CONTEXTUALIZANDO SABERES NA EJA: PROJETO DROGAS LÍCITAS - O QUE ELAS TÊM A VER COMIGO? Angela Astil Dallepiane Schneider 1 Cassia Silene Cervi Anéas 2 Resumo Durante o ano de 2014 tivemos a oportunidade de participar do Programa Interinstitucional de Formação Continuada dos Trabalhadores em Educação da Região Macromissioneira - Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul onde representantes das escolas que oferecem a modalidade EJA das Coordenadorias de Educação reuniram-se no intuito de sistematizar, avaliar e trocar experiências vivenciadas. Este relato de experiências é fruto desta formação e visa descrever atividades realizadas com os alunos da EJA da Escola Estadual de Ensino Fundamental Barão do Rio Branco de Catuípe como parte de um projeto desenvolvido nas totalidades 3, 4, 5 e 6 na disciplina de Matemática. O projeto surgiu da necessidade de alertar os estudantes em relação aos malefícios e consequências do uso de drogas, que apesar de serem lícitas, atacam e interferem drasticamente a vida de nossos jovens, intervindo na rotina diária da escola, afastando os mesmos das aulas, prejudicando sua saúde e suas famílias. No componente curricular de Matemática, os alunos responderam entrevistas semiestruturadas referentes ao uso de álcool e fumo, cujos dados foram tabulados e apresentados na forma de gráficos. Foi possível detectar que Palavras-chave: EJA, Matemática, Drogas lícitas. 1 Licenciada em Matemática; Pós-graduada em Educação Matemática. 2 Licenciada em Ciências – Plena em Biologia; Pós-graduada em Educação Ambiental com ênfase em Meio Ambiente; Mestre em Ecologia. Introdução A Educação de Jovens e Adultos enquanto proposta pedagógica, considera as diferenças individuais na construção do conhecimento, atendendo aquelas pessoas que não tiveram acesso ao ensino regular. No entanto, hoje atende jovens adolescentes que são excluídos da rede regular de ensino, ou que não se adaptam ao mesmo e até os que buscam a empregabilidade para satisfazer suas necessidades financeiras imediatas. Muitos jovens e adultos retornam à escola pensando no futuro ou até mesmo para realizar o sonho de ser alfabetizados, a fim de exercer seus direitos e deveres de cidadãos brasileiros, seja para inserir-se no mercado de trabalho e melhorar de vida, ou para simplesmente ter a possibilidade de fazer algum concurso ou documento, como a carteira de habilitação, como é o caso de um aluno da nossa totalidade 3. Como afirma Fonseca (2005), muitos desses educandos buscam fazer relações entre o que foi aprendido de maneira formal na sala de aula e o que a vida lhe ensinou, pois tiveram a infância e a educação regular roubadas de suas vidas, e é graças ao programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) tentam recuperar o tempo perdido. A autora ainda lembra os fatores que levam à evasão escolar: Na realidade, os que abandonam a escola o fazem por diversos fatores, de ordem social e econômica principalmente... deixam a escola para trabalhar; deixam a escola porque as condições de acesso ou de segurança são precárias; deixam a escola porque os horários e as exigências são incompatíveis com as responsabilidades que se viram obrigados a assumir. Deixam a escola porque não há vaga, não tem professor, não tem material. Deixam a escola, sobretudo, porque não consideram que a formação escolar seja assim tão relevante que justifique enfrentar toda essa gama de obstáculos à sua permanência ali. (FONSECA, 2005, p.32-33) Há outros fatores relevantes que influenciam a realidade escolar na EJA, e muito tem se debatido a respeito da relação do jovem hoje com a escola. Percebe-se uma crise instalada nas relações que regem os processos de aprendizagem: para os profissionais da escola, o problema está na juventude, para os jovens é a escola que mostra-se distante de seus interesses. Segundo Dayrell (2007), o problema não se restringe nem apenas aos jovens, nem apenas à escola, mas a um contexto de profundas mutações que vêm ocorrendo na sociedade, que afetam diretamente instituições e os processos de socialização das novas gerações, o que acaba por influenciar nas relações dos indivíduos. O autor ainda afirma que os jovens de classes populares, não são beneficiados por políticas públicas que lhes garantam acesso a bens materiais e culturais, espaço e tempo para vivenciar a fase de vida em que vivem. O fato de a escola não oferecer espaço para que este jovem construa opiniões para interferir em questões que lhes digam respeito, desestimula os estudantes para participarem e atuarem na sociedade. Assim, tudo leva a enxergar o jovem como problema: altos índices de violência, tráfico de drogas, alcoolismo, AIDS e a gravidez na adolescência reforçam a imagem da juventude como um tempo de vida problemático. O educando matriculado na EJA hoje em nossas escolas, não é mais aquele adulto que não teve acesso à escola no período regular. É o adolescente que não se adaptou ao ensino regular, com faixa etária entre 15 e 20 anos, e precisa concluir os estudos para se manter no mercado de trabalho ou para que a promotoria deixe de exigir que os pais o mantenham na escola. Há inúmeros fatores relevantes que exercem influência sob a realidade na EJA. Tais fatores estão conectados entre si com os desafios e expectativas enfrentadas na escola, tanto pelos educadores