CONCEITO DE TAXA LIVRE DE RISCO E SUA APLICAÇÃO NO CAPITAL ASSET PRICING MODEL – UM ESTUDO EXPLORATÓRIO PARA O MERCADO BRASILEIRO RESUMO Um dos campos de estudo em finanças que mais tem atraído a atenção de pesquisadores é o relacionado ao retorno de ativos, sendo recorrente a discussão em torno das variáveis relevantes na determinação desse retorno. Um dos maiores avanços nessa área foi o desenvolvimento do Capital Asset Pricing Model (CAPM) em 1964. O modelo baseia-se em grande parte na determinação matemática precisa da relação entre retorno e risco, e, em condições de equilíbrio, coloca esta variável como a única relevante para a determinação do retorno esperado. Apesar de tratar-se de um modelo teórico, que necessita para sua formulação de severas restrições a respeito do comportamento dos investidores e do mercado, o CAPM passou a ser utilizado no dia a dia como ferramenta de apoio na determinação do preço de ativos e do custo de capital próprio das empresas. Desenvolvido teoricamente para um mercado perfeito, o CAPM foi posteriormente adotado em quase todo o mundo, apesar das evidentes diferenças entre os mercados mundiais. Diferenças entre, por exemplo, o mercado americano e mercados emergentes, podem levar a questionamentos acerca da aplicabilidade de um modelo único para as duas realidades. Somado a esse fato, a existência no CAPM de variáveis não diretamente observáveis, e que demandam aproximações para serem mensuradas, podem levar a erros na determinação da relação entre o risco sistêmico e os retornos devidos. Partindo-se das premissas existentes no modelo CAPM e com base na hipótese de mercado eficiente, pode-se minimizar as imprecisões na utilização do modelo ao se encontrar aproximações para as variáveis presentes no mesmo que apresentem a menor divergência possível entre o conceito teórico e o comportamento efetivo da variável. O presente trabalho visa a discutir uma dessas variáveis, no caso a taxa livre de risco (risk free rate), para o mercado brasileiro. Algumas aproximações possíveis para essa taxa são analisadas, assim como sua relação com o conceito teórico de taxa livre de risco, também denominada de taxa pura de juros. Para a estimação do risco das taxas foram utilizados tanto o método usual de mínimos quadrados ordinários quanto métodos de regressão robusta. 1. INTRODUÇÃO O modelo CAPM (Capital Asset Pricing Model) desenvolvido por SHARPE (1964), TREYNOR (1961), LINTNER (1965) e BLACK (1972) tornou-se nas últimas décadas o mais difundido modelo de determinação de preços de ativos existente. Utilizado tanto nos meios acadêmicos quanto no dia a dia do mercado, o CAPM vem entretanto sendo alvo de críticas, até mesmo de estudiosos que anteriormente trabalharam no sentido de provar sua eficácia. Em artigo de 1992, FAMA e FRENCH, contradizem os resultados anteriores de FAMA e MACBETH (1973) - provavelmente a mais respeitada prova da validade do CAPM - e afirmam que os testes empíricos realizados no período de 1963 a 1990 não puderam evidenciar a mais básica afirmação do modelo, de que os retornos médios das ações são positivamente correlacionado com os betas de mercado. FAMA e FRENCH (1992) chamam a atenção no artigo para a possibilidade de que a relação positiva entre beta e retorno exista, mas esteja obscurecida por erros nas estimativas do beta. O artigo foi duramente criticado posteriormente por BLACK (1993), para quem seus autores estariam interpretando erroneamente seus dados e as conclusões de outros estudos. Discussões dessa natureza entre especialistas da área mostram o grau de incerteza e a existência de lacunas no conhecimento teórico e prático a respeito da validade do CAPM. Duas alternativas plausíveis para os questionamentos acerca da aplicabilidade do CAPM são as simplificações do ambiente necessárias à formulação do modelo, e as aproximações utilizadas para se mensurar suas variáveis, isto é, o retorno e risco do portfolio de mercado e da taxa livre de risco. Estudos empíricos que verificaram a inadequação do CAPM nas últimas décadas, tais como o de FAMA e FRENCH (1992), os quais verificaram não haver correlação estatisticamente significante entre o risco, mensurado pelo β da equação de equilíbrio do CAPM, e o retorno médio, podem ser decorrentes, dentre outros fatores, da inadequação dos índices utilizados como aproximação para a taxa livre de risco e para o portfolio de mercado. Um exemplo de como essas aproximações inadequadas podem levar a erros de interpretação dos dados foi fornecido por ROLL e ROSS (1994), os quais verificaram que, caso a aproximação utilizada para a mensuração do portfolio de mercado não seja ex ante eficiente, isto é, não se localize exatamente sobre a fronteira mas sim dentro da fronteira eficiente de investimentos com risco, a regressão do beta como variável explicativa do retorno apresentará um coeficiente de determinação r2 próximo de zero. Vale observar também no estudo que a existência mesmo de pequenas distâncias entre a carteira de mercado observada e a fronteira eficiente são suficientes para destruir o efeito da correlação entre betas e retorno. As conclusões do trabalho de ROLL e ROSS (1994) apresentam um forte indicador da importância de se buscar aproximações adequadas e precisas para as variáveis não diretamente observáveis existentes no CAPM. A base do presente trabalho é a discussão sobre a existência de um