0 RODRIGO PEREIRA LACOMBE A RELAÇÃO ESCOLAR E A EMPRESA: O REGISTRO HISTÓRICO DE UM ESTUDO ACERCA DA PRÁTICA DOCENTE EM FACE DAS TECNOLOGIAS ADOTADAS NAS ORGANIZAÇÕES CRICIÚMA, JULHO DE 2004 1 RODRIGO PEREIRA LACOMBE A RELAÇÃO ESCOLAR E A EMPRESA: O REGISTRO HISTÓRICO DE UM ESTUDO ACERCA DA PRÁTICA DOCENTE EM FACE DAS TECNOLOGIAS ADOTADAS NAS ORGANIZAÇÕES Monografia apresentada à Diretoria de PósGraduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, para a obtenção do título de especialista em Prática Docente. Orientadora: Profª Drª Fábia Liliã Luciano. CRICIÚMA, JULHO DE 2004 2 Dedico este trabalho à minha esposa Clarice e aos meus filhos: Vanessa, Felipe e Camila. 3 AGRADECIMENTOS À DEUS por me ter dado a vida, saúde e uma família maravilhosa. À minha orientadora, profª Fábia, que acreditou e estimulou minha capacidade e por estar sempre presente e disponível na construção deste trabalho. À minha querida esposa Clarice que me motivou e compreendeu nas horas difíceis. À minha querida avó Bel e tia Eliane, sempre prestativas, que me ajudaram na obtenção de bibliografias. Ao meu grande amigo e colega de trabalho, Antônio Carniato, que colaborou na elaboração do questionário de pesquisa e ao apoio dado. Aos colegas e professores da pós-graduação da UNESC, pela convivência e o aprendizado no decorrer do curso. Enfim, agradeço a todas as pessoas que contribuíram na elaboração deste trabalho. 4 Os professores ideais são os que se fazem de pontes, que convidam os alunos a atravessaremnas, e depois, tendo facilitado a travessia, desmoronam-se com prazer, encorajando-os a criarem as suas próprias pontes. (KAZANTZAKIS, Nikos, 1989, p. 102) 5 RESUMO A proposta, deste trabalho é realizar uma análise crítica do ensino de Eletrotécnica na Escola Técnica da SATC e, por decorrência, contribuir para a consolidação de uma política mais eficiente de formação do seu corpo docente. Identificar as lacunas e distorções da cultura científica e humanística na formação de uma parcela significativa dos professores. Pretendese, também, analisar as conseqüências dessa situação e propor um conjunto de atividades, leituras e inserções centradas na premissa básica de que esse ensino somente sofrerá modificação consistente, ou seja, se a comunidade desses professores se voltar a esse intento. As categorias da História, da Filosofia da Ciência, da Epistemologia e dos aspectos didáticopedagógicos, bem como da conexão entre Eletrotécnica, cultura e sociedade se constituíram no referencial teórico deste estudo. Palavras-chaves: Ensino Técnico, Formação Docente, Conhecimento Emancipatório. 6 ABSTRACT The purpose of this thesis is to make a critical analysis about the Electrotechnical education of technical school SATC, thus contributing to the consolidation of a more efficient policy in the education of the Electrotechnical faculty members.By identifying the gaps and distortions present in the scientific and humanistic culture of a significant number of professors, the author analyzes the consequences of this situation and proposes an array of activities, readings, and insertions, as he understands that the Electrotechnical education can only undergo a consistent modification if the community of these professors assume such objective.The categories of history, philosophy of science, epistemology, didatic-pedagogical aspects, as well as the necessary connection between Eletrotechnical, culture, and society constitute the theoretical reference of this study. Keywords: Technical Teaching, Teaching Staff Formation, Emancipatory Knowledge. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 08 1 O ENSINO DE ELETROTÉCNICA E SEUS PARADIGMAS ......................................... 14 1.1 As Escolas Técnicas .................................................................................................. 14 1.2 Diferenças Temporais ................................................................................................ 15 1.2.1 As Raízes Culturais...................................................................................... 17 1.3 Aspectos Pedagogicos Remanescentes ...................................................................... 18 1.3.1 Enfoque Ideológico..................................................................................... 21 1.4 A Relação Professor-Aluno no Contexto Profissional ............................................... 21 2 CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E SUAS IMPLICAÇÕES .............................. 25 2.1 A Relevância do Tema................................................................................................ 25 2.2 Um Comportamento Conformado ............................................................................. 28 2.3 As Diferentes Faces da Ciência e da Tecnologia........................................................ 30 2.3.1 Uma Relação de Desconhecimento, Medo e Ufanismo .............................. 31 2.4 A Ciência e a Tecnologia em Diferentes Contextos .................................................. 32 2.4.1 Uma Função Significativa nos Currículos ................................................... 34 2.5 A Necessidade (e a Possibilidade) de uma nova Filosofia ........................................ 35 2.6 Apostando no Processo Educativo.............................................................................. 37 3 QUESTÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS NA FORMAÇÃO DOCENTE: O REGISTRO DO ESTUDO ................................................................................................ 42 3.1 As Responsabilidades dos Professores ...................................................................... 42 3.2 Formação do Profissional de Ensino Técnico ............................................................ 43 3.3 Dimensoes das Dificuldades do Profissional da Área Técnica ................................. 46 3.4 Questões Sobre o Ensino Técnico .............................................................................. 48 3.5 Elementos Preliminares para um Programa de Ensino para o curso Técnico e Eletrotécnica ............................................................................................................. 53 3.6 Modelos Epistemologicos de Ensino.......................................................................... 54 3.7 Questionamentos da Mudança.................................................................................... 58 3.7.1 Construindo o Conhecimento ..................................................................... 58 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................... 61 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 64 8 INTRODUÇÃO A década de 80 do século passado foi marcada pelo predomínio de uma racionalidade técnica, como apontam Grabauska (1998) e De Bastos & Grabauska (2001). Essa concepção técnica predominou tanto nos cursos de formação de professores quanto nas pesquisas educacionais, especialmente, nos trabalhos que versam sobre a investigação-ação. Cabe salientar que, na época, Thiollent (1986) era a referência para os trabalhos de investigação-ação, o qual mereceu uma análise crítica feita por Grabauska (1998) e De Bastos e Grabauska (2001), os quais consideraram necessário superar a visão técnica de investigaçãoação e romper com o que Grabauska (1998) chama de fantasma de Thiollent. Na década de 90 do referido século, a racionalidade técnica permaneceu em predomínio e, hoje, institucionaliza-se a racionalidade prática. Sendo assim, torna-se urgente superar a noção de investigação-ação. Portanto, compete aos profissionais da área romper com o fantasma do prático reflexivo, dando conta da integração na era do resgate iluminista, ou seja, da reconstrução racional das próprias práticas educativas. Nesse processo, não se pode dispensar o conhecimento técnico - o qual comporta a racionalidade técnica - como também o conhecimento prático - que fundamenta a racionalidade prática conforme Habermas (1987), pois esses dão conhecimento crítico, o qual entende-se ser emancipatório. Sendo assim, não é possível ignorar a racionalidade prática defendida por Schön (1995), e Elliott (1995) e evidenciada nas políticas públicas educacionais brasileiras. Sabe- se que, na produção de conhecimento científico são exigidos elementos de razão técnica quanto de razão prática a fim de alcançar-se essa racionalidade emancipatória. Construir, alcançar e viver uma racionalidade emancipatória sócio-cultural, utilizando a categorização pautada em Habermas (1987), demanda reflexão, reconstrução 9 racional sobre a história, tradições e costumes que compõem a cultura e marcam as práticas educacionais. Portanto, se por um lado à realidade educacional coloca a necessidade de romper com o fantasma de Thiollent – por se tratar de uma racionalidade técnica em termos de concepção de investigação-ação técnica na qual prepondera a visão desta como uma metodologia de pesquisa - por outro lado, mais contemporânea ainda é a urgência de romper com o fantasma do prático reflexivo - por se tratar de uma razão prática e demarcar uma concepção de investigação-ação na qual o senso comum se manifesta ao supervalorizar a prática, com excessiva ênfase da experiência empírica. Contudo, esta experiência torna-se uma prática ingênua com poucas possibilidades de transformar-se e de propor transformações, por ser, além de ingênua, individualista, espontânea e acrítica. Acredita-se entretanto, na idéia de ousar fazer com a proposição do fazer diferente, especialmente, em razão da necessidade de uma prática intencional pautada no planejamento, sem perder de vista, que esta deveria ser flexível, mas com a concretude para a realização da reconstrução racional que se entende como ideal. Essa é a proposição em termos de pesquisa educacional, formação dos profissionais da educação e de conhecimento. É, portanto, nessa conjuntura que reside a relação escolar e a empresa, construindo o registro histórico de um estudo acerca da prática docente em face das tecnologias adotadas nas organizações. O problema de pesquisa, a seguir apresentado, busca definir o perfil do professor que busca o ousar fazer com a proposição do fazer diferente, delimitado abaixo: Será que a formação que é dada aos alunos vem ao encontro com o que as empresas esperam para seus profissionais? A fim de detalhar o questionamento acima, apresentam-se questões norteadoras para este estudo: 10 a) O quê as empresas esperam de seus profissionais técnicos? b) Quais os fatores mais relevantes para a prática docente? c) A qualificação dos professores é suficiente para ministrar tais disciplinas? d) Os assuntos abordados satisfazem as necessidades para formar bons profissionais? e) Como o profissional da área da educação se mantém atualizado mediante o surgimento constante de novas tecnologias? Com o objetivo de responder, provisoriamente, as questões acima, citou-se como hipóteses: a) Com base nos vinte anos de experiência do investigador desta pesquisa, registra-se alguns dos aspectos mais importantes que as empresas esperam encontrar em seus profissionais como: ser dinâmico, pensante, interessado, com raciocínio lógico, social, humano e com visão aberta. b) Os fatores mais relevantes são de levar os alunos a pensarem, construir significados. Ou melhor: a aprendizagem não pode limitar-se a resolução de problemas, mas também a construir, aprender a problematizar, saber pensar e a construir estruturas. c) Infere-se, por meio do sistema de contratação e distribuição das disciplinas, que as qualificações mínimas exigidas são satisfeitas a fim de ministrarem as seguintes modalidades: formação em cursos técnicos específicos de Eletrotécnica, Eletromecânica, Eletrônica, Informática, com seguimento do curso superior em Tecnologias de Automação, Eletromecânica, Telecomunicações e Engenharia Elétrica. d) Os assuntos abordados na grade curricular são fornecidos pelo sistema de competências proposto pelo Ministério da Educação e Cultura - MEC - no qual cada disciplina tem o assunto característico e específico pela necessidade e importância atual. 11 Portanto, cabe ao docente buscar fontes e recursos para ministrar as disciplinas de acordo com os dados fornecidos pelo sistema de competência. e) Acredita-se que por meio de bibliografias, feiras, visitas as empresas, participações em cursos, seminários, recursos de softwares; ou seja, fontes que tragam as informações necessárias para a permanente atualização dos profissionais. Foram propósitos deste estudo tanto em âmbito geral quanto no âmbito específico: Realizar um estudo/análise da prática docente em face das tecnologias adotadas nas empresas de Criciúma; analisar as percepções dos professores do curso Técnico em Eletrotécnica da SATC frente às inovações tecnológicas; reconhecer de que forma os docentes trabalham os conteúdos; identificar suas práticas para a preparação e a empregabilidade de seus alunos; perceber como os docentes acompanham as inovações tecnológicas; reconhecer de que forma os professores trabalham com conteúdos e como estes são atualizados, úteis e praticáveis nas empresas; bem como as práticas docentes adotadas para os profissionais os quais futuramente serão empregados nas empresas; com vistas a preparar estes profissionais para o mercado. Os docentes de áreas técnicas, em particular a Eletrotécnica, precisam estar atualizados com as inovações do mercado por meio da participação em eventos técnicos e científicos. Além do professor atualizado é necessário, informar aos discentes que o mercado de trabalho está concorrido, e não se pode correr o risco de formar profissionais despreparados. É com esse propósito que se pretende desenvolver esta pesquisa, ou seja, com o intuito de contribuir pedagogicamente e cientificamente acerca da prática docente. As indagações, acima, tiveram como fundamento alguns princípios que norteiam a concepção de fazer pedagógico, o qual se expressa nos procedimentos de trabalho planejamento, execução, acompanhamento e avaliação - nas relações professor-aluno, na 12 seleção de conteúdos e, também, na aprendizagem dos alunos como ferramenta essencial de inserção/reinserção no mercado de trabalho. Para a realização desta pesquisa, adotou-se como referencial teórico Ferreti (1994), Enguita (1989), Búrigo (2003) e Luciano (2001). Para caracterizar a pesquisa realizada, faz-se necessário mencionar que a mesma foi do tipo básica de natureza qualitativa, descritiva e bibliográfica, a qual consiste em um levantamento do que tem na literatura a fim de conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas existentes sobre o tema abordado; a abordagem utilizada foi qualitativa, porque é apropriado para a avaliação formativa, quando se trata de melhorar a efetividade de um sistema, neste trabalho, o sistema de ensino. Esta monografia está organizada da seguinte forma: No capítulo 1, evidencia as escolas, as instituições científicas e a extensão de seus resultados práticos, refletindo e modelando com intensidade a história, as estruturas de poder e clima político da comunidade que as mantém. Essas peculiaridades não podem ficar afastadas das reflexões de alunos e professores. As instituições científicas e as comunidades de profissionais modificam constantemente o mundo, não apenas por meio do desenvolvimento tecnológico que produzem, mas pela mudança de comportamento, de distribuição de renda e pelas implicações sociais que essas inovações acarretam. É preciso focalizar as inúmeras novas descobertas, produtos, processos e conceitos surgidos diariamente nos laboratórios, nas fábricas, nos institutos de pesquisas e, com bastante freqüência, nos gabinetes oficiais dos grupos hegemônicos os quais decidem a maioria das políticas, sendo que a estes grupos ficam submetidos. Esse conjunto de descobertas é susceptível de ter repercussões de longo alcance na construção do mundo em que se vive, bem como na composição do relacionamento humano. 