunidades assistidas. Bolan e Motta (2007) citam que os benefícios das ações de extensão se traduzem em possibilitar novos meios e processos de produção, inovação e transferência de conhecimento, permitindo a ampliação do acesso ao saber e do desenvolvimento tecnológico e social do país. A participação no Curso corrobora para o aprimoramento profissional, pessoal e cultural de cada participante, proporcionando a promoção de seus projetos/movimentos sociais. Por sua abrangência nacional, o Curso promove uma visibilidade muito grande, tanto dos projetos/movimentos sociais, o que abre portas para formação de parcerias, consolidando ações que venham construir relações duradouras, favorecendo assim desenvolvimento individual, possibilitando crescimento pessoal aos participantes. A questão política como fortalecimento pessoal e coletivo foi enfatizada na resposta do R32: “fortalecimento político no que se refere à capacitação para implementação de políticas públicas voltadas para a população negra”. Bólan e Motta (2007) afirmam que as atividades de extensão estabelecem essa relação de reciprocidade com a sociedade através da responsabilidade social e de ações voltadas ao atendimento das necessidades, tanto individual quanto coletiva. Através desses momentos de interação com as comunidades, 113 desencadeia-se um processo de crescimento relevante para cada indivíduo, no tocante aos aspectos políticos, sociais, educacionais, dentre outros. Propiciar a ampliação de conhecimentos e o aprendizado dentro de uma metodologia dinâmica é objetivo do momento trocas de experiências realizado pelo III Curso IN (2011). O desenvolvimento crítico e da automotivação para a responsabilidade social gera uma participação solidária e eficiente de cada indivíduo na sociedade, proporcionando resultados satisfatórios, principalmente para as minorias, as quais são tão desprovidas de recursos para seu autofortalecimento e desenvolvimento. A oportunidade da participação no Curso promove oportunidades para o desenvolvimento de ações afirmativas necessárias aos projetos/movimentos sociais do Cariri, visto que há pouca interação das universidades locais, sejam públicas ou privadas, no sentido de contribuir de forma mais eficaz para a melhoria de vida das comunidades assistidas. A ínfima participação de projetos/movimentos sociais da região no evento dá-se pela ausência de engajamento da UFC Cariri e do Curso de Biblioteconomia no projeto. Essa ausência de parceria da universidade e do curso acarreta prejuízos para a visibilidade e a interação do Programa Iniciativas Negras na região. Visto ser um Programa de abrangência nacional, com repercussão internacional, o Programa precisa mais de apoio e cooperação local, para que as atividades propostas tenham a mesma abrangência local. O terceiro questionamento investigou as perspectivas de aplicação dos conhecimentos vivenciados no III Curso IN (2011) pelos participantes da região do Cariri. Para averiguar o questionamento, destacamos as seguintes respostas: Respondente R28 R32 R33 R35 Resposta Nas rodas de leitura, e na elevação da autoestima nos participantes afros (sic). Na “apropriação” das experiências compartilhadas com o intuito de adaptá-las à realidade de cada comunidade fortalecendo esta luta conjunta. No convívio e nas atitudes individuais, mas principalmente no trabalho na escola, levando aos alunos da melhor maneira possível as africanidades presentes em nossa História. Desenvolvendo um planejamento e efetivação de ações que propaguem e recuperem a cultura indígena e negra do Cariri”. 114 Pela apresentação do Quadro 3, demonstrou-se que os projetos/movimentos sociais participantes do III Curso IN (2011) tratam a temática racial e de gênero, revelando que a situação da população negra no país precisa ser mais discutida em todos os segmentos da sociedade no intuito de buscar formas para não se resolvela, mas para minimizar seus efeitos sobre os menos favorecidos. Nesse tocante, a educação tem um papel primordial no processo de enfrentamento e libertação do povo negro deste estado de subserviência em que se encontra, propiciando mecanismos que enfrentem o racismo, o preconceito racial e social que estão tão enraizados. O debate público promovido pela academia acerca de questões que afetam diretamente o desenvolvimento da população tem tornado a universidade um ator que se situa no front da luta pelo conhecimento da realidade (KLIKSBERG, 2006). Nessa perspectiva, capacitar pessoas para intervirem em sua realidade em busca de benefícios para toda uma comunidade é um grande passo que a academia dá para contribuir socialmente com essa parcela menos favorecida da sociedade. Vem ao encontro Aquino e Garcia (2011) ao afirmarem que a situação da população negra é uma questão que deve ser tratada pelas universidades públicas, sobretudo com relação à procura de soluções para os principais problemas que historicamente atingem essa população, como o racismo, a pobreza, o preconceito, dentre outras. Entende-se que a função da universidade vai além da emissão de diplomas. Pensar no interesse coletivo e social é essencial para seu reconhecimento na sociedade como instituição que coopera para o desenvolvimento de todos os participantes da sociedade. A participação no desenvolvimento individual, coletivo, de cidadania ativa, para promover a comunidade tanto local como nacional é vital para que a universidade consiga desenvolver plenamente sua responsabilidade social. O contributo ressaltado pelos participantes em suas comunidades constitui a essência