termo não adequadamente explicado no trabalho original em que o Capital Asset Pricing Model foi introduzido. Em seu artigo original de 1964, a única definição dada por SHARPE (1964) do que seria a taxa livre de risco é a de “preço do tempo, ou taxa pura de juros (mostrada pela interseção da linha de mercado com o eixo horizontal)”. Posteriormente no artigo o autor apresenta algumas propriedades matemáticas e estatísticas do ativo livre de risco, sem entretanto definir o mesmo de forma mais aprofundada. COPELAND, KOLLER e MURRIN (1995) argumentam que, em termos teóricos, a melhor estimativa para uma taxa livre de risco seria o retorno de um portfolio com beta igual a zero, como proposto por BLACK (1972). O beta da equação de equilíbrio do CAPM é dado pela fórmula: 2 β= Cov( Ra ; Rm ) S 2m Onde: Cov(Ra, Rm) = S 2 m = covariância entre o retorno de um portfolio “A” com o retorno de mercado; variância do mercado. Desse modo, para se ter um portfolio com beta zero, os retornos desse portfolio teriam de ser completamente não correlacionados com outros ativos presentes na economia, de modo que sua covariância com o mercado fosse igual a zero. Os autores sustentam entretanto que dada a dificuldade de se construir tais portfolios de β igual a zero, os mesmos não se mostram, na prática, disponíveis para a estimativa da taxa livre de risco. Aproximações razoáveis para essa taxa no mercado dos EUA, segundo os autores, seriam (i) o retorno das letras do tesouro americano (treasure bills), (ii) a taxa dos títulos americanos (bonds) de dez anos, e (iii) a taxa dos títulos americanos de trinta anos. No caso de países em desenvolvimento, os problemas enfrentados para a utilização do modelo CAPM são ainda maiores. Algumas considerações de COPELAND, KOLLER e MURRIN (1995: 420 - 421) ilustram o problema: “...as mentioned above, financial markets in developing economies are often thin or nonexistent (…). Suppose you had to estimate the cost of capital for an equity position in a joint venture in an integrated oil company in China. Assuming that the venture will not use any debt, how would you estimate the required rate of return on your equity? No one calculates CAPM betas for Chinese companies, the market risk premium is unkunown, and there isn´t any traded government debt that could be used to estimate the risk free rate (even in the short term).” Como continuação do comentário, os autores chegam a sugerir outros modelos, que não o CAPM, para a determinação do custo de capital próprio nesses países. Dado, entretanto, que a utilização do CAPM representa um avanço considerável no estudo de finanças, devem ser buscadas, mesmo nos mercados emergentes, aproximações aceitáveis das construções teóricas do modelo. O presente trabalho está organizado da seguinte maneira. Serão discutidos na seção 2 alguns conceitos teóricos da taxa pura de juros utilizada na teoria econômica. Na seção 3 serão feitas algumas considerações acerca do uso dessa taxa no CAPM original. A seção 4 apresenta a discussão de algumas das aproximações propostas no Brasil para o retorno da taxa livre de risco, na seção 5 será discutido brevemente a dualidade de taxas no Brasil e na seção 6 serão tecidas as considerações finais. 3 2. A TAXA PURA DE JUROS O processo de investimento pode ser definido como sendo a aplicação de recursos em algo que não proporciona satisfação imediata, na expectativa de que essa satisfação ocorra no futuro (ARCHER e DAMBROSIO, 1969). Essa satisfação, que deverá ocorrer no futuro em detrimento da satisfação no presente, é encarada pelo investidor como uma troca. Segundo JENSEN e MECKLING (1994), os indivíduos são maximizadores de sua função utilidade, e para maximizar essa função realizam trocas e substituições tanto de produtos físicos como de recursos intangíveis, como o tempo e a segurança, por outros recursos que proporcionem maior satisfação. Essa capacidade de avaliar ativos tangíveis e intangíveis permite, por exemplo, que um esportista amador troque seus recursos financeiros pelo equipamento necessário à prática de seus esportes favoritos (recursos tangíveis) e que troque o conforto e segurança de casa pelo prazer proporcionado na prática de um esporte de risco (recursos intangíveis). A única constante na decisão do investidor parece ser a utilidade marginal proporcionada pela troca, e enquanto essa utilidade marginal for percebida como maior que zero, o investidor tende a realizar a substituição. Seguindo essa lógica, o investimento financeiro pode ser considerado então uma troca de moeda no presente por uma maior quantidade de moeda no futuro, sendo a diferença entre ambos o juro da aplicação, que corresponde ao pagamento (i) pelo risco de perda presente na aplicação e (ii) pela postergação do consumo ou satisfação do investidor. Caso possamos desconsiderar a variável risco no investimento realizado, a diferença entre o montante investido e o montante recebido ao final da aplicação deverá se constituir unicamente no pagamento pela postergação do consumo, correspondendo então à taxa pura de juros ou taxa livre de risco. O investimento dessa natureza acontecerá sempre que a satisfação marginal proporcionada pelo montante recebido a mais no futuro superar a insatisfação decorrente de se postergar o consumo somada à insatisfação proporcionada pelo próprio processo de investir. A existência de uma taxa pura de juros