13 No capítulo 2, discute-se assuntos relacionados com as implicações da ciência e da tecnologia junto à sociedade contemporânea. Neste sentido, levanta-se algumas discussões para enfatizar a importância que esses temas deveriam assumir nas escolas. A relação existente entre ciência, tecnologia e sociedade proporciona o compromisso de suscitar análises reflexivas sobre a relação a qual compromete o ensino desenvolvido nas escolas e a atuação consciente do futuro eletrotécnico em sua profissão. Enfatiza-se ao professor a importância de uma sólida formação nesta área de conhecimento, portanto, a inserção desta temática pretende, na realidade, atingir o estudante, incutindo nele a responsabilidade de refletir e de trabalhar as repercussões de suas ações junto à sociedade. Paralelamente, por meio da colocação de repercussões da ciência e da tecnologia ao longo dos tempos, no intuito de demonstrar que a posse de assuntos dessa natureza pode servir de agente motivador para os estudantes. O capítulo 3 descreve e analisa os impulsos e modificações que o ensino de Eletrotécnica está sofrendo, é fundamental que, em paralelo, ocorra uma reestruturação das práticas didático-pedagógicas, por meio de uma nova postura epistemológica dos professores que atuam na área. Busca-se, ainda, conteúdos para motivar uma avaliação entre os professores, visando identificar o posicionamento epistemológico e, principalmente, refletir sobre as dificuldades no relacionamento didático-pedagógico com os alunos. Este relacionamento não se modifica por um toque mágico, porque é preciso identificar as causas, mudar comportamentos e, acima de tudo, assumir uma postura psicológica favorável para que alguma possibilidade de mudança tenha chances de ser construída. Por fim, destacam-se as considerações, acompanhadas das referências utilizadas neste estudo. 14 1 O ENSINO DE ELETROTÉCNICA E SEUS PARADIGMAS Em uma rápida análise de sua atual representatividade e também das origens epistemológicas do ensino de eletrotécnica, realçadas em seus currículos, entende-se como possível proporcionar uma forma de raciocínio sobre as alterações a serem efetuadas nos seus procedimentos didáticos. Junta-se a este raciocínio a discussão de alguns aspectos - não muito considerados na área tecnológica - sobre a relação professor e aluno. O envolvimento leva o professor a conhecer um pouco mais a carga hierárquica, a qual se estabelece na referida relação, e como as trocas simbolizadas que migram das relações sociais afetam a aprendizagem. Estas trocas simbolizadas servem para identificar alguns dos obstáculos que truncam a criatividade do aluno durante o processo formativo. Dentre esses propósitos, este envolvimento facilita a tarefa de apontar alguns motivos os quais estariam transformando o ensino tecnológico em uma instância social pouco transformadora no mundo contemporâneo. 1.1 As Escolas Técnicas Uma das novidades advindas com as escolas técnicas diz respeito ao afastamento do ensino das práticas produtivas e da educação enciclopédica, valorizando o viés científico, o que, em última instância, significa afastar a educação dos objetos e fenômenos da natureza, e aproximá-las fortemente das representações idealizadas. Por meio de classificações, nomenclaturas e teorias, o ensino passa a valorizar uma forma diferenciada de tratar o trabalho, o qual passa a ser intermediado na sua fase de aprendizagem pelo laboratório, e não apenas pela prática cotidiana. Com esta mudança, introduz-se uma linguagem erudita para referir-se ao trabalho de produção. E é justamente esta nova linguagem que dota os funcionários-técnicos de uma cultura distinta dos conhecimentos e das tecnologias empíricas 15 dos trabalhadores manuais. Assim, estabelece-se um discurso técnico-científico, o qual permite que uma prática de observação e experimentação penetre no ensino. É a mesma linguagem que, também, participa de uma nova forma de tratar a natureza, quando essa linguagem passa a ser submetida à tarefa de descobertas de leis que a enquadram em modelos bem comportados. A escola técnica contribui para que fosse estabelecida uma participação de determinada classe de indivíduos no poder sobre a natureza. Se esta participação vem no sentido de estabelecer uma aliança do discurso escolar com uma prática escolarizada, também permite uma abertura da classe para o exterior, estabelecendo contatos mais diretos com a vida prática, mesmo que seja às custas de tratar a natureza de forma teorizada e, portanto, idealizada. Em resposta a essa tendência, logo surgem arranjos pedagógicos para evitar um excessivo distanciamento entre escola e trabalho. Tem-se algo como uma redefinição de conteúdos, com a substituição de conhecimentos empíricos por conhecimentos científicos e técnicos escolarizados, o que provoca uma reorganização e homogeneização destes conhecimentos. 1.2 Diferenças Temporais Praticar a eletrotécnica, ou seja, participar da sua comunidade de profissionais e, acima de tudo, lidar com o seu ensino configuram-se tarefas de grande responsabilidade em um mundo que é movido pelos efeitos da ciência e da tecnologia e de suas repercussões junto à sociedade. Há pouco tempo, em função de um encanto e de uma necessidade premente da construção de novos artefatos tecnológicos – os quais são determinados por um tempo de desenvolvimento que se apresentava à espécie humana - essa profissão se revestia de um fascínio que não colocava em discussão qualquer outra questão que não fosse a possibilidade 16 e o privilégio de navegar em seus domínios. E para facilitar esta tarefa no século passado, bastava se dominar uns poucos manuais e estava-se apto a trabalhar a área elétrica com propriedade, em pelo menos um dos seus recentes campos de atividades os quais começavam a apresentarem-se. Esses aspectos determinantes têm repercussões diretas na forma de ensinar, porque parece que a maneira estabelecida naquela época, em função de um momento histórico para tal procedimento, apesar da mudança incontestável sofrida pelo próprio comportamento da civilização humana, mantém-se praticamente imutável nos ambientes de ensino nos dias atuais. Esta imutabilidade pode ser sentida por meio da análise rápida das malhas curriculares1, pois em muitos aspectos estão desvinculadas das dinâmicas do acelerado desenvolvimento - tanto no aspecto científico-tecnológico quanto no aspecto humano, político e social. Esta constatação passa, portanto, a estabelecer de forma mais intensa a premência de uma nova relação dentro das escolas entre professores e alunos, isto é, da própria comunidade como um todo. Dentre os inúmeros aspectos os quais precisam ser renovados na forma da construção do conhecimento, um se apresenta intensamente que é atual e significativo no problema da evasão desenfreada enfrentada pelas escolas: as formas de avaliação as quais são submetidos os estudantes. É premente uma revisão nessas avaliações, em especial na área tecnológica, porque desmotivam os alunos e expulsam-nos dos bancos escolares. Até mesmo em respeito às profundas alterações hoje vigentes na sociedade, não é mais possível que os estudantes sejam submetidos a verdadeiros massacres psicológicos, em nome de avaliações 1 Faz-se necessário estabelecer a diferença entre malha curricular e currículo propriamente dito. Não raras vezes se estabelece alguma confusão nessas definições. Pode ser que em função dessas diferentes interpretações se criem alguns equívocos de análise que podem ser evitados. Segundo Back (1993, p.20), “currículo é todo o conjunto de experiências de aprendizado que o estudante incorpora durante o processo participativo de desenvolver, numa instituição educacional, um programa de estudos coerentemente agregado”. Parece que esta definição, apesar de existirem muitas outras, já ajuda a acentuar o fato de que quase sempre que se trabalha com currículos nas escolas, na realidade ataca-se e modifica-se apenas a grade curricular. 17 nas quais se consegue quando muito quantificar informações retidas num momento específico. A competição da escola com os meios modernos de divulgação de informações coloca uma séria questão com relação à motivação dos estudantes: as aulas tradicionais deixam definitivamente de ser atraentes quando confrontadas com a televisão com seus múltiplos canais e seus programas mais bem produzidos; com a navegação via internet; com os programas multimídia; com a realidade virtual. As avaliações, conforme os moldes ainda empregados atualmente, tornam-se mais que ultrapassadas, ou seja, são inócuas ou mesmo um obstáculo para a aprendizagem. Como resultado, colhe-se cada vez mais desilusões, desistências e inconformismos com o sistema de ensino. 1.2.1 As Raízes Culturais Até o século XVII, na Europa, as características dominantes, nas sociedades estabelecidas, faziam com que as escolas basicamente se preocupassem com a difusão de conteúdos simbólicos, ou seja, conteúdos distantes da produção econômica. Em essência, fazia parte das responsabilidades da escola treinar indivíduos com o objetivo de habilitá-los para o trato de assuntos de caráter eminentemente de ordem intelectual os quais passavam pela leitura, escrita, cálculos e também pelos dogmas religiosos, além de incursionar pelas leis civis e pela Filosofia. Essas atividades escolares tinham o intuito de conferir cultura a determinada e seleta classe de pessoas. A partir do século XVII, no entanto, uma nova forma de ensino apareceu, constituindo uma grande novidade no sistema educacional: o ensino técnico. Como organização o ensino técnico representa um modelo independente da antiga forma de praticar-se essa atividade social, portanto começou pela abordagem do trabalho aplicado dentro das escolas, que consistia numa extensão das práticas técnicas e científicas. Estas novas instituições: academias e escolas técnicas e profissionais ajudaram a estabelecer o fim do aprendizado corporativo, como proporcionaram o início de uma 18 substancial alteração do antigo processo de ensino, o qual era calcado ou no ciclo produçãotreinamento-produção – em relação às destrezas artesanais – ou nas preocupações com as distinções sociais de classes. Mas, com as preocupações voltadas às distinções sociais manteve-se o dualismo, o qual conferia às instituições a responsabilidade de trabalhar com as necessidades do Estado e às escolas profissionais a preocupação com a formação de classes artesanais a fim de prepará-las para a produção econômica. Os séculos XIX e XX se configuraram como marcos no estabelecimento definitivo desta nova forma de ensino a qual, parece em princípio, começou a ditar um crescente desenvolvimento tecnológico, hoje mais acentuado em decorrência do estabelecimento da revolução industrial. 1.3 Aspectos Pedagógicos Remanescentes Embora, hoje, possa parecer natural, a forma como a escola trata os conhecimentos, por meio de rápidos estudos históricos, considera-se que este entendimento adquirido é destituído de qualquer sustentação. No plano pedagógico, a hierarquização dos programas, a separação e seqüenciação de classes por progressão nos estudos, a avaliação regular dos conteúdos, a quantificação dos níveis de aprendizado e a temporização dos momentos de ensino foram etapas lentas e gradualmente criadas e implantadas nas escolas, tendo como pano de fundo necessidade socialmente postas em cada momento histórico. A escola contemporânea, na sua parte mais concreta, marcada por um prédio que lhe confere identidade, teve uma modificação substancial no padrão antes vingente. Ou seja, à ordenação do tempo e à divisão dos espaços podem ser imputadas responsabilidades marcantes no ensino, pois estabelecem ambientes favoráveis para a definição do que hoje se pratica, contribuindo, assim, para tornar particionada e hierarquizada a sua prática. 