XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015. ECOTAPETE: UMA APLICAÇÃO DO ECODESIGN NA PRODUÇÃO ARTESANAL Arthur Nobrega Baptista de Araujo (UFRN) [email protected] Jamerson Viegas Queiroz (UFRN) [email protected] Adriano Varella de Morais (UFRN) [email protected] Joao Cardim Ferreira Lima (UFRN) [email protected] Luan Lyon Lopes Nascimento (UFRN) [email protected] O objetivo do trabalho foi produzir um ecotapete, através do reaproveitamento de materiais rejeitados e medir o seu custo. O estudo trata-se de uma pesquisa quantitativa e qualitativa, de caráter exploratório e descritivo. Os procedimentos utilizados foram: pesquisa bibliográfica, pesquisa experimental e estudo de caso. O custo obtido para a produção de um tapete foi de R$2,70, porém o ecotapete pensado pode ser produzido apenas de maneira artesanal, para a produção em escala industrial deverão ser realizadas analises mais profundas. Palavras-chave: ecotapete, materiais rejeitados, custo, produção artesanal XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015. 1. Introdução O objetivo do trabalho foi produzir um ecotapete, baseado em um modelo de tapete já existente que visa reaproveitar materiais rejeitados, no caso, sobras de madeira de serraria e tampinhas de garrafas de vidro, colaborando com uma destinação alternativa ao lixo. Com a utilização destes materiais, as tampinhas e a madeira, retiram-se do meio ambiente dois agentes que levariam aproximadamente entre 150 anos e 15 anos para serem degradados, respectivamente. O ecotapete reaproveita produtos rejeitados em outros processos produtivos, prologando a vida útil desses componentes, além de diminuir a quantidade de resíduos no meio ambiente. Na produção do tapete foram utilizadas cem tampinhas metálicas, além de cerca de cento e cinco pregos. O baixo custo para a produção desse tapete também merece destaque. Como já foi abordado, a madeira utilizada é rejeito do processo de produção de móveis em serraria. As tampinhas de garrafas de vidro podem ser encontradas nos mais diversos estabelecimentos comerciais. O grupo teve custo apenas com a aquisição dos pregos e a compra da cola utilizada. 2 Referencial teórico 2.1 Produção mais limpa A produção mais limpa (P+L) é uma filosofia de gerenciamento da produção que visa a diminuição dos impactos ambientais durante a produção, não em seu final, a partir da redução dos materiais usados em produtos sem que seu valor seja alterado, de forma que o desperdício de recursos seja reduzido. Foca sua atuação em três estágios, sendo eles: redução na fonte, reciclagem interna e reciclagem externa, de acordo com Rensi e Schenini (2006), representados na Figura 1. 2 XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015. Figura 1 – Níveis da P+L Fonte: Rensi e Schenini (2006) A redução na fonte prevê a uma menor utilização de recursos naturais (matéria-prima ou recursos de apoio, como energia elétrica e água) durante a produção. Entretanto, a fim de manter o valor do produto, deve ser realizada em conjunto com uma análise de valor, que, de acordo com Loureiro e Freitas Filho (1994), é uma metodologia que visa medir o valor que cada etapa do processo produtivo agrega no produto, de forma a cortar etapas ou partes do produto que não causem grandes impactos no valor. As etapas de reciclagem interna e externa consistem no aproveitamento de recursos já usados na produção dentro da própria empresa ou comercialização para outras organizações, respectivamente. Esse aproveitamento pode ocorrer na forma de reciclagem, que é o aproveitamento do material que compõe o recurso; reuso, no qual o próprio recurso é utilizado em uma função diferente da qual foi originalmente projetado; ou remanufatura, em que o recurso retorna para o processo produtivo para ser reprocessado, como abordam Silva Filho e Sicsú (2003), e Silva e Heemann (2007). Para Medeiros et al (2007), as principais barreiras para a implementação da filosofia P+L são: custos elevados, planejamento inadequado dos investimentos, falta de treinamento dos funcionários, problemas no clima organizacional, falta de dados na empresa, falta de estímulo governamental, entre outros. 