na economia foi discutida por FISHER (1954) para quem a “impaciência do investidor” deveria ser remunerada1. Segundo o autor, taxa pura de juros é a taxa sobre empréstimos que são praticamente destituídos de risco. A melhor aproximação para essa taxa seria dada pelas taxas dos títulos sem risco, de prazos fixos e não passíveis de serem transferidos freqüentemente antes do vencimento. Esse enfoque eliminaria da análise tanto o risco do título quanto a possibilidade de uso do mesmo como dinheiro efetivo, de modo que o “preço por esperar” pode ser mensurado adequadamente. Para explicar o preço do tempo, FISHER (1954: 64) recorre ao conceito de enjoyment income, segundo a qual “...the consumer prefers the service of milling flour in the present to milling flour in the future because the enjoyment of the resulting bread is available earlier in one case than in the other. The 1 Ao se falar da remuneração da taxa pura de juros tem-se de levar em conta o efeito da inflação, de modo que essa taxa também deve livrar o investidor do efeito da corrosão do poder de compra de seus recursos. Em todo o texto o efeito da compensação da inflação nas taxas já está subentendido. Todos os testes estatísticos realizados tiveram como base dados já ajustados para a inflação. 4 manufacturer prefers present weaving to future weaving because the earlier the weaving takes place the sooner will he be able to sell the cloth and realize his enjoyment income.” A taxa pura de juros é regida unicamente pela impaciência por consumir dos aplicadores, sendo esse grau de impaciência, em parte, função do fluxo de renda total, tanto no presente quanto da renda esperada no futuro. Segundo FISHER (1954), pode-se afirmar que, em geral, quanto menor a renda maior a preferência pela renda presente sobre a futura. Esse conceito torna a análise em relação ao risco presente na taxa de juros de economias emergentes mais complexo, pois tais países, por apresentarem de modo geral baixos níveis de poupança e renda per capta, ambos associados a alto risco, possuem tendência a apresentar níveis elevados de taxas de juros, sendo entretanto difícil a separação entre os dois efeitos e a conseqüente observação de uma taxa pura de juros na economia. 3. TAXA LIVRE DE RISCO NO CAPM ORIGINAL Grande parte do valor dos estudos que resultaram no CAPM reside na conceituação de uma relação já há muito intuída pelos investidores, de que maior risco deve corresponder a maiores retornos médios no longo prazo. Na teoria de portfolio proposta por MARKOWITZ (1952), o risco, medido como a dispersão dos retornos em relação à média (desvio padrão dos retornos), poderia ser reduzido sempre que o investidor fizesse a diversificação racional entre os ativos que compunham sua carteira. Essa diversificação, conseguida através da composição de carteiras com ativos que apresentam baixa correlação, poderia manter o retorno médio esperado constante enquanto riscos menores são assumidos, ou conseguir maiores retornos médios mantendo-se o nível de risco constante. Dado, portanto, que em um portfolio, diferentemente de um ativo isolado, parte do risco pode ser evitado através da diversificação, a relação entre risco e retorno passa a ter um outro significado para o investidor. Considerando, como proposto na teoria de mercado eficiente, que o investidor age de forma racional e exige retornos superiores para incorrer em maiores riscos, mas que parte desse risco pode ser evitado pela diversificação, apenas uma fração do risco total, chamado de risco sistêmico, e que é impossível de ser evitado, passa a ser relevante e conseqüentemente apenas este deveria ser remunerado pelo mercado com retornos superiores. TOBIN (1958) apresentou uma contribuição essencial à teoria de finanças ao propor a existência de uma taxa livre de risco a ser incluída na formação dos portfolios eficientes de investimento. Segundo o autor, os portfolios formados pelos investidores são uma combinação do ativo livre de risco com um fundo de ativos com risco. A existência na economia de um ativo livre de risco permite que seja traçada uma linha reta no gráfico de risco e retorno, partindo não da origem do gráfico, mas do ponto referente ao retorno do ativo livre de risco. O ponto de tangência entre essa linha e a fronteira eficiente de ativos com risco representa a carteira que, pelo conceito de dominância, seria a preferida pelos investidores ao montar seus portfolios. 5 Partindo das proposições da fronteira eficiente de MARKOWITZ (1952), e do trabalho de TOBIN (1958), SHARPE (1964) desenvolveu a equação onde, para um mercado em equilíbrio, os ativos são precificados de acordo com o risco sistêmico que apresentam, de forma que, em um mercado eficiente e com carteiras de ativos já plenamente diversificadas, retornos superiores são conseguidos apenas se o investidor estiver disposto a incorrer em uma maior exposição ao risco sistêmico. A taxa de retorno total de qualquer investimento com risco seria então composta por duas partes distintas (i) a taxa pura de juros ou taxa livre de risco, que seria o prêmio pela postergação do consumo, e (ii) o prêmio pelo risco sistêmico. A suposição da existência de um ativo livre de risco na economia, e principalmente a suposição da capacidade dos investidores de emprestar e tomar emprestado a essa taxa qualquer montante de recursos, foi definida por BLACK (1972) como a mais restritiva das suposições do CAPM. Partindo da crítica a essa suposição, BLACK, JENSEN e SCHOLES (1972) apud BLACK, (1972) prepuseram um modelo que possibilita que mesmo em um mercado onde inexista um ativo livre de risco, o CAPM seja teoricamente aplicável. Para isso é proposta a utilização do retorno de um portfolio de β igual a zero como aproximação da taxa livre de risco. Apesar da precisão da proposição, a dificuldade prática de se montar tais portfolios de β zero leva à busca de aproximações mais facilmente observáveis para a variável taxa livre de risco, mesmo que haja na aproximação perda de confiabilidade na grandeza observada. 