19 Junto com estas alterações vêm, segundo Petitat (1994, p.179), “Os métodos de supervisão, medidas disciplinares, constatações das ausências, ritmo e sucessão das atividades rotineiras, provas, treinos, exames escritos, classificações dos alunos, emulação e censuras, promoções e rebaixamentos”. Nesta direção, os aspectos, anteriormente citados, tornam a classe um local altamente regulamentado e até certo ponto discriminador, na qual ocorre comparações permanentes de rendimentos dos alunos, enaltecendo os bem-sucedidos e procurando descartar do sistema aqueles com dificuldades de acompanhar as lições ministradas. Aliado aos pontos arrolados acima, Petitat (1994, p.206) contribui para o controle dos alunos e dos espaços escolares não somente a marcação do tempo independente dos ritmos naturais, mas principalmente a sua medição. O relógio mecânico “Introduz um tempo linear, abstrato, diferente dos ritmos cíclicos cósmicos e biológicos, diferente também do tempo social”. Este mecanismo permite a medição do tempo de estudos, a temporização dos ritmos de aprendizagem, a sincronização de afazeres discentes, enfim, permite um maior controle dos rituais escolares. E se até o tempo pode ser precisamente medido, por que não medir e quantificar com precisão também o nível de compreensão e reprodução de conhecimentos? É tal a influência do tempo no processo de ensino que a escola contemporânea vê-se totalmente comprometida com a sua racionalização, esta passa a ser um dos critérios de diferenciação entre o bom e o mau aluno, conforme a capacidade de compreender e reproduzir conhecimentos precisos em tempos e prazos preestabelecidos. A contribuição do relógio mecânico para a área tecnológica é fundamental, na medida em que tenta abrandar o clima de eterno confronto que obstaculiza sobremaneira uma postura digna de quem realmente se preocupa em desvendar os mistérios da ciência. Esta postura de confronto tem que desaparecer, sob pena de estar inviabilizando-se uma área de conhecimento que, mesmo alguns não concordando com seus pressupostos, deveria ser posta 20 à disposição de estudantes e professores como fonte de inestimável valor para a análise da produção de conhecimento tanto na área de ciência e tecnologia quanto na área de filosofia. Desta forma, Bunge (1987, p.75) explica que: A filosofia da tecnologia ainda é raquítica, em boa parte porque alguns filósofos da tecnologia confundem a tecnologia com os efeitos nocivos de suas aplicações. Muitos filósofos limitam-se a declarar o lugar-comum de que a tecnologia – produto tipicamente humano – desumaniza o homem. Visando complementar o raciocínio acima, alguns tecnólogos confundem as interpretações filosóficas com pensamentos puramente metafísicos, os quais somente fazem confundir o espírito altamente racional da tecnologia. É este confronto equivocado que tem de ruir sob pena de obstruir uma concepção filosófica mais crítica para o ensino de Eletrotécnica. Portanto são necessárias análises desapaixonadas e neutras, no sentido de procurar o que é mais importante para o ser humano, ou seja: para o seu bem-estar. Snow (1995) quando trata desta dissociação entre o que ele chama de duas culturas, ressalta a importância da educação neste processo. Não como a panacéia - solução para todos os males - mas como um forte componente na superação destes obstáculos. Desta forma, Snow (1995, p. 127) aponta especialmente a: [...] educadores e educandos, e externei algo que podemos compreender e que está ao nosso alcance. As mudanças na educação não irão, por si sós, solucionar os nossos problemas. Mas sem essas mudanças, nem sequer compreenderemos quais são os problemas. 1.3.1 Enfoque Ideológico Por outro lado, em áreas em que reconhecidamente as interpretações filosóficas são mais freqüentes a questão se confunde pelo lado inverso, o ser político se confunde com 21 o ser partidário. Este tipo de constatação incentiva o confronto entre a ciência e tecnologia e a Filosofia, porque cria animosidade a qual afasta as discussões do campo das idéias. Tratase de uma questão menor, mas que inviabiliza as questões ideológicas, as quais deixam de refletir na educação, que não são tratadas por filósofos e tecnólogos em conjunto. É preciso muita maturidade e disposição para ceder em determinadas posições, que, às vezes, são necessárias, mas que podem ser fundamentais nesta aproximação necessária. Giroux (1983, p. 212-213) aborda o significado de ideologia, explicando- a como um: [...] construto crucial para se entender como o significado é produzido, transformado e consumido por indivíduos e grupos sociais [...] ela escava abaixo das formas fenomenais de conhecimento de sala de aula e práticas sociais, e ajuda a localizar os princípios estruturantes e as idéias mediadoras entre sociedade dominante e as experiências diárias de professores e alunos. Como um construto político, ela [...] questiona por que os seres humanos têm um acesso desigual aos recursos intelectuais e materiais que constituem as condições para a produção, consumo e distribuição de significado. [...] A ideologia, portanto, ‘fala’ à noção de poder, acentuando os modos complexos pelos quais as relações de significado são reproduzidas e por que se luta por elas. 1.4 A Relação Professor-Aluno no Contexto Profissional Algumas questões que se apresentam neste estudo são relevantes para a instituição e para o professor saber quem é o aluno e como ele se comportaria como sujeito cognoscente numa sociedade em constante mutação. Para a instituição, ou para a comunidade profissional, interessa saber quem é o professor e o que se deseja do futuro formando em eletrotécnica. Mas faz-se necessário saber ainda, quais os papéis esperados dos eletrotécnicos na escola, como alunos; e na sociedade, na qualidade de indivíduos e cidadãos profissionalmente ativos. Em princípio, tradicionalmente considera-se, em especial na área técnica, o aluno como um recipiente vazio de conhecimentos técnicos e científicos. Tal visão remota às bases positivistas da eletrotécnica, as quais professam a neutralidade dos indivíduos e a sublimação 22 da ciência como verdades absolutas. Resulta, entretanto, uma estruturação linear dos diversos conteúdos tecnológicos numa grade curricular coerente e enxuta, formando um corpo de conhecimento independente ao qual o aluno irá ser introduzido: a eletrotécnica. Por outro lado, as aulas formais e os conteúdos disciplinares são apresentados segundo uma estrutura hierárquica bem definida, na qual os papéis a serem desempenhados pelos seus participantes estariam historicamente definidos. Neste modelo, o professor – detentor do conhecimento - é o centro do qual irradiam todas as ações em sala de aula. Ou seja, é o docente quem define os ritmos e as intensidades com que se deve desenrolar a programação didática. Do professor, também, espera-se uma reprodução limpa e precisa das formulações canônicas, ou seja, daquelas soluções clássicas, isentas, portanto, dos erros superados, no sentido comum de apartadas das impressões pessoais, sendo assim supostamente precisas e neutras, que são estritamente técnicas. Como o conhecimento estaria totalmente estruturado, não se consideraria à possibilidade de ações problematizantes, as quais poderiam ser utilizadas como estímulo para a construção do conhecimento dos alunos. Posto desta forma, cada conhecimento abordado, perfeitamente estruturado, adquire para o aluno um caráter hermético, quase dogmático, ou seja, não possibilita sequer uma abertura para discussões estruturantes, que são tão fecundas para o desenvolvimento da criatividade. Assim, conceitos transformam- se em leis, e ensino em regras de procedimento. Nesta mesma visão, o professor espera que o aluno assuma uma atitude atenta, bem comportada, que faça as perguntas certas nas horas certas, ou seja, que o estudante siga os padrões sociais esperados para a comunidade dos eletrotécnicos, na qual o discente foi formado. Sendo, portanto, um membro de uma coletividade - a da Eletrotécnica - deveria adotar e ratificar diuturnamente os seus preceitos básicos, ação que o confirma cada vez mais 23 como pertencentes a este grupo que professa uma determinada maneira de pensar e de agir. Portanto, o professor tem de exigir de seus alunos comportamentos que ele próprio identifica como adequados para quem almeja participar de seus quadros, mesmo que esses comportamentos não estejam em consonância com as exigências da sociedade atualmente. Aulas expositivas, bem organizadas, que permitam a atuação neutra dos indivíduos dela participantes, afiguram-se como mais proveitosas, pois permitem transmitir mais e melhor o conteúdo. As possíveis perturbações que poderiam quebrar a seqüência da transmissão do conteúdo ficam assim afastadas, garantindo, dessa forma, um fluir lógico da reprodução dos conhecimentos estabelecidos. Esse modelo de ensino remete às lembranças do ensino tecnológico desenvolvido na França no século XVII, como relata Petitat (1994) o não entendimento pode ser encarado como falta de atenção por parte do aluno, ou como uma deficiência da lógica da transmissão do conhecimento, mas jamais como relativo a aspectos os quais estão vinculados, essencialmente, com a própria constituição do conhecimento. Desse modo, se o aluno não entende, repete-se o trecho não assimilado, para melhor firmar a mensagem a ser transmitida, o que em geral acontece uma vez, pois o aluno normalmente desiste de perguntar, ante a carga de compromissos comportamentais que o sistema lhe impõe e que o próprio ratifica. Outras vezes, muda-se a forma de repetir, na esperança de que, desta maneira, possa surgir uma forma de abordagem auto-explicativa. Uma conseqüência direta desse comportamento aparece nos processos de avaliação, cuja medida de assimilação do conteúdo programático é determinada pela fidelidade e rapidez na sua reprodução por meio de provas escritas. Cultua-se, assim, a reprodução precisa de conteúdos, a obediência às regras, o respeito pela hierarquia social, a aceitação daquilo que está posto, sem que se valorize a construção individual de conhecimentos. 24 Mas os alunos também trazem para o ambiente escolar uma carga cultural que os faz reproduzir acriticamente comportamentos. Em função desta carga, os mesmos esperam que o professor seja o mais objetivo possível na apresentação do conteúdo disciplinar e que lhes demonstre familiaridade com o assunto que irá transmitir, a qual, segundo entendimento do discente, demonstra conhecimento e confiança. Este comportamento faz parte das expectativas dos alunos a respeito do que seria ser um bom profissional, que agiria, portanto, com precisão técnica. Aliando precisão técnica à sua visão das relações pedagógicas, os próprios professores passam a ratificar, por meio de seu comportamento, a missão de representar o profissional-eletrotécnico em ação mesmo no sistema de ensino. Nesses casos, os alunos agem tratando o sistema ensino aprendizagem da mesma forma como as regras não escritas da profissão, cobrando do docente o tratamento dos seus objetos técnicos de trabalho. Se os conhecimentos são abordados de forma mediada, portanto, sujeitos a erros e às inerentes não-linearidades dos processos de pensamento, inseridos em contextos históricos os quais conduziram à sua elaboração, torna-se realmente difícil construir modelos fechados que dêem conta de descrever os conhecimentos e explicá-los definitivamente. 25 2 CIÊNCIA, TECNOLOGIA, SOCIEDADE E SUAS IMPLICAÇÕES Depois da análise histórica e ideológica realizadas, uma série de assuntos relacionados com as implicações da ciência e da tecnologia junto à sociedade contemporânea ajuda a sedimentar as afirmações apresentadas abaixo. Logo, busca-se encaminhar algumas discussões para enfatizar a importância que esses temas devem assumir nos cursos técnicos em eletrotécnica. Ou seja: o compromisso de proporcionar análises reflexivas sobre a relação que compromete o ensino desenvolvido nas escolas e a atuação consciente do futuro eletrotécnico na sua profissão é um dos objetivos deste trabalho. Discutir entre os professores a relevância de uma sólida formação nesta área de conhecimento para atingir o estudante, incutindo nele a responsabilidade de refletir e de trabalhar as repercussões da ciência e da tecnologia ao longo da história, na intenção de demonstrar que a posse de assuntos desta natureza deve servir de agente motivador com o propósito de manter a permanência dos estudantes nos bancos escolares. 2.1 A Relevância Do Tema A sociedade vive, atualmente, sob os auspícios e domínios da ciência e da tecnologia, e isso ocorre de modo tão intenso e marcante que é comum à confiança empregada nelas como se confia em uma divindade. Esse comportamento ficou tão arraigado na vida contemporânea, que fomos levados a pensar desta maneira durante toda nossa permanência nos bancos escolares. Porque a lógica primordial do comportamento humano é a lógica da eficácia tecnológica, ou seja, suas razões são as razões da ciência, como exemplo disso tem-se as notícias do cotidiano que exacerbam as virtudes da ciência e da tecnologia; os produtos são vendidos calcados nas suas qualidades embasadas em depoimentos científicos. É uma relação 26 tão profunda a que se estabelece entre a sociedade e as máquinas que se traduz em incoerência e grave omissão as escolas técnicas não procurarem ter uma atuação mais presente nas análises de seus resultados. As avaliações da ciência e da tecnologia e de suas repercussões na sociedade precisam, seguramente, tomar rumos mais claros e intensos nas atividades didáticas. Esses debates e discussões têm-se tornado permanente na maioria das instituições de ensino no mundo, porque realçam a sua pertinência e reforçam a necessidade de seguir o mesmo caminho nas escolas que trabalham a ciência e a tecnologia no Brasil. E não se trata de avaliar apenas os possíveis impactos que fatalmente a ciência e a tecnologia causam e causarão na vida dos que participam do processo educacional mas, principalmente, descobrir o irreversível a que esses usos conduzirão A propaganda que se faz da ciência e da tecnologia - provavelmente, com vistas a melhores resultados das questões de ordem econômica - é tão intensa que uma parcela significativa das pessoas acredita que, em quaisquer circunstâncias, podem ser tidas como amigas leais, que arrastam consigo apenas benesses para a sociedade. Postman (1994, p.12) coloca, em relação à tecnologia, duas razões para esse julgamento, descrevendo- as da seguinte forma: Primeiro, a tecnologia é uma amiga. Torna a vida mais fácil, mais limpa e mais longa. Pode alguém pedir mais de um amigo? Segundo, por causa de seu relacionamento longo, íntimo e inevitável com a cultura, a tecnologia não convida a um exame rigoroso de suas próprias conseqüências. É o tipo de amigo que pede confiança e obediência, que a maioria das pessoas está inclinada a dar porque suas dádivas são verdadeiramente generosas. Mas é claro, há o lado nebuloso desse amigo. Suas dádivas têm um pesado custo. Exposto nos termos mais dramáticos, pode-se fazer a acusação de que o crescimento descontrolado da tecnologia destrói as fontes vitais de nossa humanidade. Cria uma cultura sem uma base moral. Mina certos processos mentais e relações sociais que tornam a vida humana digna de ser vivida. Em suma, a tecnologia tanto é amiga como inimiga [...]