Reconversão democrática das esquerdas no Cone Sul EDITORA UNIVERSIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS COORDENAÇÃO EDITORIAL Irmã Jacinta Turolo Garcia PRESIDENTE Luiz Jorge Werneck Vianna DA ASSESSORIA ADMINISTRATIVA Irmã Teresa Ana Sofiatti EDITOR Luiz Eugênio Véscio SECRETÁRIA EXECUTIVA Maria Arminda do Nascimento Arruda SECRETÁRIA ADJUNTA Elide Rugai Bastos Reconversão democrática das esquerdas do Cone Sul trajetórias e desafios na Argentina, Brasil e Uruguai Miguel Serna Trabalho premiado no Concurso EDUSC-ANPOCS Edição 2003 Área: Ciência Política Rua Irmã Arminda, 10-50 CEP 17011-160 - Bauru - SP Fone (14) 3235-7111 - Fax (14) 3235-7219 e-mail: [email protected] xxxxx Av. Prof. Luciano Gualberto, 315 1º andar - Cidade Universitária CEP 05508-900 - São Paulo - SP Fone/Fax (11) 3091-4664 e 3091-5043 e-mail: [email protected] Xxxx, xxxxx xxxxxx. Xxxxxx x x x xxxxxxx xxxxxxx x x x xxxxxxxxxx xxx x xxxxxxx xxxxxxx x x x xxxxxxxxxx xxx x xxxxxxx xxxxxxx x x x xxxxxxxxxx xxx x xxxxxxx xxxxxxx x x x xxxxxxxxxx xxx. xxxx p. xxcm. -- (Coleção História) ISBN: xx-xxxx-xx-x Xxxx x x x xxxxx. 1. xxxxxxxx. I. xxxxx. II. xxxxxx. CDD xxx.x Copyright© EDUSC, 2004 e-mail do autor: [email protected] SUMÁRIO PREFÁCIO AGRADECIMENTOS INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1 “Novas esquerdas” e democracia: integração ou contestação? A nova emergência das esquerdas em democracia Velhas e novas questões para a esquerda e centro-esquerda CAPÍTULO 2 As esquerdas e as transformações político-eleitorais Os sistemas políticos nacionais em perspectiva O crescimento das esquerdas pela via eleitoral Limites da representação política das esquerdas CAPÍTULO 3 As trajetórias políticas e sociais das esquerdas As carreiras políticas: entre a sedução e a reticência Os recrutamentos sociais A socialização política e a representação de interesses sociais Sumário CAPÍTULO 4 A reconversão da questão democrática nas esquerdas O caminho republicano de valorização das instituições A via social-democrata A reinvenção nacional das tradições socialistas A radicalização da democracia CAPÍTULO 5 As esquerdas na legitimação parcial das democracias Problemas e limites da reconversão parcial das esquerdas A valorização da democracia representativa As críticas às insuficiências do desenvolvimento democrático CONCLUSÃO ANEXO 1 ANEXO 2 ANEXO 3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PREFÁCIO O tema da transição para a democracia e a discussão sobre o melhor sistema de governo, reforma partidária e sistemas eleitorais dominaram a agenda política dos governos pós-ditatoriais na Europa mediterrânea e na América Latina. Grande parte da produção acadêmica da ciência política girou em torno dessas questões no contexto da reconstrução democrática com um viés fortemente institucionalista. Não apenas os enfoques adotados enfatizavam as articulações intra-elites, geralmente desconectados das mobilizações e dos processos políticos e sociais mais amplos, mas também revalorizavam a importância das instituições políticas retomando as soluções constitucionais decorrentes de modelos de sistemas de governo ou de experiências partidárias e eleitorais. Os processos políticos reais mostraram, porém, que a idealização desses modelos de referência serviram para explicar uma parte limitada da dinâmica da democratização latino-americana porque algumas das variáveis mais relevantes estavam fora e no centro dos bloqueios da construção de uma sociedade democrática baseada numa maior expansão econômica e menor desigualdade social. As políticas de ajuste econômico, de corte neoliberal, mostraram, já nas primeiras sucessões presidenciais que se seguiram às eleições fundadoras no Brasil e na Argentina, que foram eleitos os candidatos de oposição, o que questionava as teorias baseadas no consenso político de tipo espanhol, articulado pelo alto como o processo que poderia se reproduzir na América Latina. Essas sanções políticas de tipo eleitoral eram respostas das populações insatisfeitas e indicações de que a democracia não teria condições de se consolidar num pla- 7 Prefácio no meramente institucional se não houvesse políticas econômicas e sociais capazes de enfrentar os efeitos econômicos e sociais da “década perdida”. Este livro do jovem cientista social uruguaio, Miguel Serna, traz uma contribuição importante e inovadora no avanço da análise das transições e consolidação democráticas em três países da América Latina: Argentina, Brasil e Uruguai. Ele parte das insuficiências das teorizações dominantes e explora em termos comparativos o impacto do crescimento político-eleitoral das esquerdas sobre os processos de consolidação democrática. Geralmente a análise do significado político da emergência de atores de oposição – sejam movimentos ou partidos políticos – estava ausente na literatura hegemônica sobre as “novas democracias”, ou eram consideradas como fator perturbador desses processos. Nessa ótica analítica o autor enfrenta, através de ampla pesquisa junto aos atores freqüentemente considerados fora do sistema, a relação entre estes e a construção democrática numa perspectiva comparativa e seu papel legitimador. Através dessa estratégia analítica, articulando o domínio sobre a literatura teórica e a pesquisa empírica, o autor traça o perfil dos diferentes atores políticos das esquerdas e os respectivos processos em que estão inseridos. Ao explicar as diferenças entre os condicionantes externos, a singularidade dos contextos nacionais e os padrões diferenciados de suas trajetórias organizativas penetram na diversidade dos sistemas partidários nacionais e no ritmo dos processos de democratização. O eixo central e a relevância de sua contribuição é ter tido a coragem de romper com o discurso dominante da transitologia democrática e estabelecer o vínculo entre as novas esquerdas e as novas democracias, mostrando o nexo precário de integração parcial combinado à contestação com reconhecimentos dos valores democráticos. Em decorrência, revela o papel estratégico que desenvolvem as oposições de esquerda nos processos de democratização. Após justificar a escolha dos casos selecionados como exemplos de democratização na América Latina e de inseri-los criticamente na literatura pertinente, analisa o papel dos novos atores político-partidários e se lança no estudo comparativo. Neste contexto articula, numa perspectiva de análise histórico-comparativa, os padrões sóciopolíticos comuns e diferenciados na dinâmica dos sistemas partidários nacionais para identificar a relação entre o desenvolvimento político-eleitoral e a percepção das elites dirigentes sobre seu papel ao mesmo tempo de contestação, integração e legitimação. 8 Prefácio Livro de leitura obrigatória para compreender a problemática da democratização dos países estudados, testemunha também o quanto a ciência política pode, sem perder sua identidade, apoiar-se numa abordagem interdisciplinar. O premio concedido pela ANPOCS – de melhor tese de doutorado em ciência política (2003)–, faz jus à qualidade e à ambição do trabalho desenvolvido, valoriza o PPG em Ciência Política da UFRGS e orgulha seu orientador. Porto Alegre, julho de 2004 Hélgio Trindade Professor Titular de Ciência Política da UFRGS 9 AGRADECIMENTOS O presente livro é uma versão modificada de minha tese de doutoramento apresentada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A realização da pesquisa só foi possível graças à colaboração de múltiplas instituições às que manifesto meu sincero reconhecimento. Ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFRGS, à Capes, que financiou a bolsa de estudos, ao Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais e à Faculdade de Ciências Econômicas e de Administração da Universidade da República Oriental do Uruguai, instituição na qual desenvolvi a minha carreira docente. À Associação de Universidades Grupo Montevidéu, ao Instituto Torcuato Di Tella da Argentina, e às diversas Fundações dos Partidos estudados, como também à receptividade dos militantes e informantes qualificados que me facilitaram o acesso à informação e à documentação. Da mesma forma, gostaria de agradecer pessoalmente a todos os que colaboraram e me ofereceram seu apoio durante esses longos anos: A Hélgio Trindade, por ter mantido uma crítica acadêmica e sugestiva durante todo o desenvolvimento da tese e por ter me conferido sua confiança e respaldo contínuo, transmitindo-me sempre a certeza de que eu poderia levá-la a cabo. Aos professores Mercedes Cánepa, Celi Pinto, Maria Izabel Noll, Odaci Coradini, André Marenco, Eduardo Aydos, Benedito Tadeu César, Carlos Arturi, Marcello Baquero, Raquel Meneguello, Brasilio Sallum Junior e Vicente Palermo por suas sugestões e apoios. 11 Agradecimentos A meus colegas da Pós-graduação, especialmente a Gabriel Vitullo, com quem compartilhamos longas jornadas de debate sobre a política do Cone Sul. Às professoras Susana Mallo e Constanza Moreira, e ao professor Gerónimo de Sierra, por motivar em mim uma análise profunda da realidade social latino-americana numa perspectiva comparada e interdisciplinar, tanto como por seus apoios pessoais. A meus colegas de trabalho e a meus amigos brasileiros, argentinos e uruguaios, que me alentaram durante esses anos, contribuindo com sugestões e compartilhando minhas preocupações. A meus pais, a minha filha Micaela, e à Rosário, por seu companheirismo. 12 INTRODUÇÃO O retorno à democracia nos países do Cone Sul da América Latina esteve marcado por inúmeras novidades no campo político. Com efeito, a instalação de um regime democrático no Brasil legitimado pela convocação a eleições totalmente livres e competitivas, somada a uma participação ampliada do conjunto da população adulta, constituiu um fato inédito e muito recente na história política do país. Também o funcionamento de instituições da democracia representativa na Argentina pós-ditadura, que permitiu a sucessão de governantes por meios constitucionais em forma ininterrupta durante quase duas décadas como também a concorrência da participação cidadã a eleições diretas dos cargos executivos, inaugurou uma nova etapa de convivência democrática perdida desde 1930. Por último, não menos importante, foi a recuperação das instituições democráticas no Uruguai após uma experiência ditatorial que dilacerou uma das democracias mais antigas da América Latina. Essa nova fase de democratização não se restringiu à instalação e funcionamento das instituições políticas e da democracia liberal, constatando-se, aliás, processos de renovação política dos partidos e dos elencos dirigentes. Um desses processos consistiu na aparição de novas correntes desde a esquerda nos três países. Nas eleições de 1989, um partido definido como socialista, com um dirigente proveniente de um sindicato de trabalhadores metalúrgicos, concorreu pela poltrona presidencial no Brasil, atingindo o segundo lugar; essa rele- 13 Introdução vância política será reforçada nas seguintes eleições ao se tornar, a referida força política, o principal pólo de oposição em relação aos setores políticos tradicionais. No mesmo ano, no Uruguai, após uma transição política restauradora, uma coalizão de partidos de esquerda venceu na capital do país, fenômeno reforçado nas eleições nacionais de 1994 e 1999, em que a mesma se transformará na principal força política eleitoral no nível nacional. Por último, e seguindo a sucessão cronológica, a democracia argentina também não foi alheia aos processos de renovação de elencos políticos. Com efeito, em finais da transição democrática, em 1995, emergiu uma nova força política de centro-esquerda com projeção nacional que mitigará a dicotomia polarizada peronismo/anti-peronismo, que marcou a história política argentina. Quais foram esses novos atores de esquerda e de centro-esquerda? Quando surgiram e como se inseriram no jogo democrático? Em que medida as transformações da democracia na terceira onda de democratização favoreceram (ou não) um contexto de reconversão ideológica e de incorporação das esquerdas? Qual foi o impacto das novas esquerdas sobre a configuração dos sistemas partidários? Que tipo de organizações políticas e sociais essas forças representaram? Que tipo de transformações internas processou a esquerda na democracia? O desenvolvimento das esquerdas nesta fase democrática foi simplesmente um resultado conjuntural ou respondeu a processos sócio-políticos de longo prazo, mais complexos? Certamente surgirão muitas mais perguntas do que respostas; entretanto, as mesmas serão úteis do ponto de vista heurístico a fim de delimitar os contornos empíricos e teóricos do objeto de estudo. De fato, o problema central de estudo será a relação entre Democracia e Esquerda na terceira fase de democratização. Esta temática vem suscitando cada vez mais interesse nas décadas de 80 e 90 devido à aparição na cena pública latino-americana de candidatos e de correntes identificados como de “esquerda”. Esse fenômeno esteve acompanhado por uma crescente influência das esquerdas no âmbito do sistema político e na sociedade, introduzindo uma variedade de interesses coletivos e de questões sociais na agenda pública da democracia. A progressiva participação de diversas correntes de esquerda em democracia teve lugar num contexto internacional favorável à nova fase de expansão da democracia liberal, mas também num período de forte impacto ideo- 14 Introdução lógico para a esquerda em decorrência da crise do “socialismo real” na exUnião Soviética. Com efeito, a relação entre Democracia e Esquerda tem sido um dos temas recorrentemente debatidos no âmbito acadêmico das Ciências Sociais, principalmente por causa da tensão fundacional entre a formulação de projetos de mudanças revolucionárias políticas e sociais, projetos estes apresentados pelas doutrinas socialistas, e os processos de institucionalização das democracias liberais durante o século 20. Nesse sentido, resultou ilustrativa a ampla gama de debates, gerados a partir da implementação da revolução russa de outubro, confrontando socialismo e liberalismo e suas conseqüências. As formas de integração e conflito das esquerdas no marco das democracias liberais durante o século 20 foram muito variadas, dependendo tanto do grau de desenvolvimento dos regimes democráticos quanto das diversas estratégias e resultados obtidos pelos diferentes partidos de esquerda. Em particular, durante a denominada terceira fase histórica de democratização, surgiu uma nova relação entre a democracia e as esquerdas que se traduziu num processo de progressiva coabitação entre ambas, cujas conseqüências receberam interpretações acadêmicas muito díspares. Para alguns autores, a crescente participação das esquerdas nas instituições políticas durante o referido período histórico anunciou a possibilidade de uma efetiva reconciliação entre a democracia representativa e a opção pela via legal das lutas políticas e sociais da esquerda (Castañeda, 1993; Bossetti, 1996). Para outros, entretanto, a integração institucional das esquerdas às instituições políticas pode ser considerada como um sintoma de “abdicação social-democrata” dos princípios revolucionários transformadores do sistema capitalista (Przeworski, 1988; Wallerstein, 1999). A presente pesquisa não assumirá nenhuma postura em favor ou contra as estratégias de ação, cabendo isso mais à prática dos políticos do que à dos acadêmicos. Tentará, isto sim, explorar os fatores globais que incidiram na incorporação das esquerdas ao jogo da democracia representativa como também as formas em que as diversas esquerdas adotaram a questão democrática nesse processo histórico. O sentido do estudo estará muito mais restrito à análise da relação entre Democracia e Esquerda numa fase histórica recente e num contexto regional latino-americano. 15 Introdução As hipóteses que guiarão a presente pesquisa tentarão explicar um duplo percurso histórico das esquerdas nesta nova fase democrática; de um lado, os processos de adaptação a um contexto externo nacional e internacional que proporá novos desafios e, de outro lado, os processos internos de reconversão ideológica das identidades das esquerdas. Portanto, a pesquisa partirá do contexto e da forma de desenvolvimento democrático no Cone Sul da América Latina para passar a analisar os modos de participação das esquerdas no processo e descobrir progressivamente os sujeitos políticos históricos envolvidos. Por isso, serão estudados os processos de democratização e os atores em forma articulada. A análise da democracia priorizará dois aspectos: o processo de construção dos regimes democráticos e o desenvolvimento da democracia não apenas restrita aos fatores político-institucionais, mas também incorporando a influência de variáveis econômicas e sociais. As decisões com respeito à delimitação do objeto de estudo não estiveram isentas de múltiplas dificuldades. Quanto às democracias selecionadas, foram três: a Argentina, o Brasil e o Uruguai, sendo estudados, aliás, dentro das mesmas, exemplos de esquerda e de centro-esquerda. Como será discutido depois, desde sua definição originária, passando por múltiplas transformações históricas posteriores – principalmente pós-1989 –, o termo “esquerda” teve um significado polissêmico, apresentando pelo menos duas dimensões diferentes, muitas vezes superpostas em seu sentido histórico: uma dimensão espacial-situacional, pois que a polarização esquerda-direita definiu em forma dicotômica as posições relativas de cada ator dentro de um sistema político historicamente determinado – com clivagens sociais e políticas diversas –; e uma dimensão ideológica, referida aos valores e crenças de doutrinas políticas, dividida entre correntes favoráveis ao igualitarismo e à mudança social (por exemplo, socialistas, comunistas, social-democratas, etc.) e os partidários da liberdade individual e da ordem social (como liberais, conservadores, entre outros). Ambas as dimensões tiveram dificuldades na hora de identificar numa realidade concreta quais atores cumpriam ou não os diversos critérios referidos; a despeito disso, a dimensão espacial-situacional permitirá avançar melhor num recorte empírico. A estratégia deste trabalho salientará a definição das esquerdas realmente existentes num período histórico regional específico à luz do acervo da lite- 16 Introdução ratura acadêmica de cada país e na região latino-americana. A opção escolhida procurará recuperar a ampla gama de correntes, abrangendo desde a esquerda mais radical até o centro-esquerda, selecionando as que adquiriram uma expressão política representativa relevante para o sistema político e considerando-as como exemplos de formas efetivas de integração das esquerdas ao âmbito político-institucional do jogo democrático. O recorte temporal da pesquisa se limitou às décadas de 80 e 90, encerrando-se no ano 1999 que constituiu uma conjuntura crucial de consolidação dos processos eleitorais pós-transição democrática nos países do Cone Sul. É preciso advertir também que o estudo enfatizará a relação entre a construção da democracia e a inserção da esquerda nos processos políticos. No entanto, o mesmo não terá como objetivo uma análise do desempenho institucional dos governos locais ou nacionais de esquerda, o que, com certeza, tem sido e será alvo de outras pesquisas. Assim, a ênfase será outorgada aos atores dentro do contexto democrático e à forma em que se produziu um processo de reconversão ideológica das concepções de Democracia;1 por isso, serão estudadas as visões globais sobre a mesma e não os programas concretos ou os conteúdos das linhas políticas conjunturais. A seleção do objeto, embora ambiciosa quanto a sua extensão, não deve alentar falsas expectativas, pois se tratou de um recorte empírico que teve suas limitantes no que se refere às correntes ideológicas abordadas. De um lado, não foram estudadas as correntes de esquerda com baixa expressão em termos de representação político-institucional nem foram incluídas, no outro extremo, as correntes de centro-esquerda que se integraram no governo nacional a setores de direita ou conservadores. No primeiro caso, a exclusão decorreu do baixo impacto na integração política atingida; já no segundo caso, pelo contrário, o critério de exclusão obedeceu a uma integração “excessiva”, em que as fronteiras entre esquerda e direita se tornaram difusas. Essas ausências não implicam, de qualquer forma, que as referidas esquerdas fossem irrelevantes. Com efeito, entre as esquerdas mais radicais, se1 A concepção de ideologia que será utilizada no decorrer do presente livro está inspirada no enfoque do estudo das mentalidades políticas proposto por Mannheim (1987, p. 197-199). 17 Introdução ria muito significativo poder incorporar alguns casos da Argentina a fim de aprofundar os alcances das hipóteses apresentadas. Nesse sentido, dois exemplos contrapostos podem servir de esclarecimento. Na Argentina, não foram consideradas as correntes de esquerda insurreta que, nas décadas de 60 e 70, tinham sido uma força política muito relevante, mas que no processo de redemocratização foram excluídas,2 fragmentadas internamente ou cooptadas parcialmente nos primeiros anos do menemismo. No Brasil, também existiram algumas ausências de destaque como, por exemplo, as dos partidos comunistas clássicos (PCB, PC do B e PPS) que, inversamente ao caso argentino, tiveram um processo de reconversão interna e de integração ao sistema político, embora, como será mostrado oportunamente, sua expressão político-eleitoral no nível nacional seja ínfima.3 No outro extremo, também poderia ser discutida a exclusão de setores de centro-esquerda relevantes, definidos abertamente como social-democratas, como foi o caso notório do Partido da Social Democracia Brasileira. Nesse ponto, foi adotado como critério de fronteira o requisito de que os partidos selecionados não se encontrassem em condição de sócios do governo nacional com setores tradicionais ou conservadores do sistema político. Por isso, e para ser conseqüente, a FREPASO pós-1999 também não fez parte desta pesquisa. Portanto, o presente trabalho não pretenderá ser um estudo completo das esquerdas nos três países, devendo, com certeza, ser complementado posteriormente por outros estudos. A comparação das esquerdas não omitirá as diferenças entre correntes e fronteiras entre o centro-esquerda e a esquerda propriamente dita. De fato, a escolha dos casos nacionais não será alheia a esse contraste, utilizando-o em seu proveito. A comparação entre centro-esquerda e esquerda será útil, aliás, a 2 É preciso lembrar que, durante o primeiro governo de Alfonsín, a denominada teoria dos responsáveis pela violência política e pela queda da democracia atribuía culpa, num pólo, aos militares e, no outro, aos guerrilheiros, o que levou ao processo de julgamento dos primeiros e à manutenção no cárcere dos segundos. 