4. APROXIMAÇÕES DA TAXA LIVRE DE RISCO NO MERCADO BRASILEIRO E AMERICANO Para a montagem do modelo CAPM, assim como em outros textos teóricos da área de finanças, a taxa livre de risco é apontada como passível de ser tomada ou emprestada indistintamente por todos os investidores. O primeiro questionamento a essa afirmação é o de que o risco de inadimplência impede que na prática isso aconteça. Entretanto, mesmo que desconsideremos a variável risco, uma outra questão relevante se apresenta: a da liquidez. Emprestar e tomar emprestado a uma mesma taxa pressupõe um elevado nível de liquidez na economia, de modo que a oferta e procura estejam equilibradas. Alguns estudos procuraram provar que mesmo em economias desenvolvidas, a exemplo da economia americana, a baixa liquidez possui papel relevante para os retornos exigidos de ativos. AMIHUD e MENDELSON (1986) testaram os efeitos da liquidez, medida pela diferença no preço oferecido para compra e venda imediata de ações (bid-ask spread) na bolsa de valores de Nova York. O resultado do estudo demonstra que os retornos são função crescente do β e do bid-ask spread, sendo ambos estatisticamente significantes nos testes realizados. No conceito teórico, um ativo livre de risco é aquele em que o investidor sabe exatamente o valor que receberá ao final do prazo de investimento. Não haver incerteza quanto ao valor a ser recebido pressupõe portanto um desvio padrão do retorno do ativo igual a zero e, conseqüentemente, um β igual a zero. SHARPE, ALEXANDER e BAILEY (1999) aprofundam a definição e afirmam que dadas as características do ativo livre de risco, o mesmo deve ter um retorno fixo e sem possibilidades de não pagamento (default) em seu 6 vencimento. Além disso, o prazo de vencimento do ativo deve coincidir com o período em que o investidor deseja mantê-lo. Usando a taxa de um título público como aproximação para a taxa livre de risco, caso haja divergência entre o prazo de vencimento do título e o período em que o mesmo será mantido pelo investidor, este terá de (i) vender o título no mercado secundário (caso o período de manutenção do título seja menor que o prazo de vencimento do mesmo) ou (ii) reinvestir o valor recebido no vencimento do título (caso o prazo de vencimento seja inferior ao período que o investidor se mostra disposto a abrir mão do consumo). Ambos os casos apresentados possuem aspectos de risco. No primeiro caso há o risco de variação na taxa de juros, de modo que o investidor pode ter de vender o título a um preço menor que o esperado inicialmente. No segundo caso há o risco do investidor não conseguir reinvestir à mesma taxa do título original. Exemplos de títulos públicos utilizados nos Estados Unidos como aproximações para a taxa livre de risco são os títulos do tesouro (T-Bonds) com vencimento para 30 anos. No caso do Brasil, o título público mais fortemente transacionado é o Brazilian Capitalization Bond (C-Bond). Esse título é o mais freqüentemente transacionado entre todos os chamados Brady bonds no mundo e possui uma taxa fixada de rendimento quando de sua emissão. Alguns problemas entretanto podem surgir da utilização do retorno desse título como aproximação da taxa livre de risco. O primeiro problema decorre do risco de default de tais títulos, o que é por definição contrário à mensuração de uma taxa livre de qualquer forma de risco. A diferença entre a taxa paga por estes títulos e as taxas pagas pelos T-Bonds é apontada inclusive como uma medida do risco país (GARCIA e DIDIER, 2000), (SANVICENTE e MINARDI, 1999). DAMODARAN (1999) utiliza outra medida do risco país na proposição de uma nova forma de utilização do CAPM para mercados emergentes, e critica o uso do C-Bond como estimativa para a taxa livre de risco, pois o mesmo incorpora em seu retorno o pagamento pelo risco de default. Outro problema relacionado à utilização desses títulos como aproximação para a taxa livre de risco é a correlação que os mesmos apresentam com outros ativos presentes na economia. O conceito teórico de taxa livre de risco pressupõe uma correlação igual a zero para o ativo livre de risco com o mercado. Testando-se o comportamento do C-Bond com relação ao mercado, verifica-se haver correlação do mesmo com outros ativo presentes na economia, isto é, o título citado possui um β diferente de zero. 4.1. TESTE 1 – C-BOND, T-BOND E RISCO SISTÊMICO. Calculou-se2 pelo método de mínimos quadrados ordinários3 o valor do β dos T-Bonds com o S&P 500 assim como o valor do β dos C-Bonds com o Ibovespa. Abaixo são colocados os resultados observados, com o erro padrão dos coeficientes entre parênteses: 2 Para os cálculos que se seguem foi utilizada a base de dados Economática, com as taxas de retorno diárias já ajustadas para a inflação. O período analisado foi de jan 1997 a set 2001 totalizando 1203 observações. Nesse período, a incidência mais facilmente perceptível de correlação entre o Ibovespa e o C-Bond aconteceu entre abril 1998 e o início de 1999, conforme pode ser observado nos gráficos. 