DISTRIBUIÇÃO URBANA E OS EFEITOS DAS
RESTRIÇÕES DE CIRCULAÇÃO NAS GRANDES
CIDADES
Mesmo nas sombras de uma crise econômica mundial puxada por uma Europa em
colapso político e um mercado americano abaixo dos seus padrões usuais de
consumo, a economia brasileira continua dando sinais de resistência. Ela se
comporta acima da média de mercado e demonstra bons sinais de resiliência,
especialmente baseados no poder de consumo de seu mercado interno. Esse
quadro faz com que a logística e os desafios de distribuição de produtos
estejam cada vez mais destacados na pauta dos altos executivos. Não há
empresa que se pretenda competitiva atualmente que não esteja atenta e
desenvolvendo planos de logística e atendimento aos seus mercados.
Além do meio empresarial, também o poder público se vê com a agenda tomada
por desafios de circulação de bens e oferta de serviços que permitam atender
a essa crescente demanda de classes sociais ascendentes sem que isso venha a
pressionar os sistemas ou refletir em escassez de oferta e aumento de preços.
Nesse cenário, um dos grandes desafios que se colocam atualmente se refere à
atividade de distribuição urbana de cargas. As grandes cidades brasileiras
apresentam, em sua grande maioria, um crescimento desordenado, falta de
planejamento, poucos investimentos nos equipamentos urbanos, falta de
infraestrutura e crescente taxa de adensamento populacional. Como resultado
disso, cada vez mais surgem novas regras e restrições de circulação para
veículos de cargas, especialmente nos grandes centros urbanos. Isso estimulou
uma nova pesquisa, realizada em 2011 pela área de Inteligência de Mercado do
ILOS – Instituto de Logística e Supply Chain, que foi apresentada com
exclusividade no XVII Fórum Internacional de Logística e que motiva esse
nosso artigo.
CENÁRIO INTERNACIONAL
Antes de entrarmos no estudo do ILOS propriamente dito, fomos buscar dados
secundários de estudos com motivos semelhantes que permitissem traçar um
quadro comparativo e buscar um entendimento de tendências ou histórias
conhecidas ao redor do mundo. Constatamos que, de fato, as restrições de
circulação são uma realidade e vieram para ficar. Esse tipo de norma ou
regulação existe em cidades do mundo todo, tais como: Vancouver, Nova Iorque,
Londres, Paris, Praga, Tóquio, Montevidéu, Rio de Janeiro e São Paulo. Para
termos uma ideia mais clara dessa dimensão, estudo realizado em 417
diferentes cidades da Europa pela PwC (PricewaterhouseCoopers) em 2010
apontou a existência de algum tipo de regulação ou restrição de circulação em
nada menos do que 84% das cidades pesquisadas, conforme Figura 1:
Figura 1 – Percentual de cidades europeias com restrição
Fonte: Study on Urban Access Restrictions 2010, PwC
Embora ocorram de maneira bastante espalhada, as restrições possuem origem
semelhante e abrangem tanto veículos de carga quanto carros de passeio. O
principal motivador das restrições é a preocupação ambiental, conforme
observado na Figura 2, ficando em segundo lugar os problemas de
congestionamento. É claro que esses fatores acabam se misturando e, com o
passar do tempo, os usuários perdem a noção de sua origem e impactos
verdadeiros do resultado da restrição. É importante notar também que, embora
impactem tanto os veículos de carga quanto os de passeio, notadamente o setor
de transporte de cargas é o mais afetado pelas restrições de circulação, como
podemos verificar a partir do mesmo estudo, conforme Figura 3.
Objetivo principal da restrição
Fonte: Study on Urban Access Restrictions 2010, PwC
Veículos mais afetados pelas restrições
Fonte: Study on Urban Access Restrictions 2010, PwC
Em resumo, as restrições de circulação de trânsito são uma realidade em uma
grande quantidade de cidades. Possuem diferentes fatores geradores,
notadamente os fatores ambientais e de circulação, estão aplicadas de maneira
diversificada e, infelizmente, sem grandes estudos ou acompanhamento e
monitoramento de indicadores de resultado que permitam acompanhar o grau de
evolução do que se pretendia combater quando criada a restrição. Essa falta
de padronização gera, ainda, uma dificuldade de mensuração e comparação de
melhores práticas, fazendo com que o efeito seja, então, mais diversidade e
dificuldade de medida e efetividade das regulações.
