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RODRIGO PEREIRA LACOMBE
A RELAÇÃO ESCOLAR E A EMPRESA: O REGISTRO HISTÓRICO DE
UM ESTUDO ACERCA DA PRÁTICA DOCENTE EM FACE DAS
TECNOLOGIAS ADOTADAS NAS ORGANIZAÇÕES
CRICIÚMA, JULHO DE 2004
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RODRIGO PEREIRA LACOMBE
A RELAÇÃO ESCOLAR E A EMPRESA: O REGISTRO HISTÓRICO DE
UM ESTUDO ACERCA DA PRÁTICA DOCENTE EM FACE DAS
TECNOLOGIAS ADOTADAS NAS ORGANIZAÇÕES
Monografia apresentada à Diretoria de PósGraduação da Universidade do Extremo Sul
Catarinense – UNESC, para a obtenção do título de
especialista em Prática Docente.
Orientadora: Profª Drª Fábia Liliã Luciano.
CRICIÚMA, JULHO DE 2004
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Dedico este trabalho à minha esposa Clarice e
aos meus filhos: Vanessa, Felipe e Camila.
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AGRADECIMENTOS
À DEUS por me ter dado a vida, saúde e uma família maravilhosa.
À minha orientadora, profª Fábia, que acreditou e estimulou minha capacidade e por
estar sempre presente e disponível na construção deste trabalho.
À minha querida esposa Clarice que me motivou e compreendeu nas horas difíceis.
À minha querida avó Bel e tia Eliane, sempre prestativas, que me ajudaram na
obtenção de bibliografias.
Ao meu grande amigo e colega de trabalho, Antônio Carniato, que colaborou na
elaboração do questionário de pesquisa e ao apoio dado.
Aos colegas e professores da pós-graduação da UNESC, pela convivência e o
aprendizado no decorrer do curso.
Enfim, agradeço a todas as pessoas que contribuíram na elaboração deste trabalho.
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Os professores ideais são os que se fazem de
pontes, que convidam os alunos a atravessaremnas, e depois, tendo facilitado a travessia,
desmoronam-se com prazer, encorajando-os a
criarem as suas próprias pontes.
(KAZANTZAKIS, Nikos, 1989, p. 102)
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RESUMO
A proposta, deste trabalho é realizar uma análise crítica do ensino de Eletrotécnica
na Escola Técnica da SATC e, por decorrência, contribuir para a consolidação de uma política
mais eficiente de formação do seu corpo docente. Identificar as lacunas e distorções da cultura
científica e humanística na formação de uma parcela significativa dos professores. Pretendese, também, analisar as conseqüências dessa situação e propor um conjunto de atividades,
leituras e inserções centradas na premissa básica de que esse ensino somente sofrerá
modificação consistente, ou seja, se a comunidade desses professores se voltar a esse intento.
As categorias da História, da Filosofia da Ciência, da Epistemologia e dos aspectos didáticopedagógicos, bem como da conexão entre Eletrotécnica, cultura e sociedade se constituíram
no referencial teórico deste estudo.
Palavras-chaves: Ensino Técnico, Formação Docente, Conhecimento Emancipatório.
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ABSTRACT
The purpose of this thesis is to make a critical analysis about the Electrotechnical
education of technical school SATC, thus contributing to the consolidation of a more efficient
policy in the education of the Electrotechnical faculty members.By identifying the gaps and
distortions present in the scientific and humanistic culture of a significant number of
professors, the author analyzes the consequences of this situation and proposes an array of
activities, readings, and insertions, as he understands that the Electrotechnical education can
only undergo a consistent modification if the community of these professors assume such
objective.The categories of history, philosophy of science, epistemology, didatic-pedagogical
aspects, as well as the necessary connection between Eletrotechnical, culture, and society
constitute the theoretical reference of this study.
Keywords: Technical Teaching, Teaching Staff Formation, Emancipatory Knowledge.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 08
1 O ENSINO DE ELETROTÉCNICA E SEUS PARADIGMAS ......................................... 14
1.1 As Escolas Técnicas .................................................................................................. 14
1.2 Diferenças Temporais ................................................................................................ 15
1.2.1 As Raízes Culturais...................................................................................... 17
1.3 Aspectos Pedagogicos Remanescentes ...................................................................... 18
1.3.1 Enfoque Ideológico..................................................................................... 21
1.4 A Relação Professor-Aluno no Contexto Profissional ............................................... 21
2 CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E SUAS IMPLICAÇÕES .............................. 25
2.1 A Relevância do Tema................................................................................................ 25
2.2 Um Comportamento Conformado ............................................................................. 28
2.3 As Diferentes Faces da Ciência e da Tecnologia........................................................ 30
2.3.1 Uma Relação de Desconhecimento, Medo e Ufanismo .............................. 31
2.4 A Ciência e a Tecnologia em Diferentes Contextos .................................................. 32
2.4.1 Uma Função Significativa nos Currículos ................................................... 34
2.5 A Necessidade (e a Possibilidade) de uma nova Filosofia ........................................ 35
2.6 Apostando no Processo Educativo.............................................................................. 37
3 QUESTÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS NA FORMAÇÃO DOCENTE:
O REGISTRO DO ESTUDO ................................................................................................ 42
3.1 As Responsabilidades dos Professores ...................................................................... 42
3.2 Formação do Profissional de Ensino Técnico ............................................................ 43
3.3 Dimensoes das Dificuldades do Profissional da Área Técnica ................................. 46
3.4 Questões Sobre o Ensino Técnico .............................................................................. 48
3.5 Elementos Preliminares para um Programa de Ensino para o curso Técnico e
Eletrotécnica ............................................................................................................. 53
3.6 Modelos Epistemologicos de Ensino.......................................................................... 54
3.7 Questionamentos da Mudança.................................................................................... 58
3.7.1 Construindo o Conhecimento ..................................................................... 58
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................... 61
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 64
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INTRODUÇÃO
A década de 80 do século passado foi marcada pelo predomínio de uma
racionalidade técnica, como apontam Grabauska (1998) e De Bastos & Grabauska (2001).
Essa concepção técnica predominou tanto nos cursos de formação de professores quanto nas
pesquisas educacionais, especialmente, nos trabalhos que versam sobre a investigação-ação.
Cabe salientar que, na época, Thiollent (1986) era a referência para os trabalhos de
investigação-ação, o qual mereceu uma análise crítica feita por Grabauska (1998) e De Bastos
e Grabauska (2001), os quais consideraram necessário superar a visão técnica de investigaçãoação e romper com o que Grabauska (1998) chama de fantasma de Thiollent.
Na década de 90 do referido século, a racionalidade técnica permaneceu em
predomínio e, hoje, institucionaliza-se a racionalidade prática. Sendo assim, torna-se urgente
superar a noção de investigação-ação. Portanto, compete aos profissionais da área romper
com o fantasma do prático reflexivo, dando conta da integração na era do resgate iluminista,
ou seja, da reconstrução racional das próprias práticas educativas.
Nesse processo, não se pode dispensar o conhecimento técnico - o qual comporta
a racionalidade técnica - como também o conhecimento prático - que fundamenta a
racionalidade prática conforme Habermas (1987), pois esses dão conhecimento crítico, o qual
entende-se ser emancipatório. Sendo assim, não é possível ignorar a racionalidade prática
defendida por Schön (1995), e Elliott (1995) e evidenciada nas políticas públicas educacionais
brasileiras. Sabe- se que, na produção de conhecimento científico são exigidos elementos de
razão técnica quanto de razão prática a fim de alcançar-se essa racionalidade emancipatória.
Construir, alcançar e viver uma racionalidade emancipatória sócio-cultural,
utilizando a categorização pautada em Habermas (1987), demanda reflexão, reconstrução
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racional sobre a história, tradições e costumes que compõem a cultura e marcam as práticas
educacionais.
Portanto, se por um lado à realidade educacional coloca a necessidade de romper
com o fantasma de Thiollent – por se tratar de uma racionalidade técnica em termos de
concepção de investigação-ação técnica na qual prepondera a visão desta como uma
metodologia de pesquisa - por outro lado, mais contemporânea ainda é a urgência de romper
com o fantasma do prático reflexivo - por se tratar de uma razão prática e demarcar uma
concepção de investigação-ação na qual o senso comum se manifesta ao supervalorizar a
prática, com excessiva ênfase da experiência empírica. Contudo, esta experiência torna-se
uma prática ingênua com poucas possibilidades de transformar-se e de propor transformações,
por ser, além de ingênua, individualista, espontânea e acrítica.
Acredita-se entretanto, na idéia de ousar fazer com a proposição do fazer
diferente, especialmente, em razão da necessidade de uma prática intencional pautada no
planejamento, sem perder de vista, que esta deveria ser flexível, mas com a concretude para a
realização da reconstrução racional que se entende como ideal. Essa é a proposição em termos
de pesquisa educacional, formação dos profissionais da educação e de conhecimento. É,
portanto, nessa conjuntura que reside a relação escolar e a empresa, construindo o registro
histórico de um estudo acerca da prática docente em face das tecnologias adotadas nas
organizações.
O problema de pesquisa, a seguir apresentado, busca definir o perfil do professor
que busca o ousar fazer com a proposição do fazer diferente, delimitado abaixo:
Será que a formação que é dada aos alunos vem ao encontro com o que as
empresas esperam para seus profissionais?
A fim de detalhar o questionamento acima, apresentam-se questões norteadoras
para este estudo:
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a) O quê as empresas esperam de seus profissionais técnicos?
b) Quais os fatores mais relevantes para a prática docente?
c) A qualificação dos professores é suficiente para ministrar tais disciplinas?
d) Os assuntos abordados satisfazem as necessidades para formar bons
profissionais?
e) Como o profissional da área da educação se mantém atualizado mediante o
surgimento constante de novas tecnologias?
Com o objetivo de responder, provisoriamente, as questões acima, citou-se como
hipóteses:
a) Com base nos vinte anos de experiência do investigador desta pesquisa,
registra-se alguns dos aspectos mais importantes que as empresas esperam encontrar em seus
profissionais como: ser dinâmico, pensante, interessado, com raciocínio lógico, social,
humano e com visão aberta.
b) Os fatores mais relevantes são de levar os alunos a pensarem, construir
significados. Ou melhor: a aprendizagem não pode limitar-se a resolução de problemas, mas
também a construir, aprender a problematizar, saber pensar e a construir estruturas.
c) Infere-se, por meio do sistema de contratação e distribuição das disciplinas,
que as qualificações mínimas exigidas são satisfeitas a fim de ministrarem as seguintes
modalidades: formação em cursos técnicos específicos de Eletrotécnica, Eletromecânica,
Eletrônica, Informática, com seguimento do curso superior em Tecnologias de Automação,
Eletromecânica, Telecomunicações e Engenharia Elétrica.
d) Os assuntos abordados na grade curricular são fornecidos pelo sistema de
competências proposto pelo Ministério da Educação e Cultura - MEC - no qual cada
disciplina tem o assunto característico e específico pela necessidade e importância atual.
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Portanto, cabe ao docente buscar fontes e recursos para ministrar as disciplinas de acordo com
os dados fornecidos pelo sistema de competência.
e) Acredita-se que por meio de bibliografias, feiras, visitas as empresas,
participações em cursos, seminários, recursos de softwares; ou seja, fontes que tragam as
informações necessárias para a permanente atualização dos profissionais.
Foram propósitos deste estudo tanto em âmbito geral quanto no âmbito específico:
Realizar um estudo/análise da prática docente em face das tecnologias adotadas
nas empresas de Criciúma; analisar as percepções dos professores do curso Técnico em
Eletrotécnica da SATC frente às inovações tecnológicas; reconhecer de que forma os docentes
trabalham os conteúdos; identificar suas práticas para a preparação e a empregabilidade de
seus alunos; perceber como os docentes acompanham as inovações tecnológicas; reconhecer
de que forma os professores trabalham com conteúdos e como estes são atualizados, úteis e
praticáveis nas empresas; bem como as práticas docentes adotadas para os profissionais os
quais futuramente serão empregados nas empresas; com vistas a preparar estes profissionais
para o mercado.
Os docentes de áreas técnicas, em particular a Eletrotécnica, precisam estar
atualizados com as inovações do mercado por meio da participação em eventos técnicos e
científicos. Além do professor atualizado é necessário, informar aos discentes que o mercado
de trabalho está concorrido, e não se pode correr o risco de formar profissionais
despreparados.
É com esse propósito que se pretende desenvolver esta pesquisa, ou seja, com o
intuito de contribuir pedagogicamente e cientificamente acerca da prática docente.
As indagações, acima, tiveram como fundamento alguns princípios que norteiam a
concepção de fazer pedagógico, o qual se expressa nos procedimentos de trabalho planejamento, execução, acompanhamento e avaliação - nas relações professor-aluno, na
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seleção de conteúdos e, também, na aprendizagem dos alunos como ferramenta essencial de
inserção/reinserção no mercado de trabalho.
Para a realização desta pesquisa, adotou-se como referencial teórico Ferreti (1994),
Enguita (1989), Búrigo (2003) e Luciano (2001).
Para caracterizar a pesquisa realizada, faz-se necessário mencionar que a mesma
foi do tipo básica de natureza qualitativa, descritiva e bibliográfica, a qual consiste em um
levantamento do que tem na literatura a fim de conhecer e analisar as contribuições culturais
ou científicas existentes sobre o tema abordado; a abordagem utilizada foi qualitativa, porque
é apropriado para a avaliação formativa, quando se trata de melhorar a efetividade de um
sistema, neste trabalho, o sistema de ensino.