3 No caso do PPS, essa expressão testemunhal será revertida a partir das eleições presidenciais de 1998, mas, devido ao caráter recente do fenômeno ocorrido em finais do período de estudo, optou-se por não incluir o referido partido. A análise dos desempenhos eleitorais e da representação política das esquerdas será apresentada no capítulo 2. 18 Introdução fim de compreender as fronteiras ideológicas e, ao mesmo tempo, analisar os problemas e desafios dos processos de deslocamento ideológico da esquerda para o centro-esquerda à medida que os atores foram se vislumbrando com uma maior expectativa de concorrência e de acesso ao governo nacional. A experiência histórica mais recente é a da FREPASO na Argentina por ser o ator localizado mais nitidamente no centro-esquerda e com menor autonomia em relação às elites políticas tradicionais, tanto pela presença de um populismo transformado, com menos bases sociais trabalhadoras e maior convocação em setores médios, quanto pela menor presença de partidos socialistas clássicos. As esquerdas brasileiras, por sua vez, constituíram-se a partir de dois núcleos político-ideológicos hegemônicos, uma esquerda herdeira da experiência trabalhista populista (o Partido Democrata Trabalhista) e uma nova esquerda com uma matriz socialista vinculada à emergência de um sindicalismo operário moderno e autônomo com respeito à estrutura tradicional do Estado (Partido dos Trabalhadores). A essas forças veio se somar a incorporação minoritária da refundação do partido socialista brasileiro. Já a esquerda uruguaia foi a que teve uma trajetória histórica mais antiga e unitária, culminando com a conformação da Frente Ampla enquanto pólo que aglutinou quase todas as correntes de esquerda do Uruguai e que teve uma dinâmica de cisão e reabsorção de agrupações durante o processo de democratização. O caso uruguaio foi interessante para a comparação com os outros, pois nele se deu a formação de uma esquerda clássica sem a ocorrência de um passado de esquerdas populistas. Outro limitador da pesquisa consistiu em que não foram estudados os adversários das esquerdas, isto é, as direitas conservadoras ou liberais que, na maioria dos casos, têm sido as detentoras do privilégio do controle do poder político. Porém, será realizado o enquadramento do peso das esquerdas nos sistemas políticos nacionais.4 A pesquisa será comparada tanto em seus objetivos teóricos quanto em seus alcances empíricos. A justificativa da comparação será procurar fatores explicativos globais comuns – estruturais, contextuais, conjunturais – num 4 Nesse sentido, um antecedente muito interessante sobre o mesmo período de estudo no Brasil foi o trabalho realizado por Mainwaring, Meneguello, Power (2000). 19 Introdução contexto regional latino-americano que influiu em favor ou contra os processos nacionais de reconversão ideológica e seus impactos sócio-políticos. Da mesma forma, o sentido da comparação não se restringiu a forçar algumas generalizações precipitadas, interpretando-se também as diferenças das trajetórias históricas nacionais de forma a descobrir a capacidade de invenção política de atores e a práxis dos sujeitos concretos que se autodefiniram porta-vozes das esquerdas do Cone Sul. A estrutura do livro será dividida em cinco capítulos. No primeiro capítulo se analisa o contexto do realinhamento político ideológico durante os processos de democratização na América Latina e os impactos na reorganização do campo das esquerdas e do centro-esquerda. Deste modo, serão formuladas hipóteses sobre o sentido de transformação da relação entre democracia e o novo desenvolvimento das esquerdas nessa fase histórica. No segundo capítulo serão abordadas as modalidades de participação e de desenvolvimento político das esquerdas e do centro-esquerda nas democracias durante as décadas de 80 e 90 na Argentina, Brasil e Uruguai. Em consonância com esse objetivo, serão analisados os desempenhos eleitorais das esquerdas, seus impactos em termos de representação política e as conseqüências sobre o realinhamento dos sistemas partidários nacionais em relação ao legado histórico prévio. No capítulo três serão estudadas as trajetórias políticas e sociais de setores das elites de esquerda a fim de descobrir as afinidades na conformação da representação de interesses sociais e políticos no campo ideológico de esquerda e de centro-esquerda. Nesse sentido, serão analisadas as carreiras políticas dos dirigentes, mostrando-se a tensão entre a participação progressiva de postos no âmbito político-representativo e as rupturas históricas que marcaram uma tradição de oposição aos governos autoritários e conservadores. Através do estudo dos padrões de recrutamento sócio-político, pesquisou-se a constelação de interesses sociais mediados pelos dirigentes como também os lineamentos de socialização enquanto grupo político específico. Serão discutidas também as implicâncias, para os agentes, das dificuldades da representação política e social nas democracias emergentes. O quarto capítulo analisará o processo interno de incorporação da questão da democracia no discurso e na identidade das esquerdas. De acordo 20 Introdução com esse objetivo, serão formulados quatro modos de reconversão ideológica da esquerda em democracia: o caminho republicano, a via social-democrata, a reinvenção nacional do socialismo e as correntes de democracia radical. Já o último capítulo se centrará nos modos em que as esquerdas contribuíram na legitimação das democracias do Cone Sul. Em primeiro lugar, serão problematizados os limites das quatro modalidades de reconversão ideológica apresentadas no capítulo anterior perante as condicionantes históricas concretas. Segundo, a análise se orientará a mostrar que as reconversões ideológicas internas das esquerdas estiveram complementadas por uma reorientação externa geral da democracia que contribuiu para um tipo de legitimação parcial das democracias emergentes. Esse tipo de legitimação teve lugar através de um duplo processo discursivo de valorização da democracia e, ao mesmo tempo, de crítica às insuficiências do desenvolvimento democrático atingido. 21 22 Capítulo 1 “NOVAS ESQUERDAS” E DEMOCRACIA: INTEGRAÇÃO OU CONTESTAÇÃO O processo de democratização dos anos 90 no Cone Sul da América Latina esteve acompanhado por realinhamentos políticos e ideológicos importantes que se manifestaram, num de seus aspectos, numa fase de crescimento eleitoral e integração de correntes de esquerda sob o formato de partidos ou de alianças políticas, e por regras de concorrência e instituições da democracia representativa. Estas esquerdas se transformaram progressivamente em assuntos relevantes em termos de alternativa de poder, capazes de desafiar as elites tradicionais dos sistemas políticos nacionais. A NOVA EMERGÊNCIA DAS ESQUERDAS EM DEMOCRACIA Este realinhamento político e ideológico se processou com algumas características comparativas comuns na região. De fato, produziu-se num contexto de esgotamento dos formatos políticos herdados da “segunda onda democrática” (Huntington, 1995), num período de consolidação das instituições políticas representativas, como também numa etapa de expansão da participação eleitoral e de autonomização crescente do eleitorado com respeito às lealdades partidárias precedentes (Mallo, Moreira, 2000, p. 13). A denominada “terceira onda de democratização” na América Latina (iniciada na década de 80) foi sempre alvo de um amplo debate público e aca- 23 Capítulo 1 dêmico sobre os alcances desta nova fase de implementação de regimes democráticos no continente.1 O primeiro ponto – e também o mais controverso – foi o referido à própria definição de Democracia, realizada no marco de uma crescente recuperação da “teoria empírica da democracia” (derivada das conceituações de Shumpeter e Dahl) na literatura latino-americana. Aquém das diversas implicâncias teóricas do debate acadêmico e de acordo com os objetivos limitados de nosso estudo, será ressaltada também a dimensão processual das democracias, isto é, a análise dos modos de construção das democracias (Terry, 1995, p. 433). Nesse sentido, foram destacadas algumas características comuns desses processos de democratização como, por exemplo: a) a institucionalização de regras pluralistas de concorrência política e de escolha dos quadros de governo; b) a extensão da cidadania política tanto no que se refere ao reconhecimento igualitário dos direitos políticos (“voto universal, livre, direto e secreto”), quanto pela participação política efetiva da maioria absoluta da população adulta; c) a consolidação formal do reconhecimento normativo dos direitos civis dos governados; d) o funcionamento das instituições políticas da democracia liberal; e e) o fato de se tratar de democracias desmilitarizadas,2 o que significou a obtenção do controle civil sobre os militares. Essas características implicaram, por sua vez, uma série de mudanças relevantes em relação ao legado político da “segunda onda”, pelo menos no referido a quatro aspectos: a) a retirada dos militares e dos agentes corporativos da arena política; b) o esgotamento do longo ciclo de crise estrutural – política, econômica e social – das décadas de 60 e de 70; c) uma fase de legitimação 1 A literatura sobre transições é ampla, podendo ser encontrada uma sistematização atualizada em Nohlen Dieter, Thiebaut Bernhard (1994); porém, a despeito dos diferentes enfoques realizados no começo da década de 80, todos coincidiram em outorgar importância explicativa às variáveis internas de mudança no nível de elites, instituições e cultura política. Sobre o tema, pode-se consultar também a revisão de enfoques teóricos realizada por Sofía Respuela (1996, p. 180). 2 Este termo é utilizado no sentido outorgado a ele por A. Rouquié (1984), enquanto um processo de retirada dos militares do poder político, não implicando essa retirada a anulação do poder militar nem a possibilidade de retorno futuro, mas antes o controle civil dos principais pivôs do poder político. 24 “Novas esquerdas” e democracia: integração ou contestação representativa assentada numa efetiva expansão generalizada da participação cidadã;3 d) a consolidação do funcionamento das instituições políticas. No entanto, as experiências da “terceira onda” de democratização na América Latina não foram uniformes no que se refere aos ritmos, avanços e trajetórias nacionais. A despeito disso, os três casos selecionados apresentaram a especificidade de ter avançado na década de 90 para uma fase de “consolidação política democrática emergente”. A democratização dos anos 80 e 90 esteve acompanhada, na América Latina, de realinhamentos dos campos políticos e ideológicos que se exprimiram no plano eleitoral, concentrando-se a atenção, no contexto do presente estudo, nos impactos das referidas mudanças na configuração dos campos ideológicos definidos de esquerda e de centro-esquerda. Em primeiro lugar, ao se compararem os desempenhos políticos com respeito aos períodos históricos prévios à “segunda onda” de democratização e em relação ao período da crise, marcado por emergentes autoritários nas décadas de 60 e 70, constatou-se um avanço eleitoral das correntes e dos partidos localizados nitidamente na esquerda. Assim, enquanto que no período 1945-1960, a representação eleitoral da esquerda atingia apenas 4,1% em toda a América Latina, no período 1980-1995 essa porcentagem se duplicou, passando para 9,7% das adesões eleitorais (vide Tabela 1, a seguir). A este avanço eleitoral correspondeu uma ex3 A extensão dos direitos eleitorais não foi simplesmente retórica institucional, traduzindo-se também em padrões diferenciais de comportamento eleitoral (Nohlen, 1994). Assim, foi possível observar que entre 1920 e 1930 a participação política na Argentina e no Uruguai envolvia respectivamente 8,5% e 13,8% da população, enquanto que, no Brasil, a mesma não superava 3,5% de sua população. Desde 1950 até inícios dos anos 60, as médias para a Argentina (apesar das restrições impostas à concorrência eleitoral) e para o Uruguai aumentaram para 43% e 38,3% respectivamente, enquanto que no mesmo período, no Brasil, a participação eleitoral chegou apenas a 18,2% da população. Só em finais da década de 1980, os três países atingiram um nível similar de participação eleitoral: 50% ou mais da população (com garantias de sufrágio totalmente livre, sem restrição no padrão eleitoral e com uma participação efetiva superior a 70% dos inscritos). Os processos de extensão efetiva da participação cidadã e a aceitação progressiva da concorrência eleitoral, enquanto mecanismo legítimo para a resolução de debates e disputas de poder, dependeram não apenas de formatos institucionais, mas, principalmente, de consensos entre os atores principais quanto à construção das democracias. 25 Capítulo 1 Tabela 1: Evolução do peso eleitoral dos blocos de centro-esquerda e de esquerda na América Latina (1945-1995). % média de votos válidos obtidos em eleições parlamentares Países Períodos 1945 – 1960 1961 – 1979 1980 – 1995 Blocos Argentina Centro-esquerda Esquerda 10,2 1,1 5,9 17 7,7 1,7 Bolívia Centro-esquerda Esquerda 82,1 1,6 45,4 3,8 19,5 9,8 Brasil Centro-esquerda Esquerda 16,8 2,5 5,2 - 12,5 9,7 Chile Centro-esquerda Esquerda 20,1 16,7 3,8 33,8 26,4 7 Colômbia Centro-esquerda Esquerda 1,1 0,9 3,2 8,4 Costa Rica Centro-esquerda Esquerda 30,2 - 47,8 4,9 47,4 5,6 Equador Centro-esquerda Esquerda 7,6 6,1 3,3 16,9 14,1 México Centro-esquerda Esquerda - 23,3 3,1 7,1 6,4 Peru Centro-esquerda Esquerda 67 - 61 11,4 23,6 11,4 Uruguai Centro-esquerda Esquerda 47,1 5,8 33,3 10,3 4,7 24,4 Venezuela Centro-esquerda Esquerda 78,2 4,9 53,9 5,4 51,5 7,9 América Latina Centro-esquerda Esquerda 35,2 4,1 26 8,5 20 9,7 Média de eleições 3,5 4,5 4,6 Fonte: elaborado com base na Coppedge, 1997. pansão das oportunidades institucionais de participação política exprimida no incremento sistemático da quantidade de eleições em cada período. Da mesma forma, esta crescente importância do campo da esquerda esteve acompanhada por uma relativa diminuição global do espaço ocupado pelos blocos de centro-esquerda. Como ilustração, enquanto que no período 1945-1960 26 “Novas esquerdas” e democracia: integração ou contestação as opções de centro-esquerda obtiveram 35,2% das preferências dos eleitores latino-americanos, no período 1980-1995 essas preferências se reduziram a 20% dos votantes. O retrocesso e o avanço dos blocos variou de acordo com os casos nacionais, o que esteve ligado em boa medida ao grau de esgotamento ou vitalidade de experiências populistas ou neopopulistas (exemplos notórios foram os constituídos pelos casos do Peru, da Bolívia, do México e da Venezuela). As trajetórias das esquerdas no ciclo histórico mais recente não foram homogêneas, apresentando pelo menos duas modalidades de expansão no campo político eleitoral. De um lado, surgiram agentes e correntes de esquerda que se constituíram como blocos autônomos, consistentes na procura de uma alternativa de poder – as trajetórias das esquerdas no Brasil e no Uruguai foram exemplos claros dos mesmos –; e, de outro lado, produziu-se a reconversão de um setor das esquerdas mediante um progressivo deslocamento das correntes de esquerda mais radicais para a hegemonia dos setores de centroesquerda, como estratégia de acesso mais rápido ao governo e de estabelecimento de alianças mais amplas com setores do sistema político tradicional – a Argentina e o Chile representam exemplos típicos deste fenômeno –. A fim de analisar mais profundamente os alcances e o sentido desses realinhamentos ideológicos e históricos, consideraram-se os casos da Argentina, do Brasil e do Uruguai enquanto exemplos de dois tipos de trajetórias no contexto de processos mais gerais que se produziram em toda a região. VELHAS E NOVAS QUESTÕES PARA A ESQUERDA E CENTRO-ESQUERDA A seleção de amplos setores de esquerdas latino-americanas “realmente existentes” e com uma alta “representatividade” e impacto dentro das três democracias do Cone Sul constituiu um exemplo de incorporação das esquerdas ao sistema político desde dois campos ideológicos com elementos comuns, mas também com fronteiras bastante nítidas, o centro-esquerda e a esquerda. As distâncias entre ambos os campos podem ser explicadas a partir de cinco variáveis-chave de diferenciação que explicitam, em boa medida, o sentido da comparação. 27 Capítulo 1 O primeiro elemento de diferenciação das fronteiras ideológicas foi a ruptura com a tradição. A configuração mais firme das identidades de esquerda se realizou através de uma ruptura fundacional bem marcada em relação aos representantes das elites políticas tradicionais; pelo contrário, a emergência de correntes de centro-esquerda enquanto alternativa política atenuou o conflito com respeito aos setores políticos tradicionais apontando a conveniência de manter a negociação e o acordo com os mesmos. Outro fator de diferenciação foi a relação com o sindicalismo, sendo que, para as esquerdas latino-americanas clássicas, em suas diversas expressões concretas, tal relação, por constituir um elemento de identidade ideológica, representa um vínculo originário com setores organizados das classes trabalhadoras; enquanto isso, no caso do centro-esquerda, essa ligação direta foi distanciada, autonomizando mais a ação dos elencos políticos. A terceira variável de divisão de águas entre esquerda e centro-esquerda foi a relação com os movimentos sociais organizados. Para a primeira, a relação referida foi uma vinculação social necessária para a canalização política dos diversos interesses coletivos da sociedade, enquanto que no caso do centro-esquerda salientou-se a procura de “novos movimentos sociais” – diferenciados dos clássicos, principalmente do sindicalismo – cujos traços principais seriam a expressão de interesses mais difusos, heterogêneos e flutuantes, de sociedade civil, o que supôs também uma maior autonomia entre quadros políticos e movimentos sociais. Outro fator relevante para a compreensão das diferenças entre os espaços das esquerdas e os de centro-esquerda foi a postura em relação aos processos de institucionalização partidária e autonomização das elites políticas. As esquerdas foram mais afins a tradições de conformação de organizações de partidos de massas fortemente articulados internamente, e com vínculos em direção a organizações sociais coletivas – especialmente sindicais –; em contraste, as correntes de centro-esquerda pregaram a conveniência de estabelecer organizações políticas mais flexíveis que permitissem uma maior autonomia de ação aos elencos políticos dirigentes. O último aspecto a apontar com respeito às fronteiras ideológicas foi a função que as mesmas desempenharam, no sistema político, em relação à oposição ou coabitação com o governo nacional. Para as esquerdas clássicas a tradição de oposição política parlamentar – e extra-parlamentar no social – foi 28 “Novas esquerdas” e democracia: integração ou contestação sempre um elemento de definição ideológica devido, em boa medida, às experiências históricas de contestação dentro do sistema político; no outro extremo, as correntes de centro-esquerda enfatizaram a construção de uma oposição com perspectiva de atingir o governo, propondo, em função desse objetivo, uma alternativa através de coabitação, negociação e aliança com setores políticos tradicionais, no governo nacional. Além das distâncias entre os campos de esquerda e de centro-esquerda, o caminho da inserção das esquerdas nos processos recentes de democratização colocou uma série de novos desafios comuns a serem levados em conta e que justificaram a perspectiva de pesquisa comparada. Apenas a efeitos de antecipar algumas questões abertas sobre o debate das fronteiras ideológicas e sua adaptação a um contexto histórico cambiante apresentamos os seguintes pontos: primeiro, porque o crescimento do espaço das esquerdas supôs um processo de assimilação e redefinição das identidades políticas tradicionais nacionais; segundo, as transformações sociais estruturais reduziram o poder de influência política e social dos sindicatos; terceiro, as mudanças para uma sociedade fragmentada interpelaram as esquerdas em sua potencialidade de articular as novas questões sociais; quarto, a consolidação das instituições políticas acarretou uma crescente autonomização das elites políticas; e, por último, a opção nesta etapa pela estratégia eleitoral teve como resultado o acesso a cotas de poder político local, o que obrigou as esquerdas a redefinir as relações entre governo e oposição, dentro do sistema político. Assim, a incorporação das esquerdas “realmente existentes” ao jogo da democracia representativa latino-americana, de acordo com a literatura acadêmica selecionada, mostrou um tipo de vinculação diferente e mais complexa do que a proposta nas análises teóricas institucionalistas clássicas. Longe de constituir um agente marginal ou anti-sistema, o setor majoritário das mesmas foi ator relevante no processo de construção das novas democracias. A opção pela integração institucional implicou mudanças relevantes dentro das esquerdas e sobre os processos políticos. Com efeito, a análise das novas esquerdas na fase de democratização recente mostra que as mesmas foram atores relevantes para entender tanto as mudanças da política quanto a nova agenda social das democracias emergentes. Desta forma, os novos espaços gerados desde a oposição e a dissensão, longe de conterem o sentido de negação anti-sistêmica atribuído vulgarmente a 29 Capítulo 1 eles pelas perspectivas neoinstitucionalistas,4 constituíram-se num elemento medular para a contribuição em prol da difícil construção de uma Democracia com bases sociais amplas, em termos de desejabilidade e legitimação democrática. Como contribuíram as novas esquerdas para a consolidação das estruturas políticas democráticas? Em termos gerais, favoreceram a reconstrução e adaptação dos novos sistemas partidários nos processos de democratização mediante a utilização e o fortalecimento dos mecanismos de representação, de integração social e de agregação de interesses coletivos. Desde os inícios dos processos de transição nos anos 80, os partidos políticos foram desempenhando um papel de atores relevantes na construção das democracias, sendo analisado este renascimento partidário, inclusive na academia em geral, sob uma perspectiva otimista, enquanto aparecimento de atores-chave para construção e funcionamento democráticos. Sem menosprezar esta conquista das nascentes democracias,5 essa adaptação partidária das instituições democráticas se produziu através de uma profunda mudan4 O limitador dos enfoques politológicos institucionalistas “tradicionais” (desde Weber e Michels, até Huntington ou Sartori), para compreender o papel das esquerdas, foi a redução da problemática a uma inadequação funcional ou precarização da institucionalização política das esquerdas nas democracias liberais pluralistas, em termos de “falta de compromisso democrático” ou de exigências de “moderação ideológica”. Além disso, estes enfoques tiveram uma interpretação dual da possibilidade de “institucionalização” dos agentes de esquerda dos conflitos e interesses sociais. De um lado, a vinculação direta de partidos de esquerda e classes ou organizações de interesses foi negativamente interpretada como elemento de “desestabilização” dos sistemas políticos, seja por um incentivo “excessivo” à participação popular, seja pela potencialidade de emergência de conflitos sociais que questionassem a ordem social. De outro lado, a possibilidade dos agentes de esquerda de canalização dos conflitos e interesses sociais foi valorada positivamente como uma forma de dar fundamento popular aos regimes democráticos. As insuficiências explicativas se relacionaram também com uma defasagem entre a reflexão teórica e às mudanças de contexto histórico de integração das esquerdas nas democracias latino-americanas. Por isso, a importância de estudar os comportamentos dos atores para a estabilidade dos regimes democráticos foi especialmente sublinhada por Gerardo Munck (1996, p. 208). 