3 XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015. 2.2 Ecodesign O Ecodesign, ou Design For Environment (DFE), é uma filosofia de projeto de produtos e serviços que visa a redução de impactos ambientais considerando todo o ciclo de vida do produto a partir da Análise do Ciclo de Vida (ACV), como defende Borchardt et al (2008). Para tal, é necessário o uso da criatividade e de tecnologias ecológicas, bem como parcerias com outras empresas, como afirma Giannetti et al (2003), ao dizer que “[...] o conceito de Eco-Tecnologia envolve a participação de duas ou mais empresas, com a finalidade de desenvolver/produzir produtos, resíduos e subprodutos cujo impacto no meio ambiente seja menor que aquele de cada empresa atuando independentemente de outras”. Naveiro et al (2005) afirma que a evolução na competitividade entre as empresas exige cada vez mais o pensamento ecológico nas organização, e que o ecodesign é uma peça fundamental nesse pensamento. Silva e Heemann (2007) abordam as oito estratégias que devem ser usadas na aplicação do DFE para que ele seja completo, conforme Figura 2. Figura 2 – As estratégias do DFE Fonte: Silva e Heemann (2007) 4 XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015. Dentro dessas estratégias está a mudança no conceito do produto, que exige criatividade, de forma a focar o projeto do produto nos aspectos ambientais envolvidos. A escolha de materiais de menor impacto e a redução dos recursos usados retomam a discussão da P+L, mostrando que as duas filosofias abordam a produção sustentável em sintonia uma com a outra. A fabricação limpa, ou otimização da produção, bem como otimização da distribuição, mostram a importância de pensar nos impactos ambientais não apenas após o processo ocorrer, mas durante o processamento também. A redução dos impactos durante o uso e o aumento da durabilidade do produto mostram que a empresa é responsável pelos impactos gerados após o produto sair da fábrica, o que exige aplicação da logística reversa e destinação correta dos resíduos, o que está em completa sintonia com a ACV, já que todo o ciclo de vida deve ser avaliado. 3. Método de pesquisa O presente trabalho se caracteriza como uma pesquisa quantitativa e qualitativa, tendo em vista que possui como objetivo a produção de um ecotapete além da quantificação do custo através dos dados coletados, quanto aos fins, a pesquisa possui caráter exploratório e descritivo, os procedimentos utilizados foram: pesquisa bibliográfica, pesquisa experimental e estudo de caso, conforme a Figura 3. Figura 3 – Método de pesquisa 5 XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015. Fonte: Elaboração própria 4. O processo produtivo O produto é composto de uma superfície de madeira, com tampinhas metálicas de garrafa de vidro viradas, com a “boca” para cima, pregadas nessa tábua, com a intenção de facilitar a retirada da areia presente no calçado de quem pisa no tapete. Isso é possível devido à ação cortante das tampas, que tem a sua pressão amenizada pela forma como são distribuídas em toda a superfície, mas favorecem ao acúmulo da sujeira, e essa pode ser retirada ao virar-se o tapete. O processo é artesanal e utiliza ferramentas como martelo, pregos, cola quente e, às vezes, pincel e tintas. Inicialmente, a madeira é lixada para evitar que pequenos pedaços de madeira entrem na mão de quem a manuseia, também para facilitar a pintura, caso seja realizada essa etapa. A pintura pode ser feita separadamente, pintando-se a madeira antes de colocar as tampas ou de uma só vez, depois de pregadas as tampinhas. É