Esta monografia está organizada da seguinte forma:
No capítulo 1, evidencia as escolas, as instituições científicas e a extensão de seus
resultados práticos, refletindo e modelando com intensidade a história, as estruturas de poder
e clima político da comunidade que as mantém. Essas peculiaridades não podem ficar
afastadas das reflexões de alunos e professores. As instituições científicas e as comunidades
de profissionais modificam constantemente o mundo, não apenas por meio do
desenvolvimento tecnológico que produzem, mas pela mudança de comportamento, de
distribuição de renda e pelas implicações sociais que essas inovações acarretam.
É preciso focalizar as inúmeras novas descobertas, produtos, processos e
conceitos surgidos diariamente nos laboratórios, nas fábricas, nos institutos de pesquisas e,
com bastante freqüência, nos gabinetes oficiais dos grupos hegemônicos os quais decidem a
maioria das políticas, sendo que a estes grupos ficam submetidos. Esse conjunto de
descobertas é susceptível de ter repercussões de longo alcance na construção do mundo em
que se vive, bem como na composição do relacionamento humano.
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No capítulo 2, discute-se assuntos relacionados com as implicações da ciência e
da tecnologia junto à sociedade contemporânea. Neste sentido, levanta-se algumas discussões
para enfatizar a importância que esses temas deveriam assumir nas escolas. A relação
existente entre ciência, tecnologia e sociedade proporciona o compromisso de suscitar
análises reflexivas sobre a relação a qual compromete o ensino desenvolvido nas escolas e a
atuação consciente do futuro eletrotécnico em sua profissão.
Enfatiza-se ao professor a importância de uma sólida formação nesta área de
conhecimento, portanto, a inserção desta temática pretende, na realidade, atingir o estudante,
incutindo nele a responsabilidade de refletir e de trabalhar as repercussões de suas ações junto
à sociedade. Paralelamente, por meio da colocação de repercussões da ciência e da tecnologia
ao longo dos tempos, no intuito de demonstrar que a posse de assuntos dessa natureza pode
servir de agente motivador para os estudantes.
O capítulo 3 descreve e analisa os impulsos e modificações que o ensino de
Eletrotécnica está sofrendo, é fundamental que, em paralelo, ocorra uma reestruturação das
práticas didático-pedagógicas, por meio de uma nova postura epistemológica dos professores
que atuam na área. Busca-se, ainda, conteúdos para motivar uma avaliação entre os
professores, visando identificar o posicionamento epistemológico e, principalmente, refletir
sobre as dificuldades no relacionamento didático-pedagógico com os alunos.
Este relacionamento não se modifica por um toque mágico, porque é preciso
identificar as causas, mudar comportamentos e, acima de tudo, assumir uma postura
psicológica favorável para que alguma possibilidade de mudança tenha chances de ser
construída.
Por fim, destacam-se as considerações, acompanhadas das referências utilizadas
neste estudo.
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1 O ENSINO DE ELETROTÉCNICA E SEUS PARADIGMAS
Em uma rápida análise de sua atual representatividade e também das origens
epistemológicas do ensino de eletrotécnica, realçadas em seus currículos, entende-se como
possível proporcionar uma forma de raciocínio sobre as alterações a serem efetuadas nos seus
procedimentos didáticos. Junta-se a este raciocínio a discussão de alguns aspectos - não muito
considerados na área tecnológica - sobre a relação professor e aluno. O envolvimento leva o
professor a conhecer um pouco mais a carga hierárquica, a qual se estabelece na referida
relação, e como as trocas simbolizadas que migram das relações sociais afetam a
aprendizagem. Estas trocas simbolizadas servem para identificar alguns dos obstáculos que
truncam a criatividade do aluno durante o processo formativo. Dentre esses propósitos, este
envolvimento facilita a tarefa de apontar alguns motivos os quais estariam transformando o
ensino tecnológico em uma instância social pouco transformadora no mundo contemporâneo.
1.1 As Escolas Técnicas
Uma das novidades advindas com as escolas técnicas diz respeito ao afastamento
do ensino das práticas produtivas e da educação enciclopédica, valorizando o viés científico, o
que, em última instância, significa afastar a educação dos objetos e fenômenos da natureza, e
aproximá-las fortemente das representações idealizadas. Por meio de classificações,
nomenclaturas e teorias, o ensino passa a valorizar uma forma diferenciada de tratar o
trabalho, o qual passa a ser intermediado na sua fase de aprendizagem pelo laboratório, e não
apenas pela prática cotidiana. Com esta mudança, introduz-se uma linguagem erudita para
referir-se ao trabalho de produção. E é justamente esta nova linguagem que dota os
funcionários-técnicos de uma cultura distinta dos conhecimentos e das tecnologias empíricas
15
dos trabalhadores manuais. Assim, estabelece-se um discurso técnico-científico, o qual
permite que uma prática de observação e experimentação penetre no ensino.
É a mesma linguagem que, também, participa de uma nova forma de tratar a
natureza, quando essa linguagem passa a ser submetida à tarefa de descobertas de leis que a
enquadram em modelos bem comportados. A escola técnica contribui para que fosse
estabelecida uma participação de determinada classe de indivíduos no poder sobre a natureza.
Se esta participação vem no sentido de estabelecer uma aliança do discurso
escolar com uma prática escolarizada, também permite uma abertura da classe para o exterior,
estabelecendo contatos mais diretos com a vida prática, mesmo que seja às custas de tratar a
natureza de forma teorizada e, portanto, idealizada.
Em resposta a essa tendência, logo surgem arranjos pedagógicos para evitar um
excessivo distanciamento entre escola e trabalho. Tem-se algo como uma redefinição de
conteúdos, com a substituição de conhecimentos empíricos por conhecimentos científicos e
técnicos escolarizados, o que provoca uma reorganização e homogeneização destes
conhecimentos.
1.2 Diferenças Temporais
Praticar a eletrotécnica, ou seja, participar da sua comunidade de profissionais e,
acima de tudo, lidar com o seu ensino configuram-se tarefas de grande responsabilidade em
um mundo que é movido pelos efeitos da ciência e da tecnologia e de suas repercussões junto
à sociedade. Há pouco tempo, em função de um encanto e de uma necessidade premente da
construção de novos artefatos tecnológicos – os quais são determinados por um tempo de
desenvolvimento que se apresentava à espécie humana - essa profissão se revestia de um
fascínio que não colocava em discussão qualquer outra questão que não fosse a possibilidade
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e o privilégio de navegar em seus domínios. E para facilitar esta tarefa no século passado,
bastava se dominar uns poucos manuais e estava-se apto a trabalhar a área elétrica com
propriedade, em pelo menos um dos seus recentes campos de atividades os quais começavam
a apresentarem-se.
Esses aspectos determinantes têm repercussões diretas na forma de ensinar,
porque parece que a maneira estabelecida naquela época, em função de um momento histórico
para tal procedimento, apesar da mudança incontestável sofrida pelo próprio comportamento
da civilização humana, mantém-se praticamente imutável nos ambientes de ensino nos dias
atuais. Esta imutabilidade pode ser sentida por meio da análise rápida das malhas
curriculares1, pois em muitos aspectos estão desvinculadas das dinâmicas do acelerado
desenvolvimento - tanto no aspecto científico-tecnológico quanto no aspecto humano, político
e social. Esta constatação passa, portanto, a estabelecer de forma mais intensa a premência de
uma nova relação dentro das escolas entre professores e alunos, isto é, da própria comunidade
como um todo.
Dentre os inúmeros aspectos os quais precisam ser renovados na forma da
construção do conhecimento, um se apresenta intensamente que é atual e significativo no
problema da evasão desenfreada enfrentada pelas escolas: as formas de avaliação as quais são
submetidos os estudantes. É premente uma revisão nessas avaliações, em especial na área
tecnológica, porque desmotivam os alunos e expulsam-nos dos bancos escolares. Até mesmo
em respeito às profundas alterações hoje vigentes na sociedade, não é mais possível que os
estudantes sejam submetidos a verdadeiros massacres psicológicos, em nome de avaliações
1
Faz-se necessário estabelecer a diferença entre malha curricular e currículo propriamente dito. Não raras vezes
se estabelece alguma confusão nessas definições. Pode ser que em função dessas diferentes interpretações se
criem alguns equívocos de análise que podem ser evitados. Segundo Back (1993, p.20), “currículo é todo o
conjunto de experiências de aprendizado que o estudante incorpora durante o processo participativo de
desenvolver, numa instituição educacional, um programa de estudos coerentemente agregado”. Parece que esta
definição, apesar de existirem muitas outras, já ajuda a acentuar o fato de que quase sempre que se trabalha com
currículos nas escolas, na realidade ataca-se e modifica-se apenas a grade curricular.
17
nas quais se consegue quando muito quantificar informações retidas num momento
específico.
A competição da escola com os meios modernos de divulgação de informações
coloca uma séria questão com relação à motivação dos estudantes: as aulas tradicionais
deixam definitivamente de ser atraentes quando confrontadas com a televisão com seus
múltiplos canais e seus programas mais bem produzidos; com a navegação via internet; com
os programas multimídia; com a realidade virtual. As avaliações, conforme os moldes ainda
empregados atualmente, tornam-se mais que ultrapassadas, ou seja, são inócuas ou mesmo um
obstáculo para a aprendizagem. Como resultado, colhe-se cada vez mais desilusões,
desistências e inconformismos com o sistema de ensino.
1.2.1
As Raízes Culturais
Até o século XVII, na Europa, as características dominantes, nas sociedades
estabelecidas, faziam com que as escolas basicamente se preocupassem com a difusão de
conteúdos simbólicos, ou seja, conteúdos distantes da produção econômica. Em essência,
fazia parte das responsabilidades da escola treinar indivíduos com o objetivo de habilitá-los
para o trato de assuntos de caráter eminentemente de ordem intelectual os quais passavam
pela leitura, escrita, cálculos e também pelos dogmas religiosos, além de incursionar pelas leis
civis e pela Filosofia. Essas atividades escolares tinham o intuito de conferir cultura a
determinada e seleta classe de pessoas. A partir do século XVII, no entanto, uma nova forma
de ensino apareceu, constituindo uma grande novidade no sistema educacional: o ensino
técnico. Como organização o ensino técnico representa um modelo independente da antiga
forma de praticar-se essa atividade social, portanto começou pela abordagem do trabalho
aplicado dentro das escolas, que consistia numa extensão das práticas técnicas e científicas.
Estas novas instituições: academias e escolas técnicas e profissionais ajudaram a
estabelecer o fim do aprendizado corporativo, como proporcionaram o início de uma
18
substancial alteração do antigo processo de ensino, o qual era calcado ou no ciclo produçãotreinamento-produção – em relação às destrezas artesanais – ou nas preocupações com as
distinções sociais de classes. Mas, com as preocupações voltadas às distinções sociais
manteve-se o dualismo, o qual conferia às instituições a responsabilidade de trabalhar com as
necessidades do Estado e às escolas profissionais a preocupação com a formação de classes
artesanais a fim de prepará-las para a produção econômica.
Os séculos XIX e XX se configuraram como marcos no estabelecimento
definitivo desta nova forma de ensino a qual, parece em princípio, começou a ditar um
crescente desenvolvimento tecnológico, hoje mais acentuado em decorrência do
estabelecimento da revolução industrial.
1.3 Aspectos Pedagógicos Remanescentes
Embora, hoje, possa parecer natural, a forma como a escola trata os
conhecimentos, por meio de rápidos estudos históricos, considera-se que este entendimento
adquirido é destituído de qualquer sustentação. No plano pedagógico, a hierarquização dos
programas, a separação e seqüenciação de classes por progressão nos estudos, a avaliação
regular dos conteúdos, a quantificação dos níveis de aprendizado e a temporização dos
momentos de ensino foram etapas lentas e gradualmente criadas e implantadas nas escolas,
tendo como pano de fundo necessidade socialmente postas em cada momento histórico.
A escola contemporânea, na sua parte mais concreta, marcada por um prédio que
lhe confere identidade, teve uma modificação substancial no padrão antes vingente. Ou seja, à
ordenação do tempo e à divisão dos espaços podem ser imputadas responsabilidades
marcantes no ensino, pois estabelecem ambientes favoráveis para a definição do que hoje se
pratica, contribuindo, assim, para tornar particionada e hierarquizada a sua prática.
19
Junto com estas alterações vêm, segundo Petitat (1994, p.179), “Os métodos de
supervisão, medidas disciplinares, constatações das ausências, ritmo e sucessão das atividades
rotineiras, provas, treinos, exames escritos, classificações dos alunos, emulação e censuras,
promoções e rebaixamentos”. Nesta direção, os aspectos, anteriormente citados, tornam a
classe um local altamente regulamentado e até certo ponto discriminador, na qual ocorre
comparações permanentes de rendimentos dos alunos, enaltecendo os bem-sucedidos e
procurando descartar do sistema aqueles com dificuldades de acompanhar as lições
ministradas.
Aliado aos pontos arrolados acima, Petitat (1994, p.206) contribui para o controle
dos alunos e dos espaços escolares não somente a marcação do tempo independente dos
ritmos naturais, mas principalmente a sua medição. O relógio mecânico “Introduz um tempo
linear, abstrato, diferente dos ritmos cíclicos cósmicos e biológicos, diferente também do
tempo social”. Este mecanismo permite a medição do tempo de estudos, a temporização dos
ritmos de aprendizagem, a sincronização de afazeres discentes, enfim, permite um maior
controle dos rituais escolares. E se até o tempo pode ser precisamente medido, por que não
medir e quantificar com precisão também o nível de compreensão e reprodução de
conhecimentos? É tal a influência do tempo no processo de ensino que a escola
contemporânea vê-se totalmente comprometida com a sua racionalização, esta passa a ser um
dos critérios de diferenciação entre o bom e o mau aluno, conforme a capacidade de
compreender e reproduzir conhecimentos precisos em tempos e prazos preestabelecidos.