. Não se pode crer, no entanto, que apenas uma maior vontade de educar em ciência e tecnologia seja suficiente para resolver os inúmeros problemas que estas questões arrastam 27 consigo. Principalmente, quando, se é que efetivamente ocorre, esta vontade se apresenta da forma como tem-se configurado nos currículos dos cursos de eletrotécnica, nos quais perpetua-se internalismo tecnicista2. Igualmente se estaria dando uma resposta vazia; destinada ao fracasso, pois não leva em conta a estrutura inerente de valores ideológicos que a ciência e a tecnologia carregam do contexto social. O que se pretende, na realidade, é alcançar uma compreensão cada vez mais sofisticada dos mecanismos internos e externos da ciência e da tecnologia e, por extensão, da eletrotécnica, situando essa compreensão no contexto de uma interpretação de ambas, ciência e tecnologia, como processos sociais. Esta compreensão precisa ser feita verificando-se, em algumas situações, o caráter ambiental3 e socialmente destrutivo de muitas das atividades inerentes a estes processos. Com este objetivo, é preciso reconhecer, como essencial para a própria sobrevivência da ciência e da tecnologia, os danos 4 causados pela sua utilização, e não apenas minivarolizá-los como efeitos secundários ou conseqüências não previstas. 2 Agassi (1996) comenta que, em particular, é muito forte esta tendência sociológica que tem alimentado uma extenuante polêmica entre os que propugnam uma abordagem interna e aqueles que defendem uma abordagem ‘externa’ da ciência. Hoje em dia, isto parece estar esgotado pela inércia, mas também porque, em substância, uma abordagem da ciência não pode ignorar nem os aspectos externos – pela sua alta dependência dos valores sociais – e nem os aspectos internos – por causa de sua própria metodologia de abordagem. 3 Elliot (1997) traz um estudo bem atual sobre as implicações do uso de energias decorrentes do desenvolvimento científico-tecnológico no comportamento do meio ambiente na sociedade contemporânea. Entre os inúmeros assuntos abordados nessa obra, pode-se destacar as questões da alternativa nuclear, a tecnologia sustentável, o desenvolvimento sustentável e uma perspectiva global sobre um futuro também sustentável. 4 O dano é particularmente evidente no fenômeno da contaminação industrial. Na maior parte dos casos, os produtos e os dejetos industriais nocivos poderiam ser neutralizados perfeitamente por meio de dispositivos técnicos apropriados. Mas tais meios não são aplicados por parte dos que produzem a contaminação, sobretudo com o objetivo de economizar dinheiro, deixando por conta da ‘natureza’ semelhante responsabilidade. Em outros termos, o controle da ciência e da tecnologia pela própria ciência e tecnologia tem necessidade de uma decisão explícita e de um compromisso que não vêm impostos por elas mesmas, mas que implicam uma responsabilidade moral e social localizadas em outro âmbito, ou melhor, uma vontade pública ou privada. Continuando na análise pode-se falar dos efeitos de uma inovação tecnológica que podem permanecer desconhecidos durante grande tempo e escapar assim da possibilidade de serem submetidos a um rigoroso controle. Pode-se lembrar, por exemplo, a quantidade de casos em que o câncer tem-se revelado como uma possível conseqüência de alguns produtos químicos ou de alimentação, conforme Agazzi (1996). 28 2.2 Um Comportamento Conformado A tecnologia, com maiores ou menores impactos, tem coordenado a vida de seus usuários, porque estes estão à mercê de sistemas interconectados, transistores, bytes, placas, hardware, software e, o que é mais grave, as pessoas sentem-se subservientes à autoridade da tecnologia, moldando todos ao seu funcionamento. Esse sentimento converte, gostando ou não, em participantes de uma nova ordem na história da humanidade, acantonando em um sistema que coloca os participantes face a face com uma cultura que é chamada de tecnopolista5, sujeitando-os ao que Winner (1987), pertinentemente, chama de sonambulismo tecnológico. Este sonambulismo vem ao encontro do que exaustivamente é repetido ao longo das argumentações e tem estreita ligação com a forma como a sociedade se relaciona e comporta-se frente à tecnologia. Em corroboração a estes aspectos não é incomum que ainda não se encontrem respostas para perguntas que constantemente estão postas à avaliação, como. Por que é tão difícil a elaboração de uma filosofia da tecnologia? Por que uma cultura tão firmemente embasada em incontáveis instrumentos, técnicos e sistemas sofisticados permanece imutável no que se refere à resistência em examinar os próprios fundamentos de todos esses aparatos criados pela tecnologia? Winner (1987, p. 23) parece colocar algumas questões que podem começar a dar uma resposta a este sonambulismo tecnológico afirmou que: 5 Postman (1994) traz um interessante ensaio sobre os comportamentos humanos atuais. Apesar da obra ser fundamentada para a sociedade americana, a sua atualidade e pertinência pode ser estendida a todos os países do mundo. Trata-se de um texto incisivo e, algumas vezes, sarcástico. Este autor, porém, sempre se mostra otimista em relação à reversão do tecnopólito, desde que algo seja feito nos campos político e educacional. 29 Grande parte destas respostas podemos encontrar na assombrosa influência da idéia de progresso no pensamento social durante a era industrial. No século XX se acredita em geral que os únicos meios confiáveis para o melhoramento da condição humana provêm das novas máquinas, substâncias químicas e as mais diversas técnicas. Inclusive os recorrentes males sociais e do ambiente que acompanham os avanços tecnológicos raras vezes têm afetado esta fé. Ainda é um requisito prévio que a pessoa que queira postular um cargo público assegure sua confiança férrea em que existe um laço positivo entre desenvolvimento técnico e bem-estar e afirme que a próxima onda de inovações seguramente será nossa salvação. Na realidade, a ciência e a tecnologia não estão apenas transformando as vidas para melhor, mas, em muitas situações, fazendo-as mais perigosas. Percebe-se a própria realidade por meio de máquinas e artefatos, como o mundo externo como o interno, ou seja, aquele que termina dentro de nossos corpos e mentes. Concebe-se a forma como em grande parte de nossa existência nos foi posto e ensinado como complexas máquinas físico-químicas com um cérebro que, segundo investigações realizadas nas últimas décadas, tem resultado análogo a um potente e complicado computador. Parece que, a partir da Revolução Industrial, a própria construção coletiva da vida social está sendo conformada como se conformaram as máquinas, seguindo um modelo instruído por Adam Smith e consubstanciado na sociedade contemporânea, de acordo com González e López (1996). Uma instrução adequada a respeito destas questões ensejaria o posicionamento político consciente dos diferentes grupos e classes sociais em relação ao desenvolvimento científico e tecnológico. Porque não se consegue alcançar este objetivo sem uma estratégia eficiente. Portanto, se deixarem esta responsabilidade para a mídia, grande parte atrelada aos sistemas de poder, a mensagem continuará sendo direcionada em tratar a ciência e a tecnologia como mágicas ou como um conjunto de expressões da moda e de domínio apenas daqueles bem-dotados. Logo, se estas questões não forem refletidas, caberá à sociedade, principalmente ao homem comum, talvez somente, o direito de aceitar as imposições 30 científico-tecnológicas as quais alterarão sua vida. Continuando, desse modo, a ter um comportamento conformado de acordo com os ditames da ciência e da tecnologia. 2.3 As Diferentes Faces da Ciência e da Tecnologia A fim de não se tomar posições impensadas de supervalorizar ou não os pontos positivos ou negativos, os efeitos e repercussões da ciência e da tecnologia no comportamento humano, é que se têm claras as diferentes faces que elas assumem nas suas estreitas relações com a vida cotidiana de todas as pessoas. Os aparatos, máquinas ou instrumentos e produtos da atividade científica não são positivos ou negativos em si mesmos, não se pode tomar este caráter irracional em análise, estar-se-íamos, pois, sendo animistas e inconseqüentes, atribuindo a uma construção do próprio homem um comportamento que não lhe é pertinente. O que se pode e dever-se-ia analisar, no entanto, é o uso que se faz destes aparatos, máquinas e processos, e esta análise pode resultar negativo ou positivo, bom ou mau para a vida humana. É inegável a contribuição que a ciência e a tecnologia trouxeram para a civilização nos últimos anos. Porém, apesar desta constatação, não se pode confiar excessivamente nelas, tornando seus usuários cegos pelos confortos que elas proporcionam cotidianamente por meio dos seus aparatos e dispositivos técnicos. Em conseqüência disso pode haver resultados perigosos, porque, nesta anestesia que o deslumbramento da modernidade tecnológica oferece, pode-se esquecer que a ciência e a tecnologia incorporam questões sociais, éticas e políticas. Tem-se que salientar que o que se pode fazer tecnicamente, deve-se fazer, também, moralmente. Essas preocupações, relações e as diferentes interpretações criadas no que se refere à tecnologia e o seu caráter neutro, que muitos querem atribuir a ela no sentido 31 de afastá-la das questões de ordem social e política, têm sérias repercussões na forma como os conhecimentos são construídos nas escolas. 2.3.1 Uma Relação de Desconhecimento, Medo e Ufanismo O medo da técnica ou da tecnologia não é assunto novo, ou seja, basta somente recorrer à história recente da humanidade para perceber isso. A revolução causada pela introdução da imprensa, no século XV, fruto de consideráveis melhorias num antigo processo chinês, é um exemplo. O invento de Gutenberg, em 1450, que proporcionou a disseminação de conhecimento numa velocidade até então desconhecida e que deu novo dinamismo à cultura e à ciência, teve também os seus percalços. Os copistas, que na época pacientemente reproduziam os livros letra por letra, em um instante, perderam seu valor. Desta forma, uma nova máquina substituiu vários indivíduos. A introdução da máquina a vapor, com as melhorias estabelecidas em uma, também, antiga invenção, por James Watt, em 1764, é outro exemplo. Aliada ao tear mecânico multifusos, a máquina a vapor criou condições para a revolução industrial, a qual sacudiu a humanidade. Os choques provocados por essas e por muitas outras novidades e acontecimentos relacionados à tecnologia podem ajudar a compreender o que se passa na sociedade atual. São sugestões para encarar as novas tecnologias e trabalhar os seus impactos sem medos e sem ufanismos: cautela, uma dose de reflexão de suas vantagens e limitações e, acima de tudo, uma contextualização das suas implicações. A revolução industrial causa problemas até hoje sentidos - poluição, degradação ambiental, acumulação de capital, exploração de trabalho humano - permite confortos de que ninguém quer abdicar medicamento, televisão, carro, telefone, geladeira. A imprensa desempregou os monges 32 copistas, mas ela também permite, hoje, que cada aluno tenha o seu livro, que todos possam ler jornais diariamente e que se montem bibliotecas em cada cidade ou em cada escola. Em decorrência desses acontecimentos, nos anos 60 do século XX, registravamse frases de ufanismos em relação à ciência e à tecnologia, como a seguinte, dita pelo diretor do Oak Ridge National Laboratory – Tennessee, Alvin Weinberg apud (Dixon, 1973, p.2), Quando a história olhar para o século XX, verá a ciência e a tecnologia como seu tema [...] Verá nos monumentos da Big Science – os enormes foquetes, os aceleradores de alta energia, os reatores de pesquisa de alto fluxo – símbolos de nossa era, tão certamente quanto Notre Dame o é da idade média. 2.4 A Ciência e a Tecnologia em Diferentes Contextos A ciência é um determinado tipo de conhecimento, ou seja, não é o único. A ciência é um conhecimento que busca leis explicativas gerais, estabelecendo conexões entre fatos e fenômenos, existe há muito tempo, como uma importante atividade humana. Desde os babilônios, os egípcios e outros povos mais antigos a ciência era desenvolvida por curiosidade, mas, foi a partir desta curiosidade, gerando muitos resultados importantes utilizados pelo homem até hoje. Foi na Grécia e em alguns outros povos, na época clássica, que a ciência surgiu em convivência paralela e estreita com a Filosofia6. Apesar de todas as interpretações, que por motivos diversos na área de conhecimento tecnológico, são muitas vezes levadas a extremos, geralmente, tanto a ciência 6 Por esta razão, até há pouco tempo a opinião geral era de que as civilizações clássicas – incluídas aqui a helênica e a romana – não tiveram êxito do ponto de vista tecnológico. Porém, como têm colocado alguns críticos, esta opinião é exagerada. Em primeiro lugar, houve alguns avanços tecnológicos importantes na época clássica e é possível que a sua importância tenha sido subvalorizada pelos poucos testemunhos literários e arqueológicos que ficaram. Em segundo lugar, tinha-se a noção de que a ciência, mais do que ser simplesmente admirada, deveria também ser aplicada a objetivos concretos. Parece, entretanto, e aqui pode residir o aspecto mais forte desta afirmação, que outros valores eram mais considerados pelos gregos e romanos. Mas é certo que as áreas da ciência que mais lhes interessavam lograram grandes e profícuos êxitos, conforme Mokyr (1990, p. 15). 