O ESTUDO DO ILOS: CARACTERÍSTICA DO SETOR E AMOSTRA DA PESQUISA
Quando resolvemos estudar o assunto, logo surgiu uma primeira questão:
deveríamos buscar as informações das empresas embarcadoras ou dos prestadores
de serviço logístico? No intuito de termos o estudo mais efetivo e pragmático
possível, decidimos buscar os dados, informações e opiniões dos operadores de
distribuição urbana, uma vez que representam o elo que lida diretamente com
as restrições urbanas e sua gestão no dia a dia dos negócios. Para esse fim,
o ILOS realizou pesquisa inédita com 60 grandes operadores de distribuição
urbana presentes em todo o território nacional.
Antes de entrarmos propriamente nos dados da pesquisa e suas principais
conclusões, gostaríamos de apresentar um panorama da situação geral das
restrições de circulação no mercado brasileiro. No Brasil, já há várias
cidades com algum tipo de restrição de circulação, sendo esse um fenômeno das
principais capitais, mas que começa a se espalhar também para grandes cidades
do interior do País. Veja a Figura 4.
Capitais brasileiras com restrições de circulação de veículos
Fonte: Sites de prefeituras, G1
Também no caso do Brasil, as principais medidas de restrição de circulação
são aplicadas aos veículos de transporte de cargas. São três os principais
tipos de medidas adotadas: áreas de restrição de circulação, horários de
restrição de circulação e rodízio de placas. As principais restrições dizem
respeito ao horário de carga e descarga e ao tamanho e peso dos veículos.
Com relação às empresas pesquisadas, procuramos conversar com os maiores
operadores de distribuição urbana do País e também garantir uma cobertura
geográfica que representasse nosso vasto território. A média de frota total
dessas empresas foi de 800 veículos, estando esse parque dividido entre:
veículos próprios, agregados fixos e agregados temporários. Dentro desse
perfil médio de frota, 40% do total eram dedicados à atividade de
distribuição, sendo que esse percentual é mais alto na frota própria e
bastante mais baixo na frota de agregados.
Outra informação relevante e que nos ajudou a entender melhor esse segmento
no estudo foi o perfil de operação que caracteriza a distribuição urbana no
Brasil. Conforme mostra a Figura 4, o perfil característico desse tipo de
operação é de uma carga de entrega fracionada, não perigosa e
majoritariamente para pontos de venda. Sendo que as encomendas expressas
participam com algo como 30% do total dos volumes envolvidos.
Perfil da cargas e da distribuição urbana no Brasil
Fonte: Pesquisa ILOS 2011
Como informação adicional, os setores mais atendidos por esse tipo de entrega
são os de: alimentos e bebidas, químicos e petroquímicos, siderurgia e
metalurgia, automotivo, material de construção, eletrônicos, computação e
varejo.
PRINCIPAIS DESAFIOS E PERCEPÇÕES
Para entendermos melhor os obstáculos da distribuição urbana, criamos
questionários e realizamos entrevistas diretas com os executivos dessas
empresas, que nos permitiram constuir um mapa com o ranking dos principais
desafios atuais desse tipo de operação e também com o que, na opinião desses
prestadores de serviço, serão os principais problemas no futuro.
Nesse sentido, foi bastante interessante identificar que o principal item de
dificuldade presente e também projetada para o futuro é o trânsito.
Interessante pelo fenômeno de causa e efeito, visto que é esse o motivador de
grande parte das restrições de circulação que vemos em aplicação nas cidades
brasileiras, ao mesmo tempo em que são essas restrições que os prestadores de
serviço acusam de estar dificultando a circulação e inviabilizando a boa
prestação de serviços de distribuição.
Figura 6 – Principais desafios da distribuição urbana na opinião dos
prestadores desse serviço hoje e no futuro
Fonte: Pesquisa ILOS 2011
Outro dado importante do estudo foi identificar que o segundo maior problema
atual dos operadores de distribuição urbana é a dificuldade de contratação de
motoristas. Esse é um quadro que existe em todo o setor de transporte
rodoviário de cargas e, ao que parece, vem se agravando nos últimos tempos.