A contribuição do relógio mecânico para a área tecnológica é fundamental, na
medida em que tenta abrandar o clima de eterno confronto que obstaculiza sobremaneira uma
postura digna de quem realmente se preocupa em desvendar os mistérios da ciência. Esta
postura de confronto tem que desaparecer, sob pena de estar inviabilizando-se uma área de
conhecimento que, mesmo alguns não concordando com seus pressupostos, deveria ser posta
20
à disposição de estudantes e professores como fonte de inestimável valor para a análise da
produção de conhecimento tanto na área de ciência e tecnologia quanto na área de filosofia.
Desta forma, Bunge (1987, p.75) explica que:
A filosofia da tecnologia ainda é raquítica, em boa parte porque alguns filósofos da
tecnologia confundem a tecnologia com os efeitos nocivos de suas aplicações.
Muitos filósofos limitam-se a declarar o lugar-comum de que a tecnologia – produto
tipicamente humano – desumaniza o homem.
Visando complementar o raciocínio acima, alguns tecnólogos confundem as
interpretações filosóficas com pensamentos puramente metafísicos, os quais somente fazem
confundir o espírito altamente racional da tecnologia. É este confronto equivocado que tem
de ruir sob pena de obstruir uma concepção filosófica mais crítica para o ensino de
Eletrotécnica. Portanto são necessárias análises desapaixonadas e neutras, no sentido de
procurar o que é mais importante para o ser humano, ou seja: para o seu bem-estar.
Snow (1995) quando trata desta dissociação entre o que ele chama de duas
culturas, ressalta a importância da educação neste processo. Não como a panacéia - solução
para todos os males - mas como um forte componente na superação destes obstáculos. Desta
forma, Snow (1995, p. 127) aponta especialmente a:
[...] educadores e educandos, e externei algo que podemos compreender e que está
ao nosso alcance. As mudanças na educação não irão, por si sós, solucionar os
nossos problemas. Mas sem essas mudanças, nem sequer compreenderemos quais
são os problemas.
1.3.1
Enfoque Ideológico
Por outro lado, em áreas em que reconhecidamente as interpretações filosóficas
são mais freqüentes a questão se confunde pelo lado inverso, o ser político se confunde com
21
o ser partidário. Este tipo de constatação incentiva o confronto entre a ciência e tecnologia e
a Filosofia, porque cria animosidade a qual afasta as discussões do campo das idéias. Tratase de uma questão menor, mas que inviabiliza as questões ideológicas, as quais deixam de
refletir na educação, que não são tratadas por filósofos e tecnólogos em conjunto. É preciso
muita maturidade e disposição para ceder em determinadas posições, que, às vezes, são
necessárias, mas que podem ser fundamentais nesta aproximação necessária. Giroux (1983,
p. 212-213) aborda o significado de ideologia, explicando- a como um:
[...] construto crucial para se entender como o significado é produzido, transformado
e consumido por indivíduos e grupos sociais [...] ela escava abaixo das formas
fenomenais de conhecimento de sala de aula e práticas sociais, e ajuda a localizar os
princípios estruturantes e as idéias mediadoras entre sociedade dominante e as
experiências diárias de professores e alunos. Como um construto político, ela [...]
questiona por que os seres humanos têm um acesso desigual aos recursos
intelectuais e materiais que constituem as condições para a produção, consumo e
distribuição de significado. [...] A ideologia, portanto, ‘fala’ à noção de poder,
acentuando os modos complexos pelos quais as relações de significado são
reproduzidas e por que se luta por elas.
1.4 A Relação Professor-Aluno no Contexto Profissional
Algumas questões que se apresentam neste estudo são relevantes para a
instituição e para o professor saber quem é o aluno e como ele se comportaria como sujeito
cognoscente numa sociedade em constante mutação. Para a instituição, ou para a
comunidade profissional, interessa saber quem é o professor e o que se deseja do futuro
formando em eletrotécnica. Mas faz-se necessário saber ainda, quais os papéis esperados dos
eletrotécnicos na escola, como alunos; e na sociedade, na qualidade de indivíduos e cidadãos
profissionalmente ativos.
Em princípio, tradicionalmente considera-se, em especial na área técnica, o aluno
como um recipiente vazio de conhecimentos técnicos e científicos. Tal visão remota às bases
positivistas da eletrotécnica, as quais professam a neutralidade dos indivíduos e a sublimação
22
da ciência como verdades absolutas. Resulta, entretanto, uma estruturação linear dos
diversos conteúdos tecnológicos numa grade curricular coerente e enxuta, formando um
corpo de conhecimento independente ao qual o aluno irá ser introduzido: a eletrotécnica. Por
outro lado, as aulas formais e os conteúdos disciplinares são apresentados segundo uma
estrutura hierárquica bem definida, na qual os papéis a serem desempenhados pelos seus
participantes estariam historicamente definidos.
Neste modelo, o professor – detentor do conhecimento - é o centro do qual
irradiam todas as ações em sala de aula. Ou seja, é o docente quem define os ritmos e as
intensidades com que se deve desenrolar a programação didática. Do professor, também,
espera-se uma reprodução limpa e precisa das formulações canônicas, ou seja, daquelas
soluções clássicas, isentas, portanto, dos erros superados, no sentido comum de apartadas das
impressões pessoais, sendo assim supostamente precisas e neutras, que são estritamente
técnicas.
Como o conhecimento estaria totalmente estruturado, não se consideraria à
possibilidade de ações problematizantes, as quais poderiam ser utilizadas como estímulo para
a construção do conhecimento dos alunos. Posto desta forma, cada conhecimento abordado,
perfeitamente estruturado, adquire para o aluno um caráter hermético, quase dogmático, ou
seja, não possibilita sequer uma abertura para discussões estruturantes, que são tão fecundas
para o desenvolvimento da criatividade. Assim, conceitos transformam- se em leis, e ensino
em regras de procedimento.
Nesta mesma visão, o professor espera que o aluno assuma uma atitude atenta,
bem comportada, que faça as perguntas certas nas horas certas, ou seja, que o estudante siga
os padrões sociais esperados para a comunidade dos eletrotécnicos, na qual o discente foi
formado. Sendo, portanto, um membro de uma coletividade - a da Eletrotécnica - deveria
adotar e ratificar diuturnamente os seus preceitos básicos, ação que o confirma cada vez mais
23
como pertencentes a este grupo que professa uma determinada maneira de pensar e de agir.
Portanto, o professor tem de exigir de seus alunos comportamentos que ele próprio identifica
como adequados para quem almeja participar de seus quadros, mesmo que esses
comportamentos não estejam em consonância com as exigências da sociedade atualmente.
Aulas expositivas, bem organizadas, que permitam a atuação neutra dos
indivíduos dela participantes, afiguram-se como mais proveitosas, pois permitem transmitir
mais e melhor o conteúdo. As possíveis perturbações que poderiam quebrar a seqüência da
transmissão do conteúdo ficam assim afastadas, garantindo, dessa forma, um fluir lógico da
reprodução dos conhecimentos estabelecidos.
Esse modelo de ensino remete às lembranças do ensino tecnológico desenvolvido
na França no século XVII, como relata Petitat (1994) o não entendimento pode ser encarado
como falta de atenção por parte do aluno, ou como uma deficiência da lógica da transmissão
do conhecimento, mas jamais como relativo a aspectos os quais estão vinculados,
essencialmente, com a própria constituição do conhecimento. Desse modo, se o aluno não
entende, repete-se o trecho não assimilado, para melhor firmar a mensagem a ser transmitida,
o que em geral acontece uma vez, pois o aluno normalmente desiste de perguntar, ante a carga
de compromissos comportamentais que o sistema lhe impõe e que o próprio ratifica. Outras
vezes, muda-se a forma de repetir, na esperança de que, desta maneira, possa surgir uma
forma de abordagem auto-explicativa.
Uma conseqüência direta desse comportamento aparece nos processos de
avaliação, cuja medida de assimilação do conteúdo programático é determinada pela
fidelidade e rapidez na sua reprodução por meio de provas escritas. Cultua-se, assim, a
reprodução precisa de conteúdos, a obediência às regras, o respeito pela hierarquia social, a
aceitação daquilo que está posto, sem que se valorize a construção individual de
conhecimentos.
24
Mas os alunos também trazem para o ambiente escolar uma carga cultural que os
faz reproduzir acriticamente comportamentos. Em função desta carga, os mesmos esperam
que o professor seja o mais objetivo possível na apresentação do conteúdo disciplinar e que
lhes demonstre familiaridade com o assunto que irá transmitir, a qual, segundo entendimento
do discente, demonstra conhecimento e confiança. Este comportamento faz parte das
expectativas dos alunos a respeito do que seria ser um bom profissional, que agiria, portanto,
com precisão técnica.
Aliando precisão técnica à sua visão das relações pedagógicas, os próprios
professores passam a ratificar, por meio de seu comportamento, a missão de representar o
profissional-eletrotécnico em ação mesmo no sistema de ensino. Nesses casos, os alunos
agem tratando o sistema ensino aprendizagem da mesma forma como as regras não escritas da
profissão, cobrando do docente o tratamento dos seus objetos técnicos de trabalho.
Se os conhecimentos são abordados de forma mediada, portanto, sujeitos a erros e
às inerentes não-linearidades dos processos de pensamento, inseridos em contextos históricos
os quais conduziram à sua elaboração, torna-se realmente difícil construir modelos fechados
que dêem conta de descrever os conhecimentos e explicá-los definitivamente.
25
2 CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E SUAS IMPLICAÇÕES
Depois da análise histórica e ideológica realizadas, uma série de assuntos
relacionados com as implicações da ciência e da tecnologia junto à sociedade contemporânea
ajuda a sedimentar as afirmações apresentadas abaixo. Logo, busca-se encaminhar algumas
discussões para enfatizar a importância que esses temas devem assumir nos cursos técnicos
em eletrotécnica. Ou seja: o compromisso de proporcionar análises reflexivas sobre a relação
que compromete o ensino desenvolvido nas escolas e a atuação consciente do futuro
eletrotécnico na sua profissão é um dos objetivos deste trabalho. Discutir entre os professores
a relevância de uma sólida formação nesta área de conhecimento para atingir o estudante,
incutindo nele a responsabilidade de refletir e de trabalhar as repercussões da ciência e da
tecnologia ao longo da história, na intenção de demonstrar que a posse de assuntos desta
natureza deve servir de agente motivador com o propósito de manter a permanência dos
estudantes nos bancos escolares.
2.1 A Relevância Do Tema
A sociedade vive, atualmente, sob os auspícios e domínios da ciência e da
tecnologia, e isso ocorre de modo tão intenso e marcante que é comum à confiança empregada
nelas como se confia em uma divindade. Esse comportamento ficou tão arraigado na vida
contemporânea, que fomos levados a pensar desta maneira durante toda nossa permanência
nos bancos escolares. Porque a lógica primordial do comportamento humano é a lógica da
eficácia tecnológica, ou seja, suas razões são as razões da ciência, como exemplo disso tem-se
as notícias do cotidiano que exacerbam as virtudes da ciência e da tecnologia; os produtos são
vendidos calcados nas suas qualidades embasadas em depoimentos científicos. É uma relação
26
tão profunda a que se estabelece entre a sociedade e as máquinas que se traduz em incoerência
e grave omissão as escolas técnicas não procurarem ter uma atuação mais presente nas
análises de seus resultados.
As avaliações da ciência e da tecnologia e de suas repercussões na sociedade
precisam, seguramente, tomar rumos mais claros e intensos nas atividades didáticas. Esses
debates e discussões têm-se tornado permanente na maioria das instituições de ensino no
mundo, porque realçam a sua pertinência e reforçam a necessidade de seguir o mesmo
caminho nas escolas que trabalham a ciência e a tecnologia no Brasil. E não se trata de avaliar
apenas os possíveis impactos que fatalmente a ciência e a tecnologia causam e causarão na
vida dos que participam do processo educacional mas, principalmente, descobrir o irreversível
a que esses usos conduzirão
A propaganda que se faz da ciência e da tecnologia - provavelmente, com vistas a
melhores resultados das questões de ordem econômica - é tão intensa que uma parcela
significativa das pessoas acredita que, em quaisquer circunstâncias, podem ser tidas como
amigas leais, que arrastam consigo apenas benesses para a sociedade.
Postman (1994, p.12) coloca, em relação à tecnologia, duas razões para esse
julgamento, descrevendo- as da seguinte forma:
Primeiro, a tecnologia é uma amiga. Torna a vida mais fácil, mais limpa e mais
longa. Pode alguém pedir mais de um amigo? Segundo, por causa de seu
relacionamento longo, íntimo e inevitável com a cultura, a tecnologia não convida a
um exame rigoroso de suas próprias conseqüências. É o tipo de amigo que pede
confiança e obediência, que a maioria das pessoas está inclinada a dar porque suas
dádivas são verdadeiramente generosas. Mas é claro, há o lado nebuloso desse
amigo. Suas dádivas têm um pesado custo. Exposto nos termos mais dramáticos,
pode-se fazer a acusação de que o crescimento descontrolado da tecnologia destrói
as fontes vitais de nossa humanidade. Cria uma cultura sem uma base moral. Mina
certos processos mentais e relações sociais que tornam a vida humana digna de ser
vivida. Em suma, a tecnologia tanto é amiga como inimiga [...].
Não se pode crer, no entanto, que apenas uma maior vontade de educar em ciência
e tecnologia seja suficiente para resolver os inúmeros problemas que estas questões arrastam
27
consigo. Principalmente, quando, se é que efetivamente ocorre, esta vontade se apresenta da
forma como tem-se configurado nos currículos dos cursos de eletrotécnica, nos quais
perpetua-se internalismo tecnicista2. Igualmente se estaria dando uma resposta vazia;
destinada ao fracasso, pois não leva em conta a estrutura inerente de valores ideológicos que a
ciência e a tecnologia carregam do contexto social.