5 Não podemos esquecer que enquanto uma parte importante dos países da América do Sul passou por um padrão de consolidação, principalmente no Cone Sul, muitos deles seguiram um padrão inverso de “informalização da política” e de decadência partidária no oeste da América do Sul – o exemplo paradigmático é o caso peruano. 30 “Novas esquerdas” e democracia: integração ou contestação ça da estrutura dos sistemas partidários. Nesse sentido, acreditamos que o estudo da emergência de novas esquerdas permita chegar ao esclarecimento sobre uma parte importante de como os partidos estruturaram mecanismos inovadores de mediação sócio-política para a institucionalização das regras de jogo democráticas. As esquerdas fortaleceram os mecanismos de representação política promovendo a participação cidadã direta ampliada para o processo eleitoral. Ativaram também identidades e lealdades partidárias, proporcionando ofertas de candidatos e programas alternativos. A formação e o desenvolvimento das novas opções em direção à esquerda estiveram estreitamente ligados à integração às regras e formas de concorrência político-eleitoral, reforçando as estratégias de ampliação de alianças por meio das Coligações de Partidos e Partidos de Coligações. Da mesma maneira, a formação destas alternativas organizacionais proporcionou canais políticos (não violentos) para a militância ativa, críticas às deficiências institucionais, estimulando, aliás, o uso da mídia na legitimação dos discursos e líderes, utilizando também a reivindicação de uma “ética” de governo e do âmbito político estatal. Nesse sentido, constituíram um fator de contenção para a emergência de movimentos ou atores anti-políticos que poderiam ter tolhido os processos de democratização. A fundação ou refundação das esquerdas mostrou uma capacidade de inovação política relevante em termos da criação de estruturas partidárias sem antecedentes nos sistemas partidários precedentes e também pela possibilidade de incorporar certa renovação de camadas dirigentes e de líderes políticos. Esses atores, por sua vez, se constituíram em novos sujeitos políticos com identidades próprias e com um estilo de mediação específica nos processos políticos concretos. A emergência desses atores implicou uma ruptura dos realinhamentos de organização política tradicional mas favoreceu também a reconstrução e adaptação de um novo sistema partidário. A reestruturação de novas polarizações ideológico-discursivas e de clivagens sociais que representassem os atores emergentes, desde a esquerda do sistema político, não implicou uma ruptura ou fragmentação sistêmica; pelo contrário, fortaleceu os mecanismos de mediação sócio-política, enriquecendo a agregação de interesses dos sistemas partidários. 31 Capítulo 1 O desenvolvimento das esquerdas nessa fase histórica permitiu direcionar institucionalmente o descontentamento popular, inaugurando alternativas para a participação cidadã e partidária dentro do sistema político. A opção pela via eleitoral se transformou num cenário privilegiado para a determinação de relações de forças entre partidos ou grupos em concorrência como também para a resolução de temas polêmicos em conjunturas específicas, além de promover mudanças nos sistemas partidários. A ênfase outorgada pelas propostas das novas esquerdas à participação cidadã democrática ativa e ampliada teve como objetivo avançar nos conteúdos de cidadania social das democracias emergentes. Outra contribuição fundamental das esquerdas, nessa fase histórica, consistiu na capacidade de crítica, em relação ao sistema político, dos déficits com respeito à qualidade das democracias instituídas.6 Nos três casos analisados, as esquerdas canalizaram conflitos e demandas sobre temas medulares da democratização, agindo também na mediação da redução dos déficits ou custos prejudiciais da governabilidade das instituições políticas, que serviram, paradoxalmente, para a construção e aceitação das regras do jogo da democracia liberal. Embora os temas variassem de acordo com os ritmos de cada processo de democratização, pelo menos três deles foram particularmente destacados: as fraquezas nos mecanismos de resolução da temática dos Direitos Humanos e dos legados de repressão autoritária; a crítica à redução privatista do Estado e aos mecanismos obscuros que fomentaram a aparição de formas de corrupção governamental; e a situação da agenda social pendente, agravada pelos custos sociais das políticas econômicas neoliberais. Da mesma forma, as esquerdas se constituíram em porta-vozes, em “tri7 bunos” das demandas coletivas da sociedade civil. Com efeito, em todos os ca6 Lembremos os enfoques que assinalavam a relevância da “qualidade”, “responsabilidade horizontal” e “desempenho” das instituições democráticas em relação aos problemas “substantivos” enquanto dimensões-chave para a consolidação futura dos regimes democráticos. Cabe citar, entre os autores mais destacados que apontaram esta questão, O’Donnell (1993, p. 72), Mainwaring, O’Donnell, Valenzuela (1992). 7 A importância do papel tribunício dos partidos socialistas na integração das classes subalternas ao sistema político foi analisada por Lavau (1971). 32 “Novas esquerdas” e democracia: integração ou contestação sos foi identificado o desempenho deste papel tribunício – embora com diferenças de ritmo e ênfase em consonância com cada processo nacional – manifesto na preocupação de expressão em relação ao mundo das instituições políticas através da voz e no pedido de reconhecimento dos direitos dos grupos sociais excluídos ou prejudicados pelos déficits produzidos pelos imperativos de governabilidade das democracias nascentes. A modalidade tribunícia alude a um estilo de ação política que, fazendo uso dos mecanismos de participação e de representação habilitados pelas instituições políticas, ocupou cotas de poder sobre a administração estatal, servindo de veto e contrapeso ao uso arbitrário do poder público ou aos excessos de centralização da autoridade pública. O paralelismo com a antiga figura do tribuno resulta útil a fim de mostrar também o ingresso para o sistema político de um tipo de elite política provinda ou muito próxima aos grupos sociais “plebeus”, “populares”, mais desprotegidos da estrutura social. Esses atores impulsionaram a criação de mecanismos de integração social dos setores mais desprotegidos mediante a articulação de uma oposição legal enquanto crítica às formas de concentração de poder político ou econômico e aos mecanismos de desigualdade ou de exclusão social. Destarte, proclamaram-se porta-vozes dos direitos de cidadania social e da expressão do “descontentamento popular” de grupos sociais dominados por causa dos custos e déficits sociais dos processos de democratização. Além disso, estas esquerdas exerceram influência na capacidade efetiva de articular interesses de setores populares, abrindo canais para a transmissão das demandas coletivas, para o estímulo à organização e à participação coletiva, introduzindo a temática social na formulação da agenda das políticas públicas e propondo iniciativas de “reorientação” dos recursos públicos a fim de reduzir as desigualdades materiais imediatas. Em síntese, o desenvolvimento das esquerdas nessa fase histórica ampliou e enriqueceu a complexidade, a capacidade e o conteúdo da mediação política entre Estado e Sociedade. Porém, nem todos os atores atingiram o mesmo grau de influência sobre as instituições políticas devido às diferentes condições externas de desenvolvimento em cada um dos sistemas políticos nacionais, como também pela especificidade das diversas trajetórias históricas de cada ator concreto. 33 Capítulo 1 Pode parecer uma tarefa fácil, do ponto de vista de um observador quotidiano, observar as diferenças notórias entre as diversas “novas” esquerdas; no entanto, a referida tarefa requere um esforço adicional de realizar uma análise comparativa do acervo de saberes “nacionais” acumulados das comunidades científicas e pesquisas concretas. Se resulta difícil o consenso acadêmico acerca de uma definição da noção de “esquerda”,8 talvez seja um pouco mais fácil identificar, entre os estudos existentes, quais foram os fatores contextuais sócio-históricos que incidiram na forma de desenvolvimento dos atores nacionais da esquerda. Nesse sentido, foram salientados dois tipos de fatores, os referidos à situação histórica de origem (momento da formulação da configuração organizacional e do processo de invenção de uma nova identidade política nacional) e, de outro lado, a variabilidade da dinâmica dos processos de democratização nos anos 80 e 90. Apesar da relativa simultaneidade “cronológica” no crescimento do espaço político-eleitoral de correntes de esquerda no nível nacional, o mesmo teve, como origem, itinerários históricos diferentes. A despeito disso, nos três casos selecionados, o surgimento das esquerdas enquanto ator marcadamente relevantes na cena política esteve atravessado por um contexto de crise, ruptura ou reacomodação do sistema partidário tradicional. A conformação na Argentina de um espaço próprio de centro-esquerda se deu mediante a Frente País Solidário, o ator de criação mais recente, resultado de um incipiente processo de consolidação democrática nos anos 90, após um profundo período de crise econômica, surgindo assim num tempo de déficit de credibilidade ou de desengano em relação às duas tradições políticas (peronismo e radicalismo) que estruturaram a dinâmica política desde a década de 1940. O ingresso de um terceiro em discórdia se realizou por meio da inclusão de novas clivagens, de uma parte pela incorporação de correntes de esquerda socialista – embora com um peso notadamente inferior ao dos atores uruguaios ou brasileiros – e, de outra, pela forte presença da clivagem ética mediática de tom republicano de um setor cindido do peronismo. 8 Por isso, preferimos utilizar um termo operacional posicional – mais do que substantivo – para fazer referência a atores que se localizam à esquerda do sistema político num período histórico concreto, sendo assim percebido pelo resto dos atores. 34 “Novas esquerdas” e democracia: integração ou contestação As novas esquerdas brasileiras surgiram no contexto de abertura política e redemocratização, incorporando-se no novo marco pluripartidarista, adotando um perfil nitidamente opositor, com respeito à transição conservadora. A fundação do Partido dos Trabalhadores foi de ruptura num momento de crise de participação postergada, em finais dos anos 70, por um processo de transição democrática conservador e elitista. O sentido de ruptura ou alheamento introduzido pelo PT se produziu pela contraposição com o padrão de conformação da classe política tradicional. Também a incorporação, pela primeira vez, de um partido de massas de esquerda socialista teve um forte impacto político devido à ampla capacidade de articulação com os movimentos sociais, principalmente com os sindicatos de trabalhadores – o movimento mais orgânico de todos os analisados – e à auto-reivindicação enquanto porta-voz autônomo dos direitos da classe trabalhadora. Na mesma conjuntura histórica, a refundação do Partido Trabalhista teve um signo tanto de resistência ao autoritarismo quanto de reinvenção da tradição de esquerda varguista. Esse projeto se reivindicou pela continuidade com respeito ao passado de um tipo de liderança, de uma história de lutas e conquistas populares, e de um modelo de desenvolvimento nacional. Da mesma forma, incorporou novas bandeiras do campo da esquerda, como a afiliação ao movimento socialista internacional, tendo como referente principal a social-democracia européia, a defesa dos direitos de minorias sociais excluídas e a valorização da democracia como marco político para avançar no campo social. A refundação do Partido Socialista Brasileiro produziu-se um pouco depois do que nos casos anteriores, tratando-se de um partido pequeno, mas com bases regionais bastante estendidas. Este projeto se constituiu como um partido com forte definição ideológica socialista, com alguns líderes populares regionais preenchendo um crescente espaço político, no âmbito do centro-esquerda. A Frente Ampla uruguaia é, dos casos selecionados, a que possui raízes mais longínquas e ao mesmo tempo mais orgânicas, vinculando-se sua emergência a um contexto de crise estrutural do sistema político democrático (um sistema partidário dos mais antigos e estáveis da América Latina) em inícios da década de 70. O sentido da ruptura com respeito às tradições políticas acarretou conseqüências profundas e duradouras, estabelecendo pela 35 Capítulo 1 primeira vez um terceiro pólo de oposição político alternativo que deu lugar a uma ampla aliança de diversos setores políticos com a participação das correntes de esquerda socialista clássica junto com a canalização de uma intensa mobilização coletiva de atores sociais – com destaque para os sindicatos de trabalhadores e de estudantes – e com a forte capacidade de convocação ativa à participação política. Em relação à forma de desenvolvimento das novas esquerdas, foram decisivas as condicionantes externas e as mudanças internas registradas nos modos de democratização, nos ritmos de crescimento, com também nos principais marcos históricos ou acontecimentos cruciais. De uma parte, existiram condicionantes estruturais herdadas da configuração de cada um dos sistemas políticos e sociais enquanto modelos de desenvolvimento nacionais diferentes, com lineamentos variáveis de exclusão política e social. No plano político, o contraste mais marcante se dá entre o Brasil e a Argentina, que tiveram escassas ou abortadas experiências antecedentes de participação democrática, enquanto que o sistema político uruguaio mostrou maiores lineamentos de inclusão e participação, principalmente na primeira metade do século 20. Quanto à dimensão social, a situação mais divergente foi a constatada entre os lineamentos marcadamente iníquos do Brasil em relação aos sistemas sociais relativamente igualitários da Argentina e do Uruguai, no contexto latino-americano. Nesse sentido, o legado do regime autoritário em termos de graus de repressão sobre a sociedade e de custos sociais foi determinante em cada país de relevância assumida pelos temas políticos e éticos e pelas questões de participação e de agenda social “pendentes”. Apesar das distâncias sócio-políticas nos processos simultâneos de democratização durante as duas últimas décadas, registraram-se mudanças de longo prazo na institucionalização dos sistemas partidários e na implementação de reformas estruturais, econômicas e do Estado sob a hegemonia ideológica do neoliberalismo econômico que abriram oportunidades de desenvolvimento para o crescimento de opções para a esquerda. As formas de desenvolvimento das esquerdas, nessa fase, dependeram também do ritmo e da modalidade em que foram sendo resolvidas as temáticas das diversas etapas de transição democrática. Pode-se afirmar que o crescimento dos espaços políticos das esquerdas se registrou fundamentalmente como 36 “Novas esquerdas” e democracia: integração ou contestação conseqüência da finalização dos processos de transição ou, em outras palavras, que os processos de consolidação das instituições políticas favoreceram as margens de ação em direção à esquerda. A isto deve ser acrescentado que o sucesso ou fracasso dessas correntes dependeu, em boa medida, de como foram capitalizadas as estratégias utilizadas em diversas instâncias ou acontecimentos medulares da democratização como, por exemplo, o posicionamento em relação ao modo de transição para um governo democrático e, numa segunda fase, as formas de resolução da temática dos Direitos Humanos, do papel dos Militares e dos movimentos ex-guerrilheiros; e também dos realinhamentos políticos decorrentes do posicionamento com respeito à implementação das reformas econômicas e políticas estruturais de signo neoliberal. Outro grupo de fatores de mudança que incidiu no desenvolvimento destes atores foi o correspondente às transformações internas que foram estruturando um deslocamento na modalidade de concorrência política em direção ao centro ou à esquerda do sistema político. Nesse sentido, apontaramse como variáveis intervenientes os vínculos mais lassos com as organizações coletivas populares, principalmente dos sindicatos de trabalhadores; o peso político de tradições pré-existentes de esquerda clássica de tipo socialista e os impactos da mudança no clima de moderação ideológica no nível internacional; o legado populista precedente – influência do movimento antipartidário e das lideranças carismáticas –; os processos de reconversão para uma maior democratização interna das organizações partidárias; a crescente influência das lideranças carismáticas e a flexibilização das organizações partidárias no sentido de ocultar as alianças políticas com o alvo de otimizar os resultados na arena eleitoral. Porém, este processo de crescente integração das esquerdas na arena político-institucional trouxe novos desafios para a redefinição ideológica das mesmas como também para a afirmação das democracias emergentes. Os avanços relativos de participação política das “novas esquerdas” na “terceira onda” de democratização na América Latina, longe de serem harmônicos, podem ser catalogados como um tipo de integração parcial9 ou semi9 O termo foi utilizado, para o caso uruguaio, por Constanza Moreira (1997) considerando-se a seguir o sentido original, embora com algumas extensões e conseqüências que ampliam esse significado primário. 