proposta pelo III Curso IN (2011) para a sociedade: capacitar pessoas para intervirem na realidade local para desenvolver soluções proativas para o enfrentamento de questões que causam mazelas à população. Embora essa resposta seja uma constante nos questionários, também houve destaques para o enfrentamento de dificuldades ou de barreiras pela preponderância de termos técnicos utilizados pelos participantes quando dos relatos ou das falas teóricas. Isso ocorre em virtude de quase 50% da população que frequentou o III Curso IN 2011 115 ser constituída por adultos jovens, que embora de nível superior, mas que ainda não têm vivência com a terminologia mais aprofundada sobre os movimentos sociais. Outro aspecto de insatisfação enfatizado foi a duração do Curso (de 14 dias) com programação estendida começando as 8:00h e encerrando as 21:00h, em todos os dias da semana. A exigência de presença em todas as atividades que ocorriam ora na cidade do Juazeiro, ora na cidade do Crato. Pessoa (2008) enfatiza que o compromisso de responsabilidade social da empresa está associado ao reconhecimento de que as decisões e os resultados das atividades da empresa alcancem um universo de agentes sociais muito mais amplo do que o composto por seus atores internos, enfatizando o impacto das atividades das empresas para os agentes com os quais interagem (stakehoIders). A articulação entre educação e justiça social, considerando a inclusão, diversidade e a igualdade deveria ser uma realidade em todo o sistema educacional. Trabalhar para que esses fatores sejam uma constante nas IES é trabalhar por uma sociedade democrática, em busca de uma participação de um número maior de pessoas, de forma equânime, na garantia de seus direitos sociais, políticos, econômicos, educacionais etc, posicionando-se na luta pela superação do trato desigual dada à adversidade ao longo da história do país. Essas ações de capacitação e formação de ativistas com vistas ao enfrentamento das questões raciais são fundamentais para o fortalecimento destas organizações que buscam apoio nas instituições competentes. Nesse intuito, desenvolver sentimentos de solidariedade e coesão, com compromisso com a comunidade é contribuir para o desenvolvimento tanto econômico, como social e cultural da população brasileira, principalmente, com as minorias. Na percepção do respondente R28, os conhecimentos adquiridos no III Curso IN (2011) poderão ser aplicados: “nas rodas de leitura e na elevação da autoestima dos participantes afros” (sic). Trabalhar a autoestima da comunidade, muitas vezes violentada pelo racismo predominante na sociedade, na qual o estereótipo do belo apregoada pela sociedade é diferente da cultura negra, fragilizando a cultura por completo, é necessária e fundamental em uma sociedade marcada por padrões de beleza que, muitas vezes, exclui parcela da população que faz parte da construção do povo brasileiro. O III Curso IN (2011) enfatiza estas questões nas oficinas e minicursos realizados, direcionando o olhar sobre questões raciais que ainda não são 116 trabalhadas no processo educacional, como a questão da beleza, da religiosidade, da identidade negra. Trabalhar uma sociedade diferenciada, com homens e mulheres afro-descendentes, incluindo toda sua cultura é um princípio que deve permear todo o processo da educação. As oficinas que trataram essa temática foram: a) Proteção mágica na Flor do deserto – o cinema como instrumento de combate às desigualdades; b) A literatura Infantil numa perspectiva afro-brasileira; c) Informação étnico-racial. O minicurso sobre africanidades e afrodescendência: escritas de uma história, ministrado pelo Professor Henrique Cunha Júnior, trouxe discussões relevantes para a construção da identidade negra no Brasil. A oportunidade de trabalhar essas questões dentro da perspectiva étnico-racial e de gênero contribui para o fortalecimento da identidade negra no Cariri, promovendo nos participantes a inquietação de repassar esse conhecimento às suas comunidades. Aquino (2011) afirma que a ausência da ética na transmissão da informação sobre a história, a identidade e a cultura, tanto africana como afro-descendente, tende a despertar ressentimentos e revolta por parte daqueles que se sentem discriminados pelos brancos, em virtude de perceberem sua cultura sendo estigmatizada e inferiorizada. Essa revolta e ressentimentos afetam diretamente essa população, que se sente cada vez mais excluída desse processo da sociedade. As discussões das questões étnico-raciais devem perpassar a dinâmica das relações do cotidiano e se envolver em todos os setores e segmentos da sociedade, para que possibilitem a inserção social e o desenvolvimento igualitário das pessoas, independente da cor da pele e da opção de gênero. Analisando a resposta do R32: “na apropriação das experiências compartilhadas com o intuito de adaptá-las a realidade de cada comunidade fortalecendo essa luta conjunta”, pode-se inferir que a integração de um grupo diverso amplia e aprofunda o conhecimento sobre as causas da diversidade racial, de gênero, proporcionando discussões e reflexões acerca da integração de todos os segmentos na sociedade em prol desta luta. Essa rede de relacionamento propiciado pelo III Curso IN (2011) favorece uma integração entre os atores envolvidos na temática do racismo, da violência de gênero e movimentos sociais, fomentando mais discussões tanto no âmbito 117 universitário como na sociedade. Essa integração entre os envolvidos cria uma sinergia entre eles resultando em um impacto social nas