O que se pretende, na realidade, é alcançar uma compreensão cada vez mais
sofisticada dos mecanismos internos e externos da ciência e da tecnologia e, por extensão, da
eletrotécnica, situando essa compreensão no contexto de uma interpretação de ambas, ciência
e tecnologia, como processos sociais. Esta compreensão precisa ser feita verificando-se, em
algumas situações, o caráter ambiental3 e socialmente destrutivo de muitas das atividades
inerentes a estes processos. Com este objetivo, é preciso reconhecer, como essencial para a
própria sobrevivência da ciência e da tecnologia, os danos
4
causados pela sua utilização, e
não apenas minivarolizá-los como efeitos secundários ou conseqüências não previstas.
2
Agassi (1996) comenta que, em particular, é muito forte esta tendência sociológica que tem alimentado uma
extenuante polêmica entre os que propugnam uma abordagem interna e aqueles que defendem uma abordagem
‘externa’ da ciência. Hoje em dia, isto parece estar esgotado pela inércia, mas também porque, em substância,
uma abordagem da ciência não pode ignorar nem os aspectos externos – pela sua alta dependência dos valores
sociais – e nem os aspectos internos – por causa de sua própria metodologia de abordagem.
3
Elliot (1997) traz um estudo bem atual sobre as implicações do uso de energias decorrentes do
desenvolvimento científico-tecnológico no comportamento do meio ambiente na sociedade contemporânea.
Entre os inúmeros assuntos abordados nessa obra, pode-se destacar as questões da alternativa nuclear, a
tecnologia sustentável, o desenvolvimento sustentável e uma perspectiva global sobre um futuro também
sustentável.
4
O dano é particularmente evidente no fenômeno da contaminação industrial. Na maior parte dos casos, os
produtos e os dejetos industriais nocivos poderiam ser neutralizados perfeitamente por meio de dispositivos
técnicos apropriados. Mas tais meios não são aplicados por parte dos que produzem a contaminação, sobretudo
com o objetivo de economizar dinheiro, deixando por conta da ‘natureza’ semelhante responsabilidade. Em
outros termos, o controle da ciência e da tecnologia pela própria ciência e tecnologia tem necessidade de uma
decisão explícita e de um compromisso que não vêm impostos por elas mesmas, mas que implicam uma
responsabilidade moral e social localizadas em outro âmbito, ou melhor, uma vontade pública ou privada.
Continuando na análise pode-se falar dos efeitos de uma inovação tecnológica que podem permanecer
desconhecidos durante grande tempo e escapar assim da possibilidade de serem submetidos a um rigoroso
controle. Pode-se lembrar, por exemplo, a quantidade de casos em que o câncer tem-se revelado como uma
possível conseqüência de alguns produtos químicos ou de alimentação, conforme Agazzi (1996).
28
2.2 Um Comportamento Conformado
A tecnologia, com maiores ou menores impactos, tem coordenado a vida de seus
usuários, porque estes estão à mercê de sistemas interconectados, transistores, bytes, placas,
hardware, software e, o que é mais grave, as pessoas sentem-se subservientes à autoridade da
tecnologia, moldando todos ao seu funcionamento.
Esse sentimento converte, gostando ou não, em participantes de uma nova ordem
na história da humanidade, acantonando em um sistema que coloca os participantes face a
face com uma cultura que é chamada de tecnopolista5, sujeitando-os ao que Winner (1987),
pertinentemente, chama de sonambulismo tecnológico.
Este sonambulismo vem ao encontro do que exaustivamente é repetido ao longo
das argumentações e tem estreita ligação com a forma como a sociedade se relaciona e
comporta-se frente à tecnologia. Em corroboração a estes aspectos não é incomum que ainda
não se encontrem respostas para perguntas que constantemente estão postas à avaliação,
como. Por que é tão difícil a elaboração de uma filosofia da tecnologia? Por que uma cultura
tão firmemente embasada em incontáveis instrumentos, técnicos e sistemas sofisticados
permanece imutável no que se refere à resistência em examinar os próprios fundamentos de
todos esses aparatos criados pela tecnologia?
Winner (1987, p. 23) parece colocar algumas questões que podem começar a dar
uma resposta a este sonambulismo tecnológico afirmou que:
5
Postman (1994) traz um interessante ensaio sobre os comportamentos humanos atuais. Apesar da obra ser
fundamentada para a sociedade americana, a sua atualidade e pertinência pode ser estendida a todos os países do
mundo. Trata-se de um texto incisivo e, algumas vezes, sarcástico. Este autor, porém, sempre se mostra otimista
em relação à reversão do tecnopólito, desde que algo seja feito nos campos político e educacional.
29
Grande parte destas respostas podemos encontrar na assombrosa influência da idéia
de progresso no pensamento social durante a era industrial. No século XX se
acredita em geral que os únicos meios confiáveis para o melhoramento da condição
humana provêm das novas máquinas, substâncias químicas e as mais diversas
técnicas. Inclusive os recorrentes males sociais e do ambiente que acompanham os
avanços tecnológicos raras vezes têm afetado esta fé. Ainda é um requisito prévio
que a pessoa que queira postular um cargo público assegure sua confiança férrea em
que existe um laço positivo entre desenvolvimento técnico e bem-estar e afirme que
a próxima onda de inovações seguramente será nossa salvação.
Na realidade, a ciência e a tecnologia não estão apenas transformando as vidas
para melhor, mas, em muitas situações, fazendo-as mais perigosas. Percebe-se a própria
realidade por meio de máquinas e artefatos, como o mundo externo como o interno, ou seja,
aquele que termina dentro de nossos corpos e mentes. Concebe-se a forma como em grande
parte de nossa existência nos foi posto e ensinado como complexas máquinas físico-químicas
com um cérebro que, segundo investigações realizadas nas últimas décadas, tem resultado
análogo a um potente e complicado computador. Parece que, a partir da Revolução Industrial,
a própria construção coletiva da vida social está sendo conformada como se conformaram as
máquinas, seguindo um modelo instruído por Adam Smith e consubstanciado na sociedade
contemporânea, de acordo com González e López (1996).
Uma instrução adequada a respeito destas questões ensejaria o posicionamento
político consciente dos diferentes grupos e classes sociais em relação ao desenvolvimento
científico e tecnológico. Porque não se consegue alcançar este objetivo sem uma estratégia
eficiente. Portanto, se deixarem esta responsabilidade para a mídia, grande parte atrelada aos
sistemas de poder, a mensagem continuará sendo direcionada em tratar a ciência e a
tecnologia como mágicas ou como um conjunto de expressões da moda e de domínio apenas
daqueles bem-dotados. Logo, se estas questões não forem refletidas, caberá à sociedade,
principalmente ao homem comum, talvez somente, o direito de aceitar as imposições
30
científico-tecnológicas as quais alterarão sua vida. Continuando, desse modo, a ter um
comportamento conformado de acordo com os ditames da ciência e da tecnologia.
2.3 As Diferentes Faces da Ciência e da Tecnologia
A fim de não se tomar posições impensadas de supervalorizar ou não os pontos
positivos ou negativos, os efeitos e repercussões da ciência e da tecnologia no
comportamento humano, é que se têm claras as diferentes faces que elas assumem nas suas
estreitas relações com a vida cotidiana de todas as pessoas. Os aparatos, máquinas ou
instrumentos e produtos da atividade científica não são positivos ou negativos em si mesmos,
não se pode tomar este caráter irracional em análise, estar-se-íamos, pois, sendo animistas e
inconseqüentes, atribuindo a uma construção do próprio homem um comportamento que não
lhe é pertinente. O que se pode e dever-se-ia analisar, no entanto, é o uso que se faz destes
aparatos, máquinas e processos, e esta análise pode resultar negativo ou positivo, bom ou
mau para a vida humana.
É inegável a contribuição que a ciência e a tecnologia trouxeram para a
civilização nos últimos anos. Porém, apesar desta constatação, não se pode confiar
excessivamente nelas, tornando seus usuários cegos pelos confortos que elas proporcionam
cotidianamente por meio dos seus aparatos e dispositivos técnicos. Em conseqüência disso
pode haver resultados perigosos, porque, nesta anestesia que o deslumbramento da
modernidade tecnológica oferece, pode-se esquecer que a ciência e a tecnologia incorporam
questões sociais, éticas e políticas.
Tem-se que salientar que o que se pode fazer tecnicamente, deve-se fazer,
também, moralmente. Essas preocupações, relações e as diferentes interpretações criadas no
que se refere à tecnologia e o seu caráter neutro, que muitos querem atribuir a ela no sentido
31
de afastá-la das questões de ordem social e política, têm sérias repercussões na forma como
os conhecimentos são construídos nas escolas.
2.3.1 Uma Relação de Desconhecimento, Medo e Ufanismo
O medo da técnica ou da tecnologia não é assunto novo, ou seja, basta somente
recorrer à história recente da humanidade para perceber isso. A revolução causada pela
introdução da imprensa, no século XV, fruto de consideráveis melhorias num antigo
processo chinês, é um exemplo. O invento de Gutenberg, em 1450, que proporcionou a
disseminação de conhecimento numa velocidade até então desconhecida e que deu novo
dinamismo à cultura e à ciência, teve também os seus percalços. Os copistas, que na época
pacientemente reproduziam os livros letra por letra, em um instante, perderam seu valor.
Desta forma, uma nova máquina substituiu vários indivíduos. A introdução da máquina a
vapor, com as melhorias estabelecidas em uma, também, antiga invenção, por James Watt,
em 1764, é outro exemplo. Aliada ao tear mecânico multifusos, a máquina a vapor criou
condições para a revolução industrial, a qual sacudiu a humanidade.
Os choques provocados por essas e por muitas outras novidades e acontecimentos
relacionados à tecnologia podem ajudar a compreender o que se passa na sociedade atual.
São sugestões para encarar as novas tecnologias e trabalhar os seus impactos sem
medos e sem ufanismos: cautela, uma dose de reflexão de suas vantagens e limitações e,
acima de tudo, uma contextualização das suas implicações. A revolução industrial causa
problemas até hoje sentidos - poluição, degradação ambiental, acumulação de capital,
exploração de trabalho humano - permite confortos de que ninguém quer abdicar medicamento, televisão, carro, telefone, geladeira. A imprensa desempregou os monges
32
copistas, mas ela também permite, hoje, que cada aluno tenha o seu livro, que todos possam
ler jornais diariamente e que se montem bibliotecas em cada cidade ou em cada escola.
Em decorrência desses acontecimentos, nos anos 60 do século XX, registravamse frases de ufanismos em relação à ciência e à tecnologia, como a seguinte, dita pelo diretor
do Oak Ridge National Laboratory – Tennessee, Alvin Weinberg apud (Dixon, 1973, p.2),
Quando a história olhar para o século XX, verá a ciência e a tecnologia como seu
tema [...] Verá nos monumentos da Big Science – os enormes foquetes, os
aceleradores de alta energia, os reatores de pesquisa de alto fluxo – símbolos de
nossa era, tão certamente quanto Notre Dame o é da idade média.
2.4 A Ciência e a Tecnologia em Diferentes Contextos
A ciência é um determinado tipo de conhecimento, ou seja, não é o único. A
ciência é um conhecimento que busca leis explicativas gerais, estabelecendo conexões entre
fatos e fenômenos, existe há muito tempo, como uma importante atividade humana. Desde os
babilônios, os egípcios e outros povos mais antigos a ciência era desenvolvida por
curiosidade, mas, foi a partir desta curiosidade, gerando muitos resultados importantes
utilizados pelo homem até hoje. Foi na Grécia e em alguns outros povos, na época clássica,
que a ciência surgiu em convivência paralela e estreita com a Filosofia6.
Apesar de todas as interpretações, que por motivos diversos na área de
conhecimento tecnológico, são muitas vezes levadas a extremos, geralmente, tanto a ciência
6
Por esta razão, até há pouco tempo a opinião geral era de que as civilizações clássicas – incluídas aqui a
helênica e a romana – não tiveram êxito do ponto de vista tecnológico. Porém, como têm colocado alguns
críticos, esta opinião é exagerada. Em primeiro lugar, houve alguns avanços tecnológicos importantes na época
clássica e é possível que a sua importância tenha sido subvalorizada pelos poucos testemunhos literários e
arqueológicos que ficaram. Em segundo lugar, tinha-se a noção de que a ciência, mais do que ser simplesmente
admirada, deveria também ser aplicada a objetivos concretos. Parece, entretanto, e aqui pode residir o aspecto
mais forte desta afirmação, que outros valores eram mais considerados pelos gregos e romanos. Mas é certo que
as áreas da ciência que mais lhes interessavam lograram grandes e profícuos êxitos, conforme Mokyr (1990, p.
15).
33
quanto à filosofia são a mesma em suas origens, ou seja, ambas buscam a racionalização do
mundo e a tentativa da eliminação do mito.
Ao longo da história humana existiram pessoas, além dos gregos, que assumiram
conjuntamente, entre as suas prioridades de estudos tanto a filosofia quanto à ciência,
desenvolvendo com capacidades de análise e reflexão extremamente acuradas. Entre eles
pode-se citar os mais famosos da antiguidade: Tales, Pitágoras, Platão, Epicuro, entre outros.
A ciência se constituiu em uma atividade extremamente relevante no
desenvolvimento da história. No entanto, apesar de todas as evidências desta importância para
a civilização, até o século XVII, a ciência teve pouca relevância para a vida humana.
Efetivamente a ciência se implantou como saber e conhecimento, no conceito
dominante da época, capaz de transformar a natureza e influenciar as reflexões dos homens,
por meio de Galileu. Nesta perspectiva, a ciência, desde os finais do século XVII, tem-se
convertido em fator determinante para o desenvolvimento e comportamento da sociedade
contemporânea.