37 Capítulo 1 plena ao sistema político. Vários elementos apontaram nessa direção. No nível político-institucional, o crescimento do peso eleitoral e a aceitação das regras de concorrência institucional ficaram ainda muito longe de uma influência proporcional nas instituições políticas de governo. Da mesma forma, a revalorização da democracia esteve mediada mais pela rejeição em relação às experiências autoritárias passadas do que pelas conquistas significativas em termos de maiores possibilidades de participação democrática e transparência no funcionamento do poder estatal, o que deixa em aberto a possibilidade de ressurgimento de atitudes “anti-políticas” ou de desengano. No que se refere à economia, os desafios e tensões também ficaram longe de serem resolvidos; de um lado, a “moderação programática” e “ideológica” no que diz respeito à “necessidade” de mudanças “estruturais” foi favorecida pelas mudanças de contextos no nível internacional, de reestruturação dos blocos econômicos dominantes pela crise das economias de “socialismo real”, pela hegemonia do pensamento neoconservador e neoliberal, pela perda de influência das teorias marxistas – revolucionárias e ortodoxas – para dar conta das mudanças sociais e políticas contemporâneas e, em boa medida, pela mudança nas estruturas sociais nacionais, nas quais foram desestruturadas as bases tradicionais do mundo do trabalho, unindo-se a isso uma influência maior do capital transnacional e a globalização da vida social (Vilas, 1998). Entretanto, esta “moderação” das críticas aos efeitos econômicos do sistema capitalista não se traduziu na elaboração de modelos ou políticas econômicas alternativos claros e consistentes. As dificuldades na esfera social não foram menores. De uma parte, a aceitação do regime capitalista e a Democracia se realizaram junto com a convivência com níveis crescentes e magnitudes consideráveis de setores sociais afetados por sua situação de exclusão, pobreza e vulnerabilidade social (obviamente levando em conta os legados diferenciais de cada modelo de desenvolvimento nacional precedente). Outra tensão não resolvida para a nova esquerda foi relativa à dissociação entre os crescentes requerimentos da política partidária institucional e o legado das tradições e organizações e mobilização social num período de retração de seu peso e influência, principalmente no que se refere aos sindicatos de trabalhadores. Essa tensão não se limitou à formação de quadros dirigentes, houve uma maior defasagem nas bases sociais destes atores que os distan- 38 “Novas esquerdas” e democracia: integração ou contestação cia ainda mais dos vínculos classistas em direção a uma crescente fragmentação e heterogeneidade dos apoios sociais, acrescentando por sua vez uma maior incerteza no que se refere às lealdades eleitorais e à desterritorialização das demandas sociais. Em suma, a agência social “pendente”, mais ampla e heterogênea, dos novos atores de centro-esquerda foi ao mesmo tempo produto e conseqüência dos resultados sociais insuficientes e dos déficits institucionais das democracias latino-americanas. A mudança da política e das democracias latino-americanas dos anos 90 esteve marcada pelos desafios derivados das transformações estruturais da economia, da sociedade e da cultura. Mas os impactos da incorporação das esquerdas latino-americanas no âmbito político institucional não apenas estiveram atravessados por seu posicionamento ideológico perante as profundas mudanças sociais e os limitadores do desenvolvimento das democracias emergentes, como também por um contexto internacional de debate e reconversão ideológica das identidades socialistas e sobre o sentido das definições das esquerdas a partir dos efeitos da crise do socialismo real em 1989. A quebra da bipolarização ideológica do pós-guerra significou um ponto de inflexão muito forte na redefinição da polarização de direita e de esquerda, dando lugar a um amplo debate em relação aos sentidos de tal redefinição. A reação mais imediata perante tal contexto de incerteza foi a resistência da identidade do campo socialista, postulando um retorno nostálgico para as experiências passadas não-soviéticas de sucesso de projetos socialistas, social-democratas ou comunistas. Embora viável no imediato, esta saída não esteve isenta de múltiplos empecilhos próprios das mudanças sociais estruturais da época, como foi apontado por vários autores (Fitoussi, Rosanvallon, 1997, p. 163; Bosseti, 1996, p. 21-22). As transformações sociais teriam corroído as bases sociais e as formas de representação política desses projetos, deixando pendente a questão da redefinição da utopia socialista. Uma segunda resposta a esta problemática foi a defesa da manuteção dos princípios fundamentais de configuração da polarização direita-esquerda, embora adaptada a novos contextos sociais e históricos. Talvez, um bom exemplo desta postura seja a formulação realizada por Bobbio (1995). Sob sua perspectiva, existiram muitos argumentos para a reafirmação do vigor de tal dicotomia, sendo o primeiro deles que o sentido original da Revolução Fran- 39 Capítulo 1 cesa de definição espacial de dois campos políticos antagônicos continuou constituindo um critério orientador dos atores dentro dos sistemas políticos. Embora a variedade de clivagens possíveis da referida polarização (progressista/conservador, oposição/governo, radicais/moderados, comunistas/liberais, igualdade/desigualdade, classes populares/classes altas, liberdade/autoridade, etc.) pudesse mudar, o critério de diferenciação principal continua sendo que as esquerdas assumiram posições mais igualitárias versus as direitas que persistiram na conservação das desigualdades sociais existentes. Além da pertinência do critério principal, deixo pendente a questão da suficiência do mesmo a fim de compreender as transformações em andamento, principalmente a multidimensionalidade e cruzamentos entre as diferentes clivagens sóciopolíticas. Da mesma forma, em boa medida, a reformulação da esquerda residiu, sob a perspectiva do autor, na nova articulação entre os princípios de igualdade e liberdade. De outros pontos de vista, a colocação foi mais radical; segundo ele, as conseqüências da globalização e da modernização tardia levaram a um esgotamento das ideologias políticas herdadas – socialismo e conservadorismo – (Giddens, 1996, p. 19) perdendo os termos de “esquerda” e “direita” seus significados originais, o que tornou necessária uma superação através da formulação de uma nova via política que atendesse os problemas próprios das sociedades globalizadas. Nesse sentido, os traços da política alternativa colocaram em primeiro plano a necessidade de ampliação do espaço público entre Estado e Mercado, através da radicalização democratizadora da “democracia dialógica” em termos de ampliação da representação de interesses e do diálogo como processo de regulação das relações e formas de poder nas diversas esferas da sociedade. A quarta maneira de abordar a problemática consistiu no que poderia ser denominado reconversão ideológica e adaptação das esquerdas ao novo contexto sócio-histórico. A resposta neste caso não pretende esgotar o debate ideológico para uma alternativa prescrita ideológica do que deveria ser, mas antes recuperar, através das “esquerdas empiricamente existentes”, uma reflexão sistemática sobre os recursos sociais que mobilizaram as esquerdas (Bossetti, 1996, p. 17) e sobre como se adaptaram os sujeitos concretos às novas condicionantes históricas. 40 “Novas esquerdas” e democracia: integração ou contestação Desta forma, a análise dos modos de reconversão das esquerdas incorporou uma ampla gama de temáticas novas e abertas. Como exemplos não taxativos, em primeiro lugar, a valorização da moral e da ética pública da práxis política unida à revalorização da democracia e do pluralismo. Em segundo lugar, a recolocação dos limites do estado de bem-estar em sua possibilidade de redistribuição da riqueza, assim como de controle do mercado como fonte de desigualdade social. Neste nível, o debate implicou uma rediscussão das fronteiras entre socialismo e liberalismo. Terceiro, a crise da sociedade salarial e do mundo do trabalho acarretou um debate sobre o papel clássico do movimento operário na tradição socialista, como também da incorporação de novos movimentos sociais no marco de sociedades cada vez mais desagregadas e fragmentadas. Quarto, a reivindicação da sensibilidade social na tradição de esquerda, a postura para o igualitarismo e a solidariedade social junto com o discurso emancipador da universalização de direitos e da inclusão social. Cabe assinalar que, além das diversas alternativas ensaiadas, este contexto de reconversão ideológica da identidade das esquerdas colocou em primeiro plano a questão democrática e a revalorização da prática política no discurso das mesmas. No presente estudo, optou-se por enfatizar o tipo de abordagem que procura recuperar as trajetórias históricas geracionais das esquerdas (Sader, 1995, p. 18; Castañeda, 1993) no intuito de poder responder, pelos menos parcialmente, como os sujeitos concretos que se definiram no campo das esquerdas colocaram a reconversão ideológica com respeito às condições sociais estruturais e às formas de desenvolvimento das democracias. 41 Capítulo 2 AS ESQUERDAS E AS TRANSFORMAÇÕES POLÍTICO-ELEITORAIS A incorporação das esquerdas no âmbito político-institucional requererá uma análise histórica comparativa sobre os tipos de sistemas políticos nos quais as mesmas se inseriram e sobre a forma do processo de inclusão nacional. O estudo focaliza-se particularmente no processo de realinhamento político-eleitoral observado durante as décadas de 80 e 90 nos sistemas partidários da Argentina, do Brasil e do Uruguai a fim de mostrar os impactos das mudanças políticas tanto sob uma perspectiva histórica em relação ao legado prévio de desenvolvimento dos sistemas partidários quanto do ponto de vista da reestruturação partidária dos campos político-ideológicos nacionais. OS SISTEMAS POLÍTICOS NACIONAIS EM PERSPECTIVA A ARGENTINA: DO JOGO IMPOSSÍVEL À NORMALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA O sistema político argentino esteve marcado por dicotomias excludentes: ordem oligárquica conservadora/oposição liberal contestatória; ampliação da cidadania/restrição ou controle dos movimentos operários e retalhação dos direitos sociais; peronismo/anti-peronismo; extensão de regras democráticas/bloqueios ou pressões corporativas; oposições impedindo a consolidação 43 Capítulo 2 de um sistema de partidos organizado que pudesse tornar compatíveis as funções de participação ampliada e de agregação de interesses, de um lado, e a direção regular do aparelho estatal e o recrutamento das elites políticas de governo, de outro. A importação do liberalismo europeu vitorioso do século 19 – misturado com uma dose variável de positivismo – deu lugar a modelos de democracia liberal excludentes, com bases sociais restritas, de matriz oligárquica. Em decorrência disto, a participação liberal cidadã reduzida aos grupos de poder esteve em contraposição e tensão permanente com respeito à ampliação democratizadora dos espaços de participação em favor das massas rurais inorgânicas e dos novos setores subalternos organizados, resultantes do processo de modernização e urbanização. A tensão entre liberalização e democratização constitui uma polarização dinamizante da política do século 20. A Argentina da década de 1880 combinou desenvolvimento de riqueza econômica com a estabilidade política própria de um regime liberal excludente. Entretanto, à medida que o processo de modernização social avançava, surgiu uma contradição em relação às resistências internas da “oligarquia tradicional” que se opunha à ampliação política democrática, o que desaguou em processos de instabilidade política crônica pós-1930. Nesse contexto, a formação do sistema partidário posterior a 1946 foi caracterizada como a de um “sistema de duplo partido com intenção dominante” (Grossi, Gritti, 1989), apresentando duas organizações políticas assentadas em torno de lideranças carismáticas, com uma presença das sub-culturas federais e regionais antagônicas, marcada por um “jogo impossível”, no qual não cabiam fórmulas de comparticipação e negociação entre os atores políticos e no que a alternância de governos levou várias vezes à mudança dos regimes de governo. Foi possível constatar também a existência de um sistema com um formato bipartidarista inconcluso integrado por organizações políticas fortes mas apresentando uma matriz de funcionamento instável. A pretensão hegemônica de cada um dos atores exprimiu uma concorrência política que transbordou a arena eleitoral, estendendo-se ao sistema político pelo predomínio no poder, autoproclamando-se aliás como os legítimos representantes da vontade unificada da nação e do povo (prédica movimentista nacional-popular). 44 As esquerdas e as transformações político-eleitorais A União Cívica Radical constituiu essencialmente um movimento contestatório e anti-sistêmico em relação à ordem oligárquica conservadora da Argentina moderna do último terço do século 19 e inícios do século 20. Perante a cristalizada posição de governos elitistas baseados numa democracia restrita, o partido recorreu aos caminhos mais drásticos: os movimentos armados de 1890, 1893 e 1905. Assim, a “revolução”, a “abstenção” e a “intransigência” foram as vias adotadas pelo radicalismo em finais do século passado e primórdios do presente. Destarte, a trajetória do radicalismo enquanto “partido de cidadãos” esteve ligada à procura de incorporação dos setores sociais médios mediante a ampliação no contexto de um projeto político liberal-democrático e a organização do partido político. A conformação de um partido com uma estrutura orgânica própria e permanente de massas é outro traço distintivo do radicalismo, embora ele não pudesse fugir do papel fundamental das lideranças carismáticas nos processos internos da vida partidária e na legitimação pública. Com efeito, a projeção nacional dos líderes se enraíza inexoravelmente na prévia e trabalhosa chefia do partido.1 Com o surgimento do peronismo, primeiro como movimento e mais tarde se transformando em Partido Justicialista, configurar-se-ão os dois pólos antitéticos que definiram a dinâmica dos regimes políticos da Argentina dos últimos cinqüenta anos. O peronismo se constituiu também como um movimento contestatório em relação à ordem oligárquica. Mas, diferentemente do radicalismo, desenvolveu-se numa conjuntura histórico-social mais favorável, incorporando diversas formas de participação e de bases de legitimação. A rebelião contra o regime oligárquico teve lugar em momentos em que o mesmo já se encontrava num processo de decadência e esgotamento econômico e social. O peronismo acrescentou à prédica movimentista nacional a mobilização organizada de setores populares (“a comunidade organizada”) – fundamentalmente da classe operária sindicalizada e das mulheres –, a incorporação de atores políticos não-partidários – militares, burguesia nacional e Igreja – na direção governamental e a confiança na liderança carismática de Perón como símbolo de identidade e de unidade. 1 Sobre a trajetória do partido radical e sua dinâmica no sistema político argentino, pode-se consultar Mallo, Paternain, Serna, 1995, Cap. 3. 45 Capítulo 2 A influência política do peronismo não se limitou ao âmbito institucional, mas, pelo contrário, grande parte de seu poder residiu na potencialidade de mobilização popular, principalmente dos sindicatos e mais tarde dos setores juvenis. Assim, o cenário posterior a 1946 ficou configurado de acordo com dois modelos políticos e sociais dicotômicos: o radicalismo, com sua confiança na moral pública das instituições políticas liberais e na representação política cidadã baseada no respeito à lei; e, de outro lado, o peronismo, representante da participação dos setores populares, da melhora da redistribuição social da riqueza e da mobilização das organizações coletivas de tipo corporativo. A “instabilidade crônica” do sistema político desde 1930 foi ocasionada pela persistente “hegemonia do poder militar” (Rouquié, 1982, p. 13) unida a um período de “estagnação cíclica da economia”. O caráter inconcluso da conformação do sistema bipartidarista terminou de se consolidar com a intervenção do ator militar como protagonista decisivo nas disputas políticas – quer inclinando a balança em favor de uma das partes, quer com pretensões fundacionais de um partido militar – deslegitimando o sistema político legal e militarizando a vida política nacional. Outra característica típica do sistema partidário consistiu na ausência de partidos representantes dos setores conservadores de direita como também na falta de movimentos de esquerda consolidados. A ausência de um partido de direita conservador que pudesse representar os interesses da elite dirigente da oligarquia agropecuária tradicional (fundadora da prosperidade nacional de finais de século 19) foi assinalada como outro dos fatores sócio-políticos determinantes da instabilidade funcional que atravessou o sistema político posterior a 1930 (Rouquié, 1982, p. 45). De outro lado, a emergência e o desenvolvimento da experiência populista peronista quebrou as organizações de esquerda tradicional de tipo socialista e sindical que tinham prosperado nas primeiras décadas do século 20 e as tentativas de criação de um partido laborista. A conformação de um Estado de bem-estar na Argentina reforçará o vínculo do peronismo com as classes populares, diminuindo a margem de sustento social para a emergência de partidos de esquerda. Vários destes traços históricos começaram a se reestruturar em inícios da década de 80. A abertura política apareceu, desde o começo, marcada por 46 As esquerdas e as transformações político-eleitorais estratégias contraditórias entre uma transição política pactuada e uma confrontação entre militares e políticos civis (Portantiero, 1987). Os inícios de uma abertura se produziram através de uma tímida negociação entre o governo e os partidos majoritários (agrupados na Multipartidária) em julho de 1981, processo interrompido em dezembro pelo deslocamento do setor militar moderado do governo e pela decisão de invasão militar às Ilhas Malvinas no dia 2 de abril de 1982 que neutralizou qualquer avanço político liberalizador.2 Só depois da derrota militar em meados desse ano, os militares se viram pressionados a apresentar um calendário eleitoral e a aprovar um estatuto que permitisse a reorganização dos partidos políticos. Não é exagerado afirmar que o desastre bélico consagrou a transição democrática como a única saída possível para um regime autoritário, dividido, questionado e desprestigiado. A transição para a democracia argentina se localizou num ponto médio entre uma mudança gradual negociada e uma mudança de regime por ruptura ou colapso, sendo a mais típica quanto ao ritmo do processo sóciopolítico, seu caráter descontínuo entre acordos e confrontação, com reiterados avanços e retrocessos. As mudanças abruptas foram desencadeadas por uma tensão entre a negociação no marco das instituições liberais e a mobilização dos interesses coletivos organizados corporativamente. A reinstalação conturbada mas progressiva do sistema de partidos implicou profundas alterações no funcionamento do sistema político que contribuíram para a estabilização das instituições políticas. Apenas a efeitos enumerativos, de 1983 a 1989 foram realizadas dez eleições gerais consecutivas das quais quatro foram destinadas à sucessão do presidente do país de acordo com mecanismos constitucionais e regras que não eram respeitadas desde 1928. A dinâmica do sistema de partidos esteve marcada por uma complexa desconstrução e enfraquecimento do bipartidarismo (assentado desde 1946 na clivagem peronismo/anti-peronismo) enquanto eixo antagônico de conflitos e jogos políticos irreconciliáveis em direção a uma despolarização progressiva e coabitação política (Abal Medina, 1997). Existiram muitos fatores de 2 A guerra militar nacionalista constituiu um acontecimento medular do qual dependeu o resultado da transição. É preciso lembrar que imediatamente após declarada a guerra produziu-se uma adesão mobilizada popular e uma declaração de quase todos os partidos em favor da aventura militar. 47 Capítulo 2 longo prazo que incidiram na transformação das identidades partidárias como, por exemplo, o descrédito e conflito social exprimidos durante o último governo eleito democraticamente antes do golpe de Estado de 1976; o vácuo político deixado pela morte de Perón; a repressão e decadência do regime autoritário militar; a profundidade da crise econômica e os processos de hiperinflação; a crescente autonomia e imprevisibilidade nos comportamentos do eleitorado; os imperativos de governo e suas conseqüências na disciplina partidária e parlamentar; o incremento do peso dos elencos técnicos na gestão das políticas macroeconômicas, etc. (De Riz, 1993). O BRASIL: ENTRE A RESTAURAÇÃO DA TUTORIA ESTATAL SOBRE OS PARTIDOS E A DINÂMICA PARTIDÁRIA A existência de um sistema de partidos diferenciado constitui um fenômeno recente na história do Brasil. Embora houvesse partidos, enquanto organizações políticas, desde 1937, a configuração de um sistema partidário baseado em organizações políticas no nível nacional, ancoradas em bases sociais e eleitorais e com capacidade de disputar cargos públicos em eleições, só foi gerada a partir de finais da República Velha. Repetidas vezes foram assinaladas como características de destaque do sistema partidário sua fraqueza institucional em termos de precariedade, fragilidade e fragmentação interna, como também a descontinuidade temporal das organizações partidárias.3 Um dos aspectos mais peculiares do sistema político brasileiro foi a combinação de uma longa continuidade no funcionamento das instituições parlamentares e dos mecanismos eleitorais para a seleção de elites e de uma descontinuidade contrastante no nível das organizações partidárias. 3 O texto mais citado na esteira dessa postura é o de Bolívar Lamounier e Raquel Meneguello (1986); os autores não hesitam em catalogar o sistema como um caso de “desenvolvimento” partidário. Dentro desta linha interpretativa destaca-se mais recentemente o trabalho comparativo de Scott Mainwaring e Timothy Scully (1994, p. 43-79) que localiza o Brasil entre os sistemas partidários menos institucionalizados da América Latina. 48 As esquerdas e as transformações político-eleitorais As raízes históricas e sociais destas estruturas políticas se encontravam na fortaleza do Estado nacional anterior ao surgimento do sistema partidário (Trindade, 1986, p. 139) enquanto uma variável central para entender as dificuldades e empecilhos na institucionalização da dinâmica partidária nacional. O estudo já clássico de Maria do Carmo Campelo (Campelo de Souza, 1976) analisou pormenorizadamente a influência condicionante dos mecanismos burocráticos estatais de centralização e do governo federal na coesão organizacional dos partidos no nível nacional. Ao papel hegemônico do Estado vinha se acrescentar a presença de ideologias autoritárias antiliberais junto com uma elite dirigente com mentalidade política conservadora e com padrões clientelísticos no referido à canalização de interesses que obstaculizaram a expansão da participação cidadã e a aceitação de regras consensuais de concorrência partidária para a alternância e a ocupação dos elencos de governo mediante eleições. A fragilidade orgânica dos partidos políticos se exprimia em serem originariamente, na sua maioria, criados cupularmente desde a própria dinâmica estatal, limitando as atividades legislativas enquanto âmbito privilegiado de atuação. Outro fator limitante das estruturas políticas brasileiras foi a importação de um liberalismo conservador – continuador da tradição monárquicasendo essa importação lenta, progressiva no decorrer do tempo e concomitante com práticas autoritárias (Trindade, 1985). O “ethos” liberal na política brasileira não superou sua índole conservadora. Com efeito, imbuído pela ideologia monárquica da elite política e pela conformação de um Estado centralista excludente, favoreceu as “atitudes de rejeição perante a participação popular” e o bloqueio à expansão democrática. Destarte, produziu-se uma tendência persistente a reproduzir em longo prazo a identidade de um liberalismo conservador que se adaptou através de mudanças graduais às diversas “ondas” autoritárias e liberalizadoras, marcando um ritmo extremamente lento de participação e mobilização cidadãs. Constitui um ponto de consenso, levando em consideração uma análise global de fatores históricos estruturais, que um sistema de partidos nacionais diferenciado foi desenvolvido após o golpe de Estado de 1945. De fato, a partir desse momento, os partidos se configuraram numa totalidade sistêmica que vai adquirindo maior autonomia, complexidade e densidade em suas regras de funcionamento da concorrência política. O sistema de partidos se 49 Capítulo 2 desenvolveu paralelamente à extensão do sufrágio4 e a mobilização políticoeleitoral da população mediante às estruturas partidárias nacionais e à alteração progressiva da estrutura social (diminuindo seu peso agrário tradicional), absorvendo cada vez mais diversas clivagens sociais. A nacionalização do sistema de partidos se produziu em dois níveis de ação política, o sistema partidário-eleitoral, articulado em relação ao cenário eleitoral, e o sistema partidário-parlamentar, organizado de acordo com os padrões de concorrência na arena parlamentar. O processo de institucionalização progressiva do sistema de partidos se manifestou, até 1964, em quatro dimensões: a) a incorporação das diferenças regionais e de desenvolvimento sócio-econômico como clivagens estruturantes nas disputas eleitorais; b) a consolidação e estabilização dos padrões de concorrência política pelos cargos públicos; c) a articulação complexa entre as diversas categorias de conflitos por meio de uma pluralidade de atores políticos; d) o enraizamento social dos partidos que se transformaram em vias de expressão e de identificação de preferências eleitorais (Lavareda, 1991, p. 21). Outra característica de destaque da dinâmica de partidos é a articulação numa série de sub-sistemas regionais estaduais (Lima Jr., 1983) a partir dos quais foram realizadas diversas coligações partidárias – estaduais e nacionais – de acordo com uma racionalidade contextual no tempo e no espaço segundo a proximidade ideológica e o tamanho dos partidos. Assim, a conformação de partidos nacionais compreendeu o grau de penetração eleitoral e articulação de coligações políticas em diversos níveis nacionais e estaduais. O sistema eleitoral combinou, por sua vez, o sistema majoritário para cargos executivos e o proporcional para cargos legislativos, priorizando a representação dos estados membros da Federação e favorecendo a personalização das bancadas ao conferir ampla autonomia para a eleição individual de candidatos. A aplicação da representação proporcional para a eleição do corpo legislativo foi restrita no contexto das unidades estaduais que exprimiram um nível de agregação de interesses gerais sobre os locais (Kinzo, 1980, p. 127) sendo limitados também os efeitos de proporcionalidade no interior dos estados. 