comunidades assistidas. O respondente R33 enfatizou que um dos modos de compartilhar os conhecimentos adquiridos no III Curso IN (2011) foi “no convívio e nas atitudes individuais, mas principalmente no trabalho na escola, levando aos alunos da melhor maneira possível as africanidades presentes em nossa História”. Nesta resposta, percebeu-se o interesse do participante em compartilhar em seu trabalho e comunidade, o conhecimento obtido no III Curso IN (2011), desenvolvendo ações que irão tanto sua vida pessoal como suas comunidades. Este participante buscou ferramentas para intervir em sua comunidade através de sua atuação profissional. Desenvolver a responsabilidade social através do autoentendimento, as implicações das decisões sobre os outros e como transformar o ambiente em torno de sua vida são questões que devem perpassar todo o fazer histórico de cada indivíduo. Para tanto, perceber e ser responsável pelo “outro”, cooperando para o bem-estar social de toda uma coletividade faz parte da responsabilidade social. O diálogo entre as instituições presentes nas comunidades fortalece-as, dando subsídios para seu desenvolvimento. Essas parcerias da Universidade com as escolas, associações, projetos, movimentos sociais são essenciais para dar suporte, em nível de capacitação e formação de pessoas, para que os indivíduos atuem em suas comunidades, fortalecendo tanto a responsabilidade social individual como o processo de cidadania. Vallaeys (2006) chama atenção para o desenho do novo contrato entre a universidade e a sociedade e a existência de grandes eixos que poderiam dar maior consistência e sustentação à universidade, destacando a promoção e formação da cidadania democrática, por meio da formação de estudantes e cidadãos responsáveis. Proporcionar ferramentas, seja através de conexões formais ou informais, gera um sistema bem-desenvolvido nas comunidades. Os benefícios desses arranjos são múltiplos, envolvendo desde as instituições facilitadoras desse processo até chegar à comunidade, facilitando a inserção social. Portanto, trabalhar a RSU é criar laços permanentes com as comunidades, promovendo o bem-estar social. 118 Calderón (2007) enfatiza que discutir responsabilidade social universitária significa fazer referências a princípios e valores direcionados ao desenvolvimento humano, condensados em seus projetos pedagógicos e nas diretrizes institucionais que devem sustentar, iluminar e nortear as organizações do conhecimento, seus produtos e serviços oferecidos. Para que as IES alcancem seus objetivos, é necessário o debate e o resgate da dimensão pública da educação superior. Compreender a universidade como parte da sociedade é lutar por sua legitimidade. Estudar e compreender as demandas da sociedade, buscando estratégias de introduzir as questões sociais no âmbito da educação superior é um investimento que trará muitos benefícios para as universidades. O respondente R-35 enfatizou que uma das formas de aplicar os conhecimentos adquiridos no decorrer do III Curso IN (2011) era “desenvolvendo um planejamento e efetivação de ações que propaguem e recuperem a cultura indígena e negra do Cariri”. O Curso permite aos participantes conhecer outras realidades, favorecendo o amadurecimento de todos, consolidando perspectivas mais críticas como promoção da identidade dos segmentos menos favorecidos na sociedade, seja negro, índio, homossexual, cigano etc. Para Garcia (2011), a responsabilidade pela inclusão não é somente das IESs, nem a discriminação se resolve via legislação, mas pode ser iniciada nas discussões e propostas de grupos de estudos, que juntamente com outros segmentos da sociedade, podem trazer inúmeras contribuições para as questões sociais que necessitam de soluções. O Curso Iniciativas Negras trabalha a questão tanto na perspectiva do coletivo, como pessoal e social dos participantes, gerando um envolvimento que afeta as partes correlacionadas. A afirmação da cultura negra e a disponibilidade de diferentes espaços onde essa afirmação pode ser expressa fortalecem a identidade negra, promovendo não somente a visibilidade desta, necessária para todos os grupos, mas também fomentando discussões para o enfrentamento da realidade em que se encontra. A invisibilidade causa a anulação, gera o anonimato, portanto, promover a cultura negra é uma das formas para seu reconhecimento na nação. A importância de espaços para discussão destas temáticas étnico-raciais é primordial nesse processo de promoção da cultura negra no país. Nessa perspectiva, os movimentos negros são respostas da sociedade na busca por 119 soluções para problemas como o preconceito, a discriminação social e outros efeitos negativos oriundos do racismo. Cabe às universidades promover espaços para discussão dessas temáticas, a fim de propiciar ferramentas para o enfrentamento desta realidade. Portanto, a extensão tem um papel essencial, que servirá de elo entre a universidade e as comunidades, proporcionando interação entre elas. Para Wagenberg (2006), a extensão é a ponte que une esse dois mundos: a universidade, com seus conhecimentos científicos e tecnológicos e a realidade de nosso país, com sua pobreza, antagonismos e a globalização. O quarto questionamento investigou os pesquisados sobre os destaques do III Curso IN (2011). São as seguintes respostas: Respondente Resposta R32 O diálogo entre as várias instituições e com isso o fortalecimento das mesmas. R33 O conhecimento da cultura negra e a responsabilidade social contra o racismo. R34 A troca de experiências, novas amizades e