Nessa evolução é necessário fazer referência aos séculos XVI e XVII com a
chamada Revolução Científica, na qual aparece a ciência moderna, proporcionando uma
mudança radical na forma de conceber seu comportamento e estrutura. Produziu-se, portanto,
a maior revolução em termos de conceitos estabelecidos pelo ser humano, como: a física se
opõe à ciência grega que dizia ser a Terra o centro do universo; o modelo geocêntrico dá lugar
ao modelo heliocêntrico, abalando estruturas, costumes e convicções. Começa a estabelecerse, mesmo que não admitida explicitamente, a dependência do comportamento humano aos
desenvolvimentos científicos e às suas interpretações. Newton ao utilizar as contribuições de
Copérnico, Kepler e Galileu, parte para uma sistematização desses conhecimentos e
conceitos, consolidando com a física clássica e, por decorrência, estabelecendo o despertar de
uma nova ciência.
34
Atualmente, com a ciência moderna os métodos, as abordagens e as interpretações
precisam mudar, porque essa nova ciência gerou uma tecnologia assombrosa e que
constantemente se vê frente à responsabilidade de descrever relações entre fenômenos
quantificáveis, comprovar a regularidade de suas aparições e, ainda, como decorrência de uma
nova ordem sociológica, decifrar as repercussões destes fenômenos na dinâmica do meio
ambiente e as conseqüências destas criações no desenvolvimento do ser humano. Portanto,
precisa haver mudança tanto na forma de fazer a ciência e a tecnologia, quanto na forma de
trabalhá-las no processo educacional.
2.4.1 Uma Função Significativa nos Currículos
Em decorrência dos aspectos surgidos pelas mudanças conceituais dentro do
tratamento da ciência com suas diferentes abordagens; a ciência é uma atividade social,
estando sujeita a mudanças estruturais, variações e, sem dúvida alguma, permanecendo
atrelada a uma infinidade de outros interesses. Segundo Ayarzagüena et al. (1996, p.31), a
construção social da ciência abarca uma ideologia que pode ser vista dentro de três funções
principais que servem de subsídios para sua futura compreensão dentro dos processos de
ensino:
a) Representação do mundo – esta situação se repete que, queira ou não, o ser
humano vive numa sociedade científico-tecnológica; a ciência é um dos elementos que os
definem como projeto social.
b) Legitimação – neste mundo contemporâneo, só se legitimar o que passa pelo
crivo científico; a ciência avaliza e converte-se na única forma de dar razão às coisas. Nos
dias atuais, confunde-se racionalidade científica com racionalidade e, com conhecimento
científico.
35
c) Encobrimento – chega-se a pensar, em muitas situações, que a única solução
para os problemas está na ciência. Esquece-se – ou faz-se esquecer – que nem todos os
problemas são de caráter científico-tecnológico. Logo, precisa-se trabalhar o fato de que a
ciência, mais técnica, não significa, necessariamente, vida melhor para todos.
Este tripé, presente no jogo de interesse dentro dos currículos das escolas, das
instituições, ou seja, dentro da sociedade, possui conteúdo ideológico suficiente para justificar
o desenvolvimento de estudos em ciência, tecnologia e na busca da implantação de uma
Filosofia que permita tratar das questões da sociedade sem a idealização de uma ferramenta
mágica para imediata e pronta solução dos problemas.
2.5 A Necessidade (e a Possibilidade) de uma Nova Filosofia
É mais do que razoável supor que uma sociedade plenamente comprometida com
a fabricação de realidades artificiais impõe dúvidas, medos e ufanismos, faz-se necessário
pensar com intensidade na natureza deste compromisso. Seria mais do que lógico e natural
pensar que uma filosofia da tecnologia pudesse aflorar exuberante dentro de uma escola
técnica, gerando discussões e debates entre professores, estudantes e as demais pessoas as
quais formam a comunidade técnica.
A tese da dependência social da ciência e da tecnologia vem ganhando adeptos,
adquirindo uma presença cada vez mais forte, empurrando as instituições que trabalham com
estas áreas a buscarem subsídios nos campos sociológicos e epistemológicos com o intuito de
ajudarem a desvendar e a resolverem algumas pendências que favoreçam o aprendizado nas
escolas técnicas. A filosofia da tecnologia deve surgir como uma tentativa de procurar
respostas a alguns dos principais problemas desta época. Porque estes problemas têm a sua
origem nos impactos do fazer científico-tecnológico no âmbito da questão ecológica e da
36
questão social e cultural, pois a racionalidade científico-tecnológica conduz a mudanças e
crises, inclusive na forma de compreensão do próprio ser humano.
Esta
filosofia,
como
as
demais,
vive
e
necessita
de
uma
ampla
interdisciplinaridade, deve elaborar suas reflexões a partir das experiências tecnológicas que,
constantemente, vêm alterando a visão de mundo. A Filosofia deveria tratar, na realidade, de
muitos outros temas, entre os quais se pode enumerar: a busca de uma definição clara do que
seja tecnologia e o que realmente representa para o bem-estar do ser humano; o estudo da
vinculação entre progresso social e progresso tecnológico, envolvendo os seus
questionamentos e dúvidas; análise sobre as complexas relações entre a ciência e a tecnologia;
o questionamento e a elaboração de critérios de comportamento sobre a problemática ética os
quais comportam a ciência e a tecnologia dentro do seu entorno sócio-cultural. A filosofia da
tecnologia deveria carregar consigo uma função crítica permanente, para estar constantemente
em sintonia com as imagens do homem que a ciência e a tecnologia promovem dentro das
estruturas sociais.
Existem, indubitavelmente, inúmeras questões que merecem ainda muitas
investigações. Algumas de caráter conceitual que podem interferir, inclusive, na forma de
abordar estas colocações. Uma delas diz respeito ao fato de que, na filosofia atualmente, ainda
continua a existir uma ambigüidade no uso dos termos: técnica, tecnologia, e ciência; embora
esteja generalizando-se a idéia de utilizar técnica como um termo genérico e tecnologia para
referir-se às técnicas industriais com base na ciência e no entorno social.
A Filosofia da Tecnologia surge em função de uma nova dinâmica que move o ser
humano, em que os problemas filosóficos estão mesclados com as técnicas industriais de base
científica e com as suas repercussões sobre o meio ambiente e o meio social os quais farão
uso da dinâmica. Pode-se dizer que, somente nas últimas décadas, a Filosofia da Tecnologia
vem configurando-se como uma área especializada da Filosofia, apesar de muitos
37
profissionais insistirem que é indispensável para seus propósitos. No entanto, esta mudança é
incontestável e portanto, sem dúvida, à própria transformação experimentada pela ciência e
pela tecnologia, transformação esta devido àqueles que negam o valor da sua análise não tão
mecanicista sobre suas criações e ao destaque que adquiriram no mundo atualmente.
A transformação retumbante iniciou-se com a Revolução Industrial nos séculos
XVIII e XIX. A partir dessa revolução, graças principalmente ao modelo capitalista e à alta
dependência da produtividade industrial, o predomínio da técnica foi decisiva no
comportamento social. Atualmente, este aspecto, salvaguardando a devida proporção, é talvez
mais exacerbado em função da velocidade com que a tecnologia toma conta da vida das
pessoas. Ou seja: é a eletrônica, a informática, os projetos genéticos que podem mudar
completamente a civilização humana; são os recentes materiais, a tecnologia nuclear, enfim,
os artefatos que fazem dependentes e usuários de maravilhas que muitas vezes tiram a
racionalidade da análise de seus resultados. Dentre essas preocupações, os traços que mais se
evidenciam no aparecimento de uma filosofia tecnológica, sem dúvida, são os que estão
relacionados com o sistema cultural deste tempo, ou seja, sua indiscutível vinculação ao
conhecimento científico, sua forte potência de transformação da realidade, bem como a forma
aparentemente autônoma e imperativa de seu acelerado ritmo de desenvolvimento.
2.6 Apostando no Processo Educativo
O cientista e o usuário da ciência que a transforma em tecnologia começam a
sofrer rechaços da opinião pública dado o seu posicionamento equivocado em fingir que seus
trabalhos, são independentes do resto de suas vidas. Este posicionamento tem-lhes trazido
uma espécie de hostilidade do público geral, em decorrência de suas próprias faltas. Também
os professores e demais profissionais da área técnica deixam a cargo de uma imprensa não
38
especializada a conscientização dos resultados positivos e negativos desta ciência que várias
vezes, por meios de sensacionalismo, trata a questão de forma equivocada.
Esta interferência indubitável começa a atingir a vida familiar e os processos
educacionais. Os filhos - animados pelo uso das grandes realizações e confortos, dos quais os
pais e avós, na maioria das vezes, são os mentores - tornam-se indefesos. Qual criança que se
visse, de um momento para outro, enfrentando a dura realidade de um mundo cada vez mais
agressivo em constante mutação para o desconhecido e encarar essa realidade. Sente-se a
necessidade inadiável de criar ambiente que lhe dê condições a fim de enfrentar os problemas
com os quais se defrontarão. Que estes problemas sejam estudados, refletidos e, quem sabe,
resolvidos.
Portanto, as questões educacionais evidenciadas devem procurar perder o excesso
de paternalismo com o qual cuidam da juventude. Passa sem ser percebido, em função das
inúmeras atribuições que a vida moderna incute, que a escola para cumprir seus ditames
formais, força os alunos a exercerem muitas atividades para ocupar-lhes a semana de
trabalhos rotineiros, castrando, assim, sua capacidade de criar e refletir.
Em uma reflexão de ordem pedagógica os professores julgam-se muito mais
capazes de observar, corrigir e refletir pelos discentes, medindo o aprendizado por meio muito
mais de exercícios de repetição do que de qualquer outra atividade abstrata que lhes
desenvolva o raciocínio. Parece mais fácil e mais seguro, somente que, em vista das
revoluções e mutabilidades apresentadas neste trabalho, sob tais condições se esta pondo em
risco a oportunidade para progredir e a própria possibilidade da construção de conhecimento,
tornando impossível uma mudança nesta característica cultural que se arrasta há tanto tempo.
Se não se quer que esta relação de aprendizado de ciência e tecnologia se
perpetue, carregando consigo os medos, os ufanismos e o desconhecimento, não se pode
alimentar o conformismo, a ponto de não permitir que os estudantes estruturem seriamente
39
uma idéia e não busquem reflexões. Tem-se que discutir a possibilidade de, no início,
compreender aquilo que o professor deseja fazer e também de não saber como fazer, porque o
caminho que conduz ao aprendizado inclui sucessivos erros, portanto a precisão e a ordem
vêm depois. Deve-se, portanto, usar a dúvida como uma ferramenta e não como uma mazela
que deveria ser prontamente extirpada do processo construtivo do aprendizado. É comum,
entre os professores, querer poupar os estudantes de reflexões críticas, concedendo-lhes mais
tempo para tarefas mais relevantes na formação do técnico em eletrotécnica, esta postura é
imensamente cerceadora da liberdade do pensamento que vai, inclusive, refletir na própria
formação mecanicista que tanto está consumindo a criatividade dos alunos. Procura-se usar
com eles um código de comunicação que facilite a sua tarefa de não precisa pensar.
São estas preocupações que têm levado alguns profissionais ligados ao ensino de
ciência e tecnologia – eu aqui me incluo - a desempenhar um papel ativo na busca de tornar
públicas estas questões que interferiram a vida desses profissionais. Porém, muitos continuam
com suas posições imutáveis, pensando e falando como antes, incapazes de compreender as
circunstâncias – na maioria dos casos não por desconhecimento, mas por vontade própria,
para poder usufruir a privilégios que esta postura proporciona – radicalmente mudadas e com
aquelas posições prosseguem com sua profissão. Por que será que alguns professores e
cientistas não se conformam com as mudanças e continuam com sua velha atuação junto aos
seus alunos e à sociedade? Será que é a sua posição dogmática do infalível que estará caindo
por terra? Ou querem continuar como mágicos na busca de repassar conhecimentos que
fatalmente levarão ao maior conforto humano, independentemente, de a quem está servindo?
Fourez (1995, p.21) separa estes códigos entre restrito e elaborado, de acordo com
a citação apresentada:
40
Consideremos como a noção de ciência é utilizada no código restrito e no código
elaborado. O código restrito é aquele utilizado na maior parte dos cursos de ciências
[também o é nos curso tecnológicos]. Supõe- se saber do que se fala, e não se exige
reflexão ulterior. Porém, caso se procure fazer uma idéia do que seja em definitivo a
ciência, isto é, dar uma interpretação que faça sentido para nós, a tarefa se faz mais
complexa. Todas estas interpretações não são equivalentes. Nesse nível
interpretatório, a noção que se tem da ciência será ligada, graças a uma linguagem
elaborada, a outros conceitos, tais como a felicidade dos humanos, o progresso,a
verdade etc. essa linguagem elaborada – essa filosofia da ciência – permitirá uma
interpretação daquilo que a linguagem restrita diz respeito da ciência. Além disso, a
palavra ciência pode por vezes aprisionar, por exemplo, quando alguns passam a
impressão de que, uma vez que se falou de cientificidade, não há mais nada a fazer
senão se submeter a ela, sem dizer ou pensar mais nada a respeito. Um filósofo
crítico ou emancipatório da ciência procurará portanto compreender como e por que
as ideologias da cientificidade podem mascarar interesses de sociedade diversos.