4 Até 1930 a participação geral em eleições não ultrapassava 3,5% da população, expandindo-se a partir de 1945 o eleitorado para 16,2% e atingindo, em 1962, 24,6%. 50 As esquerdas e as transformações político-eleitorais A desproporcionalidade entre estados membros da Federação foi notada fundamentalmente na Câmara de deputados (o Senado se rege pelo princípio de representação partidária de todos os estados) onde foi estabelecido um mínimo de 8 e um máximo de 70 deputados por estado,5 o que levou a uma sobrerepresentação do peso dos estados menores e a uma sub-representação dos maiores. Outro traço a apontar do sistema eleitoral foi a adoção do sistema de lista aberta para a apresentação de candidatos, o que conferiu uma influência enorme ao eleitor em relação à determinação da ordem interna dos partidos. A autonomia dos candidatos com respeito às máquinas partidárias foi favorecida por uma grande quantidade de incentivos às carreiras políticas individuais, à personalização e à reprodução de mecanismos clientelísticos (Mainwaring, 1991, p. 9-10). É preciso somar aos elementos anteriores uma legislação amplamente permissiva de coligações inter-partidárias que atuaram com diferentes lógicas em cada nível (federal, estadual, municipal) e a ausência de sanções para a migração de dirigentes de um partido para outro. Em síntese, o sistema eleitoral desestimulou as identidades partidárias no âmbito nacional em benefício das carreiras pessoais e dos interesses políticos regionais. Após o golpe de estado de 1964, a reconstrução do sistema de partidos foi resultado de uma longa transição democrática. Essa transição foi um processo “lento” quanto a sua duração temporal, “gradual” e “seguro” no que se refere ao procedimento de institucionalização das pressões políticas ou demandas sociais e “controlado” desde a cúspide pelos militares mediante o procedimento eleitoral. Com efeito, a transição democrática se desenvolveu como um processo endógeno produto da iniciativa dos militares no poder que foram determinando, por meio de diferentes prerrogativas institucionais, as condições para a liberalização do regime político através da convocação a eleições, e desencadeando nos atores políticos a percepção de novas regras que geraram uma progres5 A partir da Constituição de 1988 estas relações mudaram de acordo com as alterações da legislação eleitoral que, no entanto, não suprimiram os padrões de desproporcionalidade. 51 Capítulo 2 siva “normalização” do processo de abertura política (Arturi, 1995, p. 11). Essa iniciativa desde o regime autoritário teve antecedentes na herança liberal das tradições políticas brasileiras. A peculiaridade da transição democrática brasileira consistiu no seu caráter antecipado – se comparado com o resto das transições democráticas na A. Latina – tutelado desde o início pela via eleitoral e pela extrema lentidão na liberalização do regime. Provavelmente devido à necessidade de explicar as dinâmicas e especificidades deste processo – no qual a transição foi mais longa do que o período autoritário em sentido estrito –, as análises realizadas reconheceram duas etapas durante o período de “liberalização”. A primeira, de “descompressão deliberada” do regime autoritário, estendeu-se desde a vitória da oposição legal nas eleições de renovação parlamentar de 1974 até a reforma partidária de 1979 e a segunda, definida estritamente de “abertura política” teve lugar desde esse momento até a sucessão do governo federal para um presidente civil, em 1985 (Lamounier, 1988, p. 100-101). A distensão antecipada do regime mediante a convocação a eleições regida por uma concorrência restrita num formato bipartidarista – oficialismo (Aliança Renovadora Nacional-ARENA) versus oposição legalizada (Movimento Democrático Brasileiro-MDB) – serviu como uma estratégia dupla de legitimação formal e estabelecimento da agenda política ligada ao calendário eleitoral. Esse foi um processo linear, não sendo claro nesse momento que se tratasse de uma liberalização cuja meta fosse a redemocratização; antes, a intenção do governo era, de um lado, a de atenuar o grau de autoritarismo e de coerção do regime com mecanismos de legitimação que servissem para a continuidade do próprio regime e, de outro, a de frear os avanços da oposição em direção a uma democratização efetiva (Diniz, 1985, p. 342). A oposição, por sua vez, e depois da vitória eleitoral em 1974, canalizou-se por essa via e foi reconhecendo as regras institucionalizadas do jogo. Destarte, o processo ia adquirindo aos poucos sua própria dinâmica e conseqüências para além da vontade de cada um dos atores. A abertura progressiva, através da via eleitoral, foi em grande medida viável pela aceitação da oposição em disputar uma cota de poder no âmbito legislativo, enfraquecido em suas potestades de ação e controlado dentro das regras formais impostas pelo regime autoritário (Lamounier, 1988, p. 123). Assim, a transição adotou um tipo de negociação implícita mais do que um 52 As esquerdas e as transformações político-eleitorais caráter de saída negociada ou pactuada. O segundo tipo de inflexão da transição democrática no Brasil foi produzido a partir do ano de 1979, em que o incremento da força político-eleitoral da oposição e a reativação de espaços de organização social da sociedade civil pressionaram para uma abertura política que alterou os marcos do projeto originário de liberalização tutelada. O desaparecimento dos poderes de tutela militar legal, estatuído no denominado AI-5, constituirá um passo importante nessa direção. A estratégia adotada pelo regime consistiu em tratar de dividir a oposição. De acordo com esta finalidade são aplicadas duas medidas: a aprovação de uma ampla lei de anistia recíproca – para presos ou exilados políticos e para militares envolvidos em atos de repressão – e, segundo, a reforma partidária que suprimiu o regime bipartidarista, permitindo a restauração do sistema multipartidarista. O URUGUAI: UM SISTEMA PARTIDÁRIO CENTENÁRIO COM MUDANÇAS ESTRUTURAIS A LONGO PRAZO A conformação do sistema político uruguaio, desde as primeiras duas décadas do século 20, foi estruturada sobre a base de uma matriz bipartidarista tradicional apoiada no desenvolvimento de um Estado de bem-estar e de uma elite política dirigente com uma relevante autonomia dos setores corporativos e economicamente dominantes (Real de Azúa, 1983). A profissionalização de um quadro político dirigente relativamente unido e autônomo com respeito aos interesses econômicos das classes dominantes é reforçada graças a um duplo processo de desenvolvimento histórico durante a etapa de consolidação e de democratização das estruturas políticas: de uma parte, o desenvolvimento do poder do Estado nacional na sociedade e, de outra, a fraqueza das classes conservadoras-rurais perante o Estado e das classes populares em relação às conservadoras (Barrán e Nahum, 1986). Isto, entretanto, não anulou o poder do setor agropecuário tradicional exportador enquanto grupo de pressão, devido a seu peso estratégico na economia nacional (De Sierra, 1979). 53 Capítulo 2 O sistema político bipartidarista se assentava, por sua vez, na notável antigüidade e continuidade temporal dos partidos majoritários – nesse aspecto só comparável, na América Latina, com o sistema bipartidarista colombiano – remotando-se suas origens a 1836, no contexto de uma sociedade tradicional pré-moderna,6 desenvolvendo-se antes da constituição do Estado independente e, ao mesmo tempo, confundindo-se com a formação de uma identidade nacional. Os partidos tradicionais se caracterizavam por serem catch-all, isto é pluriclassistas, sendo o Colorado mais liberal, cosmopolita, anticlerical, de base urbana, assentado no Estado e no desenvolvimento industrial; e o Branco ou Nacional, de origem rural, mais liberal economicamente e conservador politicamente, apoiando-se na classe alta tradicional, no pluralismo social e na afinidade latino-americana. Juntos obtinham uma adesão cidadã média de 90% do eleitorado nacional (González, 1993, p. 27-28). A continuidade temporal dos partidos tradicionais resistiu às transformações da política dos novecentos, apresentando traços oligárquicos doutorais, mantidos inclusive durante a democratização das instituições políticas, fundamentalmente nas três primeiras décadas do século 20. Os partidos políticos acompanharam, então, o processo de modernização econômica e de secularização social mediante a institucionalização política de clivagens sociais relevantes, sendo também agentes ativos de democratização da vida política. Outro traço que caracterizou o sistema bipartidarista foi o considerável fracionamento e a lassidão de suas organizações partidárias. De fato, vários analistas chegaram a afirmar que o bipartidarismo aparente ocultava um multipartidarismo real e que no interior dos dois grandes partidos existiam agrupações ou “federações” políticas com autoridades políticas próprias, organizações independentes e clientelas específicas, exprimindo-se a unidade mediante um ou vários acordos implícitos ou explícitos no momento do ato eleitoral e não necessariamente em maiorias políticas definidas. Essa lassidão organizacional convivia com uma ampla autonomia de ação dos dirigentes por cotas de poder político, articulando-se com a existência e reprodução de sentidos de 6 A origem temporal do sistema bipartidarista é bastante anterior à formação dos partidos europeus e americanos. 54 As esquerdas e as transformações político-eleitorais pertença a tradições simbólicas que definiram “famílias políticas” diferentes que congregavam os quadros dirigentes. Esta forma de organização política tem sido possível e tem-se reproduzido, em boa medida, devido à formação de um complexo regime eleitoral cujas características mais destacadas foram o Duplo Voto Simultâneo, as denominadas Leis de Legendas e a representação proporcional integral para a atribuição de bancadas parlamentares. A relevância e legitimidade do regime eleitoral se sustentaram numa “cultura política participante” (Aguiar, 1984, p. 2) expressada na progressiva e pronta – em comparação com a América Latina – democratização efetiva de suas estruturas políticas a partir de 1918, ampliando notoriamente os canais de participação cidadã.7 No entanto, e apesar da persistência destes traços estruturais de longa duração, o sistema partidário uruguaio sofreu, nas últimas décadas, profundas transformações. O formato bipartidarista fundacional tinha origens remotas na sociedade uruguaia do século 19, possuindo, no entanto, algumas peculiaridades. Primeiro, assentava-se sobre as bases de um sistema paralelo de poder governamental mediante uma distribuição desigual e instável de controle do território nacional num estado de guerra civil intermitente, até 1904, entre os dois “bandos” políticos. Ao finalizar a etapa de guerra violenta começou um período de pacificação, compromisso e pacto para o estabelecimento de regras de concorrência eleitoral pelo poder político e de extensão da participação cidadã legítima que se irá aperfeiçoando durante as primeiras duas décadas do século 20. Esta etapa de consolidação de um sistema partidário moderno apresentou dois períodos diferentes: desde 1918 até 1933, período no qual tem lugar uma primeira intervenção autoritária, existindo uma situação de concorrência bastante eqüitativa entre ambos partidos majoritários embora com o Partido Colorado mantendo sempre o controle do governo nacional; e uma segunda fase, entre 1942 e 1954, na qual o P. Colorado assumiu um papel predominante enquanto partido de Estado-governo que só será interrompido em 1958. 7 O sufrágio universal masculino sem restrições para os analfabetos é estabelecido na Constituição de 1918 e o voto feminino é incluído na de 1934. 55 Capítulo 2 O ano de 1958 se tornou um marco relevante a efeitos da história político-eleitoral moderna do país, pois, de um lado, marca o início de um sistema bipartidarista competitivo com rotação efetiva completa dos elencos políticos no governo e, de outro, o progressivo aparecimento de múltiplos atores políticos relevantes que irão processando vários realinhamentos do sistema partidário. Da mesma forma, o referido ano constitui o começo de um longo processo político de dupla transformação. De uma parte, verifica-se a corrosão do poder de convocação cidadã da bipolarização tradicional entre brancos e colorados que contava até 1966 com a adesão de aproximadamente 90% dos votos válidos, número que cairá paulatinamente para um pouco mais da maioria dos votantes em 1999. De outra parte, dá-se a lenta, embora progressiva, emergência de uma bipolarização entre duas famílias ideológicas, a tradicional liberal, conformada por brancos e colorados, e, em contraposição, a coalizão das esquerdas (desde as experiências da UP e do “Frente Izquierdo de Liberación-FIDEL” <Frente Esquerda de Liberação> até o Encontro Progressista-Frente Ampla). A crise hegemônica de dominação, durante as décadas de 60 e de 70, foi um detonante de quebra do sistema político que se exprimiu num gradual avanço dos militares em direção ao poder estatal que termina na intervenção política em 1973 e na reestruturação do bloco no poder (López, 1985). Em decorrência da “autonomização profissional” dentro do Estado e da “politização crescente”, os militares desdobraram suas funções para uma corporação militar-política (Rial, 1986, p. 34). Com efeito, a percepção de fracasso da gestão do governo militar e a saída democrática pactuada nos anos 80 fizeram com que os militares se retirassem da cena política em direção a seu projeto profissional corporativo, marcando o ressurgimento, o vigor e as transformações das famílias políticas tradicionais. A expressão “famílias políticas partidárias” resulta pertinente no caso uruguaio a fim de englobar uma combinação de vários elementos que caracterizaram o sistema partidário. As famílias políticas possuíam um elemento simbólico identificador que conferia a diversos dirigentes políticos e organizações partidárias um sentido de pertença comum a uma mesma sub-cultura política. Um segundo elemento é o referido a sua estruturação em torno a posições comuns sobre conflitos políticos e clivagens sociais que definiram fron- 56 As esquerdas e as transformações político-eleitorais teiras político-ideológicas. O terceiro elemento a destacar foi a reprodução familiar e inter-geracional de padrões de socialização política. Em suma, as famílias políticas constituíram campos de ação que aglutinaram simbólica e socialmente uma heterogeneidade de organizações partidárias, frações, quadros dirigentes e adesões cidadãs. . O CRESCIMENTO DAS ESQUERDAS PELA VIA ELEITORAL O NOVO CICLO DEMOCRÁTICO NA ARGENTINA Quais foram as principais alterações no cenário político-eleitoral durante o período de democratização política? Globalmente foi possível observar três tipos de mudanças relevantes: a) o declínio e a transformação do espaço do bipartidarismo tradicional; b) a resolução da sucessão política no interior do peronismo e a recomposição de suas bases sociais; c) a aparição de terceiros partidos articulados em função do eixo esquerda-direita e a restauração da clivagem nacional/provincial. a) A trajetória eleitoral dos últimos dezesseis anos mostrou três tendências evolutivas do sistema bipartidário conformado por peronistas e radicais. Em primeiro lugar, nota-se a efetiva instalação e funcionamento regular de um sistema bipartidarista tal como é entendido em democracias pluralistas competitivas (Sartori, 1992, p. 232). Isto não é um dado sem importância se se considerar a instabilidade política crônica e o caráter inconcluso do sistema partidário desde a década de 30. Segundo, logo a seguir se impõe uma precisão: a institucionalização progressiva do formato bipartidarista esteve acompanhada por um enfraquecimento das lealdades eleitorais tradicionais que, de um controle quase hegemônico, em 1983, das preferências eleitorais (86,2%), passaram a representar 64% do corpo eleitoral nas eleições gerais de 1995,8 com um peso cada vez 8 O que estabeleceria, segundo alguns autores, o final do ciclo bipartidarista (Abal Medina(h), 1998). 57 Capítulo 2 maior das coligações com outros partidos. Nas eleições de 1999 se conformou novamente um formato bipolar com os blocos políticos tradicionais que obtiveram 78,6% dos votos positivos, embora um deles, a UCR, não se apresentasse com sua legenda partidária própria para fazê-lo em aliança com outro sócio que, por sua vez, era uma confederação de partidos (a Frente País Solidário). De outro lado, o Partido Justicialista se apresentou também em coligações eleitorais com outros partidos alheios a sua tradição política (Vitullo, 2001). O enfraquecimento das lealdades políticas tradicionais foi uma característica marcante desta última década e meia. De um lado, em decorrência do estímulo gerado pela rotação partidária no governo, as eleições de 1983 significaram a vitória pela primeira vez do radicalismo sobre o peronismo em comícios livres por uma maioria absoluta dos votos válidos, invertendo-se essa relação de forças quatro anos depois. De outro lado, a partir da ascensão de Menem, também o peronismo mostrou mudanças importantes em suas bases sociais tradicionais que incorporaram setores sociais novos. E, novamente, o retorno do radicalismo ao poder, em 1999, efetivou-se em aliança com uma terceira força extrapartidária emergente. b) Para compreender as transformações mais relevantes no radicalismo e no peronismo no governo, é preciso fazer uma breve resenha histórica dos acontecimentos e sub-períodos que catalisaram as alterações nos apoios eleitorais de cada partido. Os dois primeiros anos de democracia estiveram balizados por um auge da civilidade democrática liderado por um radicalismo renovado, unificado e com um forte respaldo popular proveniente da legitimidade das urnas. O esforço governamental e partidário se centrou na recuperação das liberdades políticas e civis, no julgamento de responsáveis pela violação de Direitos Humanos, fazendo das instituições parlamentares e da participação cidadã, direcionadas através dos partidos, seus principais instrumentos de ação política. O governo radical, aproveitando o apoio provindo da legitimidade eleitoral, promoveu uma estratégia redentora das pretensões “hegemônicas” e “quase-movimentistas” exprimida, de um lado, pela convocação cidadã ampliada à mobilização dos setores populares e, de outro, por uma “confrontação” em relação aos sindicatos de trabalhadores e ao peronismo, representante do mundo das “corporações” (Portantiero, 1987, p. 278). 58 As esquerdas e as transformações político-eleitorais A vitória eleitoral da UCR com o Partido Radical unido, em 1983, junto com os primeiros resultados econômicos positivos da política econômica favoreceram o renascimento do “sonho hegemônico” histórico que se exprimiu na crença entre os radicais de que tinha chegado o tempo do “terceiro movimento histórico” – com respeito aos movimentos nacionais de Yrigoyen e Perón. Porém, os acontecimentos posteriores entre os anos de 1985 e 1987 mostraram os alcances limitados da referida autopercepção partidária. Em meados de 1985 foi lançado o Plano Austral com o objetivo de controlar os primeiros sintomas de hiperinflação – que atingia os dez dígitos mensais – e de estimular o investimento produtivo. Em inícios de 1987 o plano começou a se desarticular. A fim de enfraquecer o peronismo e de dividir os sindicatos, o governo realizou um pacto com o denominado grupo dos 15, que agrupava os principais sindicatos da atividade privada e das empresas do Estado, mas não obteve resultados positivos consideráveis. Quanto ao peronismo, desde finais de 1984, iniciou um forte debate interno acerca das responsabilidades da derrota eleitoral, da necessidade de democratizar as estruturas políticas e os mecanismos para designar dirigentes sucessores que pudessem recompor o vácuo político deixado pela morte de Perón. O debate interno levou a uma cisão e posterior reunificação do setor definido como a “Renovação” que atingirá a vitória a partir de 1987. Também em 1987 (abril) teve lugar a primeira crise militar em decorrência de uma rejeição militar corporativa perante os processos abertos por causa de violações aos direitos humanos. Nessa conjuntura se deu a primeira derrota eleitoral do radicalismo em mãos do peronismo. Com efeito, o ano de 1987 marcou o princípio do ocaso do governo radical, que foi cercado pelas corporações perante as quais foi cedendo espaço, mostrando aliás, dificuldades crescentes na gestão da economia. Desde 1988 até o final do governo em 1989 foi sendo gerada uma crescente decomposição dos apoios sociais provocada pelo processo de hiperinflação. O processo de recomposição interna iniciado pela “renovação” e preparatório da campanha eleitoral de 1989 culminou nas eleições internas dos candidatos do peronismo em julho de 1988. 