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Rodrigo Naves
Dez anos de existência não é pouca coisa para uma revista de idéiassobretudo no Brasil. Em nosso país, três ou quatro edições bastam para configurar sólida continuidade, delinear posições e, "em compensação", ajudar a
consolidar a imagem que associa cultura e reflexão crítica a diletantismo e intermitência. Sem dúvida, é mais fácil sobressair e obter uma cara num ambiente assim mirrado. No entanto, a concretização de um projeto nesse meio
ralo envolve problemas de difícil equacionamento, para os quais convém
atentar.
A falta de embate entre diferentes publicações e pontos de vista —
sem falar na atual inexistência de inimigos onipresentes e explícitos, que por
oposição garantem certa unidade e objetivos comuns, papel tristemente representado, por exemplo, pela ditadura militar — aguça o desejo de produzir identidades vigorosas, fazendo com que, muitas vezes, idiossincrasias e
cacoetes intelectuais tomem o lugar de concepções pacientemente meditadas. Numa época em que certezas e previsões escasseiam, delinear uma face
requer mais que polaridades tranqüilizantes. O que não significa apostar na
vigência de uma monótona indiferenciação social. Ao contrário, significa criar as condições para uma real compreensão dos conflitos e de sua dimensão.
Em meio a essa situação, nosso esforço em manter — e à custa de que
esforços — a edição regular de Novos Estudos tem em si próprio um sentido.
Antes mesmo de ser veículo de posições e idéias, nossa revista sempre procurou ser um elemento de adensamento do debate intelectual, tentando combinar o desafio lançado pelas questões contemporâneas com análises sérias
e detidas — isso, é claro, dentro dos limites de nossa periodicidade. É surpreendente o caráter volúvel que idéias e tendências intelectuais ganham no
Brasil. O esforço de atualização cultural — louvável, diga-se de passagem —
parece não encontrar nenhuma oposição na particularidade dos objetos de
análise, que assim se submetem docilmente às fôrmas mais variadas. A conversão em chef d'école de estudiosos mais ou menos discretos é um sinal
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claro desse afobamento. Interpretações althusserianas, foucaultianas, habermasianas — a lista é sempre atualizável — de poemas, pontes, movimentos
sociais ou processos políticos dão uma medida da relação profundamente exterior que se mantém com os fenômenos estudados, e fornecem um indicador preocupante sobre o significado que a teoria alcança entre nós. E os famosos métodos se sobrepõem a poemas, pontes, movimentos sociais ou processos políticos, com uma indiscrição assombrosa, e tornam a célebre escada
do filósofo — a ser retirada após a subida — no elemento mais visível, a fazer sombra a todos os demais.
Não é improvável que também nós tenhamos por vezes reiterado esse
procedimento. Contudo, nossa intenção sempre foi a de constituir um espaço em que se criasse uma situação mais impermeável a esses fluxos, por meio
de debates que representem um momento de suspensão da unanimidade e de
otimismos provincianos. Esse objetivo foi em muito estimulado pela própria feição do Cebrap — que embora edite Novos Estudos não a tem como
veículo exclusivo de divulgação dos trabalhos produzidos pela instituição, e
a vê mais como um projeto que desdobra sua prática de cultura e de trabalho
intelectual —, que abriga pesquisadores de áreas e posições as mais diferentes, e que tira em boa medida sua vitalidade do debate freqüentemente áspero das produções de seus membros. É isso que confere especificidade a esse
tipo de instituição, que se orienta tanto pelo ideal científico da universidade
quanto por uma preocupação atuante mais próxima das atividades diretamente políticas.
Na medida de nossas possibilidades, tentamos fazer de Novos Estudos
— dirigida por um Conselho Editorial que conta com uma maioria de pessoas não ligadas diretamente ao Cebrap — um desdobramento do caráter interdisciplinar de nossa instituição, pois julgamos ser esta a forma mais eficaz
de compreensão da sociedade contemporânea. Novos Estudos busca, por
convivência, vizinhança ou coabitação, colaborar para a formação de intelectuais que, sem perda do rigor, não se entreguem tão gostosamente àquilo que
os alemães chamam Fachidiot (mal traduzindo, "idiota da especialização"), e
convertam uma divisão institucional numa limitação à compreensão das dinâmicas contemporâneas. Mais ainda: dentro dos limites de uma publicação
que respeita integralmente os textos de seus colaboradores, nos esforçamos
também para fazer um revista em que a qualidade literária dos trabalhos editados seja ao menos razoável. Temos consciência de que esse é um dos aspectos em que ficamos mais a dever, embora o aspecto gráfico da revista e a
presença de textos literários e de desenhos revele uma preocupação constante com a dimensão sensível da atividade intelectual. Entre outras coisas, a forte tradição, entre nós, dos suplementos culturais ligados a diários — e que
prestaram serviços dos mais relevantes — dificultou a cristalização de publicações com o caráter que tentamos dar a Novos Estudos. Países vizinhos — a
Argentina, por exemplo — mantêm uma relação mais estreita entre o debate
político-cultural e publicações dessa ordem. E não se trata de fazer fetiche de
um gênero editorial, e sim de atentar para o condicionamento que esses
diferentes meios impõem. E a ansiedade pelo retorno rápido e abundante de
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artigos e ensaios não é o menos significativo desses condicionamentos. Felizmente essa situação começa a mudar, e nesses dez anos — para não falar do
período anterior, em que a revista Estudos desempenhou um papel de grande importância, sobretudo se considerarmos a difícil conjuntura em que ela
atuou — várias publicações surgiram e se afirmaram, criando as condições
para um diálogo mais intenso e sobretudo abrindo espaço (nas livrarias, na
imprensa, junto aos serviços gráficos e, mais importante, entre colaboradores
e leitores) para projetos desse gênero.
Ainda há muito por fazer, embora essas linhas sejam mais que profissão de fé ou petição de princípio. E não só melhorar a qualidade dos trabalhos publicados, mas também conseguir fazer uma revista que alcance penetração e importância, livrando-nos da sina de termos apenas a briga e a bravata a manter vivo esse projeto. Sentimentos e processos cumulativos parecem dar azar no Brasil — a ambição deslavada e inflação que o digam. E como a vontade de fazer perdurar indefinidamente um trabalho não supõe a infinitude daqueles que o realizam — o que seria muita presunção —, não vamos somar. Menos dez.
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Rodrigo Naves é editor de
Novos Estudos
Novos Estudos
CEBRAP
Nº 30, julho de 1991
pp. -3-5
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