3 Uma completa demonstração da estimação do β pelo coeficiente B1 da reta de regressão por mínimos quadrados pode ser encontrada em SECURATO (1993). 7 T-Bond 30 anos x S&P 500 T-Bond = 0,0003738 + 0,05540 S&P500 (0,00032) (0,0306) No caso das taxas norte americanas, o coeficiente β não se mostra estatisticamente significante (diferente de zero) a 5%, e o coeficiente de determinação r2 da regressão aproxima-se de zero (0,002), demonstrando ser desprezível a correlação entre as variáveis. As conclusões da regressão demonstram que, em termos de correlação com o mercado, o T-Bond americano se mostra condizente com o conceito teórico de taxa livre de risco. No caso brasileiro entretanto o resultado da regressão foi dado por: C-Bond x Ibovespa C-Bond = 0,000187 + 0,327053 Ibov (0,00029) (0,0112) O coeficiente β nesse caso se mostrou significante (estatística t de 29,081). O coeficiente r2 da regressão, por sua vez, foi de 0,418, demonstrando haver correlação positiva entre as variáveis, o que vai de encontro ao esperado em termos teóricos4. Analisando a série histórica dos retornos tanto do C-Bond quanto do Ibovespa, verificamos que no período aproximado entre a metade do ano de 1997 e o final de 1998, ambos os ativos tiveram grandes variações em seus retornos, e uma simples leitura dos gráficos de ambos permite que se verifique a correlação entre os ativos, observável principalmente nos períodos de mais alta volatilidade. 4 Para se calcular o β através de aproximação pelo coeficiente B1 da regressão, temos que o modelo deve apresentar aderência às principais hipóteses de uma regressão OLS. O resultado do teste de Kolmogorov-Smirnov permitiu considerar que os termos de erro da regressão se apresentam normalmente distribuídos ao nível de 5% de significância, enquanto a estatística de Durbin-Watson (d = 1,996) para detecção de autocorrelação de primeira ordem demonstrou não haver autocorrelação relevante nos resíduos. Para montagem do modelo de regressão alguns outliers foram identificados e removidos utilizando-se a medida de Distância de Cook, pois a amostra inicial com todas as observações presentes não permitia a suposição de normalidade dos resíduos da regressão. De um universo de 1203 observações 24 foram removidas como outliers. 8 Gráfico 1 – Séries históricas de retorno do Ibovespa e C-Bond Dado que o C-Bond apresenta correlação com o mercado e um β significante, a utilização do mesmo como aproximação da taxa livre de risco na equação do CAPM passa a apresentar um sério problema. Visto que a taxa de retorno desse título não se mostra constante ao longo do tempo, mas varia de acordo com o mercado, colocar essa taxa como livre de risco mostra-se inadequado. A mesma análise quando realizada comparando-se os retornos do T-Bond americano com o índice S&P 500 mostra tanto uma menor volatilidade de ambos em relação aos seus similares brasileiros - o que está plenamente de acordo com o conceito de um mercado desenvolvido quando comparado a um emergente quanto a correlação praticamente inexistente entre o ativo livre de risco americano e os demais ativos existentes nesta economia. Abaixo são colocados os gráficos dos retornos do T-Bond e S&P 500: 9 Gráfico 2 - Retorno S&P500 e T-Bond 4.2. TESTE 2 – CADERNETA DE POUPANÇA, CDI E RISCO SISTÊMICO. A mesma metodologia utilizada até aqui pode ser aplicada para duas outras possíveis aproximações na taxa livre de risco do Brasil, que são o retorno do Certificado de Depósito Interbancário (CDI) e o retorno da Caderneta de Poupança. No caso dos retornos da Caderneta de Poupança, tem-se que o ativo comporta-se de acordo com a definição teórica da taxa livre de risco no que diz respeito à sua correlação com outros ativos existentes na economia. O resultado da regressão do retorno da Caderneta de Poupança com o Ibovespa foi dado por: Poupança x Ibovespa Poup = 0,000315 + 0,000135 Ibov (0,000003) (0,0001) O coeficiente β não se mostrou estatisticamente significante a 5%, e o coeficiente r2 da regressão foi desprezível (0,001). A análise dos gráficos de ambos permite visualizar a inexistência de correlação. Gráfico 3 - Retorno Ibovespa e Caderneta de Poupança Chama a atenção ainda o fato de que o eixo dos retornos diários da caderneta de poupança apresenta-se com amplitude de medida bem inferior ao do Ibovespa, pois dado seu desvio padrão desprezível, colocado em um 10 eixo similar ao do Ibovespa, a visualização no gráfico seria unicamente a de uma linha reta. A variação da taxa de juros da Caderneta de Poupança possui atualmente como únicas causas variações na Taxa Referencial de Juros (TR) e diferenças no número de dias úteis no mês. Outra possível aproximação para a taxa livre de risco no Brasil é o retorno do Certificado de Depósito Interbancário (CDI). A mesma metodologia utilizada anteriormente quando aplicada ao CDI fornece como resultado CDI x Ibovespa CDI = 0,000809 + 0,000671 Ibov (0,00000) (0,00026) Nesse caso o coeficiente β, apesar de estatisticamente significante a 5%, se mostra desprezível, assim como o coeficiente r2 da regressão (0,00592). De acordo com o resultado