59 Capítulo 2 A vitória eleitoral de Menem, em maio de 1989, implicou um novo rumo na estratégia de gestão governamental e na identidade peronista, podendo ser dividido o período de governo em duas etapas, cujo ponto de inflexão se localiza no ano de 1991. Os dois primeiros anos de governo podem ser caracterizados por dois elementos: de um lado, a cooptação das corporações e, de outro, a radicalidade das reformas promovidas. Em primeiro lugar, a estratégia do governo foi de aproximação em relação às corporações sociais mais poderosas (grupos empresariais, sindicatos e militares) outorgando responsabilidades de governo diretas aos agentes econômicos e satisfazendo suas demandas. Esta estratégia pode ser compreendida à luz da concepção do peronismo clássico segundo a qual a política devia ser reduzida à expressividade dos atores sociais organizados sem mediação partidária (Palermo, 1996, p. 114). No entanto, perante o fracasso da primeira estratégia, o governo ensaiou uma segunda de neutralização e de divisão do poder das corporações. Dada a profundidade da crise econômica, Menem recorreu a um duplo jogo de diminuição da capacidade do Estado na economia mediante a aplicação de um programa de ajuste econômico neoliberal ortodoxo (em 1990 são aprovadas as leis de reforma do Estado e de emergência econômica, dando início a um acelerado e desleixado processo de privatizações no setor público) e, ao mesmo tempo, de incremento de suas capacidades de decisão política (Iazzeta, 1996, p. 129): liderança, maiorias parlamentares, disciplinamento partidário, desarticulação da oposição política e social, concentração de poderes em mãos do executivo.9 Em outras palavras, perante uma vontade estatal diminuída o governo de Menem fez da fraqueza uma fortaleza transformando a ortodoxia numa vontade política própria a fim de atingir credibilidade perante os agentes econômicos. A resolução da insubordinação militar seguiu os mesmos cânones de ação. De fato, em dezembro de 1990 teve lugar a última insurreição dos gru9 Desde julho de 1989 até dezembro de 1992, o Poder Executivo promulgou 244 decretos de necessidade e urgência, tendo como objetivo 60% dos mesmos temáticas da economia e da atribuição de recursos. Note-se que no governo de Alfonsín este tipo de decreto foi utilizado apenas em 10 oportunidades. 60 As esquerdas e as transformações político-eleitorais pos militares chamados “carapintadas” com a tomada do Estado Maior do Exército, do corpo I, do regimento de Patrícios e da Fábrica de tanques TAM. O levantamento se constituiu no enfrentamento mais sangrento, sendo fortemente reprimido e processados os insurretos. A política de Menem, iniciada em outubro de 1989, consistiu em promover o indulto geral para os militares pelas responsabilidades no passado – DDHH, Guerra das Malvinas, sublevações durante o poder civil – em troca de obediência constitucional, presente e futura, com o objetivo de neutralizar política e militarmente os “carapintadas” e de poder restaurar, assim, a cadeia de mandos (Acuña, Smuloviz, 1994, p. 147). Em janeiro de 1991, conforme essa estratégia, promoveu o segundo indulto para militares devido ao qual ficaram excluídos os últimos rebeldes. Destarte, o governo chegou às eleições de renovação parlamentar, realizadas entre agosto e novembro de 1991, com os problemas institucionais pendentes da transição democrática resolvidos ou controlados e com os primeiros indícios de reativação econômica. O governo perdeu um pouco de apoio por parte da cena eleitoral, mas manteve basicamente sua legitimidade eleitoral. A partir de 1991 e até 1993, o peronismo se assentou no poder em função de uma aliança de classes mais ampla e heterogênea do que a do peronismo clássico (estendendo mediante cooptação governamental seus apoios a setores de direita conservadora), fazendo da reativação do crescimento econômico (plano de convertibilidade) um capital político para a estabilidade e a eficácia política. Durante o segundo semestre de 1993 foi incluído na agenda governamental o tema da reforma constitucional, com o alvo de habilitar a possibilidade de reeleição do Presidente, reforçado pelo respaldo eleitoral obtido pelo justicialismo esse ano. O procedimento escolhido, que implicou um novo chamado a seu tradicional adversário para um pacto político (conhecido como o Pacto de Olivos), confirmou as tendências e aprendizagens compartilhadas durante todo o processo de despolarização como também o reconhecimento mútuo entre peronistas e radicais (De Riz, 1995, p. 72). Em terceiro lugar, como corolário de longo prazo entre os vaivéns eleitorais ligados à gestão dos partidos no governo, é possível afirmar que o Partido Radical foi o que mais sofreu o descrédito da crise econômica e os custos 61 Capítulo 2 da política de co-governo com o tradicional adversário. Com efeito, no decorrer de doze anos passa, de obter seu maior sucesso eleitoral na história do partido, para a maior derrota eleitoral em 1995, quando pela primeira vez cai a seu chão mínimo eleitoral de 20% em eleições gerais, o que impulsionou a procura de novas coligações políticas. c) O sistema de partidos se reconstituiu, nesse período, num formato bipartidarista, mas dando lugar também a novos atores políticos que se localizam em outras clivagens políticas. A primeira mudança significativa foi a restauração da clivagem capital/províncias enquanto eixo relevante de diferenciação de níveis e de arenas de concorrência política. De um lado, podemos observar uma tendência estável para a reprodução de um espaço de política regional que, no nível do eleitorado nacional, possui escassa representação (média de 6%), mas cuja característica principal residiu em não pretender ampliar-se no âmbito nacional, localizando-se regionalmente mediante partidos que atuaram somente no nível local, nas províncias, e que, dessa forma, atingiram melhores resultados, chegando em alguns casos a substituir os dois partidos “tradicionais” no acesso ao governo provincial.10 A segunda mudança que nos interessa ressaltar é a referida à aparição de terceiras forças políticas no eixo esquerda-direita; sendo até esse momento uma dimensão secundária no sistema de partidos, passou a ter um significado crescente no posicionamento dos partidos e na conduta eleitoral da cidadania. Enquanto que em 1983 a soma dos votos positivos de todos os partidos que se autoidentificavam nesta clivagem representava 6,9% do eleitorado, nas eleições gerais de 1995 esses votos atingiam o topo de 30% da cidadania, dividindo-se em 1999 entre 7,7% apresentados autonomamente e as opções de centro-esquerda que se incorporaram à Aliança triunfante. 10 Por exemplo, o Bussismo em Tucuman. Para uma análise pormenorizada destes partidos e de seu impacto sócio-político, pode-se consultar Adrogué, 1995, p. 28. 62 As esquerdas e as transformações político-eleitorais Tabela 2: Votação por partidos e coligações eleitorais majoritárias nas eleições para presidente (1983-1999) % sobre total dos votos válidos 1983 1989 1995 1999 P. Justicialista (Frentes Justicialistas) Coligações com outros partidos União Cívica Radical Aliança (UCR-FREPASO) Coligações com outros partidos Frente País Solidário Coligações provinciais P. Intransigente Aliança Esquerda Unida Aliança do Centro Ação pela República Coalizão 40,2 47,5 1,9 32,5 4,7 2,5 6,9 - 44,9 5 16,8 0,2 28,4 0,9 - 32,3 5,8 46,4 2,1 9,7 0,4 51,8 ---2,3 ----- Fonte: elaborado com base nos dados da Direção Nacional do Interior. Obs.: votação dos candidatos com mais do 2% do total dos votos positivos no nível nacional. Quem integra essas novas forças partidárias na política argentina? Embora fossem muitos os partidos que surgiram ou que tinham uma tradição passada, são basicamente quatro os que chegam a ter certo peso político eleitoral, dois localizados na direita e dois na esquerda. Durante o governo radical emergem duas forças políticas. Em primeiro lugar o Partido Intransigente, localizado no centro-esquerda do sistema partidário, liderado por Oscar Alende e cujas origens se remontam a inícios da década de 80 como uma cisão do radicalismo. Este partido apresenta um projeto dirigido fundamentalmente à atividade política nas instituições parlamentares, obtendo sua melhor votação em 1985 com 6,2% do eleitorado nacional. Suas bases eleitorais estiveram concentradas na capital federal, na província de Buenos Aires e, através de uma pequena aliança, na província de Santa Fe. A presença de seu principal dirigente político constituiu seu maior capital eleitoral; porém, após desaparecido seu líder, não soube reestruturar-se e terminou sendo absorvido pela aliança eleitoral que levou Menem à presidência do país. Desde o centro-direita a presença de maior impacto eleitoral esteve constituída pela denominada “Unión de Centro Democrático – UCeDE” (União de Centro Democrático) que se atribuiu à representação dos setores 63 Capítulo 2 conservadores no âmbito político, apresentando um notório projeto neoliberal ortodoxo nas propostas econômicas. As origens da UCeDE se localizam em diferentes partidos fundados pelo Eng. Alvaro Alsogaray desde 1957. A UCeDE se apresentou pela primeira vez a eleições em 1983 e foi ganhando terreno eleitoral até o ano de 1989 em que chegou a captar 22% dos votos na Capital Federal. O partido articulou uma eficaz política de coligações no âmbito provincial, obtendo o melhor desempenho eleitoral em 1989 com 9% dos votos no nível nacional. A trajetória do partido esteve dividida entre a participação enquanto sócio minoritário do governo de Menem em seus primeiros anos de gestão11 e a cisão de quadros partidários na oposição desde a direita. A partir de 1991 apareceram outras duas organizações políticas com potencialidade de crescimento eleitoral. Na direita surgiram correntes nacionalistas populistas lideradas por ex-militares; foram os casos da “Fuerza Republicana” (Força Republicana), sob a condução do Gral. Antonio Bussi e do “Movimiento por la dignidad y la independencia – MODIN” (Movimento pela dignidade e independência) encabeçado pelo líder dos “carapintadas”, Aldo Rico. Nas eleições de 1995, o bussismo obteve o governo da província de Tucumán, enquanto que o MODIN se perfilou a partir das eleições de 1993 com certa potencialidade de crescimento no nível nacional; porém, no caso deste último partido o baixo apoio atingido nas eleições de 1995, nas que se apresentou em aliança com o justicialismo, limitou muito suas bases eleitorais ancoradas na província de Buenos Aires. As novidades mais relevantes surgiram desde o espaço de centro-esquerda. Este espaço político se estruturou fundamentalmente a partir de dois agrupamentos políticos, um minoritário, constituído pela denominada “Unidad Socialista” (Unidade Socialista) herdada do socialismo histórico – cujas origens se remontam a 1896 – que exprimiu a aliança recente do Partido Socialista Popular (PSP) e do Partido Socialista Democrático (PSD), atingindo sua melhor votação em 1991 na Capital Federal e na província de Santa Fe. 11 A aliança com o governo de Menem para a implementação de princípios neoliberais na política de ajuste econômico efetivou-se em 1989 com a nomeação de R. Rossi para a Presidência do Banco Central. 64 As esquerdas e as transformações político-eleitorais A segunda agrupação política e a de maior projeção e desenvolvimento eleitoral foi a denominada Frente Grande que nasceu em 1993, provindo seu principal líder, Carlos “Chacho” Alvarez, de um setor parlamentar cindido do Justicialismo em 1990, conhecido como Grupo dos 8, e que se apresenta pela primeira vez em 1991 com a legenda “Frente por la Democracia y la Justicia Social – FREDEJUSO” (Frente pela Democracia e Justiça Social). A Frente Grande se formou sobre a base do FREDEJUSO com o Partido Intransigente e o Movimento de Esquerda, obtendo votação positiva na Capital Federal em 1993 e adquirindo relevância nacional a partir da eleição da Assembléia Constituinte de 1994 ao atingir 12,7% dos votos. A potencialidade de estruturar uma oposição alternativa no nível nacional se configurou nas eleições de 1995 mediante a Frente País Solidário (FREPASO), cuja fórmula presidencial obteve 29,5% dos sufrágios nacionais com uma quantidade significativa na Capital Federal e nas províncias de Buenos Aires, Santa Fe, Córdoba e Mendoza (que concentram 75% do corpo eleitoral). A candidatura presidencial foi assumida nesse momento por José Octavio Bordón, ex-governador justicialista da província de Mendoza, e por Carlos “Chacho” Alvarez como Vice. O programa eleitoral articulou alguns princípios do peronismo como, por exemplo, o ser um projeto econômico que apoiava a produção nacional e visava a uma melhora dos resultados em matéria de justiça social – diminuindo o desemprego e melhorando a redistribuição de renda – com um ataque frontal aos aspectos mais polêmicos da governabilidade menemista. Em consonância com essa oposição procurava reduzir os privilégios aos capitais financeiros – andorinhas –, promover as exportações e, fundamentalmente, atacar os fenômenos de corrupção política melhorando as garantias institucionais da Democracia e do estado de direito a fim de efetivar o funcionamento da justiça, evitando as violações aos direitos humanos, e realizar uma administração pública mais transparente e austera. A inesperada renúncia de Bordón, posterior às eleições, consagrou novamente Carlos “Chacho” Alvarez como a principal figura da agrupação. A FREPASO se organizou como uma Confederação composta pela Frente Grande, a Unidade Socialista, a Democracia Cristã, o Partido “Nuevo Movimiento” (Novo Movimento) – integrado por ex-bordonistas –, “Nuevo 65 Capítulo 2 Espacio” (Novo Espaço) (composto por ex-radicais), a Democracia Popular, o Partido Intransigente e militantes provindos da fratura do Partido Comunista. A habilidade de liderança política, a potencialidade de desenvolvimento eleitoral do espaço preenchido pelo FREPASO, como também a flexibilidade organizacional confluíram mais tarde para a conformação de uma aliança com a UCR, em 1997, no intuito de configurar uma oposição alternativa a fim de concorrer pelo governo nacional, contrapondo-se ao peronismo. Tabela 3: Votação por diversos blocos partidários nas eleições para a câmara de deputados na Argentina (1983-1997) % votos válidos por blocos partidários PJ UCR UCR-FREPASO Total Tradicional Esquerda Centro-Esquerda Centro-Direita Direita Total Esquerda-Direita Provinciais 1983 1985 1987 1989 1991 1993 1994(*) 1995 1997 38,5 48 34,3 43,2 41,5 37,2 44,7 28,9 38,6 27,2 40,3 28,6 37,5 19,1 43 21,7 36,0 6,8 36,5 86,2 1,8 4,3 0,8 - 77,5 2,4 7,7 6,1 - 78,6 3 3,8 6,1 0,3 73,6 3,8 2,9 10,7 1,2 65,8 2,5 4,2 6,7 5 68,9 1,1 5,7 5,7 7,3 56,6 1,0 15,8 3,5 10,1 64,7 1,2 21,1 4,2 2,5 79,3 0 2,4 3,9 1,4 6,9 4 16,2 5 13,2 5,7 18,6 6,2 18,4 7,3 19,8 5,8 30,4 8,4 29 5,6 7,7 13 Fonte: elaborado com base em Adrogue 1995 e Direção Nacional do Interior. ( ) * eleição de Constituintes. Finalmente, em 1997 surgiu outra força minoritária na concorrência eleitoral, novamente desde o campo do centro-direita, a “Acción por la República” (Ação pela República), liderada pelo polêmico Domingo Cavallo, exMinistro da Economia que implementou o plano de convertibilidade, agrupação que se projetou com amplas pretensões nacionais e de ascensão em direção ao governo. 66 As esquerdas e as transformações político-eleitorais O RETORNO AO MULTIPARTIDARISMO E A RECOMPOSIÇÃO DOS CAMPOS IDEOLÓGICOS DO SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO As eleições de 1982 significaram o esgotamento do formato bipartidarista imposto pelo regime autoritário e o retorno a um sistema mais competitivo no que se refere ao número de partidos e ao peso da oposição ao regime autoritário.12 De um lado, as duas forças políticas principais mudaram de sigla, transformando-se o MDB no Partido do Movimento Democrático Brasileiro e a antiga ARENA no Partido Democrático Social, retendo juntos 86% das lealdades cidadãs. De outro lado, surgiram três partidos de oposição, dois deles vinculados à refundação e reinvenção da tradição “trabalhista” getulista. O clima de abertura política a partir da Lei de Anistia permitiu o retorno do exílio e a reorganização dos antigos quadros de dirigentes do Partido Trabalhista Brasileiro. Entretanto, a reorganização do antigo PTB foi levada a cabo por meio de uma divisão interna e reinvenção política. As velhas rivalidades entre janguistas e brizolistas, como também os receios gerados pela sucessão de liderança política em Brizola, junto com uma polêmica decisão da justiça em favor da manutenção por parte de Ivete Vargas da sigla partidária, determinaram em parte uma fratura entre os trabalhistas que acarretou a emergência de um novo partido. A perda da sigla partidária diminuiu o impacto político da refundação do PTB, que dividiu o peso de seus quadros partidários históricos,13 relocalizando o PTB no campo ideológico conservador. A reinvenção de um novo partido trabalhista se deu com a fundação do Partido Democrata Trabalhista. A reconstrução da identidade trabalhista teve lugar a partir da convocação de Brizola que se apresentou em qualidade de líder histórico do PTB, reinterpretando a vigência e continuidade do trabalhismo de Vargas. Destarte, vieram à tona bandeiras típicas trabalhistas como a 12 A oposição ganha nestas eleições 10 dos 23 cargos de governadores estaduais, beneficiando-se também com a perda da maioria absoluta do oficialismo na Câmara de Deputados. 13 O PTB contava, em 1980, com 23 deputados e um senador; com a cisão, o PDT ficará com dez deputados e sem senador, conseguindo depois novas incorporações sobretudo do MDB (Sento-Sé, 1999, p. 98). 67 Capítulo 2 procura do desenvolvimento e da emancipação nacional ameaçados por dois grandes inimigos, a “oligarquia rural” e o “imperialismo estrangeiro”; assim, institui-se novamente o trabalhismo enquanto movimento de defesa das classes trabalhadoras e das forças populares em oposição às elites nacionais. Da mesma forma, emergiram novas temáticas como, por exemplo, a opção pela democracia e o socialismo (interpretando assim o trabalhismo como um caminho para a construção do socialismo democrático), a valorização do pluralismo e a defesa das minorias excluídas (com ênfase nas questões de gênero e de etnia). O terceiro ator político em jogo e também o mais novo é o Partido dos Trabalhadores (PT) nascido por iniciativa dos poderosos sindicatos de trabalhadores paulistas, fundados em finais da década de 70, conformando o que se conhece como “novo sindicalismo”. Sua originalidade no panorama partidário residiu em que sua origem não tinha sido resultado de dissidências ou recomposições de elites políticas passadas, apresentando pelo contrário um caráter societário e ideológico autônomo em relação às clientelas e aos serviços do Estado. A peculiaridade de sua estrutura organizacional decorreu da conjugação de três elementos estruturais: a) a iniciativa fundacional provinda dos sindicatos de trabalhadores, de setores da intelectualidade e da classe política na oposição e de parte dos movimentos sociais urbanos e organizações de esquerda da década de 70; b) a formação de uma organização de partido de massas poderoso para além das instâncias eleitorais; e c) um programa político com uma ideologia classista proposta com o objetivo de reorganização do sistema político na representação de interesses e participação dos setores populares (Meneguello, 1989, p. 40-41). O período entre as eleições de 1982 e a sucessão do governo federal em 1985 esteve marcado por uma tensão entre as iniciativas do regime autoritário de controlar cupularmente a sucessão do mandato presidencial via indireta mediante o Colégio Eleitoral e as posturas dos setores mais críticos da oposição no sentido de ampliar os canais de participação cidadã. Nesse contexto, um setor do PMDB, o PT e partidos de esquerda organizaram uma ampla mobilização popular para a realização de eleições diretas para Presidente, as “Diretas-já”. A mobilização não conseguiu obstaculizar o acordo cupular para a designação do Presidente sucessor ao regime, mas foi 68 As esquerdas e as transformações político-eleitorais uma expressão da demanda social por democratização das estruturas políticas, inibindo a reação golpista de grupos favoráveis à continuidade do regime (Arturi, 1995, p. 22). Desde a eleição de Tancredo Neves por parte do Colégio Eleitoral, em 1985, até as primeiras eleições gerais em forma direta do Presidente em novembro de 1989 decorreu um período no qual foram processadas mudanças que incidiram a longo prazo no novo formato multipartidarista. Os primeiros anos de governo da “Nova República” se desenvolveram num contexto de crise de múltiplas dimensões14 decorrente da morte inesperada de Tancredo Neves, da situação de crise econômica e da formulação de respostas direcionadas no Plano Cruzado. As eleições de 1986 reforçaram a legitimidade da “Aliança democrática” (PMDB-PFL) que unificou os setores mais conservadores (do PMDB e dos partidos do antigo regime) no governo federal e na política de governadores estaduais. O PMDB obteve 22 dos 23 governos estaduais e a maioria absoluta no Congresso. Nessas eleições também se manifestaram algumas tendências de mudança que se consolidarão em 1989; de um lado, a fragmentação dos partidos de direita e, de outro, o lento embora progressivo crescimento de partidos de esquerda (mais notório no caso do PT). A sobrecarga de temas sociais e econômicos pendentes da transição se trasladou da agenda governamental para a Assembléia Constituinte em 1988 com a finalidade de aprovar uma nova Constituição. A Constituinte foi um espaço central para medir forças políticas e para a recomposição e realinhamento dos partidos exprimidos nas eleições de 1989: a ruptura do PMDB e a criação do PSDB, o desprestígio da classe política tradicional e o voto castigo ao governo; a aposta por candidatos que representaram a oposição aos valores do liberalismo conservador e a polarização dos partidos no eixo esquerda-direita. A reestruturação do sistema partidário ficou de manifesto nas eleições de 1989, mostrando as análises que o voto castigo contra os partidos políticos tradicionais conservadores se expressou num apoio aos candidatos presiden14 Para compreender a complexidade de dimensões presente na crise, pode-se consultar Camargo, 1989. 