33 quanto à filosofia são a mesma em suas origens, ou seja, ambas buscam a racionalização do mundo e a tentativa da eliminação do mito. Ao longo da história humana existiram pessoas, além dos gregos, que assumiram conjuntamente, entre as suas prioridades de estudos tanto a filosofia quanto à ciência, desenvolvendo com capacidades de análise e reflexão extremamente acuradas. Entre eles pode-se citar os mais famosos da antiguidade: Tales, Pitágoras, Platão, Epicuro, entre outros. A ciência se constituiu em uma atividade extremamente relevante no desenvolvimento da história. No entanto, apesar de todas as evidências desta importância para a civilização, até o século XVII, a ciência teve pouca relevância para a vida humana. Efetivamente a ciência se implantou como saber e conhecimento, no conceito dominante da época, capaz de transformar a natureza e influenciar as reflexões dos homens, por meio de Galileu. Nesta perspectiva, a ciência, desde os finais do século XVII, tem-se convertido em fator determinante para o desenvolvimento e comportamento da sociedade contemporânea. Nessa evolução é necessário fazer referência aos séculos XVI e XVII com a chamada Revolução Científica, na qual aparece a ciência moderna, proporcionando uma mudança radical na forma de conceber seu comportamento e estrutura. Produziu-se, portanto, a maior revolução em termos de conceitos estabelecidos pelo ser humano, como: a física se opõe à ciência grega que dizia ser a Terra o centro do universo; o modelo geocêntrico dá lugar ao modelo heliocêntrico, abalando estruturas, costumes e convicções. Começa a estabelecerse, mesmo que não admitida explicitamente, a dependência do comportamento humano aos desenvolvimentos científicos e às suas interpretações. Newton ao utilizar as contribuições de Copérnico, Kepler e Galileu, parte para uma sistematização desses conhecimentos e conceitos, consolidando com a física clássica e, por decorrência, estabelecendo o despertar de uma nova ciência. 34 Atualmente, com a ciência moderna os métodos, as abordagens e as interpretações precisam mudar, porque essa nova ciência gerou uma tecnologia assombrosa e que constantemente se vê frente à responsabilidade de descrever relações entre fenômenos quantificáveis, comprovar a regularidade de suas aparições e, ainda, como decorrência de uma nova ordem sociológica, decifrar as repercussões destes fenômenos na dinâmica do meio ambiente e as conseqüências destas criações no desenvolvimento do ser humano. Portanto, precisa haver mudança tanto na forma de fazer a ciência e a tecnologia, quanto na forma de trabalhá-las no processo educacional. 2.4.1 Uma Função Significativa nos Currículos Em decorrência dos aspectos surgidos pelas mudanças conceituais dentro do tratamento da ciência com suas diferentes abordagens; a ciência é uma atividade social, estando sujeita a mudanças estruturais, variações e, sem dúvida alguma, permanecendo atrelada a uma infinidade de outros interesses. Segundo Ayarzagüena et al. (1996, p.31), a construção social da ciência abarca uma ideologia que pode ser vista dentro de três funções principais que servem de subsídios para sua futura compreensão dentro dos processos de ensino: a) Representação do mundo – esta situação se repete que, queira ou não, o ser humano vive numa sociedade científico-tecnológica; a ciência é um dos elementos que os definem como projeto social. b) Legitimação – neste mundo contemporâneo, só se legitimar o que passa pelo crivo científico; a ciência avaliza e converte-se na única forma de dar razão às coisas. Nos dias atuais, confunde-se racionalidade científica com racionalidade e, com conhecimento científico. 35 c) Encobrimento – chega-se a pensar, em muitas situações, que a única solução para os problemas está na ciência. Esquece-se – ou faz-se esquecer – que nem todos os problemas são de caráter científico-tecnológico. Logo, precisa-se trabalhar o fato de que a ciência, mais técnica, não significa, necessariamente, vida melhor para todos. Este tripé, presente no jogo de interesse dentro dos currículos das escolas, das instituições, ou seja, dentro da sociedade, possui conteúdo ideológico suficiente para justificar o desenvolvimento de estudos em ciência, tecnologia e na busca da implantação de uma Filosofia que permita tratar das questões da sociedade sem a idealização de uma ferramenta mágica para imediata e pronta solução dos problemas. 2.5 A Necessidade (e a Possibilidade) de uma Nova Filosofia É mais do que razoável supor que uma sociedade plenamente comprometida com a fabricação de realidades artificiais impõe dúvidas, medos e ufanismos, faz-se necessário pensar com intensidade na natureza deste compromisso. Seria mais do que lógico e natural pensar que uma filosofia da tecnologia pudesse aflorar exuberante dentro de uma escola técnica, gerando discussões e debates entre professores, estudantes e as demais pessoas as quais formam a comunidade técnica. A tese da dependência social da ciência e da tecnologia vem ganhando adeptos, adquirindo uma presença cada vez mais forte, empurrando as instituições que trabalham com estas áreas a buscarem subsídios nos campos sociológicos e epistemológicos com o intuito de ajudarem a desvendar e a resolverem algumas pendências que favoreçam o aprendizado nas escolas técnicas. A filosofia da tecnologia deve surgir como uma tentativa de procurar respostas a alguns dos principais problemas desta época. Porque estes problemas têm a sua origem nos impactos do fazer científico-tecnológico no âmbito da questão ecológica e da 36 questão social e cultural, pois a racionalidade científico-tecnológica conduz a mudanças e crises, inclusive na forma de compreensão do próprio ser humano. Esta filosofia, como as demais, vive e necessita de uma ampla interdisciplinaridade, deve elaborar suas reflexões a partir das experiências tecnológicas que, constantemente, vêm alterando a visão de mundo. A Filosofia deveria tratar, na realidade, de muitos outros temas, entre os quais se pode enumerar: a busca de uma definição clara do que seja tecnologia e o que realmente representa para o bem-estar do ser humano; o estudo da vinculação entre progresso social e progresso tecnológico, envolvendo os seus questionamentos e dúvidas; análise sobre as complexas relações entre a ciência e a tecnologia; o questionamento e a elaboração de critérios de comportamento sobre a problemática ética os quais comportam a ciência e a tecnologia dentro do seu entorno sócio-cultural. A filosofia da tecnologia deveria carregar consigo uma função crítica permanente, para estar constantemente em sintonia com as imagens do homem que a ciência e a tecnologia promovem dentro das estruturas sociais. Existem, indubitavelmente, inúmeras questões que merecem ainda muitas investigações. Algumas de caráter conceitual que podem interferir, inclusive, na forma de abordar estas colocações. Uma delas diz respeito ao fato de que, na filosofia atualmente, ainda continua a existir uma ambigüidade no uso dos termos: técnica, tecnologia, e ciência; embora esteja generalizando-se a idéia de utilizar técnica como um termo genérico e tecnologia para referir-se às técnicas industriais com base na ciência e no entorno social. A Filosofia da Tecnologia surge em função de uma nova dinâmica que move o ser humano, em que os problemas filosóficos estão mesclados com as técnicas industriais de base científica e com as suas repercussões sobre o meio ambiente e o meio social os quais farão uso da dinâmica. Pode-se dizer que, somente nas últimas décadas, a Filosofia da Tecnologia vem configurando-se como uma área especializada da Filosofia, apesar de muitos 37 profissionais insistirem que é indispensável para seus propósitos. No entanto, esta mudança é incontestável e portanto, sem dúvida, à própria transformação experimentada pela ciência e pela tecnologia, transformação esta devido àqueles que negam o valor da sua análise não tão mecanicista sobre suas criações e ao destaque que adquiriram no mundo atualmente. A transformação retumbante iniciou-se com a Revolução Industrial nos séculos XVIII e XIX. A partir dessa revolução, graças principalmente ao modelo capitalista e à alta dependência da produtividade industrial, o predomínio da técnica foi decisiva no comportamento social. Atualmente, este aspecto, salvaguardando a devida proporção, é talvez mais exacerbado em função da velocidade com que a tecnologia toma conta da vida das pessoas. Ou seja: é a eletrônica, a informática, os projetos genéticos que podem mudar completamente a civilização humana; são os recentes materiais, a tecnologia nuclear, enfim, os artefatos que fazem dependentes e usuários de maravilhas que muitas vezes tiram a racionalidade da análise de seus resultados. Dentre essas preocupações, os traços que mais se evidenciam no aparecimento de uma filosofia tecnológica, sem dúvida, são os que estão relacionados com o sistema cultural deste tempo, ou seja, sua indiscutível vinculação ao conhecimento científico, sua forte potência de transformação da realidade, bem como a forma aparentemente autônoma e imperativa de seu acelerado ritmo de desenvolvimento. 2.6 Apostando no Processo Educativo O cientista e o usuário da ciência que a transforma em tecnologia começam a sofrer rechaços da opinião pública dado o seu posicionamento equivocado em fingir que seus trabalhos, são independentes do resto de suas vidas. Este posicionamento tem-lhes trazido uma espécie de hostilidade do público geral, em decorrência de suas próprias faltas. Também os professores e demais profissionais da área técnica deixam a cargo de uma imprensa não 38 especializada a conscientização dos resultados positivos e negativos desta ciência que várias vezes, por meios de sensacionalismo, trata a questão de forma equivocada. Esta interferência indubitável começa a atingir a vida familiar e os processos educacionais. Os filhos - animados pelo uso das grandes realizações e confortos, dos quais os pais e avós, na maioria das vezes, são os mentores - tornam-se indefesos. Qual criança que se visse, de um momento para outro, enfrentando a dura realidade de um mundo cada vez mais agressivo em constante mutação para o desconhecido e encarar essa realidade. Sente-se a necessidade inadiável de criar ambiente que lhe dê condições a fim de enfrentar os problemas com os quais se defrontarão. Que estes problemas sejam estudados, refletidos e, quem sabe, resolvidos. Portanto, as questões educacionais evidenciadas devem procurar perder o excesso de paternalismo com o qual cuidam da juventude. Passa sem ser percebido, em função das inúmeras atribuições que a vida moderna incute, que a escola para cumprir seus ditames formais, força os alunos a exercerem muitas atividades para ocupar-lhes a semana de trabalhos rotineiros, castrando, assim, sua capacidade de criar e refletir. Em uma reflexão de ordem pedagógica os professores julgam-se muito mais capazes de observar, corrigir e refletir pelos discentes, medindo o aprendizado por meio muito mais de exercícios de repetição do que de qualquer outra atividade abstrata que lhes desenvolva o raciocínio. Parece mais fácil e mais seguro, somente que, em vista das revoluções e mutabilidades apresentadas neste trabalho, sob tais condições se esta pondo em risco a oportunidade para progredir e a própria possibilidade da construção de conhecimento, tornando impossível uma mudança nesta característica cultural que se arrasta há tanto tempo. Se não se quer que esta relação de aprendizado de ciência e tecnologia se perpetue, carregando consigo os medos, os ufanismos e o desconhecimento, não se pode alimentar o conformismo, a ponto de não permitir que os estudantes estruturem seriamente 39 uma idéia e não busquem reflexões. Tem-se que discutir a possibilidade de, no início, compreender aquilo que o professor deseja fazer e também de não saber como fazer, porque o caminho que conduz ao aprendizado inclui sucessivos erros, portanto a precisão e a ordem vêm depois. Deve-se, portanto, usar a dúvida como uma ferramenta e não como uma mazela que deveria ser prontamente extirpada do processo construtivo do aprendizado. É comum, entre os professores, querer poupar os estudantes de reflexões críticas, concedendo-lhes mais tempo para tarefas mais relevantes na formação do técnico em eletrotécnica, esta postura é imensamente cerceadora da liberdade do pensamento que vai, inclusive, refletir na própria formação mecanicista que tanto está consumindo a criatividade dos alunos. Procura-se usar com eles um código de comunicação que facilite a sua tarefa de não precisa pensar. São estas preocupações que têm levado alguns profissionais ligados ao ensino de ciência e tecnologia – eu aqui me incluo - a desempenhar um papel ativo na busca de tornar públicas estas questões que interferiram a vida desses profissionais. Porém, muitos continuam com suas posições imutáveis, pensando e falando como antes, incapazes de compreender as circunstâncias – na maioria dos casos não por desconhecimento, mas por vontade própria, para poder usufruir a privilégios que esta postura proporciona – radicalmente mudadas e com aquelas posições prosseguem com sua profissão. Por que será que alguns professores e cientistas não se conformam com as mudanças e continuam com sua velha atuação junto aos seus alunos e à sociedade? Será que é a sua posição dogmática do infalível que estará caindo por terra? Ou querem continuar como mágicos na busca de repassar conhecimentos que fatalmente levarão ao maior conforto humano, independentemente, de a quem está servindo? Fourez (1995, p.21) separa estes códigos entre restrito e elaborado, de acordo com a citação apresentada: 40 Consideremos como a noção de ciência é utilizada no código restrito e no código elaborado. O código restrito é aquele utilizado na maior parte dos cursos de ciências [também o é nos curso tecnológicos]. Supõe- se saber do que se fala, e não se exige reflexão ulterior. Porém, caso se procure fazer uma idéia do que seja em definitivo a ciência, isto é, dar uma interpretação que faça sentido para nós, a tarefa se faz mais complexa. Todas estas interpretações não são equivalentes. Nesse nível interpretatório, a noção que se tem da ciência será ligada, graças a uma linguagem elaborada, a outros conceitos, tais como a felicidade dos humanos, o progresso,a verdade etc. essa linguagem elaborada – essa filosofia da ciência – permitirá uma interpretação daquilo que a linguagem restrita diz respeito da ciência. Além disso, a palavra ciência pode por vezes aprisionar, por exemplo, quando alguns passam a impressão de que, uma vez que se falou de cientificidade, não há mais nada a fazer senão se submeter a ela, sem dizer ou pensar mais nada a respeito. Um filósofo crítico ou emancipatório da ciência procurará portanto compreender como e por que as ideologias da cientificidade podem mascarar interesses de sociedade diversos. Dixon (1973, p.8) detectava há vinte anos, com muita propriedade, este problema de intocabilidade de certos profissionais nas suas atuações e que se mantém, em muitos casos, até os dias de hoje, como é possível ler nas suas palavras: De repente os cientistas estão sendo analisados. Enquanto os artistas profissionais – poetas, pintores e compositores – prosseguem seu trabalho numa posição social segura – se bem que mal paga; enquanto encanadores continuam a consertar encanamentos; enquanto médicos continuam a curar doenças, os cientistas enfrentam dúvidas crescentes quanto a seu papel na sociedade. Não sabemos ao certo se gostamos da nossa civilização tecnocrata, e duvidamos se queremos mais e melhores engenhocas e teorias mais brilhantes que nos levem adiante na mesma estrada. O que quer que possa acontecer no futuro, continuaremos a precisar da ciência e dos cientistas, nem que seja só para resolvermos os problemas que eles criaram. Mas, no momento, os cientistas passam por uma menopausa coletiva, acometidos de ansiedade sobre como sair dela. Alguns sairão ilesos, e até rejuvenescidos do processo. Outros não. Portanto, esse problema é conhecido pelo menos para os profissionais da área, os quais em suas escolas que trabalham na formação dos futuros profissionais que atuarão neste campo produzem discussões que possam trazer à tona semelhantes preocupações. Mas este problema não está ligado somente aos professores que trabalham com tecnologia, ou seja, os 41 profissionais do outro lado – os humanistas, os filósofos da ciência, os sociólogos – os quais criticam os tecnologistas somente com o objetivo de ficar procurando as mazelas da ciência e da tecnologia, também não atacam a fundo semelhantes questões. Enquanto os humanistas interagem com os outros aspectos da sociedade relutam em examinar os efeitos e as conseqüências da ciência e da tecnologia na mutação social do ser humano. Dixon (1973, p.8) comenta este aspecto com relação aos sociólogos, explicando que: Algumas das razões – para não se preocuparem com a ciência – são muitos claras – sua complexidade intimadora e seu jargão, o sabor irreal e sufocadamente intelectual da disciplina conhecida como ‘filosofia da ciência’, e a exclusão patológica do conteúdo real dos assuntos científicos de publicações e periódicos especializados. Mas, a negligência dos sociólogos a esse respeito continua sendo uma omissão surpreendente e lastimável. Como um começo na mudança desta cultura, ainda fortemente presente em nossa civilização, precisa-se, de certa maneira, além da adoção de uma abordagem epistemológica, levar em consideração outros aspectos fundamentais no ensino tecnológico. A educação nas escolas técnicas não pode pensar em equipar os estudantes com conhecimentos e habilidades para que os discentes consigam empregos na sua vida de adulto. Ou seja, as escolas precisam muito mais: precisam tornar os jovens criativos e críticos em relação às realizações da ciência e da tecnologia em que, em inúmeras situações, os próprios alunos ajudaram a criar; precisa ajudá-los a pensar com respeito às aspirações de seus colegas e dos cidadãos; precisa torná-los cuidadosos com a sua saúde – hoje fortemente dependente de muitos resultados tecnológicos – precisa levá-los a pensar em um processo coletivo e nos resultados e conseqüências dos artefatos científico-tecnológicos. A educação deveria, sobretudo, apontar na direção do pensamento crítico da riqueza dos valores culturais e das dimensões morais e espirituais da vida. Precisa ser levada aos jovens com estes pressupostos, independente, de sua bagagem de conhecimento, sexo, credo, raça ou cor. 42 3 QUESTÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS NA FORMAÇÃO DOCENTE Para que as transformações do modelo de ensino ocorram é fundamental uma reestruturação das práticas didático-pedagógicas por meio de uma nova postura epistemológica dos professores. Neste capítulo, buscam-se conteúdos e análises sobre os problemas atuais do ensino técnico de eletrotécnica, em uma conversa reflexiva entre os professores, principalmente, sobre as dificuldades no relacionamento direto com os alunos. Sem supor um método, mas apontando e apostando em um direcionamento epistemológico diferenciado do atual modelo positivista, são identificadas algumas ações as quais poderão provocar alterações nas atuais práticas educacionais dos professores, podendo contribuir para substanciais modificações no sistema de ensino técnico. 3.1 As Responsabilidades dos Professores Currículos alterados, condições físicas de laboratórios melhoradas, sistemas computacionais implantados, qualidade total do ensino técnico baseada no modelo industrial e aplicada aos métodos educacionais são decisões que, estando a par de sua importância, eternizam a procura da forma mágica de melhorar-se os processos de aprendizagem nas escolas as quais trabalham com a ciência e com a tecnologia. Portanto, fundamentar-se no estabelecimento de recursos materiais cada vez mais sofisticados, deixando em segundo plano a formação didático-pedagógica dos professores parece constituir-se na inversão do problema. Enquanto não se pensar no estabelecimento de linhas de investigação e estudos no direcionamento didático-pedagógico, procurando suprir a formação dos professores não apenas no aspecto técnico, sendo que as demais questões não passarão de adendos que simplesmente procuram justificar a ineficácia dos cursos que sentem dificuldades em segurar 43 os próprios alunos com motivação suficiente a fim de abraçar a profissão. Portanto, necessitase mais do que o repasse puro e simples de técnicas, muitas vezes ultrapassadas, ou seja, fazse urgente à reflexão aprofundada de suas conseqüências no processo de aprendizado em relação também às questões de ordem cognitiva. As questões didático-pedagógicas acompanhadas da reflexão aprofundada da conscientização humanística e sociológica dos professores podem provocar uma alteração significativa neste quadro. E, ainda, com base nestes pressupostos, parece que um ensino somente poderá ser considerado de qualidade se oportunizar uma efetiva construção de conhecimento, e não apenas uma acumulação de informações repassadas em sala de aula, por todos os indivíduos envolvidos no processo. A motivação para certas atividades não nasce em um lampejo. É preciso uma razão para justificar tal movimento que possa efetivamente apontar uma possibilidade real de mudança. Nada se muda se não houver suficiente embasamento para demonstrar que esta mudança é necessária. Logo, os tempos presentes apontam para a possibilidade desta abordagem. 3.2 Formação do Profissional de Ensino Técnico Em pelo menos um aspecto a prática dos cursos técnicos brasileiros não tem se mostrado muito promissora, que é a formação de seus professores. Como regra geral, o profissional que possuir um título superior é considerado habilitado a seguir a carreira de docente na área de sua formação, ou seja, para ser professor de medicina, basta ser médico; para ser professor de história, basta ser historiador; para lecionar na área técnica, basta ser técnico. 44 Esse procedimento deveria ter origem no entendimento de que o domínio dos saberes técnicos da profissão é suficiente para transformar um indivíduo legalmente diplomado em professor. Mesmo que se argumente ser esta visão um tanto quanto estereotipada, não há como negar algum grau de realismo, quando se analisam as instituições brasileiras de ensino técnico. No caso específico em estudo, este entendimento ganha proporções preocupantes, porque, julgando-se que as ciências partem de fatos apreensíveis pelos sentidos e que é seu papel descrevê-los por leis universais imutáveis, os cursos técnicos podem ser classificados como fortes raízes positivistas, que devem ser responsáveis, em grande medida, pela objetivação e racionalização de suas ações. Essas raízes, via processo educacional, entranham-se na formação dos seus membros, realimentando sucessivamente as várias gerações profissionais. Estabelece-se, assim, um vínculo vicioso que parece não ter fim. Estritamente sob a orientação dos paradigmas dominantes são formados profissionais que, transformados em professores pelo simples fato de possuírem um diploma técnico, perpetuam não somente os aspectos positivos necessários à manutenção do estilo de pensamento da comunidade profissional, mas também os seus desacertos. Como resultado os profissionais assumem a condição de técnicos-professores acabam aprendendo a ser docentes – quando o aprendizado acontece de fato – pela própria experiência, o que em geral se dá como um esforço solitário, sem os benefícios de uma sistematização racional de procedimentos. As próprias instituições de ensino pouco se preocupam em orientar essa transição de técnicos para técnicos-professores, ou mesmo depois para professores-técnicos, ou, para educadores. Basicamente, cobra-se, quando da entrada de novos membros em seus quadros, comprovação de titulações acadêmicas, compromissos de boas intenções para com a pesquisa 45 e o ensino – principalmente com relação à primeira - e o cumprimento de um pequeno ritual de sala de aula, a título de comprovação de aptidão didática. Raros são os professores que têm formação didático-pedagógica. A maioria dos docentes que lecionam nesta área é composta de indivíduos que supõe ter alguma habilidade inata para a docência; ou para poderem pesquisar, acabam concordando em lecionar sem habilidades para fazerem o que gostam, ou que consideram de maior valor. Em princípio, não deveria haver nenhum mal em os profissionais serem professores da forma descrita acima, aliás, pode-se considerar meritórios esses procedimentos. Os aspectos negativos apareceram, quando a boa intenção com o magistério esgota-se na prática e como resultado, estes indivíduos se instalam, procurando reproduzir algum modelo de repasse de conhecimentos ou informações com que anteriormente tiveram contato e que aprovaram; ou ainda, quando lecionam por pura intuição. Portanto, tudo funciona como se o sistema educacional não passasse de uma tentativa de reprodução de métodos e técnicas de ensino as quais tivessem o supremo dom de fazer surgir o conhecimento na mente dos alunos. O docente formado dessa maneira conseguia até há pouco tempo satisfazer medianamente as necessidades educacionais nos cursos técnicos. Mas esse processo empírico de formação docente, o qual foi altamente deficiente, não tem mais encontrado sustentação dentro da nova dinâmica de circulação de informações e das necessidades atuais de construção de conhecimentos. Entretanto, pouco tem sido feito para corrigir tal situação. Os próprios interessados – os docentes – faz-se necessário conhecer, não têm creditado a devida relevância ao problema, chegando inclusive a desconsiderar os procedimentos didáticopedagógicos sistematizados. 46 3.3 Dimensões das Dificuldades do Profissional da Área Técnica O problema, mesmo visto, apenas por esse enfoque, não tem apenas uma dimensão, visto que, se do lado do professor há deturpação, do lado do aluno ela também existe. Porque, quando chegam ao curso superior, os alunos não estão com a mente vazia. Chegam com uma carga de formação que é herança não somente do senso comum, da cultura popular e da educação familiar, mas da educação formal que receberam nos anos anteriores de escolarização – 1º e 2º graus conforme Bachelard (1978). Portanto, pode-se afirmar que os alunos chegam a um curso superior trazendo expectativas em relação ao comportamento docente que, de certa forma, corroboram o que de fato o sistema de ensino tem produzido. Não é difícil perceber que parte dos estudantes técnicos prefere um docente que não entenda de didática, de pedagogia ou de teorias do conhecimento, mas que seja um indivíduo de larga experiência profissional e de reconhecida competência técnica. O professor que reproduz essa expectativa refletirá, portanto, os esteriótipos dos alunos acerca do que é ser um bom profissional, e não raras vezes ele assim age por força das preferências discentes. Essa reciprocidade encontrada entre os alunos e professores mantém e alimenta a cultura da área. Se em um curso técnico o aluno busca, além dos conhecimentos técnicos, da formação intelectual e do status que o título deve conferir-lhe, também um símbolo idealizado de profissional a quem imitar, é nesse modelo de professor que o discente vê materializadas as suas expectativas. Dessa forma, o carisma da competência profissional acaba por prevalecer sobre a formação didático-pedagógica – seja a competência formal ou informal. Há que se considerar ainda, que a maioria dos programas de formação para professores é desenvolvida para outras áreas que a não a tecnológica, principalmente, em nível superior. A essa falta de formação especifica para a área técnica advém dificuldades 47 adicionais como a de encontrar profissionais docentes dedicados à área, para suprir esta dificuldade faz-se necessário romper com os paradigmas vigentes, os quais não valorizam estes profissionais. Uma conseqüência prática da falta de formação didático-pedagógica é o desconhecimento por parte dos professores, de que existem teorias do conhecimento, ou de há aspectos ideológicos, filosóficos ou sociológicos na aprendizagem. E, na falta de norteadores para as ações no ensino, acaba-se obedecendo àquilo que inconscientemente mina a razão. Sendo o positivismo o direcionador das ações do técnico brasileiro, o processo de ensino passa a ser uma indisfarçada afirmação da realidade do objeto por parte do professor, e uma apassivada memorização de informações técnicas, de preferência matematizadas pelos alunos. Um elemento determinante que poderá definir uma mudança desse problema é uma atuação no sentido de alterarem-se alguns entendimentos dominantes entre os professores. Um destes entendimentos, talvez um paradigma, prevê, contrapondo as evidências contrárias, que o ensino técnico em eletrotécnica encontrou o seu ponto ótimo de desenvolvimento, o qual, portanto, não precisa ser alterado. Uma forte tendência entre professores de cursos técnicos, quando admitem a existência de problemas na aprendizagem, é a de transferir a responsabilidade desses fracassos ou aos alunos ou às deficiências materiais para a execução do ensino. Estes entendimentos desconsideram, por exemplo, as influências de aspectos filosóficos e ideológicos, conforme Apple (1982) e Giroux (1983) no processo de aprendizagem o que deveria ser fruto de uma visão simplista que o processo de ensino desempenha socialmente. Imagina-se como uma das saídas para esses problemas à implantação de programas de formação para professores de cursos técnicos, tendo como meta criar uma cultura de formação, o que certamente resultará na qualidade do ensino. 