quanto pelos educandos jovens e adultos, como: metodologia de trabalho, dificuldades no processo de inclusão escolar, comprometimento e as perspectivas de ambas as partes no processo ensino e aprendizagem. Em meio a esses fatores, é importante destacar que no processo de definição dos conceitos matemáticos o aluno estabeleça relação entre a matemática, ciência da sala de aula e a matemática do dia a dia. A matemática desempenha papel decisivo, pois permite resolver problemas da vida cotidiana, tem muitas aplicações no mundo do trabalho e funciona como instrumento essencial para a construção de conhecimentos em outras áreas curriculares. Do mesmo modo, interfere fortemente na formação de capacidades intelectuais, na estruturação do pensamento e na agilização do raciocínio dedutivo do aluno (BRASIL, 2001). Os jovens sujeitos da EJA, nos desafiam cotidianamente, com suas ações, seus estilos, e identidades culturais e territoriais, que diferem muito de nossas concepções de educação, de autoridade, de respeito e produção de valores e conhecimentos. Na concepção libertadora da práxis de Paulo Freire, o aprender implica, num caminho que parte da leitura da realidade, dos temas sociais de abrangência e urgência nacional, e do tema de relevância local para que todos sintam-se valorizados e exerçam sua cidadania na construção de uma sociedade igualitária. A metodologia de projetos traduz-se numa proposta teórico-metodológica situada numa abordagem interdisciplinar com a intenção de romper com a fragmentação do conhecimento segundo KUHN (2012). Os projetos proporcionam contextos que geram a necessidade e a possibilidade de organizar os conteúdos de forma a lhes conferir significado. É importante identificar que tipos de projetos exploram problemas cuja abordagem pressupõe a intervenção da Matemática, e em que medida ela oferece subsídios para a compreensão dos temas envolvidos (BRASIL, 2001). Assim, o grupo de educadores da EJA de nossa escola, através do projeto “Drogas lícitas: o que elas têm a ver comigo?” propôs-se a trazer o assunto para a discussão em sala de aula, objetivando alertar os educandos quanto ao perigo das drogas. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, propõem o Programa Etnomatemática que apresenta propostas alternativas para a ação pedagógica, que ponto de vista educacional, procura entender os processos de pensamento, os modos de explicar, de entender e de atuar na realidade, dentro do contexto cultural do próprio indivíduo. A Etnomatemática parte da realidade com vistas à ação pedagógica naturalmente, por meio de um enfoque cognitivo, com vigorosa fundamentação cultural (BRASIL, 2001). Materiais e métodos A promoção da saúde se faz por meio da educação e da adoção de estilos de vida saudáveis. Procurou-se pesquisar sobre a origem do hábito do uso fumo e do álcool ao longo da história, assim como os processos de obtenção destas substâncias. Também pesquisou-se sobre os efeitos destas drogas no organismo e os malefícios que as mesmas causam. No componente curricular Matemática, foram feitas entrevistas com os alunos sobre o contato que os mesmos têm com o cigarro e o álcool. Os entrevistados responderam as questões abaixo relacionadas: Você tem algum membro da família fumante? Você conhece os prejuízos causados pelo cigarro? Você recebe informações sobre tabagismo? Onde recebe informações sobre tabagismo? Em sua opinião, campanhas do Ministério da Saúde nas carteiras de cigarro inibem o hábito de fumar? Se você tivesse um amigo fumante, o que faria? Em sua opinião, quais motivos levam o jovem a fumar? Você possui o vício de cigarro comum? Com que idade você começou a fumar? Qual a quantidade diária de cigarro que você fuma? Seus pais sabem que você fuma? Você já teve algum problema de saúde relacionado ao tabaco? Você já tentou parar de fumar? Você tem algum alcoólatra na família? Você já esteve em estado de embriaguez? Você já presenciou algum acidente de trânsito com condutor embriagado/ Em sua opinião, qual o principal motivo que leva o jovem a beber? Se tivesse um amigo que bebesse exageradamente, o que você faria? Os estabelecimentos comerciais cumprem a lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas à menores de idade? Com que frequência você consome bebida alcoólica? Seus pais sabem que você ingere álcool? Em que local você costuma beber? Qual a bebida alcoólica que você prefere? Você já teve algum problema de saúde relacionado ao álcool? Você já tentou parar de beber? Os estudantes tabularam os dados das entrevistas, transformaram-nos em gráficos e realizaram a análise dos mesmos, já que é necessário compreender as informações veiculadas no dia a dia, em especial pela mídia, tomar decisões, fazer previsões que influenciarão não apenas a sua vida pessoal, mas da comunidade também. Resultados e discussão Todos os dados das entrevistas foram tabulados a fim de demonstrar através de gráficos, os números relativos ao uso das bebidas e do fumo na vida de nossos estudantes. A seguir apresentamos os principais elementos desta pesquisa. Figura 1- Presença de membro da família fumante A figura 1 demonstra que a maioria dos jovens fumantes tem familiar que faz uso do cigarro. Isso confirma a influência direta da família na formação do jovem, seja ela positiva ou negativa. Figura 2 – Local