Dixon (1973, p.8) detectava há vinte anos, com muita propriedade, este problema
de intocabilidade de certos profissionais nas suas atuações e que se mantém, em muitos casos,
até os dias de hoje, como é possível ler nas suas palavras:
De repente os cientistas estão sendo analisados. Enquanto os artistas profissionais
– poetas, pintores e compositores – prosseguem seu trabalho numa posição social segura – se
bem que mal paga; enquanto encanadores continuam a consertar encanamentos; enquanto
médicos continuam a curar doenças, os cientistas enfrentam dúvidas crescentes quanto a seu
papel na sociedade. Não sabemos ao certo se gostamos da nossa civilização tecnocrata, e
duvidamos se queremos mais e melhores engenhocas e teorias mais brilhantes que nos levem
adiante na mesma estrada. O que quer que possa acontecer no futuro, continuaremos a
precisar da ciência e dos cientistas, nem que seja só para resolvermos os problemas que eles
criaram. Mas, no momento, os cientistas passam por uma menopausa coletiva, acometidos de
ansiedade sobre como sair dela. Alguns sairão ilesos, e até rejuvenescidos do processo. Outros
não.
Portanto, esse problema é conhecido pelo menos para os profissionais da área, os
quais em suas escolas que trabalham na formação dos futuros profissionais que atuarão neste
campo produzem discussões que possam trazer à tona semelhantes preocupações. Mas este
problema não está ligado somente aos professores que trabalham com tecnologia, ou seja, os
41
profissionais do outro lado – os humanistas, os filósofos da ciência, os sociólogos – os quais
criticam os tecnologistas somente com o objetivo de ficar procurando as mazelas da ciência e
da tecnologia, também não atacam a fundo semelhantes questões.
Enquanto os humanistas interagem com os outros aspectos da sociedade relutam
em examinar os efeitos e as conseqüências da ciência e da tecnologia na mutação social do
ser humano. Dixon (1973, p.8) comenta este aspecto com relação aos sociólogos, explicando
que:
Algumas das razões – para não se preocuparem com a ciência – são muitos claras –
sua complexidade intimadora e seu jargão, o sabor irreal e sufocadamente intelectual
da disciplina conhecida como ‘filosofia da ciência’, e a exclusão patológica do
conteúdo real dos assuntos científicos de publicações e periódicos especializados.
Mas, a negligência dos sociólogos a esse respeito continua sendo uma omissão
surpreendente e lastimável.
Como um começo na mudança desta cultura, ainda fortemente presente em nossa
civilização, precisa-se, de certa maneira, além da adoção de uma abordagem epistemológica,
levar em consideração outros aspectos fundamentais no ensino tecnológico. A educação nas
escolas técnicas não pode pensar em equipar os estudantes com conhecimentos e habilidades
para que os discentes consigam empregos na sua vida de adulto. Ou seja, as escolas precisam
muito mais: precisam tornar os jovens criativos e críticos em relação às realizações da
ciência e da tecnologia em que, em inúmeras situações, os próprios alunos ajudaram a criar;
precisa ajudá-los a pensar com respeito às aspirações de seus colegas e dos cidadãos; precisa
torná-los cuidadosos com a sua saúde – hoje fortemente dependente de muitos resultados
tecnológicos – precisa levá-los a pensar em um processo coletivo e nos resultados e
conseqüências dos artefatos científico-tecnológicos. A educação deveria, sobretudo, apontar
na direção do pensamento crítico da riqueza dos valores culturais e das dimensões morais e
espirituais da vida. Precisa ser levada aos jovens com estes pressupostos, independente, de
sua bagagem de conhecimento, sexo, credo, raça ou cor.
42
3 QUESTÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS NA FORMAÇÃO DOCENTE
Para que as transformações do modelo de ensino ocorram é fundamental uma
reestruturação das práticas didático-pedagógicas por meio de uma nova postura
epistemológica dos professores. Neste capítulo, buscam-se conteúdos e análises sobre os
problemas atuais do ensino técnico de eletrotécnica, em uma conversa reflexiva entre os
professores, principalmente, sobre as dificuldades no relacionamento direto com os alunos.
Sem supor um método, mas apontando e apostando em um direcionamento epistemológico
diferenciado do atual modelo positivista, são identificadas algumas ações as quais poderão
provocar alterações nas atuais práticas educacionais dos professores, podendo contribuir para
substanciais modificações no sistema de ensino técnico.
3.1 As Responsabilidades dos Professores
Currículos alterados, condições físicas de laboratórios melhoradas, sistemas
computacionais implantados, qualidade total do ensino técnico baseada no modelo industrial e
aplicada aos métodos educacionais são decisões que, estando a par de sua importância,
eternizam a procura da forma mágica de melhorar-se os processos de aprendizagem nas
escolas as quais trabalham com a ciência e com a tecnologia. Portanto, fundamentar-se no
estabelecimento de recursos materiais cada vez mais sofisticados, deixando em segundo plano
a formação didático-pedagógica dos professores parece constituir-se na inversão do problema.
Enquanto não se pensar no estabelecimento de linhas de investigação e estudos no
direcionamento didático-pedagógico, procurando suprir a formação dos professores não
apenas no aspecto técnico, sendo que as demais questões não passarão de adendos que
simplesmente procuram justificar a ineficácia dos cursos que sentem dificuldades em segurar
43
os próprios alunos com motivação suficiente a fim de abraçar a profissão. Portanto, necessitase mais do que o repasse puro e simples de técnicas, muitas vezes ultrapassadas, ou seja, fazse urgente à reflexão aprofundada de suas conseqüências no processo de aprendizado em
relação também às questões de ordem cognitiva.
As questões didático-pedagógicas acompanhadas da reflexão aprofundada da
conscientização humanística e sociológica dos professores podem provocar uma alteração
significativa neste quadro. E, ainda, com base nestes pressupostos, parece que um ensino
somente poderá ser considerado de qualidade se oportunizar uma efetiva construção de
conhecimento, e não apenas uma acumulação de informações repassadas em sala de aula, por
todos os indivíduos envolvidos no processo.
A motivação para certas atividades não nasce em um lampejo. É preciso uma
razão para justificar tal movimento que possa efetivamente apontar uma possibilidade real de
mudança. Nada se muda se não houver suficiente embasamento para demonstrar que esta
mudança é necessária. Logo, os tempos presentes apontam para a possibilidade desta
abordagem.
3.2 Formação do Profissional de Ensino Técnico
Em pelo menos um aspecto a prática dos cursos técnicos brasileiros não tem se
mostrado muito promissora, que é a formação de seus professores. Como regra geral, o
profissional que possuir um título superior é considerado habilitado a seguir a carreira de
docente na área de sua formação, ou seja, para ser professor de medicina, basta ser médico;
para ser professor de história, basta ser historiador; para lecionar na área técnica, basta ser
técnico.
44
Esse procedimento deveria ter origem no entendimento de que o domínio dos
saberes técnicos da profissão é suficiente para transformar um indivíduo legalmente
diplomado em professor. Mesmo que se argumente ser esta visão um tanto quanto
estereotipada, não há como negar algum grau de realismo, quando se analisam as instituições
brasileiras de ensino técnico.
No caso específico em estudo, este entendimento ganha proporções preocupantes,
porque, julgando-se que as ciências partem de fatos apreensíveis pelos sentidos e que é seu
papel descrevê-los por leis universais imutáveis, os cursos técnicos podem ser classificados
como fortes raízes positivistas, que devem ser responsáveis, em grande medida, pela
objetivação e racionalização de suas ações. Essas raízes, via processo educacional,
entranham-se na formação dos seus membros, realimentando sucessivamente as várias
gerações profissionais. Estabelece-se, assim, um vínculo vicioso que parece não ter fim.
Estritamente sob a orientação dos paradigmas dominantes são formados profissionais que,
transformados em professores pelo simples fato de possuírem um diploma técnico, perpetuam
não somente os aspectos positivos necessários à manutenção do estilo de pensamento da
comunidade profissional, mas também os seus desacertos.
Como resultado os profissionais assumem a condição de técnicos-professores
acabam aprendendo a ser docentes – quando o aprendizado acontece de fato – pela própria
experiência, o que em geral se dá como um esforço solitário, sem os benefícios de uma
sistematização racional de procedimentos.
As próprias instituições de ensino pouco se preocupam em orientar essa transição
de técnicos para técnicos-professores, ou mesmo depois para professores-técnicos, ou, para
educadores. Basicamente, cobra-se, quando da entrada de novos membros em seus quadros,
comprovação de titulações acadêmicas, compromissos de boas intenções para com a pesquisa
45
e o ensino – principalmente com relação à primeira - e o cumprimento de um pequeno ritual
de sala de aula, a título de comprovação de aptidão didática.
Raros são os professores que têm formação didático-pedagógica. A maioria dos
docentes que lecionam nesta área é composta de indivíduos que supõe ter alguma habilidade
inata para a docência; ou para poderem pesquisar, acabam concordando em lecionar sem
habilidades para fazerem o que gostam, ou que consideram de maior valor.
Em princípio, não deveria haver nenhum mal em os profissionais serem
professores da forma descrita acima, aliás, pode-se considerar meritórios esses procedimentos.
Os aspectos negativos apareceram, quando a boa intenção com o magistério esgota-se na
prática e como resultado, estes indivíduos se instalam, procurando reproduzir algum modelo
de repasse de conhecimentos ou informações com que anteriormente tiveram contato e que
aprovaram; ou ainda, quando lecionam por pura intuição.
Portanto, tudo funciona como se o sistema educacional não passasse de uma
tentativa de reprodução de métodos e técnicas de ensino as quais tivessem o supremo dom de
fazer surgir o conhecimento na mente dos alunos.
O docente formado dessa maneira conseguia até há pouco tempo satisfazer
medianamente as necessidades educacionais nos cursos técnicos. Mas esse processo empírico
de formação docente, o qual foi altamente deficiente, não tem mais encontrado sustentação
dentro da nova dinâmica de circulação de informações e das necessidades atuais de
construção de conhecimentos.
Entretanto, pouco tem sido feito para corrigir tal situação. Os próprios
interessados – os docentes – faz-se necessário conhecer, não têm creditado a devida
relevância ao problema, chegando inclusive a desconsiderar os procedimentos didáticopedagógicos sistematizados.
46
3.3 Dimensões das Dificuldades do Profissional da Área Técnica
O problema, mesmo visto, apenas por esse enfoque, não tem apenas uma
dimensão, visto que, se do lado do professor há deturpação, do lado do aluno ela também
existe. Porque, quando chegam ao curso superior, os alunos não estão com a mente vazia.
Chegam com uma carga de formação que é herança não somente do senso comum, da cultura
popular e da educação familiar, mas da educação formal que receberam nos anos anteriores de
escolarização – 1º e 2º graus conforme Bachelard (1978). Portanto, pode-se afirmar que os
alunos chegam a um curso superior trazendo expectativas em relação ao comportamento
docente que, de certa forma, corroboram o que de fato o sistema de ensino tem produzido.
Não é difícil perceber que parte dos estudantes técnicos prefere um docente que
não entenda de didática, de pedagogia ou de teorias do conhecimento, mas que seja um
indivíduo de larga experiência profissional e de reconhecida competência técnica. O professor
que reproduz essa expectativa refletirá, portanto, os esteriótipos dos alunos acerca do que é
ser um bom profissional, e não raras vezes ele assim age por força das preferências discentes.
Essa reciprocidade encontrada entre os alunos e professores mantém e alimenta a cultura da
área.
Se em um curso técnico o aluno busca, além dos conhecimentos técnicos, da
formação intelectual e do status que o título deve conferir-lhe, também um símbolo idealizado
de profissional a quem imitar, é nesse modelo de professor que o discente vê materializadas as
suas expectativas. Dessa forma, o carisma da competência profissional acaba por prevalecer
sobre a formação didático-pedagógica – seja a competência formal ou informal.
Há que se considerar ainda, que a maioria dos programas de formação para
professores é desenvolvida para outras áreas que a não a tecnológica, principalmente, em
nível superior. A essa falta de formação especifica para a área técnica advém dificuldades
47
adicionais como a de encontrar profissionais docentes dedicados à área, para suprir esta
dificuldade faz-se necessário romper com os paradigmas vigentes, os quais não valorizam
estes profissionais.
Uma conseqüência prática da falta de formação didático-pedagógica é o
desconhecimento por parte dos professores, de que existem teorias do conhecimento, ou de há
aspectos ideológicos, filosóficos ou sociológicos na aprendizagem. E, na falta de norteadores
para as ações no ensino, acaba-se obedecendo àquilo que inconscientemente mina a razão.
Sendo o positivismo o direcionador das ações do técnico brasileiro, o processo de ensino
passa a ser uma indisfarçada afirmação da realidade do objeto por parte do professor, e uma
apassivada memorização de informações técnicas, de preferência matematizadas pelos alunos.
Um elemento determinante que poderá definir uma mudança desse problema é
uma atuação no sentido de alterarem-se alguns entendimentos dominantes entre os
professores. Um destes entendimentos, talvez um paradigma, prevê, contrapondo as
evidências contrárias, que o ensino técnico em eletrotécnica encontrou o seu ponto ótimo de
desenvolvimento, o qual, portanto, não precisa ser alterado.
Uma forte tendência entre professores de cursos técnicos, quando admitem a
existência de problemas na aprendizagem, é a de transferir a responsabilidade desses fracassos
ou aos alunos ou às deficiências materiais para a execução do ensino. Estes entendimentos
desconsideram, por exemplo, as influências de aspectos filosóficos e ideológicos, conforme
Apple (1982) e Giroux (1983) no processo de aprendizagem o que deveria ser fruto de uma
visão simplista que o processo de ensino desempenha socialmente.
Imagina-se como uma das saídas para esses problemas à implantação de
programas de formação para professores de cursos técnicos, tendo como meta criar uma
cultura de formação, o que certamente resultará na qualidade do ensino.