o aprendizado proporcionado pelo Curso. As respostas acima revelaram que o III Curso IN (2011) é um somatório de contribuições para a construção da identidade racial e de gênero. Discutir propostas de igualdade racial é caminhar em direção a uma cultura mais inclusiva e igualitária. Analisando as respostas anteriores, verifica-se que a integração de vários projetos/movimentos sociais é essencial para a formação de parcerias e empoderamento desses grupos. O papel que a universidade deve assumir como impulsionadora de uma nova postura frente a essas problemáticas sociais que estão arraigadas na sociedade é muito relevante para o fortalecimento desses grupos que confrontam essa realidade. No sentido de comprometimento social, as universidades devem propor ações voltadas para os direitos historicamente negados aos segmentos menos favorecidos pela sociedade, portanto, um processo educativo integrador é uma importante política no combate às desigualdades sociais. Lima (2009) enfatiza que a incorporação efetiva nos espaços acadêmicos deste debate seria, então, o elo articulador que, além de aproximar a formação universitária, possibilitaria a efetiva 120 concretização das instituições de ensino como protagonistas no combate a desigualdade social. Contrapondo-se aos modelos tradicionais de educação, o III Curso IN (2011) promove este espaço de interação, onde cada participante relata suas experiências e discute as problemáticas no grupo, em busca de alternativas para o enfrentamento desta realidade. No Curso, os participantes foram provocados a analisar suas comunidades, identificar suas potencialidades e dificuldades em busca de ações proativas para o seu melhoramento. Na perspectiva de formar líderes comprometidos com sua comunidade, vislumbra-se uma ressignificação de saberes da cultura negra, que se constitui na essência de um povo que resiste historicamente às adversidades por meio de muita luta, resistência e perseverança. Contribuir para o entendimento da questão étnica, como passo fundamental para o processo de transformação da sociedade brasileira, é uma das contribuições que o Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiência propicia no decorrer do Curso. A desigualdade baseada na cor do indivíduo gera indicadores desfavoráveis à população negra em todos os aspectos: econômicos, sociais, educacionais etc. Portanto, urge por soluções para modificar este quadro caótico que se encontra a população negra no país. A extensão, por proporcionar o estreitamento da universidade com a comunidade, produz benefícios para ambas. Thiollent (2002) ressalta que a extensão é uma construção e (re)construção do conhecimento, envolvendo diversos atores: desde os discentes à comunidade externa, gerando uma dialogicidade para identificar os problemas locais, capacitando e propondo soluções para os problemas detectados. Nesse sentido, a ação promovida pelo Programa de Extensão Iniciativas Negras busca resgatar esses valores do fazer universitário, estabelecendo interlocução com as comunidades locais e nacionais, a fim de capacitar e propor soluções para as mazelas, principalmente de natureza racial, que assolam a população afro-descendente no Brasil. O quinto questionamento instigou os pesquisados por sugestões aos desenvolvedores do III Curso IN (2011). Para analisar os objetivos propostos na pesquisa, destacamos as respostas: 121 Respondente R28 R29 Resposta Convidar alguns projetos da região para haver a troca de experiências, e despertar estas instituições para pensar na questão do negro na região do Cariri. Garantir a presença de representantes das religiões de matriz africana daqui da nossa região, assim também das diversas comunidades remanescentes de quilombos que povoam tanto as áreas rurais quanto as urbanas desta cidade. R33 Maior envolvimento da comunidade local. R34 Presença de mais projetos sociais da região no evento, para haver a troca de experiências, e despertar estas instituições para pensar na questão do negro na região do Cariri (sic). A resposta do R34 revela a preocupação do participante com o não envolvimento de outros grupos locais nas discussões suscitadas pelo Curso, perdendo a oportunidade para discutir suas problemáticas a fim de obter maiores contributos. Esse distanciamento da comunidade local dos eventos realizados pela universidade leva-nos a refletir o que tem proporcionado esse distanciamento da comunidade com a universidade: a falta de um diálogo mais eficaz entre elas. O pequeno número de participantes da região revela que não houve uma divulgação local tão efetiva do evento e isso se deu por fatores diversos, como a falta de apoio financeiro da própria universidade e do curso de Biblioteconomia. O Programa tem apenas um bolsista e a organização do evento demandava bastante tempo, precisando de mais apoio pessoal e financeiro para conseguir mais êxito local, mas não houve esse apoio efetivo por parte da UFC Cariri e do próprio curso de Biblioteconomia. A Universidade, de uma forma geral, ficou alheia à realização do evento, pouco cooperando para sua realização. Um número pequeno de professores cooperou para a realização do evento. Outra realidade detectada foi o número ínfimo de alunos do curso de Biblioteconomia que participaram regularmente, revelando que as ações de extensão não têm ênfase na universidade. Essas questões devem ser discutidas no âmbito das universidades a fim de buscar solução para saná-las. Ao se pensar uma universidade socialmente responsável, deve ser levada em consideração a integração de suas ações: a