onde o aluno recebe informações sobre tabagismo Na figura 2, observa-se que o jovem recebe informações sobre tabagismo em sua maioria na escola e pelos meios de comunicação, demonstrando a importância e a responsabilidade dos professores como formadores de opinião e conscientizadores. Figura 3 – Faixa etária em que os entrevistados fumantes começaram com o vício A figura 3 traz informações importantes sobre a faixa etária dos fumantes, ou seja, começaram a fumar dos 13 aos 16 anos – idade em que frequentam a escola, daí a oportunidade da escola de tentar conscientizar estes sujeitos em relação ao perigos do uso de cigarro. No que diz respeito aos dados relativos ao uso do álcool pelos jovens estudantes, podese observar que a metade dos entrevistados tem familiar alcoólatra, como mostra a figura 4. Figura 5 – Presença de alcoólatra na família A metade dos entrevistados também já esteve em estado de embriaguez, demonstrando o quanto nossos jovens são vítimas do álcool, como comprova a figura 5. Figura 6 – Principais motivos que levam o jovem a beber A figura 6 mostra que a influência dos amigos é um dos principais motivos que levam o jovem a beber, seguida da vontade própria ou para não sentir-se excluído do grupo de amigos. Tal evidência mostra o quanto o jovem é influenciável e como é importante a interferência da família e da escola para que isso não se torne problema. Figura 7 – Tentativas para parar de beber Na figura 7, podemos visualizar um dado muito interessante que é o fato da maioria dos entrevistados não demonstrar intenção de parar de beber, levando-nos a reconhecer a importância do papel conscientizador da escola. Considerações finais No mundo em que vivemos hoje, estar alfabetizado, requer saber fazer a leitura e a interpretação de dados apresentados de maneira organizada, construindo representações para resolver e formular problemas que demandem o recolhimento de dados e a análise de informações. Tal característica da vida contemporânea oferece ao currículo de Matemática um processo de abordagem de elementos da estatística, da probabilidade e da análise combinatória, que aliados às informações sobre saúde, permitirão comparar e realizar previsões que venham contribuir para o autoconhecimento, possibilitando o autocuidado ajudando na compreensão de aspectos sociais ligados aos problemas de saúde. A educação para a saúde só será efetivada se mobilizar as mudanças necessárias na busca de uma vida saudável. Para isso, os valores e a aquisição de hábitos e atitudes constituem as dimensões mais importantes. Porém, informações isoladas não bastam para mudar hábitos e atitudes, é importante que a aprendizagem contribua para a compreensão das ações de proteção à saúde a eles associadas. A ampliação dos conceitos deve ter como finalidade auxiliar na construção de valores e na inclusão de práticas de saúde favoráveis ao crescimento e desenvolvimento. Assim, todas as experiências que tenham representações sobre as práticas de proteção, promoção e recuperação da saúde só serão aprendizagens positivas, se capacitarem os sujeitos para a ação. No caso, através do projeto sobre drogas, intencionamos levar os educandos da EJA a mudar hábitos através da informação e da pesquisa. É de suma importância o reconhecimento da existência da sabedoria do sujeito, proveniente de sua experiência de vida, de sua bagagem cultural, e de suas habilidades profissionais. Tal postura, certamente contribui para que o educando resgate uma autoestima positiva, desenvolvendo sua auto confiança, proporcionando um canal de aprendizagem com melhores garantias de êxito, porque parte dos conhecimentos prévios do aluno para promover conhecimentos novos. Assim, numa perspectiva de totalidade, faz-se necessária a valorização das experiências de vida dos sujeitos através do diálogo entre os diferentes saberes. Esperamos que os dados apontados na pesquisa realizada sirvam de referência para que os educandos sejam levados a instrumentalizar os conceitos adquiridos em suas relações sociais e com o meio, enfrentando as situações adversas e as opiniões grupais negativas para a saúde, tendo a capacidade de transformar hábitos, na busca de uma vida mais saudável. Essa educação é parte integrante do projeto sociopolítico global de luta popular na sociedade de classes, contribuindo para a formação de homens e mulheres dotados de consciência social e de responsabilidade histórica, aptos para intervenção coletiva, organizada pela realidade a partir de sua comunidade local, sempre em busca da melhoria da qualidade de vida para todos. Referências Bibliográficas BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática/Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. – 3.ed. – Brasília: A Secretaria, 2001. ____ Parâmetros Curriculares Nacionais: Meio ambiente: saúde/Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. – 3.ed. – Brasília: A Secretaria, 2001. DAYRELL, J. A escola faz juventudes? Reflexões sobre a socialização juvenil. Educação e Sociedade, Campinas, v.28,n. 100, p. 1105-1128, out. 2007. FONSECA, Maria da Conceição Ferreira Reis. Educação Matemática de Jovens e Adultos – Especificidades, desafios e contribuições. Belo Horizonte – MG: Autêntica, 2ª ed., 2005. KUHN, Martin. Os projetos como recurso investigação e aprendizagem. Formação Continuada, 2012.