48
3.4 Questões Sobre o Ensino Técnico
Há alguns pontos que podem ser detectadas como os mais característicos entre os
formadores dos técnicos nas escolas técnicas. Entende-se que, com o intuito de analisar esse
ensino, esses pontos poderiam ser abordados em um programa de formação docente
específico para a área tecnológica. Pode-se destacar para uma reflexão mais detalhada os
seguintes questionamentos:
a) Os conhecimentos sistematizados e elaborados, com a sua carga cultural,
direcionam o ensino da área tecnológica.
Este aspecto realça com ênfase a importância que se dá ao produto em detrimento
do processo na atual relação de aprendizagem. Os conhecimentos sistematizados castra
importantes possibilidades para que o aluno aprenda da experiência, da vivência e das trocas
que o professor deveria oportunizar com esta dinâmica. Este comportamento do sistema de
ensino, talvez, seja devido à concepção positivista que trata a ciência e por conseqüência o
conhecimento como algo perfeito, acabado, neutro, pronto e imutável. Acrescente-se uma
certa postura de inúmeros docentes, que por apostarem nestes conhecimentos sistematizados e
elaborados, relutam em atualizar seus conteúdos e técnicas didáticas.
Dessa maneira, reflete no atual sistema de ensino, no qual se valoriza mais quem
sabe a resposta do que quem sabe procurá-la ou desenvolvê-la, uma vez que o próprio
processo produtivo contribui de forma significativa para reforçar este quadro, quando adota e
reproduz modelos vitoriosos de respostas dadas e fechadas, completando, assim, o circulo
vicioso.
b) A prática da compartimentalização e da dissociabilidade do conhecimento
específico com o mundo que o cerca. Ou seja, o processo educativo como um fim em si
49
mesmo, sem ligação com o cotidiano das pessoas torna-se uma estrutura meramente de
ensino, apartada da vida prática.
A consciência de que a ciência e a tecnologia se baseiam, também, em valores do
cotidiano – devido ser por causa do cotidiano que elas têm razão de ser – põem em questão os
professores e aos seus conhecimentos de mundo. Esse questionamento serve de motivação e
de agente propulsor para que o estudante procure construir conhecimento. Esta relação faz
com que o discente vá em busca de resposta que também dê conta de suas necessidades
imediatas. Esta associação com o cotidiano mostra, na realidade, que ciência e tecnologia
nada mais são do que a aplicação sistemática de valores humanos os quais são prezados e
desenvolvidos.
As escolas técnicas relacionam os valores sociais e humanos com outros afazeres,
mas dificilmente com a ciência e tecnologia. Esta contextualização, que parece distante das
escolas técnicas, pode mostrar aos alunos o quanto à ciência e à tecnologia são relevantes no
desenvolvimento do conhecimento e no bem estar das pessoas, além de reforçar as atitudes
humanas no seu desempenho profissional.
c) O modelo empírico que cultua o treinamento e, por conseqüência, difunde a
cultura do diploma como o fechamento de uma fase da vida, incutindo no estudante a idéia de
que depois da formatura a tarefa de estudar está encerrada deve ser substituída pelo novo
paradigma de ensino técnico.
Essa cultura foi desenvolvida, principalmente, na década de 60 do século XX, mas
permanece presente na forma de pensar da sociedade, que vê o diploma como uma passagem
obrigatória para a ascensão social. Implica em uma preocupação central na questão ensino
aprendizagem, ou seja, é o fato de estar-se treinando estudantes que redundarão em pessoas
com mentes fechadas que por apostarem em um método finito muitas vezes perdem a alegria
da descoberta e a satisfação do crescimento intelectual. É preciso, portanto, resgatar na
50
educação técnica a busca pelo novo, a competição das idéias, e mostrar ao estudante que o
diploma é o ingresso que lhe permitirá entrar no jogo em busca de uma atualização constante.
Fazê-lo compreender a relevância da reflexão cuidadosa sobre todas as idéias, mesmo que, em
princípio, possa lhe parecer inquietantes ou estranhas em relação às suas convicções,
embebidas de paradigmas positivistas sedimentados ao longo de sua formação, portanto, essa
é tarefa indispensável para os professores e estudantes em sala de aula.
d) O ensino, primordialmente, centrado no trabalho individual e na cobrança de
performances também individuais.
Essa idéia se confronta com os novos conceitos de esforço coletivo na busca das
soluções para os graves problemas com que a civilização contemporânea se defronta. Aqui,
poder-se-ia aplicar o ditado popular: façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço, pois
apesar de cotidianamente se colocar este aspecto como importante para os estudantes, usa-se
de uma prática arcaica de cobranças de tarefas e solução de provas, banindo, inclusive com
penalizações, qualquer possibilidade de troca de conhecimentos entre os envolvidos no
processo. As conseqüências dessa prática são claras: a exarcebação do individualismo e da
competição selvagem na busca de premiação que se concretiza na avaliação numérica que o
professor processa. E o mais paradoxal desta questão é que se defendem os trabalhos em
grupos e, novamente, cai-se no erro comum e grave, achando que esta prática nasce em um
passe de mágica. Portanto, não adianta defender, teoricamente, o novo conceito sem trabalhálo em da sala de aula de forma prática.
O maior erro que um jovem pode criar é imaginar que sua vida profissional está
desligada de todos os desafios da sociedade os quais não dizem respeito à competitividade e à
produtividade individual. A economia, as empresas, a sociedade e os trabalhadores são dentes
da mesma engrenagem e requerem do novo profissional arrojo, administração do seu tempo
51
de trabalho, geração de novas idéias e capacidade de trabalhar em equipe com discernimento
técnico e social.
e) O ritmo, os trejeitos, a oratória e o seu desempenho como detentor do
conhecimento determinam os processos de aprendizagem.
Estes são pré-requisitos na construção do conhecimento, quando vêm precedidos
da fundamentação teórica de como se processam esses conhecimentos. Estes quesitos, quando
não acompanhados das questões de ordem cognitiva, podem incentivar o papel ditatorial do
professor que precisa se mostrar seguro e infalível perante os estudantes. O docente dita a
linguagem, mesmo que seja estranha para o aluno, obstrui, bloqueia e corta o
desenvolvimento da construção do conhecimento. Também o professor precisa considerar que
o conhecimento somente terá sido processado no aluno quando este conseguir desenvolver os
mecanismos da aprendizagem e não quando estiver apto apenas a repetir aquilo que lhe foi
repassado.
Esta característica, de achar que estes fundamentos são os principais do processo
de ensino aprendizagem, é própria daqueles que carregam fortemente consigo a concepção
empirista na sua forma de pensar, porque acham que o conhecimento é uma questão de
acumulação de dados na memória. Uma memória tida como um arquivo, ou gavetas prontas
para acumular informações que vêm de fora e quando acionadas processam, obrigatoriamente,
seus resultados. Talvez, seja uma das fontes principais de nossos currículos tão fragmentados.
Mas o problema é mais grave porque os estudantes, sem se darem conta que mais relevante é
a questão cognitiva, incentivam os professores, supervalorizam essas virtudes do docente.
Os estudantes preferem um professor que não entenda de didática, pedagogia ou
inovações instrucionais, mas que seja um profissional de reconhecida competência em sua
área; e que, principalmente, reflita seus esteriótipos de bom profissional. Desta forma, o
carisma da competência profissional acaba por prevalecer sobre a formação didático-
52
pedagógica, conturbando os processos cognitivos responsáveis pela construção do
conhecimento.
f) O ensino é exageradamente centrado na memorização e na reprodução de
tarefas repetitivas. Por conseqüência, a avaliação da aprendizagem é um ritual de repetição
preciso e detalhado das explicações do professor.
A capital dada às avaliações individuais centradas na memorização, na repetição
de métodos estabelecidos e, principalmente, na reprodução cega dos modelos extraídos dos
livros e textos técnicos utilizados muitas vezes acriticamente pelo professor ocasiona sérios
prejuízos ao aprendizado. Esta prática de cobrança é decorrência de explicações
descontextualizadas propostas em aulas enfadonhas, no intuito de fazer cumprir um ritual, que
posteriormente implica em cobrar quantativamente conhecimentos, ou seja, emitir notas os
quais, supostamente, imagina-se que os alunos devam ter absorvido. Estar-se-á, na realidade,
despreocupado com o aspecto de termos ou não contribuído significativamente com a
construção do conhecimento. A obediência inconteste a métodos imutáveis, em decorrência
do método científico e a crença nos procedimentos padrões levam os docentes à busca de um
treinamento das habilidades dos estudantes. Feyerabend (1989) realça a falta de sensibilidade
dos professores ao lidarem com o jovem e não tomarem suas visões e percepções instáveis
como algo a ser trabalhado positivamente. Com esta técnica de avaliações anacrônicas, que
continuam a cobrar a memorização, a repetição e a obediência a um método específico, não se
respeitam estas instabilidades que propiciam aos estudantes formas especiais de ver o mundo.
A maioria dos professores usa estas avaliações para medir a eficácia do seu método para
ensinar a verdade neste processo de impor suas idéias.
Naturalmente, que os problemas apontados representam uma leitura geral e não
convivem, necessariamente, em todas ou em cada disciplina específica. Mas, de forma geral,
estes itens podem ser encontrados, com algum nível de intensidade, ao menos em parte das
53
disciplinas que compõe um curso técnico de eletrotécnica; porque, dentro deste entendimento,
esses problemas fazem parte do modo como se encara o processo de ensino desta área.
3.5 Elementos Preliminares para um Programa de Ensino para o Curso Técnico em
Eletrotécnica
Como uma medida de transição, enquanto não estiver em regime a exigência de
formação específica em educação como premissa para a atuação nesta área, deveriam
participar desta empreitada, os docentes que se encontram em pleno exercício da carreira, a
fim de servi-lhes, no mínimo, como atualização.
Respeitando os conteúdos do ensino dos campos de atuação de cada participante
do programa, podem ser trabalhados, nesta tentativa preliminar, os elementos abaixo
especificados:
Reflexões epistemológicas, visando à compreensão da estrutura do saber
ensinado, dos conceitos disciplinares, das relações interdisciplinares, dos obstáculos ao
conhecimento, objetivando, permitir a interferência de conseqüências didáticas; Becker (1995,
p. 15-18) mostra que:
1. Abordagens históricas de conceitos das ciências básicas da eletrotécnica,
destacando a dinamicidade destes conceitos e a evolução na construção dos fatos científicos;
2. Revisões históricas da sistematização do sistema escolar, da definição dos
currículos e da introdução da quantificação do rendimento da aprendizagem;
3. Análises de situações de sala de aula, das relações professor aluno e dos
modelos de relação sujeito objeto;
4. Discussões das concepções alternativas dos alunos acerca de conceitos
científicos, de suas representações, transposições e obstáculos;
54
5. Discussões pedagógicas, compreendendo as reflexões sobre objetos do
conhecimento, pesquisas sobre as condições de apropriação e sobre a intervenção didática;
6. Estudos sobre a sociologia do conhecimento;
7. Abordagens dos insucessos na aprendizagem.
Explorar e descrever estes itens com dinâmica própria requer diferentes
planejamentos. Atacá-los com um mínimo de profundidade exigiria mais tempo de leituras,
discussões e maturação, mas a simples compreensão da existência de problemas diferentes
dos puramente técnicos pode despertar para a reflexão sobre outros, mais particulares para
cada prática de ensino.
3.6 Modelos Epistemológicos de Ensino
Assumindo que a relação entre professor e aluno deveria ser direcionada mais
para o lado da importância da contextualização, na busca da humanização do ensino técnico,
tem-se que apostar na quebra de um obstáculo enraizado na estrutura deste ensino, ou seja, a
dificuldade de assumir que a forma com que se repassa ou constrói-se conhecimento e que a
relação professor aluno são decorrentes de uma atitude epistemológica.
Portanto, quebrar um obstáculo e vencer um paradigma são tarefas que se
apresentam desafiadoras. As questões epistemológicas raramente foram tratadas dentro de um
ambiente onde, por mais paradoxal que possa parecer, é necessário e indispensável saber de
que forma se processa o conhecimento científico.
As situações são muito diversas e em algumas delas a necessidade de certos tipos
de ponderação põe o pesquisador, o professor ou quem quer que esteja atuando com
semelhante assunto em questionamento devido ao profissional não estar de acordo com uma
teoria mais direcionada. Sendo, assim, esta atuação do docente é prejudicial e em certas
55
situações tolhe uma possível boa idéia. A necessidade de contrapor Kuhn (1992) a Lakatos
(1978a) ou quem sabe os paradigmas, às proto idéias, Popper (1983) a Bachelard (1978),
Fleck (1986) a Feyerabend (1989) ou a qualquer outro epistemológo não é realmente proposta
deste trabalho. Pensa-se, portanto, que fundamentado nos conceitos dos autores acima
indistintamente com o propósito de formar uma moldura que possa contribuir com o
desenvolvimento científico tecnológico. Acredita-se que, este foi e é o objetivo dos
epistemológos que trabalham com esta problemática, sendo, o objetivo assumido – voltar-se
para a sociedade - por este trabalho desde suas primeiras linhas.
Nas análises do processo de conhecimento, conforme Becker (1995, p. 9-11) três
elementos básicos aparecem: o sujeito que conhece (S), o objeto do conhecimento (O) e o
conhecimento como um produto do processo cognitivo (C). Por processo de conhecimento
entende-se uma interação específica do sujeito que conhece e do objeto do conhecimento,
tendo como resultado os produtos mentais que se chama de conhecimento. Três modelos do
processo de conhecimento são estabelecidos:
Empiricismo – Modelo mecanicista em que o sujeito do conhecimento apenas
reflete o que lhe chega do objeto por meio dos sentidos; o objeto é a fonte do conhecimento; o
sujeito é passivo, neutro, contemplativo, receptivo; o objeto reflete uma ação mecânica sobre
o sujeito; S<=O;
a) Inatismo – Modelo apriorista no qual é proveniente do sujeito que conhece,
sendo o objeto considerado neutro; a atenção centra-se sobre o sujeito a quem se atribui o
papel de criador da realidade; S=>O;
b) Construtivismo - Sujeito e objeto interagem mutuamente; nem o sujeito nem o
objeto e, por conseqüência, nem o conhecimento são neutros; há uma interação mútua entre os
três; S<=>O.