da regressão, também o CDI se mostra, no Brasil, uma aproximação adequada em termos teóricos para a taxa livre de risco. Os resultados verificados até o momento sugerem a existência no Brasil de duas taxas livres de risco distintas. Os testes realizados devem entretanto ser refinados de modo a se evitar vieses na estimativa dos betas. Segundo KOUTMOS, 1998 apud HUANG e YANG, 2000, é característica dos retornos de ações em mercados emergentes a presença de autocorrelação positiva nas séries históricas. Outras características são a existência de agrupamentos na volatilidade, que levam a heteroscedasticidade, e medidas de curtose que, em conjunto, não permitem a suposição de normalidade. Dado que o método de mínimos quadrados ordinários necessita para sua aplicação das hipóteses de normalidade e independência dos retornos, os betas encontrados até aqui podem sofrer de viés decorrente da estimação inadequada. 4.3. ESTIMAÇÃO ROBUSTA DO BETA DOS ATIVOS Para a verificação estatística do comportamento das taxas no Brasil utilizou-se, além de mínimos quadrados ordinários, um procedimento de estimação robusta dos modelos, relacionando o CDI, a poupança e o C-Bond ao retorno do portfolio de mercado, dado pelos retornos diários do índice Bovespa. O método de estimação por regressão robusta é sugerido para o mercado brasileiro, dentre outros autores, por MENDES e DUARTE, 1998, pois nesse mercado as séries temporais apresentam valores extremos em quantidade substancial, capazes de exercer influências indesejáveis sobre as estimativas obtidas com procedimentos usuais. Ademais, as características dessas séries violam hipóteses fundamentais de um modelo de regressão linear estimado por mínimos quadrados ordinários, apresentando forte heteroscedasticidade, correlações seriais, que podem acontecer em ordens superiores a um e portanto que não são captadas pelo teste de Durbin-Watson, e desvios de normalidade. Todas essas características são levadas em conta nos modelos robustos, resultando em estimativas mais confiáveis para os betas5. 5 Para uma discussão mais profunda do tema ver MENDES e DUARTE, 1998. 11 A tabela 4.1 apresenta os níveis de significância observada para os testes de Jarque-Bera para normalidade da série histórica, teste de White para a presença de heteroscedasticidade e teste ARCH para presença de autocorrelação nas séries históricas do C-Bond, CDI e poupança. Tabela 1 – Nível de significância observado em testes para normalidade, heteroscedasticidade e autocorrelação nas séries históricas. Teste C-Bond CDI Poupança Jarque-Bera 0,000* 0,000* 0,000* White Heteroscedasticity 0,000* 0,003* 0,513 ARCH Test 0,000* 0,000* 0,000* * - Hipótese nula rejeitada a 1% Conforme pode ser verificado nos resultados, as três séries apresentaram-se não normalmente distribuídas, o C-Bond e CDI apresentaram variância não constante ao longo do tempo e todas as séries mostraram-se autocorrelacionadas. O teste de Durbin-Watson realizado anteriormente para o C-Bond e que não permitiu a rejeição da hipótese de ausência de auto-correlação deve ser analisado com cautela, visto que testa apenas para a existência de auto-correlação de primeira ordem. Nesse sentido, o teste ARCH mostra-se mais robusto e preciso, pois permite se verificar a existência de auto-correlação de ordens superiores. O teste de Kolmogorov-Smirnov anteriormente realizado apenas permitiu considerar a hipótese de normalidade após a exclusão de outliers da amostra. Dadas as características verificadas nas séries históricas das taxas de juros no Brasil, um método que depende de normalidade, homoscedasticidade ou ausência de autocorrelação nas séries, a exemplo do método de mínimos quadrados ordinários, se mostra pouco preciso e não confiável para a estimação do coeficiente β procurado. Para se estimar o beta das taxas com maior precisão foram utilizados modelos de estimação por regressão robusta conforme sugerido por MENDES e DUARTE, 1998. Segundo NETER et alii, 1996, regressões robustas podem prover melhores ajustes e estimativas que o método de mínimos quadrados ordinários ao diminuir a influência de observações extremas. O modelo utilizado aqui foi o de mínimos quadrados reponderados iterativamente, utilizando a função de peso do tipo bisquare. Esse modelo atribui pesos à observação de acordo com quão fora essa observação se encontra do padrão dos dados, para isso baseando-se no resíduo da observação. Os pesos são posteriormente utilizados para diminuir a influência da observação e revisados após cada iteração até que um ajuste robusto seja encontrado (NETER et alii, 1996). 