69 Capítulo 2 ciais identificados com a percepção de mudança e de superação da injustiça, a exclusão e a desconfiança nas instituições políticas15 (Sallum Jr, Graeffe, Gomes de Lima, 1990, p. 71). No entanto, a crise de confiança partidária não correspondeu a uma crise institucional canalizando-se, pelo contrário, através da migração das forças políticas para os pólos da esquerda e da direita. Nessa conjuntura as mudanças mais notórias foram o esvaziamento do centro devido à ruptura do PMDB, a corrosão da coligação oficialista PMDBPFL e a aparição de novos partidos, a cisão do PSDB e o impacto do surgimento da liderança carismática de Collor de Mello, reestruturando os setores de direita. O esvaziamento do centro, com uma concorrência centrífuga em direção aos extremos, polarizou as eleições. Tabela 4: Votação por partidos nas eleições para presidente no Brasil (% votos válidos por legenda partidária, 1989-1998) Eleições gerais 1º turno Esquerda PT mais coligações PDT Coligações PT – PDT PPS Centro PMDB PMDB-PSD PSDB Coligações centro-direita Direita PL PTB PDS-PPR PRONA PRN (PST-PSL) 1989 Presidente 17,2 16,5 1994 Presidente 1998 Presidente 27,0 3,2 31,7 11 4,7 4,4 11,5 54,3 (*) 4,8 0,6 8,9 53,1(*) 2,7 7,4 30,5 Fonte: TSE. (*) coligações do PFL e PTB em 1994 mais o PMDB e PPB em 1998. Nota: votação dos partidos com mais de 2% dos votos. 15 No Cone Sul existe também evidência, em termos comparativos, de que as “segundas” eleições presidenciais implicaram uma derrota dos governos que levaram adiante a transição democrática e que os fatores que explicaram essa derrota foram sobretudo os efeitos políticos e sociais dos ajustes econômicos (Trindade, 2001). 70 As esquerdas e as transformações político-eleitorais Considerando em conjunto todo o período de redemocratização, pode-se observar que, apesar da aparente fragilidade partidária, os partidos e suas coligações obedecem a regras e espaços bastante estáveis no eixo de esquerda-direita.16 Em síntese, é possível afirmar que o sistema multipartidarista pré-64 se extinguiu, reinstalando-se logo depois outro sistema multipartidarista pós-82 com novos atores políticos organizados em campos ideológicos claramente diferenciados. Após o realinhamento da Constituinte de 1988 que marcou, de alguma forma, o final da transição democrática (resultado exprimido nas eleições de 1989 e de 1990), foram mantidos no mapa partidário, no nível eleitoral e parlamentar, os grandes blocos político-ideológicos (Martins Rodrigues, 1994, p. 88). A restauração do multipartidarismo esteve acompanhada pelo esvaziamento das duas grandes forças políticas criadas pelo regime autoritário (PMDB e PDS) estruturadas em função da defesa e da oposição ao regime. O centro perdeu parte de seu significado político embora continuasse aglutinando os partidos com maior força parlamentar-eleitoral. A perda de representação política do PMDB (de 43% em 1982 para 15% em 1998 dos votos para deputados) foi absorvida parcialmente pelo PSDB (de 8,7% dos votos em 1990 para 17,5% em 1998). Na direita, o esvaziamento de quadros políticos antes agrupados no PDS (de 43,2% dos votos em 1982 para 11,3% em 1998) foi substituído pela conformação de um grupo representado pelo PFL que convocou 17% da cidadania e pela dispersão de várias forças pequenas, sendo a mais estável, nesse período, o PTB, com um eleitorado médio de 5%. 16 Este aspecto tem sido recorrentemente alvo de polêmica na Academia Brasileira. Por exemplo, Bolívar Lamounier (1989, p. 77) se perguntava, anteriormente às eleições de 1989, se efetivamente o sistema partidário estaria atravessando um processo de polarização ideológica perante as evidências desvendadas por um estudo de Maria D’Alva Kinzo sobre a Constituinte que dava conta de orientações de esquerda-direita no comportamento dos membros. Com um objetivo similar de captar as mudanças de longo prazo, é importante a contribuição realizada por Limongi, Fernando e Cheibub Figueiredo, Argelina acerca do comportamento dos deputados federais de acordo com a sua afiliação partidária, no qual é possível comprovar a existência de padrões ideológicos clássicos de esquerda e de direita (Limongi, Cheibub, 1995, p. 516) 71 Capítulo 2 A organização dos partidos, no nível nacional, durante todo o período referido, articulou-se também de acordo com as posições atingidas na disputa eleitoral por cargos governamentais, com o alvo de controle das burocracias públicas. A atividade de governo continuou sendo um elemento aglutinante e de fortalecimento das coligações partidárias e dos partidos. A formação de governos de coligação governamental foi realizada segundo a mesma lógica partidária seguida no nível parlamentar e constituiu um elemento de coesão na atividade partidária (Meneguello, 1996, p. 52). Nesse plano, o elemento de maior destaque foi a continuidade da coligação entre o centro e a direita no período pós-1994. Tabela 5: Votação por partido nas eleições para a câmara de deputados no Brasil (partidos com mais de 0,5% dos votos válidos no nível nacional, 1982-1998) % votos válidos 1982 1986 1990 1994 1998 Esquerda PT PDT PSB PCB PC do B PPS Centro PMDB PSDB Direita PDS – PDC(*)–PPR – PPB PFL PRN PTB PL PSD PRONA PMN PP-PTR PSC 9,3 3,5 5,8 15,7 6,9 6,5 0,9 0,8 0,6 24 10,2 10,0 1,9 1 0,9 24 12,8 7,2 2,2 22,3 13,2 5,7 3,4 43,0 43,0 48,1 48,1 47,6 43,2 33,1 8,1 17,7 1,3 1,3 32,7 15,2 17,5 39,1 11,3 17,3 4,4 4,5 2,8 28 19,3 8,7 43,6 11,9 12,4 8,3 5,6 4,3 1,2 0,6 24,2 20,3 13,9 40,1 9,4 12,9 5,2 3,5 0,9 0,7 0,6 6,9 5,7 2,5 0,8 0,9 1,1 0,7 Fonte: TSE, Nicolau, 1998. (*) O PDS funde-se com o PDC em 1993. Por último, no campo da esquerda foram constatados três tipos de tendências evolutivas. Em primeiro lugar, verificou-se um processo de crescimento rápido com uma notória presença nas eleições presidenciais (com mais de 72 As esquerdas e as transformações político-eleitorais 30% de votantes) e com uma expansão relativa nas parlamentares (de 9,3% do eleitorado em 1982 para 22,3% em 1998). Este campo ideológico teve também mudanças importantes em seus agentes políticos; em 1982 a hegemonia eleitoral estava dividida entre o PDT e o PT (com predomínio do primeiro), mantendo-se este fenômeno até as eleições de 1998, nas quais a relação foi invertida, percebendo-se a ocupação progressiva do PT enquanto principal partido de esquerda (de 3,5% do eleitorado em 1982 passou a 13,2% em 1998). Além disso, observou-se um crescimento da força eleitoral de pequenos partidos comunistas e socialistas sobretudo em relação ao Partido Socialista Brasileiro (que passa de 0,9% do eleitorado em 1986 para 3,4% em 1998). O PSB compartilhou com o PDT a característica de ser um partido de esquerda continuador de tradições políticas pré-64, surgindo em 1985 com o objetivo de refundar o projeto de esquerda socialista democrática do PSB em 1947. A refundação do referido partido pretendeu preencher um espaço próprio de socialismo democrático diferenciado, de uma parte, dos clássicos partidos comunistas e do PT e, de outra, das tradições de esquerda trabalhista. A ênfase específica da proposta partidária se centrou na reivindicação simultânea da necessária confluência, de um lado, das bandeiras clássicas do socialismo como, por exemplo, a luta contra a desigualdade social e a necessidade de intervenção do Estado na economia a fim de corrigir os defeitos disfuncionais do mercado e, de outro, da vertente liberal, principalmente no referido à valorização do regime democrático, como também à vigência dos direitos cidadãos e das garantias básicas do estado de direito. DA RESTAURAÇÃO À TRANSFORMAÇÃO DA POLARIZAÇÃO PARTIDÁRIA NO URUGUAI O longo ciclo de mudanças políticas do bipartidarismo tradicional foi impulsionado, nos anos setenta, pela crise estrutural do país, que teve entre uma de suas conseqüências notórias no plano eleitoral a conformação de um terceiro ator político, a Frente Ampla. Definida como um amplo espaço que congregou as diversas correntes de esquerda existentes no país em 1971, obteve quase a quinta parte das adesões eleitorais da cidadania. A aparição desse 73 Capítulo 2 ator, inicialmente autodefinido como coalizão política, terá efeitos a longo prazo no sistema partidário, redefinindo os blocos partidários que o estruturavam. De um lado, o núcleo hegemônico do sistema bipartidarista esteve constituído pelas famílias políticas tradicionais forjadoras de identidades suprapartidárias (Solari, 1991) – as denominadas pátrias subjetivas –. Estas identidades tinham sido geradas em conflitos político-civis fundacionais no período de nascimento da nação, virando depois agentes de modernização e estimulando a formação do Estado de bem-estar ao mediar múltiplas clivagens sociais relevantes (urbano/rural, tradição/modernidade, capital/trabalho, etc.). Essas tradições (Pérez, Caetano, Rilla, 1989) aglutinavam uma variedade de dirigentes e organizações políticas com múltiplas relações de parentesco e de apadrinhamento entre si, que foram depois reproduzidas inter-geracionalmente, convocando amplos e diversos setores sociais. No entanto, o longo ocaso do Estado de bem-estar e do modelo de desenvolvimento “amortecedor” enquanto instrumento central de redistribuição da riqueza esteve acompanhado por uma menor eficácia no uso dos recursos públicos para a reprodução de mecanismos clientelísticos de socialização política. E apesar dos partidos tradicionais serem percebidos pela maioria da população, durante um longo período de tempo, como os construtores ou fazedores da democracia e do então denominado “país modelo”, desde a década de 60, esses mesmos partidos passaram a serem “responsabilizados” pelo declínio e deterioração do modelo de desenvolvimento. Estas mudanças se exprimiram numa perda progressiva da hegemonia bipartidarista tradicional que, de monopolizar 90% das lealdades eleitorais nos períodos anteriores a 1971, foram reduzindo sua capacidade de manter as fidelidades político-eleitorais até as eleições de 1999 em que apenas conseguiram reter 55% dos votos válidos, afetando a longo prazo esta diminuição do espaço eleitoral, tanto o Partido Colorado quanto o Nacional (vide Tabela 6). Desde um pólo oposto, o crescimento político-eleitoral das coligações de esquerda, acumulativo a longo prazo – de uma posição minoritária que apenas convocava 10% do eleitorado antes de 1966 até superar 40% das preferências cidadãs em 1999 –, conformou um espaço político alternativo em relação à bipolarização tradicional, sob o qual se alicerçou o desenvolvimento de uma nova família política. A família das esquerdas se assentou também numa sub-cultura própria (Moreira, 2000) que combinou tradições de esquerda so- 74 As esquerdas e as transformações político-eleitorais cialista clássica, existentes no país, com as correntes de esquerda insurreta dos anos 60, e com setores progressistas e reformistas provindos de setores dos partidos tradicionais. A origem desta peculiar organização política também esteve determinada por conflitos marcantes na sociedade, tanto por causa de seu posicionamento político opositor ao autoritário – e aos efeitos da repressão durante toda a ditadura – quanto pela convocação social de setores organizados de trabalhadores, estudantes e classes médias. Além disso, o avanço eleitoral desta família política se firmou graças a sua capacidade de reprodução, de adesão e de lealdades partidárias inter-geracionalmente.17 No entanto, esse processo não seguiu uma evolução linear, estando atravessado por sucessivas crises e recomposições eleitorais. Como já foi assinalado, a origem da Frente Ampla tinha se dado na forma de coalizão política alternativa em resposta a um contexto de crise política. A iniciação eleitoral em 1971 produziu um “sucesso eleitoral” em termos de sua condição de ator nacional que incidiu de maneira decisiva sobre todo o sistema partidário, pois pela primeira vez uma terceira força política obtinha uma quinta parte do eleitorado, relegando um dos partidos tradicionais a um terceiro lugar no principal distrito do país, a capital. Entretanto, a experiência política será bruscamente interrompida pelo regime autoritário militar, que teve a coalizão de esquerdas como um de seus “inimigos” visíveis, sendo o setor político o que sofreu maiores conseqüências negativas por parte da repressão (González, 1993, p. 102). A transição democrática teve um caráter claramente restaurador dos partidos e instituições políticas democráticas pré-golpe e pré-repressão (González, 1993, p. 105), produzindo-se este processo apesar de várias tentativas por parte do regime autoritário de reduzir o peso dos setores políticos mais opositores e por causa da rejeição à reinvenção do bipartidarismo tradicional sem a esquerda.18 Isto ocorreu, de um lado, devido aos avanços progressivos dos setores de oposição ao regime autoritário nas consultas eleitorais como 17 Aguiar, César salientou que, nos últimos tempos, as pesquisas empíricas têm mostrado que a Frente Ampla é o partido com maior capacidade de socialização familiar e de transmissão de identidades partidárias inter-geracionalmente (Aguiar, 1998, p. 139). 18 Intenção bastante manifesta na convocação a eleições internas de partidos políticos em 1982 que proibia a possibilidade de apresentação da legenda Frente Ampla. 75 Capítulo 2 também em espaços de negociação política. De fato, o início do novo ciclo democrático mediante a convocação a eleições gerais em 1984 se produziu, em boa medida, devido à realização de um pacto histórico, o denominado Pacto do Clube Naval que, não apenas legitimou a saída institucional para a sucessão do poder a um elenco civil, mas significou também a afirmação da incorporação da esquerda como uma terceira força política capaz de arbitrar e mediar decisões políticas entre as duas grandes coletividades partidárias e com uma identidade política própria. O clima de recomposição das forças políticas pré-golpe de Estado de 1973 se exprimiu nas eleições de 1984 em desempenhos eleitorais bastante semelhantes para quase todas as legendas. No entanto, esses resultados não dariam conta dos realinhamentos partidários ideológicos e das mudanças políticas geradas a partir da aparição da coalizão de esquerda. Durante o primeiro governo civil eleito foram propostas várias temáticas orientadas à superação dos “enclaves ou heranças institucionais autoritários”. A temática política mais importante se centrou na responsabilidade dos militares pelas violações aos Direitos Humanos, direcionando-se primeiro mediante uma decisão política de votar uma lei de Anistia irrestrita aos militares, denominada Lei de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado, em dezembro de 1986. A segunda deliberação foi produto de uma reação quase imediata, organizando-se a Comissão Nacional Pró-Referendo, integrada por personalidades reconhecidas na defesa dos DDHH, com o apoio político de dirigentes de todos os partidos. Esta organização inédita na sua composição conseguiu uma ampla mobilização e receptividade social superando o requisito mínimo de mais de 550.000 assinaturas (25%) dos cidadãos inscritos a fim de poder exercer o direito de referendo da lei,19 abrindo um longo debate que dividiu as lealdades partidárias de setores e partidos, que se canalizará no plebiscito de abril de 1989, incidindo diretamente sobre os realinhamentos políticos das eleições de 1989. No período anterior às eleições de 1989, produzir-se-á outro acontecimento relevante para o realinhamento do sistema partidário e dos setores de 19 Para se ter uma idéia da ampla convocação popular, é preciso levar em conta que a efeitos de propor uma reforma constitucional são necessárias 10% das vontades cidadãs. Além disso, o próprio processo de coleta e identificação das assinaturas mostrou que não se tinham previsto mecanismos institucionais para sua instrumentação prática. 76 As esquerdas e as transformações político-eleitorais esquerda, que consistiu na cisão da ala de centro-esquerda da Frente Ampla, dando lugar à fundação do denominado Novo Espaço. Este fato constituiu o final de um longo debate (Argones, Mieres, 1989-1, p. 56-57) sobre as modalidades institucionais organizacionais, as tradições e identidades simbólicas e as formas de sucessão de liderança dentro da esquerda, o que acarretará conseqüências para todo o sistema. As eleições de 1989 significaram um marco importante a fim de entender as mudanças e a dinâmica de longo prazo do sistema partidário pós-transição democrática. Em primeiro lugar, exprimiram o esgotamento da matriz bipartidarista tradicional e a conformação de um formato multipolar com uma efetiva rotação de elencos governamentais entre eleições. Segundo, o crescimento eleitoral da esquerda, sobretudo na capital do país, permitiu-lhe aceder pela primeira vez a uma experiência de governo no poder executivo do município de Montevidéu, centro administrativo e comercial mais importante do país que concentra aproximadamente a metade do eleitorado nacional, o que lhe conferiu uma visibilidade política notória, mantida nas duas eleições seguintes. A emergência de atores alternativos alterou também o mapa políticopartidário, definindo dois grandes blocos político-ideológicos: Centro-Direita e Centro-Esquerda (De Sierra, 2000). A presença hegemônica de um pólo conformado por uma aliança ampla de correntes de esquerda no sentido clássico de autodefinição ideológica como também a percepção externa do resto dos atores políticos e da cidadania afirmaram este bloco ideológico. O crescimento da esquerda e a diversidade de correntes convocadas permitiram que fosse captando adesões de parte do eleitorado de centro, produzindo-se este deslocamento ideológico em forma paralela à virada conservadora a longo prazo dos partidos tradicionais (Errandonea, 1994), os que progressivamente ficaram com suas frações localizadas do centro para a direita, perdendo significativamente o caráter multiclassista e o pluralismo ideológico que tinham internamente. Da mesma forma, foram geradas mudanças no campo da própria esquerda em vários sentidos. Uma primeira constatação é a de que, para além das posições particulares de setores ou de dirigentes políticos, o campo de esquerda construiu uma tradição simbólica própria, identificada como um conjunto de adesões relati- 77 Capítulo 2 vamente estáveis para uma parte importante da cidadania. Depois, a criação do Novo Espaço enquanto outro agente de esquerda terá um impacto menor do que o de seu antecessor, não apenas por sua origem de ruptura em relação à tradição prévia, mas também pela ambivalência de liderança e por novas divisões no interior de sua principal força motora, o “Partido por el Gobierno del Pueblo-PGP” (Partido pelo Governo do Povo) – cujos líderes se fusionarão no Partido Colorado –, e pelo esvaziamento dos partidos que o integravam originalmente, levando ambos os processos a que ficasse localizado como um sócio menor no campo da esquerda. Terceiro, o impacto negativo da cisão de um setor repercutirá nas estratégias posteriores dos dirigentes da Frente Ampla, no sentido da procura de coligações mais flexíveis que permitissem a integração de novos setores através do que será denominado como Encontro Progressista. E, em quarto lugar, dá-se pela primeira vez uma sucessão histórica de liderança dentro da esquerda que se nutrirá, por sua vez, da experiência de gestão no governo municipal da capital. Tabela 6: Votação por partidos nas eleições presidenciais no Uruguai (1971-1999) Legendas partidárias % votos válidos 1971 1984 1989 1994 1999 Colorado Nacional P. Tradicionais F. Ampla – E. Progressista Novo Espaço União Cívica P. não Tradicionais Micropartidos 41 40,2 81,2 18,3 ------18,3 0,6 41,2 35 76,2 21,3 ---2,4(*) 23,7 0,1 30,3 38,9 69,2 21,2 9 32,3 31,2 63,5 30,6 5,2 32,8 22,3 55,1 40,1 4,6 30,2 0,6 35,8 0,7 44,7 0,2 Fonte: elaborado com base em J. T. Fabregat (1971), A. Albornoz (1984, 1989) e Corte Electoral (1994, 1999). Nota: consideram-se micropartidos aqueles com menos do 1% dos votos válidos. (*) É um partido pequeno de longa história, refundado nestas eleições, logo vai se incorporar ao Novo Espaço em 1989, para retornar na categoria de micropartido. As eleições de 1994 e 1999 reforçaram as quatro tendências de mudanças referidas acima. Em 1994 isso se exprimiu num formato tripartidarista que gerou cenários imprevisíveis para os agentes políticos, impulsionando uma reforma constitucional para modificar o mecanismo histórico da Lei de Legendas para a eleição do Executivo nacional, substituindo-o pelo Ballotagge. As 78 As esquerdas e as transformações político-eleitorais últimas eleições nacionais foram também de um cenário “novo” de “prova” das novas regras de concorrência partidária eleitoral com a consolidação do espaço da esquerda política. Nesse sentido, as eleições de 1989 introduziram novidades para o sistema partidário, surgindo a esquerda como a primeira força parlamentar nacional e substituindo um dos dois partidos tradicionais na concorrência pelo governo nacional (no segundo turno). O último elemento a destacar, no caso uruguaio, é que, devido de alguma forma à Lei de Legendas, a conformação das coligações de esquerda pôde manter um duplo sistema de lealdades com, de um lado, a formação de uma identidade suprapartidária no nível de legenda Frente Ampla e, de outro, no nível partidário ou de setor (sub-legendas e chapas), pelo menos seis correntes bastante consistentes em suas identidades e comportamentos (vide Tabela 7). A primeira corrente de esquerda clássica foi a constituída pelo Partido Comunista. A queda dos denominados regimes de socialismo real e o fim da guerra fria entre as duas grandes potências afetou negativamente os partidos comunistas obrigando o estabelecimento de redefinições diversas segundo os contextos nacionais. No Uruguai, o PCU era um dos partidos comunistas com maior tradição e reconhecimento na América Latina. As mudanças externas pós-89 catalisaram sua ruptura interna levando a um notório declínio eleitoral. Assim, nas eleições de 1994 e 1999, seu desempenho caiu bruscamente para apenas a metade do eleitorado que obtivera em 1971 e em 1984, diminuindo 30% em relação a 1989, perdendo também sua posição de força hegemônica dentro da coalizão de esquerda. Em contraste, a segunda corrente de esquerda clássica, o Partido Socialista, foi ocupando parte do vácuo deixado pelo PCU, emergindo como primeira força orgânica partidária dentro da esquerda, aumentando em quatro vezes seu volume de votos de 1984. A crítica fundacional às experiências do socialismo real como também o processo de renovação e crítica ideológica iniciado a partir da transição democrática lhe conferiram maior distância para posicionar-se perante as mudanças no campo socialista comunista. A terceira corrente de esquerda de matriz socialista esteve conformada pelos partidos e organizações de esquerda insurrecional ou radical, desenvolvidos nas décadas de 60 e de 70. Estes setores tiveram uma representação eleitoral muito minoritária na transição democrática; porém, o processo de re- 79 Capítulo 2 conversão política que os levou (principalmente o MLN) a optar por uma estratégia de inserção institucional lhes dará rédito nas últimas eleições, em que ocuparão a terceira posição em força eleitoral das esquerdas. Entre as correntes marcadamente ideológicas encontramos a democracia cristã que teve seu eleitorado reduzido praticamente a dois terços a partir da cisão com a Frente Ampla, recompondo-o parcialmente mais tarde ao decidir sua reinserção no campo da esquerda mediante o Encontro Progressista. A corrente de esquerda de origem batllista, constituída pelo PGP, teve uma expansão muito forte enquanto força eleitoral no contexto de recomposição política das eleições de 1984, a partir do qual se localizou como a primeira bancada da FA. No entanto, o longo debate interno com outros partidos, principalmente com o PCU, somado à sucessão de divisões e cisões posteriores à saída da FA e à morte de seu principal líder deixaram-na na posição de força política minoritária. Tabela 7: Votação dos partidos e tendências de esquerda, para a Câmara de Senadores no Uruguai (listas e sub-legendas nacionais, 1971-1999) % total votos válidos 1971 1984 1989 P. Comunista (1) P. Socialista (2) Radicais (3) P. D. Cristã P. pelo Governo do Povo – Novo Espaço Moderados (5) 6 2,2 4,3 3,7 1,9 –– 6 3,3 1,4 2,3 8,3 –– 9,9 4,7 2,3 1,6 7 3,4 1994 1999 2,9 5,5 3,1 0,9 5,2 (4) 14,9 3,2 11,1 7,1 3,6 4,6 13,6 Fonte: elaborado com base na Corte Electoral. (1) resultados das coligações eleitorais do P. C. U em 1971, 1984 e 1989. (2) votação própria do PS. Mas o partido fez coligações eleitorais com o PGP em 1984, com a lista 77 em 1989, 1994 e 1999, e também com um grupo que vinham do PCU em 1994. (3) coligações de grupos políticos com as posições de esquerda mais radicais (Pátria Grande, Izquierda Democrática Independiente – IDI – (Esquerda Democrática Independente), Movimiento de Participación Popular – MPP – (Movimento de Participação Popular), Movimiento de Liberación Nacional – MLN – (Movimento de Liberação Nacional), Partido por la Victoria del Pueblo – PVP – (Partido pela Vitória do Povo), Corriente de Izquierda – CI – (Corrente de Esquerda), Unión Frenteamplista – UF – (União Frenteamplista) nas eleições escolhidas). (4) Nestas eleições produz-se a cisão mais importante do PGP, onde um grupo incorporaram-se na legenda partido colorado (com o 1,5% dos votos no nível nacional) e outro vai ficar na Legenda Novo Espaço. (5) Inclui os setores da Vertiente Artiguista – VA – (Vertente Artiguista), Asamblea Uruguay – AU – (Assembléia Uruguai) e a agrupação liderada por Nin Novoa do Encontro Progressista. 