necessário colar as tampas com uma pistola de cola quente antes de pregá-las, assim, primeiramente é dado o posicionamento das tampinhas, depois elas são coladas, assim, as tampas vizinhas permanecerem em seus lugares quando são dadas as marteladas. O processo da colagem das tampas através da utilização da pistola quente é bastante importante pelo fato dessa cola manter as tampinhas presas à superfície de madeira enquanto são disferidas marteladas nos pregos. É importante que a disposição dessas tampas garanta a segurança de quem está utilizando o produto ao pisar naquela superfície, então, um espaçamento máximo entre as tampas deve ser estabelecido para isso. Uma mão segura o prego posicionado com a ponta no centro da tampinha e a outra segura o martelo para perfurar o prego pela tampa e através da tábua de madeira. O tamanho dos pregos deve ser menor que a espessura da tábua para não atravessar totalmente a madeira. Esse processo é repetido em cada tampa e às vezes é necessário mais de um prego por tampa, quando o processo não é bem executado. As tampinhas de garrafa de vidro são rejeitos encontrados em bares e restaurantes, assim como as cantinas da universidade, onde quase todas vendem refrigerantes em garrafas 6 XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015. chamadas de “ks”. Essas garrafas são recicladas, a empresa que fornece os refrigerantes recolhe-as após o consumo, porém, as tampinhas são rejeitadas e jogadas no lixo. Outro processo que gera bastante resíduo e impacta muito negativamente o meio ambiente principalmente na extração de seu principal produto é a serraria. As sobras são comuns e deixadas como lixo na frente da empresa, a ser retirado pela empresa responsável, contratada pela prefeitura para o recolhimento do lixo urbano. Assim, essas sobras são reaproveitadas no processo de produção do ecotapete, como peça fundamental para o produto, a base do tapete. O pedaço de madeira foi preenchido com tampas em 10 fileiras com 10 unidades em casa, utilizando-se um distanciamento de 01 cm entre cada tampa, para garantir a segurança de quem pisa, totalizando 100 tampinhas reaproveitadas para a fabricação do tapete. As tampas foram coladas e, logo em seguida, pregadas. A ideia inicial era não utilizar tinta, já que implicaria no custo da tinta e em um maior cuidado com esse material. O ideal seria reaproveitar tintas de outros processos, mas essa ideia se tornou complicada. Acabamos pitando o tapete para deixá-lo com mais vida, utilizando tintas base de água que já possuíamos em casa. Para confecção de um tapete com dimensões de aproximadamente 50cmx50cm utiliza-se: a) 100 pregos; b) 100 tampinhas de garrafas; c) Um pedaço de madeira de 50cmx50cm; d) 100ml de tinta; e) ½ bastão de cola quente; O saco contendo 1Kg de prego custa cerca de R$ 6,50 e possui um média de 10000 pregos, portanto, para a confecção de um tapete consome-se 10 gramas de pregos, logo, custa R$ 0,65/tapete.nAs tampinhas são recolhidas nos bares e restaurantes, por isso não há um custo de aquisição diretamente alocado a elas, exceto transporte, porém não foi contabilizado. O pedaço de madeira, também é adquirido através da coleta, e, portanto não têm um custo diretamente associado ao mesmo. O consumo de tinta chega a cerca de R$ 1,80 por tapete, já 7 XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015. que a média de preço para latas de 1 litro é R$ 18,00. O refil de cola quente custa cerca de R$ 0,50, portanto, R$0,25, por tapete, representados na Tabela 1. Tabela 1 – Custo unitário do ecotapete Material R$ Tampas - Pregos 0,65 Madeira - Tinta 1,80 Cola quente 0,25 Total 2,70 Fonte: Elaboração própriaa 5. Associação com o ecodesign e a produção mais limpa Relacionando- se o conceito aplicado no produto à roda estratégica do DFE é possível observar que o ecotapete tem aplicação em cinco dos oito níveis