gestão, o ensino, a pesquisa e a extensão para juntas caminharem uníssonas com 122 as comunidades, interagindo de forma mais efetiva na localidade onde está inserida, fazendo-se conhecida. Durante muitos anos, a universidade tem-se fechado em seus próprios muros, dando ênfase ao treinamento de diversas vocações e emissões de diplomas e provocado esses distanciamento da sociedade. É necessária a universidade repensar seu compromisso social com as comunidades ao seu entorno, provocando discussões acerca dos problemas locais e cooperando para que cada comunidade consiga sua autonomia. A educação, como mecanismo promovedor de benefícios ímpares, tanto ao indivíduo quanto a sociedade, é indispensável nesse processo de conscientização e formação da cidadania. A formação crítica do cidadão é fator indispensável para sua participação na sociedade, daí a necessidade de os meios educacionais interagirem com a comunidade, proporcionando meios para seu desenvolvimento. A resposta do R29 enfatizou a necessidade de discutir mais a questão da cultura local. A cultura, a identidade de cada povo deve ser preservada na sociedade, afinal, a cultura representa a história de um povo, suas crenças, religiões etc. A identidade de um povo é construída a partir de sua história. Para se reconhecer negro, sua história local não pode e não deve ser esquecida. A região do Cariri é composta por várias comunidades quilombolas, e muitas dessas comunidades estão perdendo sua história, pois devido às consequências do preconceito e racismo, muitas pessoas estão negando sua identidade, e sua cultura se perde no imaginário dos mais velhos, implicando em sérias consequências para sua preservação histórica e o processo de resgate e construção identitário. Discutir e trabalhar essas questões implica em manter viva na sociedade a história de cada povo, independente da cor e da classe social. Por ser o Brasil um país onde predomina a religião judaico-cristão, as religiões de matrizes africanas sofrem bastante preconceito na sociedade, e isso tem causado uma diminuição desses representantes na sociedade, fazendo com que esta parte da cultura fique no invisível na sociedade. A Constituição brasileira rege que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da Lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias. Apesar de a Carta Magna priorizar todas as religiões, a história do Brasil evidencia outra realidade, 123 sendo as religiões de matizes africanas e indígenas inferiorizadas e estigmatizadas pelos portugueses. Respeitar a diversidade de religiões e transmiti-las como cultura de uma determinada raça é importante para preservar a identidade de um povo, portanto, discutir a questão cultural é essencial para preservar a história da Humanidade de forma holística, não apenas de um determinado segmento, mas de todos os segmentos que compõem o povo brasileiro, visto que somos um povo descendente da união de portugueses, africanos, indígenas e outros. O respondente R33 enfatizou que a participação da comunidade em discussões acerca da realidade local e global é essencial para o desenvolvimento holístico de cada indivíduo, de cada povo. A informação é a mola mestra que rege a sociedade capitalista e um indivíduo desinformado está fadado a viver às margens da sociedade. O III Curso IN (2011) promove uma difusão de informações relevantes para a comunidade local e nacional, sendo importante para a comunidade. Mas para acontecer esse envolvimento, é necessário que a educação exerça um papel determinante nesse aspecto, pois ela abre as portas para a crítica, para a reflexão. A importância de um relacionamento maior entre a Educação e as instituições locais que trabalham e cooperam com o desenvolvimento da cidadania é essencial nesse processo emancipatório da população. A necessidade de uma educação inclusiva, que perpassa a sala de aula e chega às comunidades, transformando informação em conhecimento relevante para a vida, é vital nesse processo de emancipação e construção da cidadania. A responsabilidade social universitária é destacada na socialização do conhecimento, atitude que possibilita o empoderamento dos indivíduos e que corrobora para a sociedade usufruir dos bens por ela produzidos. Por último, o sexto questionamento indagou quais os principais fatores que contribuíram para a participação deste projeto, em termos de autoestima, comunidade e relações entre os membros da comunidade. Nessa perspectiva, obtivemos as respostas: Respondente R28 Resposta Conhecer e reconhecer a cultura e a raça negra. 124 R29 Irei levar pra minha comunidade que não vale desistir e que temos que unir força e conseguir nossos desejos coletivos. R32 Projetos sociais desenvolvidos com e para a população negra; principalmente no intuito de valorização e resgate cultural e estético; formação política; a comunidade se vê representada e se apropria das experiências vistas para melhoria da sua coletividade. Entender-se enquanto negro(a), contribuindo com suas vivências, instiga os participantes na busca pela compreensão do que é ser sujeito político e agente de transformação proporcionando a busca por mecanismos e ações que venham interferir proativamente em sua realidade. A oportunidade de formar e treinar liderança, dentro de um intercâmbio de trocas de ideias, é fundamental para o fortalecimento tanto pessoal como dos movimentos negros no Brasil, fortalecendo assim a cultura negra. Promover a população afro-descendente, afirmando e fortalecendo sua identidade com ações que privilegiam a valorização das manifestações