56
A escolha, consciente ou não, de um desses modelos implica conseqüências
importantes para a atitude científica ou pedagógica. Como considerar o objeto de
investigação? Quais os papéis desempenhados pelo professor e pelo aluno no processo ensino
aprendizagem? Como se dá o conhecimento?
Usando as situações epistemológicas desenvolvidas acima, ver-se-á de que forma
as atitudes cientificas ou pedagógicas interferem junto aos professores e aos estudantes como
sujeitos da construção do conhecimento. Neste trabalho, foi feita apenas uma relação entre o
empiricismo – situação que acredito seja a predominante atualmente no ensino técnico – e o
construtivismo – postura epistemológica que acredito poderá dar conta da maioria dos
pressupostos julgados neste ensaio.
O empiricismo tem dado sustentação a uma tradição de ensino que privilegia um
modelo que considera o aluno – sujeito do conhecimento – como neutro e destituído de
história. Em sala de aula, o professor passa a ser o agente da ação e irá imprimir os seus
conhecimentos nas ainda vazias cabeças dos alunos.
Becker (1995, p.9), em um ensaio sobre esta relação epistemológica em sala de
aula, salienta o caráter autoritário que o professor assume neste modelo, conforme citação
abaixo,
Esta pedagogia tende a valorizar relações hierárquicas que, em nome da transmissão
de conhecimento, acabam por produzir ditadores, por um lado, e indivíduos
subservientes, anulados em sua capacidade criativa, por outro lado. Consideram o
sujeito da aprendizagem, em cada novo nível, como tabula rasa. A Pedagogia do
Oprimido de Paulo Freire (1979), constitui um libelo contundente de denúncia da
educação domesticadora. Sua fundamentação epistemológica é fornecida pelo
empirismo.
No segundo caso – decorrente do apriorismo – acontece exatamente o contrário da
situação anterior em que Becker (1995, p10) diz que quando a Pedagogia é centrada no aluno
atribuindo qualidades que o mesmo não tem:
57
Esta pedagogia pretende enfrentar os desmandos autoritários do modelo anterior,
atribuindo ao aluno qualidades que ele não tem, como: domínio do conhecimento
sistematizado em determinada área, capacidade de abstração suficiente,
especialmente na área de atuação específica do professor, e volume de informações
devidamente organizadas, além, é claro, do domínio das didáticas. Apesar das
mesclas empiristas, sua fundamentação epistemológica é dada pelo apriorismo –
inatista ou maturacionista.
Quando a Pedagogia é centrada na relação professor aluno, tem-se a seguinte
consideração de Becker (1995, p.10),
Ela tende a desabsolutizar os pólos da relação pedagógica, dialetizando-os. Nenhum
dos pólos dispõe de hegemonia prévia. O professor traz sua bagagem, o aluno
também. São bagagens diferenciadas que entram em relação. Nada, a rigor, pode ser
definido previamente. Se considerarmos a dinâmica própria do processo de
construção do conhecimento (Piaget), os primeiros dois modelos devem ser
continuamente negados.
Apesar de Becker (1995) negar os dois primeiros modelos apresentados acima,
ressalta- se que, apesar da ênfase que se empresta a terceira situação, não se pode desprezar o
aspecto de colher algumas qualidades dos dois primeiros modelos. Neste trabalho, reforça-se a
posição inicial de apostar em uma epistemologia ponderada. Portanto, do primeiro modelo,
extrai-se o conteúdo sistematizado pelas várias ciências – o qual, neste trabalho, chama-se de
acervo cultural da humanidade – e a autoridade do saber do professor. Do segundo modelo,
resgata-se a experiência de vida, o saber construído até a atualidade – e no aluno do curso
técnico de eletrotécnica este volume de saber é acentuado – e a capacidade de construir
conhecimento que a sala de aula tem por função ativar.
58
3.7 Questionamentos da Mudança
Na seqüência dos elementos que dizem respeito à formação dos professores, podese destacar alguns pontos que parecem direcionar o ensino de eletrotécnica, seguidos de
breves reflexões no intuito de reavaliar a formação docente atual.
Essa reavaliação serve como uma sistematização para que se possa, de uma forma
mais dinâmica, situar os problemas que foram, na sua maioria, abordados ao longo desta
pesquisa, às vezes, de forma explícita e, outras vezes, embutidos na análise epistemológica de
algum de seus tópicos.
Com predominância do empirismo, destaca-se a implicação epistemológica nas
afirmações a seguir, sem exceção. As quais carregam consigo essa implicação na relação de
aprendizagem corrente dentro das salas de aula. Essa relação é feita, neste trabalho, com
fundamento no aspecto de que, se aposto em um modelo construtivista, as reflexões a seguir
devem obrigatoriamente ser realizadas, pois somente com a mudança de postura, em sua
maior parte, conseguir-se-á uma alteração no modelo epistemológico dominante atualmente.
3.7.1 Construindo o Conhecimento
Na construção de conhecimento apregoada no novo processo para professores e
alunos, Popper (1982, p. 21) reafirma a convicção de uma ciência diferente da estabelecida em
nossas escolas “A ciência não é uma coleção de truques. É uma atitude perante o mundo, um
modo de viver”.
O profissional que desenvolve ciência e tecnologia não pode ser um recluso
notável, como acreditam muitos levados pelos estereótipos criados pela imprensa e pelos
comerciais. Deve, portanto, ser um cidadão em contato permanente com os problemas que o
59
rodeiam, criticando constantemente os resultados da própria ciência e da tecnologia,
detectando, o que não é relevante para o bem estar da sociedade.
A maioria dos estudiosos da cognição defende semelhante afirmação, ou seja, que
os indivíduos precisam construir os próprios significados. A suposta clareza com que os
professores ou os livros lhes ensinam o conhecimento, muitas vezes, de forma canônica e
isenta dos erros, normalmente, leva-os em busca da memorização pura, portanto insuficiente
para a construção do conhecimento. Os estudantes, normalmente, para construírem os seus
significados, trabalham com a associação dos novos conceitos e da informação àquilo em que
antes acreditavam.
Ao irrelevar-se as concepções alternativas dos estudantes estar-se-á incorrendo em
um erro pedagógico. Os conceitos – as unidades essenciais do pensamento humano – que não
têm ligações múltiplas com o modo como o estudante concebe o mundo e, muitas vezes, os
professores forçam os conceitos ao ensinar ciência, os quais não serão, provavelmente,
recordados nem sequer úteis. Admitir-se que ao menos os conceitos permaneçam na memória,
os discentes estarão utilizando uma parcela do depósito intelectual, proporcionado pelos
fragmentos jogados a esmo pelo repasse excessivo de informações durante a sua formação
intelectual, no entanto, não estarão disponíveis para afetarem os pensamentos sobre qualquer
outro aspecto da concepção de mundo.
Portanto, a aprendizagem de conceitos poderá ser mais bem construída se a
conceituação for encontrada em uma multiplicidade de contextos expressos sob as mais
diversas formas. Dessa forma, garantido mais oportunidades de integrarem-se no sistema
cognitivo do estudante, que independente de sua vontade ou do professor vem impregnado de
uma vida pregressa carregada de concepções alternativas.
Com o objetivo de direcionar o professor a uma proposta de mudança, é
fundamental que se estenda um pouco esta análise. Raramente, há tempo, nos departamentos
60
de ensino, para discussão do tema abordado neste trabalho. E, quando semelhantes
preocupações surgem entre os professores, toma-se rapidamente o caminho das soluções
pragmáticas da busca de artefatos os quais proporcionam aulas dinâmicas ou, quem sabe,
mais atenção dos alunos nas aulas práticas. No entanto, mesmo sem uma análise aprofundada,
sabe-se que estes paliativos servem apenas para estancar a preocupação, achando,
ilusoriamente, que se está resolvendo o problema.
Uma aprendizagem efetiva, além de não se processar apenas em razão de
equipamentos ou aulas práticas à exaustão, também exige muito mais do que fazer somente
múltiplas associações das novas idéias conceitualmente estabelecidas. É necessário – e aqui a
obediência cega ao paradigma implica enorme dificuldade – que os indivíduos envolvidos no
processo da construção do conhecimento – no caso em questão os professores e os alunos –
reestruturem o modo de pensar radicalmente.
Para criar, estabelecer ou incorporar no pensamento do profissional docente novas
criações, em muitas situações, precisa-se alterar de forma profunda as ligações entre o que se
conhece ou mesmo romper com muitas das convicções que se tem acerca do mundo.
61
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente monografia evocou a relação escolar e a empresa, ou seja: o
registro histórico de um estudo acerca da prática docente em face das tecnologias
adotadas nas organizações empresariais.
A construção do conhecimento e o desenvolvimento de uma sociedade mais justa
e igualitária são motivos que justificam este estudo. Portanto, optar pelo descanso mental
neste momento ímpar, em que vive a civilização humana, seria algo como praticar um ato de
usurpação das potencialidades, como que consumindo infindas doses de energia visando
eximir de o inevitável pensar. Seria, ainda, fugir da necessária e imprescindível assunção das
rédeas de nossa história, que aguarda o tempo para a sua definição. Seria ocupar-se
instintivamente de afazeres para substituir o trabalho o qual não se quer ter, deixando-se levar
pelo cotidiano. Dessa maneira, faz-se necessário resistir ao fácil consenso do pronto e
acabado, do certo e indiscutível, da verdade absoluta a qual molda as mentes, que tudo faz
para manter o confortável equilíbrio aparente do sabido e do familiar.
Acreditando que, a resistência é uma forte arma do intelecto e que o
inconformismo posto é um dos mais eficientes caminhos para a reforma das nossas
convicções e projetos de vida, mais cedo ou mais tarde, deveria mesmo ser feito.
Estes são, portanto, os elementos que sustentam este estudo, pautado no problema:
Será que a formação que se está dando aos alunos vem ao encontro com o
que as empresas esperam para seus profissionais?
Entende-se que a história é uma contínua construção dos elementos que dela
participam, que a consciência dos atos permite assumir a direção da sua evolução, parece,
portanto, ser este o momento de procurar espaços para reflexão a fim de poder intervir no
referido processo com mais propriedade e com mais discernimento. Assim sendo, aposta-se
62
em uma ação sistemática e bem embasada possa influir significativamente nas construções
que definirão as formas do futuro.
Essas
considerações
se
caracterizam
como
possíveis
alternativas
de
implementação de novas políticas de ensino aprendizagem, logo é necessário deixar
evidenciado, entre os docentes, a forma de como cada um dos professores percebe os
conhecimentos científicos tecnológicos e de que forma estes predominam na maneira dos
docentes se portarem perante os alunos. É preciso, a partir das reflexões efetuadas, começar a
discutir os resultados de pesquisas, tanto tecnológicas quanto sociais, com estudantes em sala
de aula, e o modo de conduzir estas discussões. Este tipo de atitude dinamiza o processo e,
automaticamente, renova os conteúdos em função da repercussão que a ciência e a tecnologia
assumem cotidianamente.
Com o intuito de definir a relação escolar e a empresa, registrou-se o histórico de
um estudo acerca da prática docente em face das tecnologias adotadas nas organizações, o
qual foi detalhado nas seguintes questões abordadas:
a) O quê as empresas esperam de seus profissionais técnicos?
b) Quais os fatores mais relevantes para a prática docente?
c) A qualificação dos professores é suficiente para ministrar tais disciplinas?
d) Os assuntos abordados satisfazem as necessidades para formar bons
profissionais?
e) Como o profissional da área da educação se mantém atualizado mediante o
surgimento constante de novas tecnologias?
Com a intenção de respondê-las de modo provisório, levou-se em consideração
que, a experiência de vinte (20) anos trabalhados em empresas, qualifica este pesquisador a
afirmar que as empresas esperam profissionais com dinâmica, pensantes, interessados, com
raciocínios lógicos, sociais, humanos e com visões abertas.
63
Logo, a prática docente deveria levar os alunos a pensarem e a construir
significados, porque a aprendizagem não pode limitar-se a solução de problemas. É, pois,
construir, aprender a problematizar e, para tanto, é preciso saber pensar e construir estruturas.
Considera-se que o sistema de contratação e distribuição das disciplinas deveria
ter as qualificações mínimas exigidas satisfeitas. Por conseguinte os assuntos abordados em
cada disciplina terão fontes e recursos indicados pelo docente com o objetivo de auxiliá-lo a
ministrar as aulas. Os assuntos são fornecidos aos professores por meio do sistema de
competências proposto pelo MEC, no qual cada disciplina tem o assunto característico e
específico pela necessidade e atualmente.
Para o docente manter-se atualizado mediante o surgimento constante das
tecnologias, faz-se necessário o constante aperfeiçoamento com o auxilio de leituras atuais,
participações em feiras e congressos, utilizando recursos de softwares e demais fontes, as
quais possibilitem informações para essas atualizações.
Atesta-se a corroboração das hipóteses desta pesquisa, validando-as em favor da
satisfação do mercado com vistas à formação dos alunos.
Por fim, para responder ao problema que norteou esta investigação, pode-se dizer
que, a formação que se está dando aos alunos da Escola Técnica – SATC é qualificada e
eficiente, compatibilizando-se assim, a relação desejada pela empresa e a formação do
profissional técnico.
64
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