desta roda. O nível 0 está relacionado ao conceito de um novo produto, ou ao re-projeto do produto já existente. Nesse caso o tapeta adota o conceito da reutilização de produtos rejeitados em outros processos produtivos. O nível 1 aborda os materiais utilizados no produto, que, no caso do tapete, seriam dispostos no meio ambiente caso não fossem utilizados. O nível 2 refere-se à quantidade de material utilizado na confecção do produto, e procurou-se reduzir a quantidade de tampinhas utilizadas, além de utilizar uma superfície de madeira com o tamanho reduzido se comparado a outros tapetes convencionais. O sexto nível da roda estratégica faz menção à durabilidade do produto, e o ecotapete apresenta durabilidade relativamente alta, principalmente devido ao fato das tampas, além de serem coladas, também estarem presas à superfície de madeira por meio de pregos. O sétimo e último nível está relacionado à vida útil do produto e o tapete ecológico já aumenta a vida útil dos materiais utilizados; isso porque seriam descartados caso não fossem utilizados. 8 XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015. Além disso, a produção artesanal do ecotapete permite que outras empresas apliquem a produção mais limpa no nível 3, a partir do momento que destinarão externamente parte de seus resíduos para a produção. Percebe-se que ainda que essa produção atende o nível 1 da P+L, uma vez que trabalha com recursos em reuso, reduzindo assim o impacto ambiental na fonte. 6. Considerações finais A produção do ecotapete, da forma como foi pensada e apresentada, não pode ocorrer em escala industrial, apenas de forma artesanal. Porém, sabe-se que as pequenas empresas são maioria, e que a produção artesanal possui representantes no Brasil. Faz-se necessária uma análise financeira da produção a fim de atestar a viabilidade do processo produtivo proposto, bem como determinar até que ponto pode-se evoluir o produto, pensando em características que agregam valor, como design (formas), cores, beleza. É interessante verificar se há possibilidade de utilizar materiais mais resistentes, com o intuito de aumentar a durabilidade do produto. As estratégias do Design For Environment e da Produção mais limpa podem ser aplicadas em organização de todos os portes, desde prestadoras de serviços a grandes indústrias, e inclusive na própria produção artesanal, como mostra o presente trabalho. O pensamento ecológico não deve estar preso às grandes corporações, mas deve fazer parte do cotidiano das pessoas e das organizações, independentemente de seu porte. REFERÊNCIAS BOCHARDT, M.; POLTOSI, L. A. C.; SELLITTO, L. A.; PEREIRA, G. M. Considerações sobre ecodesign: um estudo de caso na indústria eletrônica automotiva. Ambiente & Sociedade, v. 11, n. 2, p. 341-353, 2008. GIANETTI, B. F.; ALMEIDA, C. M. V. B.; BONILLA, S. H. Implementação de ecotecnologias rumo à ecologia mundial. RAE-eletrônica, v. 2, n. 1, 2003. LOUREIRO, F. M.; FREITAS FILHO, P. J. Aplicação de análise de valor em simulação de alternativas de projetos industriais. Produção, v. 4, p. 18-24, 1994. 9 XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015. MEDEIROS, D. D.; CALÁBRIA, F. A.; SILVA, G. C. S.; SILVA FILHO, J. C. G. Aplicação da produção mais limpa em uma empresa como ferramenta de melhoria contínua. Produção, v. 17, n. 1, p. 109-128, 2007. NAVEIRO, R. M.; PACHECO, E. B. A. V.; MEDINA, H. V. Ecodesign: o desenvolvimento de projeto de produto orientado para a reciclagem. Congresso Brasileiro de Gestão de Desenvolvimento de Produto, 2005. RENSI, F.; SCHENINI, P. C. Produção mais limpa. Revista de Ciências da Administração, v. 8, n. 16, p. 1-25, 2006. SILVA FILHO, J. C. G.; SICSÚ, A. B. Produção mais limpa: uma ferramenta da gestão ambiental aplicada às empresas nacionais. ENEGEP, 2003. SILVA, J. S. G.; HEEMANN, A. 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