culturais, (des)construindo espaços de discussão e divulgação dessa cultura, despertando a valorização e importância da identidade racial, conseguindo assim o reconhecimento social da identidade negra no país é objetivo do III Curso IN (2011). Para Tedesco (1995), a essência da cidadania moderna é, precisamente, a pluralidade de âmbitos de desempenho e a construção da identidade baseada nesta pluralidade e não apenas em um eixo dominante e excludente. As ações do Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências procura elevar a autoestima dos participantes, em sua maioria, negros e negras, a partir da construção e do entendimento de sua própria identidade, estimulando sua cultura, crenças, discutindo as relações político-sociais através da raça, o que ela representa na sociedade brasileira, agregando novas forças de lutas em defesa da cultura negra no combate à intolerância racial. Esse grupo de adultos jovens, conforme demonstrado na pesquisa (Gráfico 3), faz parte de uma nova geração de afro-descendentes que procura fazer uma densa reflexão sobre as relações raciais no Brasil, destacando o racismo como forma de exclusão social e discutindo formas para enfrentá-lo. O comprometimento desses participantes revela uma atitude de cidadania frente às adversidades 125 impostas pela sociedade. Atuar na promoção dos direitos humanos da população negra é essencial para garantia dos direitos dessa população. Formar teoricamente essa população é lutar pelo empoderamento de homens e mulheres negras a partir do respeito da diversidade e da valorização de seus saberes e fazeres cotidianos de cada cultura. Nesta sociedade, em que os desafios impostos pela globalização tornaram a comunicação entre os sujeitos mais ágeis, ao mesmo tempo em que oferecem condições de possibilidades de construção imagens negativas, as quais constrangem e humilham grupos socialmente vulneráveis (AQUINO, 2011), desconstruir esse estigma com a relação à população negra é um compromisso que o país deve adotar. A participação no III Curso IN (2011) potencializa significativamente o processo de articulação para o desenvolvimento e fortalecimento do Movimento Negro no país, enfatizando que o racismo continua arraigado em solo brasileiro, trazendo consequências negativas a essa parcela da população que tanto contribui para o desenvolvimento do país, mas que não usufrui destes benefícios. Visando ao combate às opressões étnico-raciais e geracionais, tendo um posicionamento político extremamente comprometido com os direitos humanos, principalmente da população negra, o III Curso IN (2001) promove aos participantes uma potencialização no processo de articulação para a implementação dos projetos/movimentos negros tanto local, como nacionalmente. A articulação universidade e comunidade oportuniza rever teorias e tematizar as necessidades e anseios das populações menos favorecidas, discutindo suas problemáticas. O compromisso ético das instituições de ensino com esses segmentos da sociedade favorece um processo educacional emancipatório e decisivo, necessário e urgente, nesta sociedade marcada pelas injustiças sociais com relação aos menos favorecidos: negros, índios, ciganos etc. 126 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS No atual panorama social, discutir sobre responsabilidade social universitária obriga-nos a refletir sobre o ethos da Universidade. Repensar o papel desta instituição frente aos desafios da pós-modernidade implica verificar os benefícios advindos das ações de ensino, pesquisa e extensão para uma formação humanística do indivíduo e para o enfrentamento dos males da sociedade. A fragmentação destas ações enfraquece a universidade, visto que os pilares da universidade devem estar inter-relacionados para que a instituição possa alcançar o reconhecimento público de co-participe no desenvolvimento da nação e de sua população. Na transição de uma sociedade baseada na indústria para uma sociedade do conhecimento, compreender a dimensão da responsabilidade das instituições torna-se essencial, visto que as problemáticas sociais tornaram-se mais visíveis nesse contexto em que as barreiras geográficas se diluíram, mas os problemas continuam arraigados, são a cada dia mais visíveis, necessitando reflexão e busca por soluções. Dada a enorme complexidade de problemas que se têm que enfrentar, destacando-se entre eles: disparidade entre ricos e pobres, fome, falta de habitação, racismo, variedade de situações de violência, intempéries da natureza, aprender a enfrentar essas problemáticas tornou-se necessidade em todo o mundo. A superação de desafios perpassa o sistema educacional, visto que este coopera para o desenvolvimento social, político, cultural, econômico da sociedade. Nesta perspectiva, a informação torna-se ferramenta indispensável para as transformações, para escolher, indicar e promover as mudanças necessárias na sociedade. A sociedade do conhecimento tem modificado as bases de possibilidades de mobilidade entre as diferentes categorias sociais. Uma das chaves deste processo de mobilização é a informação. Esta chave é a ferramenta essencial de acesso ao mundo pós-moderno. Propiciar meios de acesso à informação é vital nesse processo de inserção social. A principal interrogação para a sociedade contemporânea se refere, principalmente, na possibilidade de construir uma ordem social baseada na igualdade dos direitos humanos, em que todos, indistintamente da raça, tenham acesso aos bens produzidos por ela. 127 Nesse contexto, a Educação exerce um protagonismo, visto