Temos notícia de grandes empresas que possuem frota renovada e moderna, mas
que se encontra parada ou subutilizada por falta de motoristas suficientes
e/ou minimamente qualificados para a operação. Isso é ainda mais forte no
caso da distribuição urbana, por se tratar de uma operação de transporte um
pouco mais sofisticada, que envolve ativos com maior conteúdo tecnológico
embarcado e que, muitas vezes, exigem uma maior qualificação dos motoristas e
operadores.
Em terceiro lugar aparece um item – restrições de circulação – que deveria
ser solução para os problemas de trânsito, mas que aparece como grande
obstáculo às entregas urbanas. Isso pode ser entendido porque, embora muitas
das restrições sejam criadas para ajudar na fluidez do trânsito, a falta de
padronização e diversidade de aplicações das mesmas acaba inviabilizando um
adequado planejamento operacional e de investimento empresarial. Atualmente,
as empresas estão inseguras em como e quando fazer novos investimentos em
frota, pois nunca se sabe onde pode surgir uma nova restrição e para que tipo
de veículo e horários ela será aplicada.
Nota-se também que as restrições ambientais já aparecem em quinto lugar na
cabeça dos operadores e que sua participação tende a crescer no futuro. Mesmo
com isso, na opinião dos executivos, esse é um fator ainda menos relevante do
que a dificuldade de estacionamento. Interessante constatar isso, pois o
maior fator gerador de novas restrições de circulação é exatamente a
preocupação e cuidados ambientais.
Por fim, surgem itens com carcaterísticas de oportunidades gerenciais, como o
tempo de recebimento dos clientes, roteirização, formação de carga e janelas
de entrega.
De outro lado, quando olhamos as principais medidas adotadas pelos operadores
para enfrentar os desafios da distribuição urbana, as empresas listaram, em
ordem decrescente de importância, as seguintes ações: investimento em
tecnologia da informação e dos ativos, utilização de veículos menores, uso de
plataformas de carga e descarga nos veículos e maior utilização de motoristas
nas rotas.
Por fim, as empresas enxergam o governo distante do problema ou, muitas
vezes, como o responsável e principal gerador das dificuldades de atendimento
do setor. Na Figura 6, elencamos onde esse grupo de empresas enxerga
oportunidade de atuação governamental.
Figura 7 – Oportunidades de ações governamentais, segundo os prestadores de
serviços de distribuição
Fonte: Pesquisa ILOS 2011
PRINCIPAIS CONCLUSÕES
A partir do cruzamento de algumas das informações disponibilizadas neste
artigo com uma série de outras de nossa pesquisa completa, podemos trazer
algumas importantes conclusões para o setor de distribuição urbana de cargas.
Em resumo, este é um setor que hoje apresenta sérios desafios relacionados ao
trânsito, à dificuldade de contratação de mão de obra qualificada e ao
crescente nível de restrições de circulação de veículos. As contínuas
exigências ambientais e o adensamento cada vez maior dos centros urbanos só
fazem prever que o quadro irá se tornar mais difícil ainda no futuro.
Na esfera governamental, há uma grande dificuldade de planejamento, dada a
variedade de regras, diversidade de aplicação e falta de padronização e
mensuração de benefícios. Na opinião dos pesquisados, o governo não vem
fazendo sua parte nos investimentos de infraestrutura que poderiam facilitar
o desafio das empresas do setor. Além de não investir o suficiente nem para o
setor de cargas, nem para o transporte público de massa (que ajudaria,
diminuindo a concorrência dos veículos de passeio com os de carga), também
não cria uma forma de padronizar e permitir melhor planejamento por parte dos
investimentos privados para acomodar os desafios dessa distribuição.
Por sua vez, os investimentos realizados pelos operadores para melhoria dessa
situação ainda são tímidos e limitam-se às iniciativas pontuais em tecnologia
da informação e otimização de ativos, à busca por circuitos e transportes
colaborativos, à criação de redes alternativas de redespacho e pontos de
transbordo remotos e ao foco de gestão operacional e diária para que não se
perca nenhum minuto com caminhão parado ou vazio.
Por fim e como resultado objetivo do estudo, levantamos que, na média das
empresas entrevistadas, 57% delas precisaram repassar aumento de preço para
seus clientes embarcadores e que esse aumento médio foi da ordem de 19,6%
nesse último ano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Study on Urban Access Restrictions 2010, PwC
Pesquisa de distribuição urbana e restrições de circulação de trânsito 2011,
ILOS
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