4.3.1. ESTIMAÇÃO ROBUSTA – C-BOND O modelo estimado para o C-Bond pelo método de mínimos quadrados reponderados iterativamente foi 12 C-Bond x Ibovespa C-Bond = 0,0003 + 0,2723 Ibov (0,0003) (0,0095) A estatística t do coeficiente angular foi de 28,7297, mantendo-se a significância praticamente inalterada em relação ao anteriormente estimado por mínimos quadrados ordinários. A maior modificação se deu em relação à magnitude do estimador, que decresceu de modo consistente com o esperado, pois as observações extremas, que levavam a uma superestimação do coeficiente, receberam pesos menores no novo modelo de estimação. Abaixo encontra-se uma comparação gráfica entre os estimadores (MQO) Mínimos Quadrados Ordinários e Mínimos Quadrados Reponderados (MQR) Iterativamente utilizando a função de peso do tipo bisquare Gráfico 4 – Estimação da reta de regressão por método de Mínimos Quadrados Ordinários e Mínimos Quadrados Reponderados Iterativamente A especificação do modelo de regressão robusta pode ser feita para diversas funções de peso distintas (DU MOUCHEL e O´BRIEN, 1989). Na busca de um melhor estimador foram testadas as funções de peso (i) andrews, (ii) bisquare, (iii) cauchy, (iv) fair, (v) huber, (vi) logistic, (vii) talwar e (ix) welsch. Implementouse sucessivamente cada uma destas versões, na ordem acima colocada. Em seguida, reuniu-se em uma tabela as saídas de cada estimador mais importantes para a pesquisa, quais sejam: os coeficientes beta estimados em cada caso, suas respectivas estatísticas t e valores-p destas estatísticas. Os resultados (C-bond X Ibovespa) são mostrados abaixo. 13 Tabela 2 – Coeficientes, estatística t e significância observada para diferentes funções de peso na regressão robusta. Função Coeficiente Angular Estat. t Valor-p Andrews 0.2718 28.6849 0.0000 Bisquare 0.2723 28.7297 0.0000 Cauchy 0.3093 32.1440 0.0000 Fair 0.3414 33.9235 0.0000 Huber 0.3235 33.1717 0.0000 Logistic 0.3281 33.3372 0.0000 Talwar 0.2622 26.1794 0.0000 Welsch 0.2819 29.7459 0.0000 Pode-se verificar na tabela que os dados se mostram qualitativamente estáveis, com o coeficiente significante a 1% independentemente da função peso utilizada. 4.3.2. ESTIMAÇÃO ROBUSTA – POUPANÇA E CDI A mesma metodologia empregada para o C-Bond foi utilizada para a estimação dos betas da Caderneta de poupança e do CDI. Para a caderneta de poupança o resultado foi dado por. Poupança x Ibovespa Poup = 0,00029 + 0,00012 Ibov (0,000003) (0,000098) Dado que a caderneta de poupança no Brasil possui uma variância praticamente igual a zero, os resultados encontrados pelo modelo de regressão robusta diferem muito pouco daqueles encontrados por mínimos quadrados ordinários. O uso das diferentes funções de peso nesse caso foram indiferentes, dado que os resultados mostraram-se qualitativamente estáveis, com os coeficientes beta não significantes a 5% em nenhum dos casos. A magnitude das variações das taxas ao longo do tempo nesse caso são desprezíveis, de modo que a utilização ou não de um tratamento robusto para outliers possui pouca relevância na magnitude do beta estimado. No caso do CDI verificou-se como resultado da estimação por mínimos quadrados reponderados CDI x Ibovespa CDI = 0,00070 + 0,00011 Ibov (0,000003) (0,00011) 14 O coeficiente angular não se mostrou significante a 5%, na primeira estimação, entretanto, ao se testar as diferentes funções de peso anteriormente citadas, os resultados não se mostraram qualitativamente estáveis. Em alguns casos, o coeficiente angular mostra-se significativo. Há boas razões, porém, para acreditar que os melhores resultados são aqueles que apontam para a não significância do coeficiente, pois estes cuidam com maior precisão dos grandes outliers. Os resultados dos estimadores para diferentes funções de peso são mostrados na tabela 3. Tabela 3 – Coeficientes, estatística t e significância observada do C-Bond para diferentes funções de peso na regressão robusta. Função Coeficiente Angular Estat. t Valor-p Andrews 0.0001 0.9556 0.3395 Bisquare 0.0001 0.9873 0.3237 Cauchy 0.0004* 2.5886 0.0097 Fair 0.0005* 2.8651 0.0042 Huber 0.0004* 2.8533 0.0044 Logistic 0.0004* 2.8015 0.0052 Talwar 0.0003** 2.3143 0.0208 Welsch 0.0002 1.4976 0.1345 * - Estatisticamente significante a 1% ** - Estatisticamente significante a 5% Uma comparação gráfica entre os estimadores do coeficiente angular do CDI contra o Ibovespa obtidos com as diferentes funções peso utilizadas no modelo de regressão encontra-se abaixo 15 Gráfico 5 – Estimação da reta de regressão por método de Mínimos Quadrados Ordinários e Mínimos Quadrados Reponderados Iterativamente utilizando diferentes funções de peso Uma análise das retas de regressão estimadas pelos métodos de mínimos quadrados ordinários e de mínimos quadrados reponderados iterativamente com função de peso do tipo bisquare permite a clara visualização do efeito do modelo utilizado sobre a reta de regressão resultante, assim como dos outliers sobre o coeficiente estimado por mínimos quadrados ordinários. Gráfico 6 – Estimação da reta de regressão por método de Mínimos Quadrados Ordinários e Mínimos Quadrados Reponderados Iterativamente com funções de peso do tipo bisquare Segundo MENDES e DUARTE JR, 1998, procedimentos robustos, como os aqui empregados, conseguem lidar com uma grande proporção de pontos aberrantes e ainda assim fornecer estimativas confiáveis para os coeficientes de regressão. Os resultados encontrados sugerem que o uso do método de mínimos quadrados ordinários levou sistematicamente a coeficientes beta superestimados para o C-Bond e CDI. Apesar das divergências entre modelos, os resultados verificados confirmaram a existência no Brasil de duas taxas livres de risco distintas, o CDI e a caderneta de poupança, enquanto o retorno do C-Bond não pode ser caracterizado como livre de risco. 