ser um mecanismo que pode produzir transformações de ordem econômica, cultural, social política, visando o bem comum de toda a sociedade. Todas as instituições de ensino, desde a educação infantil até a educação superior, devem exercer um papel social que venha cooperar para minimizar enfrentamento das desigualdades sociais do país. As grandes nações mundiais são cada vez mais dependentes da informação, do conhecimento e da tecnologia. A educação desempenha papel relevante nesse ciclo, proporcionando meios para uma formação que contemple a formação técnica, mas principalmente a humanística. Um dos principais desafios que os sistemas de ensino enfrentam é a garantia de uma formação que contemple o indivíduo como um todo, respeitando cada identidade étnica e proporcionando meios de integração nessa sociedade excludente. O conjunto de mudanças econômicas e sociais provocadas pela globalização gera uma disparidade entre as camadas da população que possuem riquezas e as que não possuem, resultando em uma exclusão social que massacra os menos favorecidos. Nessa sociedade globalizada, existem circunstâncias que dificultam o acesso e integração, destacando-se entre elas a pobreza e o racismo, os quais são os meios mais eficazes para entravar o acesso e aproveitamento dos bens gerados pela sociedade. Tanto a pobreza como o racismo, enraizados, causam inúmeros prejuízos à população. Entender esse processo e buscar soluções para minimizá-lo é dever que a sociedade tem para com esta parcela da população. Sendo o Estado um dos responsáveis pela minimização desta problemática, é necessário traçar metas que venham retirar os indivíduos desta condição de alienação e exclusão social, conduzindo-os a um processo de libertação plena, desde a econômica, social, política, cultural e outras. Cabe, portanto, às IES, como representantes sociais, cooperar para uma melhoria social. As universidades, principalmente as públicas, tornam-se indispensáveis nesse processo de emancipação dessas camadas menos favorecidas na sociedade, dado seu caráter transformador de produtora e disseminadora do conhecimento. O compromisso de melhorar a qualidade de vida da sociedade deve perpassar todo o fazer universitário, na perspectiva de expansão, considerando sempre a inclusão e a formação cidadã. 128 Isto porque, dentre os desafios postos à educação superior, a inclusão social e o racismo tornam-se prioritários, dado suas consequências na sociedade. Discutir essas temáticas na perspectiva de construção de ações para seu enfrentamento, dialogar com a sociedade para compreensão desta realidade, utilizando múltiplas metodologias, é dever que a universidade tem para com quem a financia. A extensão universitária é função primordial da realização das atividades-fim da universidade à medida que é a sociedade – público-alvo da extensão – a destinatária de suas ações. Portanto, conhecer as comunidades e suas demandas é vital para que a extensão alcance seu objetivo. Estudar a extensão universitária sob a ótica da responsabilidade social universitária importa para discutir o papel que a Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri promove tanto em âmbito local como nacional. Tanto é que, nesta pesquisa, buscou-se analisar a responsabilidade social universitária em um programa de extensão da UFC Cariri - o Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências, suas ações e seus impactos na sociedade. Nessa perspectiva, analisou-se o III Curso IN (2011) realizado na região do Cariri. Os impactos provocados pelas ações de extensão do curso foram categorizados como organizacionais, educativos, cognitivos e sociais. Os impactos organizacionais cooperam com o desenvolvimento, com a visibilidade da instituição, trazendo discussões das comunidades para a universidade considerada templo do saber – no mais das vezes elitista e excludente. A extensão faz essa ponte e potencializa que a universidade vá ao encontro das comunidades, produzindo uma dialogicidade que contribui para fomentar discussões, a fim de gerar efeitos positivos na sociedade. O III Curso IN (2011) propiciou visibilidade da UFC Cariri no cenário internacional, nacional e local. Os dados demonstraram que dezoito estados brasileiros e mais o Distrito Federal participaram dessa ação, realizada no Nordeste brasileiro, considerada uma das regiões mais pobres do Brasil. Ressalta-se que o Curso contou com a participação de dois palestrantes estrangeiros: um do Uruguai e outro da Colômbia, demonstrando assim a visibilidade desta ação no exterior. Em contrapartida aos resultados propiciados pelo evento, enfatiza-se a ínfima contribuição da IES no evento. Percebeu-se que foi pouco relevante a participação da Universidade, levando-nos a admitir que a universidade ainda não se 129 apercebeu de suas responsabilidades frente a uma ação que coopera para o desenvolvimento da cidadania. Ou inferimos que a universidade isola-se em seus muros e poucos conseguem ultrapassar essa barreira e chegar até as comunidades, subtendendo-se que é melhor continuar ilhada do que sair e confrontar-se com a realidade e, juntas formarem parcerias para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária, e inclusiva. Em outra perspectiva, visualizamos a pouca contribuição e participação do Curso de Biblioteconomia no evento. Interessante ressaltar é que o Programa de Extensão é do referido Curso, mas poucos professores aderiram à proposta. Dentro dessa observação, enquadro-me visto que, no início desta pesquisa, não tinha a dimensão da extensão e abrangência