48 3.4 Questões Sobre o Ensino Técnico Há alguns pontos que podem ser detectadas como os mais característicos entre os formadores dos técnicos nas escolas técnicas. Entende-se que, com o intuito de analisar esse ensino, esses pontos poderiam ser abordados em um programa de formação docente específico para a área tecnológica. Pode-se destacar para uma reflexão mais detalhada os seguintes questionamentos: a) Os conhecimentos sistematizados e elaborados, com a sua carga cultural, direcionam o ensino da área tecnológica. Este aspecto realça com ênfase a importância que se dá ao produto em detrimento do processo na atual relação de aprendizagem. Os conhecimentos sistematizados castra importantes possibilidades para que o aluno aprenda da experiência, da vivência e das trocas que o professor deveria oportunizar com esta dinâmica. Este comportamento do sistema de ensino, talvez, seja devido à concepção positivista que trata a ciência e por conseqüência o conhecimento como algo perfeito, acabado, neutro, pronto e imutável. Acrescente-se uma certa postura de inúmeros docentes, que por apostarem nestes conhecimentos sistematizados e elaborados, relutam em atualizar seus conteúdos e técnicas didáticas. Dessa maneira, reflete no atual sistema de ensino, no qual se valoriza mais quem sabe a resposta do que quem sabe procurá-la ou desenvolvê-la, uma vez que o próprio processo produtivo contribui de forma significativa para reforçar este quadro, quando adota e reproduz modelos vitoriosos de respostas dadas e fechadas, completando, assim, o circulo vicioso. b) A prática da compartimentalização e da dissociabilidade do conhecimento específico com o mundo que o cerca. Ou seja, o processo educativo como um fim em si 49 mesmo, sem ligação com o cotidiano das pessoas torna-se uma estrutura meramente de ensino, apartada da vida prática. A consciência de que a ciência e a tecnologia se baseiam, também, em valores do cotidiano – devido ser por causa do cotidiano que elas têm razão de ser – põem em questão os professores e aos seus conhecimentos de mundo. Esse questionamento serve de motivação e de agente propulsor para que o estudante procure construir conhecimento. Esta relação faz com que o discente vá em busca de resposta que também dê conta de suas necessidades imediatas. Esta associação com o cotidiano mostra, na realidade, que ciência e tecnologia nada mais são do que a aplicação sistemática de valores humanos os quais são prezados e desenvolvidos. As escolas técnicas relacionam os valores sociais e humanos com outros afazeres, mas dificilmente com a ciência e tecnologia. Esta contextualização, que parece distante das escolas técnicas, pode mostrar aos alunos o quanto à ciência e à tecnologia são relevantes no desenvolvimento do conhecimento e no bem estar das pessoas, além de reforçar as atitudes humanas no seu desempenho profissional. c) O modelo empírico que cultua o treinamento e, por conseqüência, difunde a cultura do diploma como o fechamento de uma fase da vida, incutindo no estudante a idéia de que depois da formatura a tarefa de estudar está encerrada deve ser substituída pelo novo paradigma de ensino técnico. Essa cultura foi desenvolvida, principalmente, na década de 60 do século XX, mas permanece presente na forma de pensar da sociedade, que vê o diploma como uma passagem obrigatória para a ascensão social. Implica em uma preocupação central na questão ensino aprendizagem, ou seja, é o fato de estar-se treinando estudantes que redundarão em pessoas com mentes fechadas que por apostarem em um método finito muitas vezes perdem a alegria da descoberta e a satisfação do crescimento intelectual. É preciso, portanto, resgatar na 50 educação técnica a busca pelo novo, a competição das idéias, e mostrar ao estudante que o diploma é o ingresso que lhe permitirá entrar no jogo em busca de uma atualização constante. Fazê-lo compreender a relevância da reflexão cuidadosa sobre todas as idéias, mesmo que, em princípio, possa lhe parecer inquietantes ou estranhas em relação às suas convicções, embebidas de paradigmas positivistas sedimentados ao longo de sua formação, portanto, essa é tarefa indispensável para os professores e estudantes em sala de aula. d) O ensino, primordialmente, centrado no trabalho individual e na cobrança de performances também individuais. Essa idéia se confronta com os novos conceitos de esforço coletivo na busca das soluções para os graves problemas com que a civilização contemporânea se defronta. Aqui, poder-se-ia aplicar o ditado popular: façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço, pois apesar de cotidianamente se colocar este aspecto como importante para os estudantes, usa-se de uma prática arcaica de cobranças de tarefas e solução de provas, banindo, inclusive com penalizações, qualquer possibilidade de troca de conhecimentos entre os envolvidos no processo. As conseqüências dessa prática são claras: a exarcebação do individualismo e da competição selvagem na busca de premiação que se concretiza na avaliação numérica que o professor processa. E o mais paradoxal desta questão é que se defendem os trabalhos em grupos e, novamente, cai-se no erro comum e grave, achando que esta prática nasce em um passe de mágica. Portanto, não adianta defender, teoricamente, o novo conceito sem trabalhálo em da sala de aula de forma prática. O maior erro que um jovem pode criar é imaginar que sua vida profissional está desligada de todos os desafios da sociedade os quais não dizem respeito à competitividade e à produtividade individual. A economia, as empresas, a sociedade e os trabalhadores são dentes da mesma engrenagem e requerem do novo profissional arrojo, administração do seu tempo 51 de trabalho, geração de novas idéias e capacidade de trabalhar em equipe com discernimento técnico e social. e) O ritmo, os trejeitos, a oratória e o seu desempenho como detentor do conhecimento determinam os processos de aprendizagem. Estes são pré-requisitos na construção do conhecimento, quando vêm precedidos da fundamentação teórica de como se processam esses conhecimentos. Estes quesitos, quando não acompanhados das questões de ordem cognitiva, podem incentivar o papel ditatorial do professor que precisa se mostrar seguro e infalível perante os estudantes. O docente dita a linguagem, mesmo que seja estranha para o aluno, obstrui, bloqueia e corta o desenvolvimento da construção do conhecimento. Também o professor precisa considerar que o conhecimento somente terá sido processado no aluno quando este conseguir desenvolver os mecanismos da aprendizagem e não quando estiver apto apenas a repetir aquilo que lhe foi repassado. Esta característica, de achar que estes fundamentos são os principais do processo de ensino aprendizagem, é própria daqueles que carregam fortemente consigo a concepção empirista na sua forma de pensar, porque acham que o conhecimento é uma questão de acumulação de dados na memória. Uma memória tida como um arquivo, ou gavetas prontas para acumular informações que vêm de fora e quando acionadas processam, obrigatoriamente, seus resultados. Talvez, seja uma das fontes principais de nossos currículos tão fragmentados. Mas o problema é mais grave porque os estudantes, sem se darem conta que mais relevante é a questão cognitiva, incentivam os professores, supervalorizam essas virtudes do docente. Os estudantes preferem um professor que não entenda de didática, pedagogia ou inovações instrucionais, mas que seja um profissional de reconhecida competência em sua área; e que, principalmente, reflita seus esteriótipos de bom profissional. Desta forma, o carisma da competência profissional acaba por prevalecer sobre a formação didático- 52 pedagógica, conturbando os processos cognitivos responsáveis pela construção do conhecimento. f) O ensino é exageradamente centrado na memorização e na reprodução de tarefas repetitivas. Por conseqüência, a avaliação da aprendizagem é um ritual de repetição preciso e detalhado das explicações do professor. A capital dada às avaliações individuais centradas na memorização, na repetição de métodos estabelecidos e, principalmente, na reprodução cega dos modelos extraídos dos livros e textos técnicos utilizados muitas vezes acriticamente pelo professor ocasiona sérios prejuízos ao aprendizado. Esta prática de cobrança é decorrência de explicações descontextualizadas propostas em aulas enfadonhas, no intuito de fazer cumprir um ritual, que posteriormente implica em cobrar quantativamente conhecimentos, ou seja, emitir notas os quais, supostamente, imagina-se que os alunos devam ter absorvido. Estar-se-á, na realidade, despreocupado com o aspecto de termos ou não contribuído significativamente com a construção do conhecimento. A obediência inconteste a métodos imutáveis, em decorrência do método científico e a crença nos procedimentos padrões levam os docentes à busca de um treinamento das habilidades dos estudantes. Feyerabend (1989) realça a falta de sensibilidade dos professores ao lidarem com o jovem e não tomarem suas visões e percepções instáveis como algo a ser trabalhado positivamente. Com esta técnica de avaliações anacrônicas, que continuam a cobrar a memorização, a repetição e a obediência a um método específico, não se respeitam estas instabilidades que propiciam aos estudantes formas especiais de ver o mundo. A maioria dos professores usa estas avaliações para medir a eficácia do seu método para ensinar a verdade neste processo de impor suas idéias. Naturalmente, que os problemas apontados representam uma leitura geral e não convivem, necessariamente, em todas ou em cada disciplina específica. Mas, de forma geral, estes itens podem ser encontrados, com algum nível de intensidade, ao menos em parte das 53 disciplinas que compõe um curso técnico de eletrotécnica; porque, dentro deste entendimento, esses problemas fazem parte do modo como se encara o processo de ensino desta área. 3.5 Elementos Preliminares para um Programa de Ensino para o Curso Técnico em Eletrotécnica Como uma medida de transição, enquanto não estiver em regime a exigência de formação específica em educação como premissa para a atuação nesta área, deveriam participar desta empreitada, os docentes que se encontram em pleno exercício da carreira, a fim de servi-lhes, no mínimo, como atualização. Respeitando os conteúdos do ensino dos campos de atuação de cada participante do programa, podem ser trabalhados, nesta tentativa preliminar, os elementos abaixo especificados: Reflexões epistemológicas, visando à compreensão da estrutura do saber ensinado, dos conceitos disciplinares, das relações interdisciplinares, dos obstáculos ao conhecimento, objetivando, permitir a interferência de conseqüências didáticas; Becker (1995, p. 15-18) mostra que: 1. Abordagens históricas de conceitos das ciências básicas da eletrotécnica, destacando a dinamicidade destes conceitos e a evolução na construção dos fatos científicos; 2. Revisões históricas da sistematização do sistema escolar, da definição dos currículos e da introdução da quantificação do rendimento da aprendizagem; 3. Análises de situações de sala de aula, das relações professor aluno e dos modelos de relação sujeito objeto; 4. Discussões das concepções alternativas dos alunos acerca de conceitos científicos, de suas representações, transposições e obstáculos; 54 5. Discussões pedagógicas, compreendendo as reflexões sobre objetos do conhecimento, pesquisas sobre as condições de apropriação e sobre a intervenção didática; 6. Estudos sobre a sociologia do conhecimento; 7. Abordagens dos insucessos na aprendizagem. Explorar e descrever estes itens com dinâmica própria requer diferentes planejamentos. Atacá-los com um mínimo de profundidade exigiria mais tempo de leituras, discussões e maturação, mas a simples compreensão da existência de problemas diferentes dos puramente técnicos pode despertar para a reflexão sobre outros, mais particulares para cada prática de ensino. 3.6 Modelos Epistemológicos de Ensino Assumindo que a relação entre professor e aluno deveria ser direcionada mais para o lado da importância da contextualização, na busca da humanização do ensino técnico, tem-se que apostar na quebra de um obstáculo enraizado na estrutura deste ensino, ou seja, a dificuldade de assumir que a forma com que se repassa ou constrói-se conhecimento e que a relação professor aluno são decorrentes de uma atitude epistemológica. Portanto, quebrar um obstáculo e vencer um paradigma são tarefas que se apresentam desafiadoras. As questões epistemológicas raramente foram tratadas dentro de um ambiente onde, por mais paradoxal que possa parecer, é necessário e indispensável saber de que forma se processa o conhecimento científico. As situações são muito diversas e em algumas delas a necessidade de certos tipos de ponderação põe o pesquisador, o professor ou quem quer que esteja atuando com semelhante assunto em questionamento devido ao profissional não estar de acordo com uma teoria mais direcionada. Sendo, assim, esta atuação do docente é prejudicial e em certas 55 situações tolhe uma possível boa idéia. A necessidade de contrapor Kuhn (1992) a Lakatos (1978a) ou quem sabe os paradigmas, às proto idéias, Popper (1983) a Bachelard (1978), Fleck (1986) a Feyerabend (1989) ou a qualquer outro epistemológo não é realmente proposta deste trabalho. Pensa-se, portanto, que fundamentado nos conceitos dos autores acima indistintamente com o propósito de formar uma moldura que possa contribuir com o desenvolvimento científico tecnológico. Acredita-se que, este foi e é o objetivo dos epistemológos que trabalham com esta problemática, sendo, o objetivo assumido – voltar-se para a sociedade - por este trabalho desde suas primeiras linhas. Nas análises do processo de conhecimento, conforme Becker (1995, p. 9-11) três elementos básicos aparecem: o sujeito que conhece (S), o objeto do conhecimento (O) e o conhecimento como um produto do processo cognitivo (C). Por processo de conhecimento entende-se uma interação específica do sujeito que conhece e do objeto do conhecimento, tendo como resultado os produtos mentais que se chama de conhecimento. Três modelos do processo de conhecimento são estabelecidos: Empiricismo – Modelo mecanicista em que o sujeito do conhecimento apenas reflete o que lhe chega do objeto