5. DUALIDADE DE TAXAS E EFICIÊNCIA DE MERCADO 16 Existe um elemento complicador na definição da taxa livre de risco no Brasil que é a atuação de mecanismos governamentais na sua determinação. A taxa pura de juros na economia, para ser completamente condizente com o conceito teórico, deveria ser ditada unicamente pelo mercado e pela impaciência dos investidores por consumir, o que seria possível apenas em um mercado isento de participação governamental. No caso principalmente de economias emergentes, a participação do governo sobre a determinação dessas taxas pode ser demasiadamente forte, tornando as taxas praticadas nesses países sem correspondência com as taxas de uma economia de livre mercado. Retornos da taxa livre de risco superiores ao retorno médio dos ativos com risco são freqüentes nesses países, como podemos observar no Brasil no período de janeiro de 1995 a dezembro de 2002, onde, apesar do relativo longo prazo da análise, uma taxa livre de risco (CDI) superou em 45,63% os retornos do Ibovespa (FAMÁ e PEROBELLI, 2001). Nesse caso maiores riscos não corresponderam a retornos superiores. Outra disfunção do mercado brasileiro que pode ser percebida na análise de suas possíveis taxas livres de risco é a existência de duas taxas (CDI e Caderneta de Poupança) com características similares em termos de risco mas com diferentes taxas de retorno médio. Enquanto, para o período analisado, o retorno médio anual da caderneta de poupança foi de 8,257%, o retorno anual do CDI atingiu 22,852%. Considerando-se a existência de uma alíquota de imposto de renda de 20% sobre os ganhos de capital de uma aplicação em CDI, o retorno líquido de tal aplicação cairia para 18,282% ao ano, ainda assim uma taxa 9,260 pontos percentuais acima ou 121,41% superior ao retorno da caderneta de poupança. A diferença de rendimento entre taxas de mesmo risco permite no Brasil que instituições aptas a captar à taxa de poupança, a exemplos das instituições bancárias de grande porte, façam uma operação similar à arbitragem mesmo em prazos longos. Uma das bases sobre a qual se sustenta toda a moderna teoria de finanças é a racionalidade do investidor, que estaria interessado em maiores retornos e menores riscos. Os investidores deveriam portanto tender no Brasil a migrar de aplicações em Caderneta de Poupança para fundos atrelados ao retorno do CDI. Barreiras a essa migração como (i) volume mínimo de recursos para aplicação, que impedem investidores com recursos escassos de ter acesso a tais rendimentos, (ii) assimetria de informação e desconhecimento das oportunidades do mercado por parte dos investidores e (iii) a simples tradição da caderneta de poupança como alternativa de investimento podem ser apontadas como possíveis causas para que o mercado brasileiro apresente tais anomalias. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo procurou introduzir a discussão acerca da adequação do uso de algumas aproximações para a determinação da taxa livre de risco no Brasil. A existência na economia de uma taxa pura de juros é um dos preceitos básicos para a aplicação do modelo CAPM de precificação de ativos, e a mesma deve ser passível de observação através de ativos que possuam características aproximadas ao proposto teoricamente. A utilização de aproximações inadequadas pode levar a erros de interpretação e de resultados, de modo que a minimização de tais erros deve ser buscada através da observação de variáveis adequadas. 17 Na análise das possíveis aproximações da taxa livre de risco no Brasil, o título C-Bond mostrou-se inadequado, visto possuir correlação estatisticamente significante com outros ativos presentes na economia. Parte do risco sistêmico está captado no retorno do ativo, descaracterizando-o portanto como livre de risco. Os retornos da Caderneta de Poupança, assim como os do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), entretanto mostraram-se condizentes com a conceituação teórica de uma taxa pura de juros, com correlação insignificante como mercado e desvio padrão de retornos também desprezíveis. A conclusão acerca da inadequação de uma das aproximações e da adequação das demais suscita entretanto uma nova questão que é à existência na economia brasileira de duas taxas com características similares em termos de risco mas com retornos médios muito diferentes mesmo no longo prazo. Essa aparente disfunção de mercado abre um campo vasto de possibilidades de estudo, visto que contrasta com alguns preceitos fundamentais da moderna teoria de finanças. O assunto relativo às variáveis não diretamente observáveis do CAPM também se mostra ainda não suficientemente explorado apesar do uso relativamente disseminado do modelo. Tanto a taxa livre de risco quanto o retorno do portfolio de mercado permanecem como temas de estudo carentes de um maior aprofundamento principalmente em economias emergentes, onde outros fatores, como a baixa liquidez da economia, possuem impacto aparentemente relevante sobre o preço dos ativos, parecendo demandar novas teorias que considerem explicitamente as características de tais mercados. 7. BIBLIOGRAFIA ARCHER, S. H. e DAMBROSIO, C. A. - The Theory of Business Finance : a Book of Readings. New York : Macmillan, 1967. BANCO CENTRAL DO BRASIL – Juros e Spread Bancário no Brasil – Avaliação de 1 Ano de Projeto. Artigo Técnico. Departamento de Estudos e Pesquisas. Rio de Janeiro. Nov, 2001. BLACK, F – Beta and Return. The Journal of Portfolio Management. 1993. BLACK, F.; JENSEN, M. e SCHOLES, M. – The Capital Asset Pricing Model : Some Empirical Tests. Studies in The Theory of Capital Markets, 1972. COPELAND, T e WESTON, J – Financial Theory and Corporate Policy. 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