do Programa e suas contribuições para a sociedade. Por meio deste trabalho de pesquisa/extensão, pude olhar acerca do referido Programa e de suas ações compreendendo a sua dimensão e seu compromisso social, levando-me a tomar consciência acerca da responsabilidade social universitária através do eixo extensão, bem como comprometer-me como professora dessa IES. Diante do exposto, indaga-se: que compromisso a Universidade, em sua totalidade, está tendo com a própria sociedade que a financia e sustenta? Se não há um compromisso de todos os docentes com os projetos do próprio curso, aonde fica a responsabilidade para com a sociedade? Essas indagações devem ser discutidas nos colegiados dos cursos superiores, para que se reflita como as universidades têm-se comportado frente às demandas sociais internas e externas. Esses questionamentos não devem esgotarse aqui, e devem servir como norte para (re)pensar a RSU no âmbito da UFC Cariri. Os resultados proporcionados pelo Programa justificam e legitimam a necessidade de uma prática mais atuante da Extensão Universitária. Seus impactos na sociedade fortalecem a extensão como parte indissociável do ensino e da pesquisa, demonstrando sua importância como uma das funções básicas da Universidade. Com relação aos impactos educativos, percebeu-se que tanto a comunidade interna – alunos, professores -, como a externa – ativistas, pessoas diversas das comunidades -, têm um lucro nessa ação. Alunos comprometidos com a extensão universitária têm a possibilidade de ter um perfil diferenciado, pois têm a 130 oportunidade de entrar em contato com a realidade local - conhecer suas histórias, problemáticas etc., resultando em uma formação mais humanística. No tocante à comunidade externa, há uma boa aprendizagem, pois a população, em sua maioria desprovida de acesso à informação, passa a ter conhecimentos que anteriormente não teria acesso, principalmente acesso ao conhecimento científico. Essa construção coletiva de aprendizado forma uma rede coesa que permite integração e participação na sociedade, possibilitando que esses indivíduos possam ser protagonistas de sua realidade. Quanto aos impactos cognitivos, percebeu-se que, para romper com a desigualdade racial e social, é fundamental que a Educação proponha espaços onde se produz e reproduz o conhecimento. Nesse sentido, as ações do Programa intervêm nessa realidade ao proporcionar espaços de (des)construção da realidade a fim de compreendê-la em busca de transformá-la. A autopromoção produzida pelo III Curso IN (2011) destaca os impactos sociais provocados pelo programa. Como resultados preliminares desta ação de extensão, pode-se verificar maior comprometimento dos bolsistas e participantes com relação à identidade negra; uma perspectiva cidadã comprometida com a sociedade local e nacional; melhoria na auto-estima dos participantes; criação e fortalecimento de uma rede para fomentar discussões acerca do racismo, da violência de gênero e de movimentos sociais. O processo de transformação pessoal e coletivo dos envolvidos na perspectiva de construção de uma sociedade mais justa e igualitária é primordial para a transformação da sociedade. A participação no evento gera inquietações nos indivíduos que, através de ações concretas através dos projetos/movimentos sociais dos quais participam, promovem mudanças nas comunidades onde estão inseridos, por exemplo: o autorreconhecimento e o orgulho de ser negro; minha mudança pessoal em relação à compreensão da responsabilidade social universitária através da ação de extensão, dentre outros. Estes impactos provocados por essa ação denotaram a responsabilidade social universitária do Programa de Extensão Iniciativas Negras: trocando experiências. 131 Cabe à universidade promover ações que perpassem seus muros e cheguem às comunidades, provocando transformações. Almejamos que os resultados aqui apresentados fomentem discussões no âmbito local e nacional acerca da RSU, com a finalidade de promover transformações nessas instituições relevantes para sociedade pós-moderna. 132 REFERÊNCIAS ALBAGLI, Sarita.Conhecimento, inclusão social e desenvolvimento local. 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Agradeço desde já a sua participação neste estudo, ressaltando que todas as respostas serão tratadas na mais estrita confidência e que estará garantido o seu anonimato. [email protected] Qualquer dúvida, por favor, contate-me: 144 III CURSO DE EXTENSÃO INICIATIVAS NEGRAS: TROCANDO EXPERIÊNCIAS INSTRUMENTO DE AVALIAÇÃO 1) Identificação do participante Local de origem: Qual movimento/projeto social participa? Faixa etária: ( ) menos que 20 ( ) 20-30 ( ) 31-40 ( ) 41-50 ( ) 51 ou mais. Grau de escolaridade: ( ) Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio ( ) Graduação ( ) Mestrado ( ) Doutorado ( ) outros_______________ 2) Quais suas expectativas ao iniciar este curso? 3) De que modo você acredita que os conhecimentos compartilhados neste Curso poderão ser aplicados na realidade que você atua? 4) No Curso Iniciativas Negras, o que você destacaria? 5) Sugestões para os realizadores do Programa Iniciativas Negras 6) Que experiências são importantes para você participar desse projeto? Em termos de sua auto-estima; para sua comunidade; e para a melhoria das relações entre os membros da comunidade. 145 ANEXO A – EDITAL 01.2011 - III CURSO DE EXTENSÃO INICIATIVAS NEGRAS: TROCANDO EXPERIÊNCIAS 146 147 148 ANEXO B – FORMULÁRIO PARA SELEÇÃO DOS BOLSISTAS 149 150 ANEXO C – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA DA UFPB