por meio dos sentidos; o objeto é a fonte do conhecimento; o sujeito é passivo, neutro, contemplativo, receptivo; o objeto reflete uma ação mecânica sobre o sujeito; S<=O; a) Inatismo – Modelo apriorista no qual é proveniente do sujeito que conhece, sendo o objeto considerado neutro; a atenção centra-se sobre o sujeito a quem se atribui o papel de criador da realidade; S=>O; b) Construtivismo - Sujeito e objeto interagem mutuamente; nem o sujeito nem o objeto e, por conseqüência, nem o conhecimento são neutros; há uma interação mútua entre os três; S<=>O. 56 A escolha, consciente ou não, de um desses modelos implica conseqüências importantes para a atitude científica ou pedagógica. Como considerar o objeto de investigação? Quais os papéis desempenhados pelo professor e pelo aluno no processo ensino aprendizagem? Como se dá o conhecimento? Usando as situações epistemológicas desenvolvidas acima, ver-se-á de que forma as atitudes cientificas ou pedagógicas interferem junto aos professores e aos estudantes como sujeitos da construção do conhecimento. Neste trabalho, foi feita apenas uma relação entre o empiricismo – situação que acredito seja a predominante atualmente no ensino técnico – e o construtivismo – postura epistemológica que acredito poderá dar conta da maioria dos pressupostos julgados neste ensaio. O empiricismo tem dado sustentação a uma tradição de ensino que privilegia um modelo que considera o aluno – sujeito do conhecimento – como neutro e destituído de história. Em sala de aula, o professor passa a ser o agente da ação e irá imprimir os seus conhecimentos nas ainda vazias cabeças dos alunos. Becker (1995, p.9), em um ensaio sobre esta relação epistemológica em sala de aula, salienta o caráter autoritário que o professor assume neste modelo, conforme citação abaixo, Esta pedagogia tende a valorizar relações hierárquicas que, em nome da transmissão de conhecimento, acabam por produzir ditadores, por um lado, e indivíduos subservientes, anulados em sua capacidade criativa, por outro lado. Consideram o sujeito da aprendizagem, em cada novo nível, como tabula rasa. A Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire (1979), constitui um libelo contundente de denúncia da educação domesticadora. Sua fundamentação epistemológica é fornecida pelo empirismo. No segundo caso – decorrente do apriorismo – acontece exatamente o contrário da situação anterior em que Becker (1995, p10) diz que quando a Pedagogia é centrada no aluno atribuindo qualidades que o mesmo não tem: 57 Esta pedagogia pretende enfrentar os desmandos autoritários do modelo anterior, atribuindo ao aluno qualidades que ele não tem, como: domínio do conhecimento sistematizado em determinada área, capacidade de abstração suficiente, especialmente na área de atuação específica do professor, e volume de informações devidamente organizadas, além, é claro, do domínio das didáticas. Apesar das mesclas empiristas, sua fundamentação epistemológica é dada pelo apriorismo – inatista ou maturacionista. Quando a Pedagogia é centrada na relação professor aluno, tem-se a seguinte consideração de Becker (1995, p.10), Ela tende a desabsolutizar os pólos da relação pedagógica, dialetizando-os. Nenhum dos pólos dispõe de hegemonia prévia. O professor traz sua bagagem, o aluno também. São bagagens diferenciadas que entram em relação. Nada, a rigor, pode ser definido previamente. Se considerarmos a dinâmica própria do processo de construção do conhecimento (Piaget), os primeiros dois modelos devem ser continuamente negados. Apesar de Becker (1995) negar os dois primeiros modelos apresentados acima, ressalta- se que, apesar da ênfase que se empresta a terceira situação, não se pode desprezar o aspecto de colher algumas qualidades dos dois primeiros modelos. Neste trabalho, reforça-se a posição inicial de apostar em uma epistemologia ponderada. Portanto, do primeiro modelo, extrai-se o conteúdo sistematizado pelas várias ciências – o qual, neste trabalho, chama-se de acervo cultural da humanidade – e a autoridade do saber do professor. Do segundo modelo, resgata-se a experiência de vida, o saber construído até a atualidade – e no aluno do curso técnico de eletrotécnica este volume de saber é acentuado – e a capacidade de construir conhecimento que a sala de aula tem por função ativar. 58 3.7 Questionamentos da Mudança Na seqüência dos elementos que dizem respeito à formação dos professores, podese destacar alguns pontos que parecem direcionar o ensino de eletrotécnica, seguidos de breves reflexões no intuito de reavaliar a formação docente atual. Essa reavaliação serve como uma sistematização para que se possa, de uma forma mais dinâmica, situar os problemas que foram, na sua maioria, abordados ao longo desta pesquisa, às vezes, de forma explícita e, outras vezes, embutidos na análise epistemológica de algum de seus tópicos. Com predominância do empirismo, destaca-se a implicação epistemológica nas afirmações a seguir, sem exceção. As quais carregam consigo essa implicação na relação de aprendizagem corrente dentro das salas de aula. Essa relação é feita, neste trabalho, com fundamento no aspecto de que, se aposto em um modelo construtivista, as reflexões a seguir devem obrigatoriamente ser realizadas, pois somente com a mudança de postura, em sua maior parte, conseguir-se-á uma alteração no modelo epistemológico dominante atualmente. 3.7.1 Construindo o Conhecimento Na construção de conhecimento apregoada no novo processo para professores e alunos, Popper (1982, p. 21) reafirma a convicção de uma ciência diferente da estabelecida em nossas escolas “A ciência não é uma coleção de truques. É uma atitude perante o mundo, um modo de viver”. O profissional que desenvolve ciência e tecnologia não pode ser um recluso notável, como acreditam muitos levados pelos estereótipos criados pela imprensa e pelos comerciais. Deve, portanto, ser um cidadão em contato permanente com os problemas que o 59 rodeiam, criticando constantemente os resultados da própria ciência e da tecnologia, detectando, o que não é relevante para o bem estar da sociedade. A maioria dos estudiosos da cognição defende semelhante afirmação, ou seja, que os indivíduos precisam construir os próprios significados. A suposta clareza com que os professores ou os livros lhes ensinam o conhecimento, muitas vezes, de forma canônica e isenta dos erros, normalmente, leva-os em busca da memorização pura, portanto insuficiente para a construção do conhecimento. Os estudantes, normalmente, para construírem os seus significados, trabalham com a associação dos novos conceitos e da informação àquilo em que antes acreditavam. Ao irrelevar-se as concepções alternativas dos estudantes estar-se-á incorrendo em um erro pedagógico. Os conceitos – as unidades essenciais do pensamento humano – que não têm ligações múltiplas com o modo como o estudante concebe o mundo e, muitas vezes, os professores forçam os conceitos ao ensinar ciência, os quais não serão, provavelmente, recordados nem sequer úteis. Admitir-se que ao menos os conceitos permaneçam na memória, os discentes estarão utilizando uma parcela do depósito intelectual, proporcionado pelos fragmentos jogados a esmo pelo repasse excessivo de informações durante a sua formação intelectual, no entanto, não estarão disponíveis para afetarem os pensamentos sobre qualquer outro aspecto da concepção de mundo. Portanto, a aprendizagem de conceitos poderá ser mais bem construída se a conceituação for encontrada em uma multiplicidade de contextos expressos sob as mais diversas formas. Dessa forma, garantido mais oportunidades de integrarem-se no sistema cognitivo do estudante, que independente de sua vontade ou do professor vem impregnado de uma vida pregressa carregada de concepções alternativas. Com o objetivo de direcionar o professor a uma proposta de mudança, é fundamental que se estenda um pouco esta análise. Raramente, há tempo, nos departamentos 60 de ensino, para discussão do tema abordado neste trabalho. E, quando semelhantes preocupações surgem entre os professores, toma-se rapidamente o caminho das soluções pragmáticas da busca de artefatos os quais proporcionam aulas dinâmicas ou, quem sabe, mais atenção dos alunos nas aulas práticas. No entanto, mesmo sem uma análise aprofundada, sabe-se que estes paliativos servem apenas para estancar a preocupação, achando, ilusoriamente, que se está resolvendo o problema. Uma aprendizagem efetiva, além de não se processar apenas em razão de equipamentos ou aulas práticas à exaustão, também exige muito mais do que fazer somente múltiplas associações das novas idéias conceitualmente estabelecidas. É necessário – e aqui a obediência cega ao paradigma implica enorme dificuldade – que os indivíduos envolvidos no processo da construção do conhecimento – no caso em questão os professores e os alunos – reestruturem o modo de pensar radicalmente. Para criar, estabelecer ou incorporar no pensamento do profissional docente novas criações, em muitas situações, precisa-se alterar de forma profunda as ligações entre o que se conhece ou mesmo romper com muitas das convicções que se tem acerca do mundo. 61 CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente monografia evocou a relação escolar e a empresa, ou seja: o registro histórico de um estudo acerca da prática docente em face das tecnologias adotadas nas organizações empresariais. A construção do conhecimento e o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária são motivos que justificam este estudo. Portanto, optar pelo descanso mental neste momento ímpar, em que vive a civilização humana, seria algo como praticar um ato de usurpação das potencialidades, como que consumindo infindas doses de energia visando eximir de o inevitável pensar. Seria, ainda, fugir da necessária e imprescindível assunção das rédeas de nossa história, que aguarda o tempo para a sua definição. Seria ocupar-se instintivamente de afazeres para substituir o trabalho o qual não se quer ter, deixando-se levar pelo cotidiano. Dessa maneira, faz-se necessário resistir ao fácil consenso do pronto e acabado, do certo e indiscutível, da verdade absoluta a qual molda as mentes, que tudo faz para manter o confortável equilíbrio aparente do sabido e do familiar. Acreditando que, a resistência é uma forte arma do intelecto e que o inconformismo posto é um dos mais eficientes caminhos para a reforma das nossas convicções e projetos de vida, mais cedo ou mais tarde, deveria mesmo ser feito. Estes são, portanto, os elementos que sustentam este estudo, pautado no problema: Será que a formação que se está dando aos alunos vem ao encontro com o que as empresas esperam para seus profissionais? Entende-se que a história é uma contínua construção dos elementos que dela participam, que a consciência dos atos permite assumir a direção da sua evolução, parece, portanto, ser este o momento de procurar espaços para reflexão a fim de poder intervir no referido processo com mais propriedade e com mais discernimento. Assim sendo, aposta-se 62 em uma ação sistemática e bem embasada possa influir significativamente nas construções que definirão as formas do futuro. Essas considerações se caracterizam como possíveis alternativas de implementação de novas políticas de ensino aprendizagem, logo é necessário deixar evidenciado, entre os docentes, a forma de como cada um dos professores percebe os conhecimentos científicos tecnológicos e de que forma estes predominam na maneira dos docentes se portarem perante os alunos. É preciso, a partir das reflexões efetuadas, começar a discutir os resultados de pesquisas, tanto tecnológicas quanto sociais, com estudantes em sala de aula, e o modo de conduzir estas discussões. Este tipo de atitude dinamiza o processo e, automaticamente, renova os conteúdos em função da repercussão que a ciência e a tecnologia assumem cotidianamente. Com o intuito de definir a relação escolar e a empresa, registrou-se o histórico de um estudo acerca da prática docente em face das tecnologias adotadas nas organizações, o qual foi detalhado nas seguintes questões abordadas: a) O quê as empresas esperam de seus profissionais técnicos? b) Quais os fatores mais relevantes para a prática docente? c) A qualificação dos professores é suficiente para ministrar tais disciplinas? d) Os assuntos abordados satisfazem as necessidades para formar bons profissionais? e) Como o profissional da área da educação se mantém atualizado mediante o surgimento constante de novas tecnologias? Com a intenção de respondê-las de modo provisório, levou-se em consideração que, a experiência de vinte (20) anos trabalhados em empresas, qualifica este pesquisador a afirmar que as empresas esperam profissionais com dinâmica, pensantes, interessados, com raciocínios lógicos, sociais, humanos e com visões abertas. 63 Logo, a prática docente deveria levar os alunos a pensarem e a construir significados, porque a aprendizagem não pode limitar-se a solução de problemas. É, pois, construir, aprender a problematizar e, para tanto, é preciso saber pensar e construir estruturas. Considera-se que o sistema de contratação e distribuição das disciplinas deveria ter as qualificações mínimas exigidas satisfeitas. Por conseguinte os assuntos abordados em cada disciplina terão fontes e recursos indicados pelo docente com o objetivo de auxiliá-lo a ministrar as aulas. Os assuntos são fornecidos aos professores por meio do sistema de competências proposto pelo MEC, no qual cada disciplina tem o assunto característico e específico pela necessidade e atualmente. Para o docente manter-se atualizado mediante o surgimento constante das tecnologias, faz-se necessário o constante aperfeiçoamento com o auxilio de leituras atuais, participações em feiras e congressos, utilizando recursos de softwares e demais fontes, as quais possibilitem informações para essas atualizações. Atesta-se a corroboração das hipóteses desta pesquisa, validando-as em favor da satisfação do mercado com vistas à formação dos alunos. Por fim, para responder ao problema que norteou esta investigação, pode-se dizer que, a formação que se está dando aos alunos da Escola Técnica – SATC é qualificada e eficiente, compatibilizando-se assim, a relação desejada pela empresa e a formação do profissional técnico. 64 REFERÊNCIAS AGAZZI, E. 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