Estudo de potenciais quaterniônicos na equação de Schrödinger Rogério Teixeira Cavalcanti, Gisele Ducati Centro de Matemática Computação e Cognição Universidade Federal do ABC Santo André, São Paulo, Brasil Resumo Neste trabalho estudamos a solução analítica da equação de Schrödinger independente do tempo na presença de potencias quaterniônicos constantes e resolvemos o degrau de potencial. Esta solução pôde ser obtida devido ao avanço recente nas técnicas desenvolvidas para resolver problemas formulados com a álgebra dos quatérnions, em especial o de equações diferenciais. Salientamos que a análise de ondas planas para o degrau de potencial, mostra diferenças qualitativas entre a mecânica quântica usual e a formulação quaterniônica. I. INTRODUÇÃO A álgebra quaterniônica tem sido aplicada à vários ramos da física moderna [1]–[3], e em partícular à mecânica quântica. Em seu livro, Adler [3] mostra que as amplitudes de probabilidades devem pertencer a uma álgebra de divisão de dimensão finita sobre R, associativa e com elemento unidade, não sendo fundamental a validade da comutatividade. Os conjuntos que atendem à estas propriedades são R, C e H. Os octonions O, não formam uma álgebra associativa. Desta forma os quatérnions representam o conjunto mais geral que atende às propriedades citadas. Isto corrobora a possibilidade de a mecânica quântica complexa ser um caso particular da mecânica quântica quaterniônica. II. QUATÉRNIONS O conjunto dos quatérnions, denotado por H, é composto por elementos do tipo q = q0 + iq1 + jq2 + kq3 , onde q0 , q1 , q2 , q3 ∈ R e i, j, k são as chamadas unidades imaginárias, que satisfazem a i2 = j 2 = k 2 = −1 = ijk. Na forma simplética um quatérnion q é representado como q = z + jw, onde z = q0 + iq1 e w = q2 − iq3 , z, w ∈ C. Podemos também representar esse quaternions através de uma matriz real de ordem 4 ou através de uma matriz complexa de ordem 2, se estivermos utilizando a forma simplética. Assim, se q = z + jw, a matriz que o representa tem a forma [1]. q= q0 + iq1 q2 − iq3 −q2 − iq3 q0 − iq1 = z w −w z (1) III. A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER COMPLEXA A equação de Schrödinger descreve o comportamento de sistemas microscópicos não abrangidos pela física Newtoniana e à partir dela é possível obter o valor esperado de algumas grandezas do sistema estudado, como posição, momentum e energia [4]. Podemos obter a equação de Schrödinger utilizando conceitos clássicos como o Hamiltoniano e o momento linear, utilizando obviamente sua representação na mecânica quântica. Para o caso unidimensional o momento linear, ou operador momento linear, é representado na mecânica quântica pela ∂ h expressão −i} ∂x , onde } = 2π e h é a constante de Planck, i ∂ é a unidade imaginária e ∂x é o operador diferencial espacial. ∂ ∂ Representamos o operador energia por i} ∂t , onde ∂t é o operador diferencial temporal e para o Hamiltoniano, como no caso clássico, temos H = K + V , sendo K a energia cinética, V a energia potencial e H o operador Hamiltoniano. À partir dos operadores acima, se Ψ(x, t) é a função de onda que descreve o movimento da partícula, de HΨ(x, t) = EΨ(x, t) obtemos a Equação de Schrödinger complexa, − }2 ∂ 2 ∂Ψ(x, t) Ψ(x, t) + V (x, t)Ψ(x, t) = i} 2 2m ∂x ∂t (2) Para que fosse dado sentido físico à solução da equação de Schrödinger, em 1926 Max Born postulou que a densidade de probabilidade de uma partícula na posição x e instante t deve obedecer a expressão P (x, t) = Ψ(x, t)Ψ(x, t) = |Ψ(x, t)|2 (3) com a condição de normalização Z +∞ P (x, t)dx = 1 −∞ (4) Outro resultado importante da mecânica quântica complexa é a equação de continuidade [4], representada por ∂t P (x, t) + ∂x J(x, t) = 0 (5) onde J(x, t) representa a densidade de corrente de probabilidade [4]. Utilizando a técnica de separação de variáveis em (2), para V estacionário, obtemos 2m ϕ00 (x) + 2 [E − V (x)]ϕ(x) = 0 (6) } Esta equação é linear sobre C, e suas soluções devem ser do tipo qezx [5], onde q ∈ H e z ∈ C. Para uma região de potenciais constantes, obtemos [6] Φ = (1 + ja) ez− x + e−z− x r + (b + j) ez+ x t̃ + e−z+ x r̃ (15) onde os coeficientes r, t̃, r̃ são determnados pelas condições de continuidade e s q 2m 2 2 2 V1 ± E − V2 − V3 z± = (16) }2 a = −i IV. A EQUAÇÃO DE SCHRÖDINGER QUATERNIÔNICA b=i Considere a função de onda Ψ(x, t) = Ψ0 (x, t) + iΨ1 (x, t) + jΨ2 (x, t) + kΨ3 (x, t) (7) Definimos um potencial quaterniônico independente do tempo como V (x) = V0 (x) + iV1 (x) + jV2 (x) + kV3 (x) (8) onde V0,1,2,3 : R 7→ R e V : R 7→ H. O conjugado de Ψ(x, t) é E+ V − iV3 p2 ∈C E 2 − V22 − V32 V + iV3 p2 ∈C E + E 2 − V22 − V32 } ε(|r|2 − 1) m V. ZONAS DE POTENCIAL Ψ(x, t) = Ψ0 (x, t) − iΨ1 (x, t) − jΨ2 (x, t) − kΨ3 (x, t) (9) Da propriedade de conservação de norma da densidade de probabilidade devemos impor que V1 = 0. Então, redefinindo V0 = V1 obtemos a equação de Schrödinger para potencias quaterniônicos 1 }2 ∂xx − iV1 − jV2 − kV3 Ψ ∂t Ψ = i (11) } 2m Procedendo de maneira análoga ao caso complexo, obtemos a equação de continuidade, onde a densidade de corrente J(x, t) é dada por } [(∂x Ψ)iΨ − Ψi(∂x Ψ)] (12) 2m Resolvendo a equação de Schrödinger, usando a técnica de separação de variáveis [5], obtemos (18) A solução a partícula livre (Região I) é obtida impondo V1,2,3 = 0 na solução anterior. √ 2mE iεx −iεx εx ΦI (x) = e + re + j r̃e , ε = (19) } e JI (x, t) = Substituindo o potencial quaterniônico na equação de Schrödinger e omitindo, por conveniência, a dependência temporal na notação, obtemos 1 }2 ∂t Ψ = i ∂xx − iV0 + V1 − kV2 + jV3 Ψ (10) } 2m (17) (20) O degrau quaterniônico difere do complexo pela inclusão de uma zona onde a energia é menor que a parte puramente quaterniônica do potencial. De fato, temos Figura 1. Representação dos zonas no degrau de potencial quaterniônico Vale lembrar que estamos considerando que a partícula vem de −∞. A função Φ(x) além de limitada deve satisfazer as condições de continuidade no ponto 0, isto é, J(x, y) = Ψ(x, t) = Φ(x)e− iE } t ΦI (0) = ΦII (0) e Φ0I (0) = Φ0II (0) p Assim para a Zona A, E > V12 + V22 + V32 , temos que r, r̃ = 0 [6], restando (13) que substituida em (11) nos dá 2 } −Φ(x)iE = i ∂xx − iV1 (x) − jV2 (x) − kV3 (x) Φ(x) 2m (14) iρA x ΦA + (b + j)t̃e−ηx II (x) = (1 + ja)te (21) e JA II (x, t) = } (1 − |a|2 )ρA |t|2 m (22) Na Zona B também encontramos r, r̃ = 0, e portanto −ρB x ΦB + (b + j)t̃e−ηx II (x) = (1 + ja)te (23) JB II (x, t) = 0 (24) e Finalmente para a Zona C iρ− x ΦC + (b + j)t̃e−iρ− x e−ρ+ x II (x) = (1 + ja)te (25) Para a Zona B a solução complexa também é reobtida, implicando na reflexão total, como esperado. Observe que na Zona C, como ela representa um potencial puramente quaterniônico, não existe um caso análogo em C. De fato, os termos quaterniônicos podem ser interpretados como uma perturbação na solução complexa, os coeficientes de transmissão t̃ introduzidos pelas soluções quaterniônicas, assim como toda a solução na Zona C, estão multiplicados por exponenciais negativas, e portanto tendem a zero rapidamente. VII. CONCLUSÃO e JC II (x, t) = 0 (26) Onde os termos ρA ,B ,± e η são dados por r ρA = r ρB = r η= r ρ± = 2m }2 p 2m }2 2m }2 m }2 E 2 − V22 − V32 − V1 V1 − V1 + p p E 2 − V22 − V32 p E 2 − V22 − V32 V12 + V22 + V32 − E 2 ± V1 Com isto, fazendo JI (x, t) = JII (x, t) obtemos R + T = 1, onde R e T são os coeficientes de reflexão e transmissão respectivamente, dados por p ρ R = |r|2 e T = εA (1 − |a|2 )|t|2 , E > pV12 + V22 + V32 R = |r|2 e T = 0, E < V12 + V22 + V32 VI. REOBTENÇÃO DA SOLUÇÃO COMPLEXA As soluções conhecidas para a equação de Schrödinger complexa devem ser reobtidas a partir das soluções quaterniônicas. Fazendo V2,3 → 0, para a Zona A, temos a, b → 0 r̃, t̃ → q 0 V2,3 → 0 ⇒ ρ → 2m (E − V ) 1 A }2 resultando na solução da equação de Schödinger complexa [4] hq i h q i 2m ϕI (x) = exp i 2m Ex + r exp −i Ex 2 2 } } h q i ϕII (x) = t exp −i 2m (E − V )x 1 }2 Naturalmente se questiona a necessidade da utilização dos quatérnions nos problemas tratados neste trabalho, já que a mecânica quântica complexa tem os resolvido tão bem. Adler [3] cita duas motivações para a mecânica quântica quaterniônica, uma matemática e outra física. A motivação matemática é o fato de que, em geral, um problema concreto incentiva um estudo mais profundo e, consequentemente, um melhor entendimento do sistema de postulados envolvido no problema. A motivação física é a possibilidade de a generalização da mecânica quântica complexa, via quatérnions, ser um caminho para encontrar ou explicar alguns fenômenos físicos. A análise feita com ondas planas mostra diferenças qualitativas entre a mecânica quântica complexa e a quaterniônica, como o comportamento oscilatório na Zona C. A continuação natural para este trabalho é a análise do degrau de potencial utilizando pacotes de onda. Naturalmente, os coeficientes de reflexão R e transmissão T da mecânica quântica complexa também são reobtidos quando V2 = V3 = 0. R EFERÊNCIAS [1] DE LEO, S. and SCOLARICI G., Right eigenvalue equation in quaternionic quantum mechanics, J. Phys. A 33, 2971-2995 (2000). [2] DUCATI, G. and DE LEO, S., Quaternionic diferential operators, J. Math. Phys. 42, 2236-2265 (2001). [3] ADLER S. L., Quaternionic Quantum Mechanics and Quantum Fields, Oxford University Press, New York, (1995). [4] COHEN-TANNOUDJI, C. et all, Quantum Mechanics,vol 1, John Wiley e Sons Inc., França, 1977. [5] DUCATI, G., Operadores diferenciais quaterniônicos e aplicações em Física, Tese de Doutorado, Departamento de Matemática Aplicada, IMECC - UNICAMP, 2002. [6] DE LEO, S., DUCATI, G. and MADUREIRA, T., Analytic plane wave solutions for the quaternionic potential step, Journal of Mathematical Physics, 47, 082106-15, 2006.