80 As esquerdas e as transformações político-eleitorais Por último, tem sido notório o crescimento do espaço eleitoral pós-89 de novas correntes de esquerda mais moderadas – quanto a suas pretensões ideológicas –, mais pragmáticas em sua ação quotidiana, com menos peso da organização partidária setorial, embora enquadradas dentro da estrutura da coalizão política e identificadas com a tradição de esquerda suprapartidária nacional e popular que constituiu a legenda Frente Ampla e, mais tarde, a agregação do Encontro Progressista. LIMITES DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA DAS ESQUERDAS Os realinhamentos nos desempenhos e nos comportamentos eleitorais não se traduziram numa alteração imediata da representação partidária nos órgãos de governo; nesse sentido, os impactos variaram segundo três fatores: a influência do sistema eleitoral, o tamanho dos distritos eleitorais e o grau de regionalização ou expansão territorial dos apoios eleitorais partidários nos diversos distritos. Nesta seção, propor-se-á uma visão panorâmica sobre os avanços em termos de representação parlamentar e sobre as formas de penetração territorial das adesões eleitorais dos partidos de esquerda e de centro-esquerda. DO BIPARTIDARISMO À COABITAÇÃO COM TERCEIRAS FORÇAS: O CASO DA ARGENTINA No âmbito da representação nacional as mudanças foram mais graduais do que na cena eleitoral. A primeira observação é que o Partido Justicialista (PJ), exceto no período inicial do primeiro governo radical, manteve-se como a principal bancada parlamentar (média em torno de 46%) aproveitando os efeitos beneficiários em relação a partidos majoritários do sistema eleitoral que se exprimiram na obtenção de um número de bancadas maior do que os desempenhos eleitorais. 81 Capítulo 2 De outro lado, o desempenho eleitoral da UCR, apesar dos benefícios em termos de representação dos partidos majoritários, foi progressivamente mais baixo no referido período, o que se exprimiu numa queda de sua bancada de 50% para 30%, parcialmente amortecida depois da formação da Aliança. A FREPASO teve um crescimento eleitoral nacional acelerado desde 1995, mas isto não implicou uma tradução imediata em representação parlamentar, pois a mesma foi minoritária (9%). Esta defasagem foi bastante notória, principalmente quando comparada com a forte relevância exprimida nas eleições presidenciais, com o apoio de 28% dos votos válidos. Este crescimento foi se consolidando ainda dentro da Aliança (atingindo 11% das bancadas de deputados) e como terceira força política no nível nacional. A outra novidade no plano eleitoral, traduzida na representação parlamentar, foi o reaparecimento dos Partidos Provinciais que voltaram a capitalizar seu peso histórico, ocupando aproximadamente 10% das bancadas, amplificando-se também sua importância ao distribuírem-se desigualmente no território, o que lhes permite desempenhar um papel de segunda força em várias províncias. Tabela 8: Porcentagem de cadeiras obtidas pelos principais blocos partidários nas eleições para deputados nacionais na Argentina (1983-1999) % cadeiras deputados segundo blocos partidários PJ UCR Frente Grande-FREPASO Outros Provinciais Total de cadeiras 19831985 19851987 19871989 19891991 19911993 19931995 19951997 19971999 46,4 49,6 40,6 50,8 41,7 44,9 44,1 35,4 46,3 33,1 2,8 1,2 100% (248) 4,7 3,9 100% (254) 4,7 8,7 100% (254) 7,1 13,4 100% (254) 5,4 15,2 100% (257) 48,2 32,3 5,1 14,4 0,0 100% (257) 51,4 26,5 8,6 13,6 0,0 100% (257) 46,2 30,4 11,2 1,5 10,8 100% (260) Fonte: elaborado com base em dados do Congresso da Nação argentina. A expansão das opções políticas de centro-esquerda não foi eqüitativa em todo o território nacional, produzindo-se com força desde a Capital e desde o cone urbano da província de Buenos Aires. A análise da evolução das ade- 82 As esquerdas e as transformações político-eleitorais sões do eleitorado portenho a coligações de centro-esquerda mostra, de um lado, a expansão do peso de novos partidos de centro-esquerda e, ao mesmo tempo, a ocupação do espaço que tradicionalmente era bastião da UCR.20 Tabela 9: Votação coligações de centro-esquerda nas eleições parlamentares e presidenciais em Buenos Aires capital federal (1991-1999) Coligações de centro-esquerda 1991 Frente Grande 1991 Unidade Socialista 1993 Frente Grande 1993 Unidade Socialista 1995 FREPASO (Frente Grande + União Socialista) 1997 Aliança Trabalho, Justiça e Educação (UCR+FREPASO) 1999 Aliança Trabalho, Justiça e Educação (UCR+FREPASO) % votos válidos 3,7 6,4 13,7 5,7 35,1 56,8 51,2 Fonte: De Luca, Miguel; Jones, Mark e Tula, Maria Ines, 1998, e Congresso da Nação argentina. A penetração eleitoral da FREPASO se efetivou desde os núcleos centrais da capital e da província de Buenos Aires, nas quais mostrou sistematicamente melhores desempenhos eleitorais do que no resto do país. Estas províncias têm sido as de maior desenvolvimento sócio-econômico e as de maior concentração de população (48%), constituindo também os maiores distritos eleitorais. Da mesma forma, cabe destacar que estes distritos têm sido os que apresentaram melhores indicadores de bem-estar social, com um forte peso do setor industrial, um alto contingente de classe operária e de setores médios (Torrado, 1992), sendo ao mesmo tempo as regiões nas que os efeitos desagregadores das transformações, dos ajustes e das reestruturações econômicas neoliberais das últimas décadas colidiram mais diretamente. Nesse sentido, as bases sociais da extensão do eleitorado da FREPASO se assentaram, em parte, em setores populares tradicionalmente “peronistas” da grande Buenos Aires e, em maior medida, na ampla captação e deslocamento das adesões dos setores médios que votavam tradicionalmente na 20 Este fenômeno se exprimiu não apenas no plano eleitoral mas também na representação política e no acesso ao governo. 83 Capítulo 2 UCR, principalmente na capital portenha. Este último fenômeno é reforçado a partir da conformação da Aliança, na qual a FREPASO compartilha o mesmo espaço eleitoral de concorrência que a UCR. Tabela 10: Votação nas três primeiras forças partidárias nacionais nas eleições parlamentares nos níveis Nacional, Província de Buenos Aires e capital federal, Argentina (1995-1999) Forças políticas Aliança União Cívica Radical FREPASO P. Justicialista Total país Total província Buenos Aires Total Capital Federal % votos válidos % votos válidos % votos válidos 1995 1997 1999 21,7 21,1 43 36,5 6,8 2,4 36 43,1 36,1 0,1 1995 18 24 52 1997 1999 48,3 43 41,3 36,3 1995 20,2 35,1 23 1997 1999 56,8 51,2 17,9 9 Fonte: elaborado com base em dados do Congresso da Nação argentina. A PROGRESSIVA NACIONALIZAÇÃO DA ESQUERDA NO BRASIL A expansão do campo da esquerda na representação parlamentar foi muito mais lenta se comparada com a votação obtida, apresentando aliás uma marcada defasagem em relação aos desempenhos nas eleições presidenciais. De um lado, observou-se uma visibilidade muito alta na concorrência por cargos executivos nacionais que, nas eleições de 1998, chegou a 43% dos votos enquanto que a votação para bancadas legislativas se localizava em torno de 24%. De outro lado, os efeitos condicionantes do sistema eleitoral, principalmente a desproporcionalidade dos distritos maiores, onde estes partidos foram mais fortes em sua origem, produziram uma distorsão entre os votos obtidos e as bancadas atingidas pelos partidos, especialmente durante toda a década de 80. Só depois de 1994, à medida que os partidos aumentavam seu volume de eleitorado, estendendo-se em toda a Federação, começaram a ter uma representação parlamentar bastante semelhante, embora sempre menor à votação obtida (no campo da direita se produziu a situação inversa, pois os partidos obtiveram sistematicamente maior quantidade de bancadas, fundamentalmente nos distritos eleitorais menores). 84 As esquerdas e as transformações político-eleitorais O campo da esquerda, como já foi assinalado, apresentou mudanças importantes em seu interior no que se refere à localização de seus agentes constitutivos que progressivamente se exprimiram na representação parlamentar. De uma parte, o PDT (um partido pequeno em inícios dos anos oitenta) era o principal partido em termos de representação localizado na esquerda, contando com o capital político de uma bancada prévia. No entanto, foi sendo progressivamente relegado à situação de segundo lugar, perdendo uma parte significativa de sua bancada e reduzindo seu papel ao de um sócio minoritário no Congresso (5% das cadeiras). No extremo oposto, o surgimento do PT esteve marcado por uma bancada muito pequena (menos de 2% em 1982); porém, lentamente pôde superar os limitadores do sistema eleitoral e traduzir seu acelerado crescimento eleitoral na representação política, sobretudo após as eleições de 1989, em que emergiu com uma força de vocação nacional (com uma bancada de 10%) e enquanto nova força orgânica aglutinante principal das adesões dentro da esquerda. Um terceiro agente mais novo que, embora bastante menor do que os dois referidos acima, teve um crescimento eleitoral recente e paralelo em sua representação parlamentar, foi o PSB, que nas eleições de 1998 obteve 4% das cadeiras de deputados, proporção que se aproximou bastante à do PDT. Por último, apareceram partidos comunistas de esquerda – Partido Comunista do Brasil (PC do B) e Partido Popular Socialista (PPS) – pequenos quanto a sua representação parlamentar (em torno de 1% das cadeiras nacionais) mas consistentes em sua organização, desempenhos eleitorais e representação política. O campo da esquerda esteve marcado por uma expansão territorial desigual e heterogênea de suas bases sociais eleitorais. O PDT mostrou, no decorrer das últimas duas décadas, que seus melhores desempenhos eleitorais foram atingidos nas regiões de maior desenvolvimento do país (Sul e Sudeste), renovando o peso histórico da tradição trabalhista, principalmente nos Estados de Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro e também, mediante coligações partidárias, na região Norte e Nordeste. O PT surgiu como um partido novo nas regiões mais modernas e industrializadas, com um forte peso de sindicatos de trabalhadores que se exprimiu nas eleições de 1982, com uma hegemonia de suas bases eleitorais na região Sudeste, tendo como centro o coração industrial do Estado de São Paulo. 85 Capítulo 2 Tabela 11: Porcentagem de cadeiras obtidas pelos Partidos na Câmara de Deputados no Brasil (1982-1998) Esquerda PT PDT PSB PC do B Centro PMDB PSDB Direita PDS-PDC(*)-PPR-PPB PFL PRN PTB PL PSC Total de cadeiras 1982 1986 1990 1994 1998 6,5 1,7 4,8 8,2 3,3 4,9 41,8 41,8 53,4 53,4 51,8 49,1 36,7 7,8 24,2 21 9,6 6,6 2,9 1,9 33,0 20,9 12,1 35,9 10,1 17,3 21,3 11,3 4,9 3,7 1,4 35,5 16,2 19,3 40,5 11,7 20,5 2,7 3,5 1,2 19,3 7 9,1 2,2 1 29,1 21,5 7,6 49,2 12,7 16,5 8 7,6 3,2 1,2 6 2,5 6 2,3 100% (479) 100% (487) 100% (503) 100% (513) 100% (513) Fonte: TSE, Nicolau, 1998. Obs.: consideram-se partidos com mais do 1% de cadeiras. (*) O PDS funde-se com o PDC em 1993. Mais tarde, estendeu sua influência para as regiões de maior desenvolvimento econômico e social, principalmente a região Sul. A partir das eleições de 1989, ao se transformar em força nacional, começou a penetrar com maior vigor na região Norte e na Centro-Oeste, principalmente em estados que atravessaram processos de modernização acelerada e autoritária (César, 2000, p. 117). Nas eleições de 1998, ainda que mantivesse desempenhos eleitorais superiores nas regiões Sul e Sudeste, obteve adesões bastante proporcionais em todas as regiões. Esse processo de nacionalização do partido constituiu uma novidade histórica com respeito às tradições de esquerda precedentes. Em terceiro lugar, encontra-se o PSB, cujo eleitorado teve uma extensão territorial desproporcional e com fortes ancoragens regionais, localizando-se uma parte de seus bastiões eleitorais e sociais na região Nordeste tradicional, principalmente no Estado de Pernambuco, devido a sua principal figura ser um líder político histórico do estado e, no outro extremo, na região Su- 86 As esquerdas e as transformações político-eleitorais deste, nas áreas mais modernas, onde se localizam os principais centros urbanos, bastiões eleitorais “tradicionais” da esquerda. Tabela 12: Porcentagem de votação dos maiores partidos de esquerda segundo grandes regiões para a Câmara de Deputados Federal no Brasil (1982-1998) Regiões Norte Nordeste Centro-oeste Sudeste Sul Nacional 1982 1986 1990 1994 1998 % votos válidos % votos válidos % votos válidos % votos válidos % votos válidos PT 1,9 0,6 0,6 6,5 0,8 3,5 PT 7 2,3 3,7 9,7 5,9 6,9 PDT 0,0 0,1 0,3 8,3 9,3 5,8 PDT PT PDT 4,8 7,7 3,4 3,3 4,3 7,5 1,2 11,2 5,1 7,9 13,4 11,8 8,7 9,8 12,7 6,5 10,2 10,0 PSB 1,5 5,9 0,7 0,6 0,3 1,9 PT PDT 8,3 3,4 7,0 5,0 13,0 4,5 15,7 6,9 15,0 13,5 12,8 7,2 PSB 2,1 5,5 0,2 1,4 0,3 2,2 PT 8,7 9,2 11,6 14,7 16,9 13,2 PDT 5,5 3,1 1,6 6,6 8,5 5,7 PSB 1,7 6,8 0,4 3 1,5 3,4 Fonte: com base no TSE, Nicolau, 1998. DA OPOSIÇÃO À CONFORMAÇÃO DE UM BLOCO ALTERNATIVO DA ESQUERDA NO URUGUAI O crescimento eleitoral da esquerda no Uruguai foi constante, caracterizando-se além disso e da mesma forma em termos de representação política (em eleições presidenciais e parlamentares) devido ao regime eleitoral garantir a representação proporcional integral. Assim, tanto pela expansão progressiva de seu eleitorado quanto pela tradição imediata na representação partidária, foi a força que atingiu um impacto maior no âmbito nacional. Tabela 13: Porcentagem de cadeiras por legendas na Câmara de Deputados no Uruguai (1971-1999) Legendas 1971 1984 1989 1994 1999 Colorado Nacional F. Ampla - E. Progressista N. Espaço União Cívica Total de cadeiras 41,4 40,4 18,2 ––– ––– 100% (99) 41,4 35,4 21,2 ––– 2 100% (99) 30,3 39,3 21,2 9 ––– 100% (99) 32,3 31,3 31,3 5 ––– 100% (99) 33,3 22,2 40,4 4 ––– 100% (99) Fonte: elaborado com base em dados da Corte Eleitoral. 87 Capítulo 2 Entretanto, a fim de compreender a profundidade dos realinhamentos das grandes famílias e dos blocos políticos ideológicos do sistema partidário uruguaio, é preciso observar as mudanças produzidas no posicionamento dos diferentes atores políticos na concorrência e na distribuição territorial dos diferentes distritos departamentais do poder político. Apesar de sua pequena dimensão, o território uruguaio apresenta em seu interior desenvolvimentos regionais assimétricos com dinâmicas específicas e algumas inércias sócio-econômicas estruturais. Uma característica notória esteve constituída pela centralidade histórica da cidade de Montevidéu que, além de ser a sede do poder político-administrativo, é o principal centro urbano do país, aglutinando mais de 40% da população e concentrando ao mesmo tempo uma cota muito significativa da produção econômica (60% do PIB é gerado no âmbito da cidade). De outro lado, o “interior” do país está longe de ser um território nacional homogêneo. Com efeito, de acordo com pesquisas recentes,21 é possível identificar cinco regiões geográficas diferentes com padrões de modernização sócio-econômica específicos nos últimos vinte e cinco anos e com pesos políticos eleitorais diversos. Resulta importante levar em conta, aliás, que existem dois distritos de grande concentração demográfica (Montevidéu e Canelones, com 45% e 12% do eleitorado respectivamente) enquanto que o resto dos dezessete dis- 21 Conforme a tipologia realizada por Veiga (2000) a região Sudeste (Canelones e Maldonado) foi a que incorporou a maior parte da área metropolitana da capital, que teve, por sua vez, um importante desenvolvimento industrial como também do setor de serviços e turismo especificamente, mostrando uma ampla diversificação e dinâmica sócio-econômica. De outro lado, a região Sudoeste (Colônia e São José) compartilhou também um maior desenvolvimento sócio-econômico relativo com um peso significativo do setor agro-industrial e um alto desenvolvimento do setor exportador. A região Central (Tacuarembó, Durazno, Flores, Florida e Lavalleja) foi a que registrou o menor desenvolvimento relativo em relação ao país, com uma escassa diversificação sócio-econômica e com uma tendência ao esvaziamento de população. De outro lado, a região Litoral (Salto, Paysandú, Río Negro e Soriano) teve uma perda relativa de seu dinamismo industrial característico como também de sua agricultura cerealífera exportadora. Por último, a região Nordeste (Artigas, Rivera, Treinta y Tres, Cerro Largo e Rocha) registrou uma diversificação agro-industrial exportadora ligada à fronteira com o Brasil. 88 As esquerdas e as transformações político-eleitorais tritos conta cada um com menos de 4% e até 0,8% em forma decrescente do eleitorado nacional. Portanto, se considerarmos Montevidéu mais as regiões Sudeste e Sudoeste, teremos uma concentração de 67% do eleitorado e de 78% do PIB nacional. Os partidos de esquerda se desenvolveram, do ponto de vista eleitoral, justamente nas regiões com maior modernização e desenvolvimento relativo no país (Montevidéu e região Sudeste) como também dentro das regiões menos desenvolvidas nos departamentos que registraram maior dinamismo relativo (exemplo do desenvolvimento industrial de Paysandú, da bacia leiteira de Florida ou da diversificação produtiva da região Sudoeste – Colônia e São José). Cabe destacar que esta expansão eleitoral se deu a partir de um crescimento centrípeto na capital do país e que só nas eleições de 1999 começou a ter um processo de nacionalização mais proporcional das bases sociais no resto das regiões. Em suma, as mudanças políticas de longo prazo de transformação das famílias políticas tiveram lugar no coração dinâmico sócio-econômico do país, vinculando-se às mudanças sociais estruturais. Pode-se afirmar que, em grande medida, a família tradicional se manteve representando o voto conservador da estrutura social tradicional enquanto que a família das esquerdas se desenvolveu a longo prazo a partir de um voto moderno (Moreira, 2000, p. 104), representante dos setores mais modernizados do país. No entanto, é preciso atentar para o tipo de modernização a que nos referimos. De um lado, é preciso lembrar que o país teve uma pronta e avançada modernização no contexto latino-americano. De outro lado, desde a década de 70, a estrutura sócio-econômica esteve marcada por uma forte crise interna, passando por um período de inércias estruturais e recessão nos anos 80 e atingindo uma relativa recuperação de dinamismo nos anos 90. Por isso, a família das esquerdas se expandiu nas regiões de maior desenvolvimento social relativo do país, mas num contexto de modernização regressiva e de crescente diferenciação regional da estrutura territorial. Isto poderia ser interpretado de duas maneiras complementares: como sinal de que a mudança de atores políticos alternativos exprimiu mudanças estruturais de base (expressão política da modernização social) ou, a partir da existência de um contexto de crise e recessão, como uma canalização po- 89 Capítulo 2 lítica da oposição ou crítica perante o esgotamento e a perda de dinamismo de um modelo de desenvolvimento (defasagem entre o desenvolvimento político e o social). Tabela 14: Porcentagem de votação das famílias de esquerda nas eleições por regiões para a Câmara de deputados no Uruguai (1984-1999) Regiões Montevidéu Sudeste Sudoeste Central Litoral Nordeste Nacional 1984 1989 1994 1999 % votos % votos válidos % votos válidos % votos válidos FA FA NE FA NE EP-FA NE 33,7 13,5 11,5 6,5 11,2 6,2 21,3 34,5 14,1 10,9 7,0 9,9 5,4 21,2 13,1 8,5 5,9 4,5 4,8 3,2 9,0 44,1 23,4 20,3 13,9 22 12,6 30,6 7,3 5,4 4 2,9 2,3 1,9 5,2 51,8 38,4 30,6 23,5 34,8 23,9 40,1 5,5 5,1 4,9 3,2 3,6 2,4 4,6 Fonte: elaboração com base em A. Albornoz (1984, 1989) e Corte Eleitoral (1994, 1999). 90 Capítulo 3 AS TRAJETÓRIAS POLÍTICAS E SOCIAIS DAS ESQUERDAS O presente capítulo tem como objetivo principal abordar as formas de integração parcial das esquerdas e do centro-esquerda no nível político e também no social. Em função disso, serão analisados os traços sociais e políticos relacionais que caracterizaram a conformação dos campos ideológicos a partir de seus agentes, especificamente dos quadros dirigentes. A integração política parcial dos dirigentes aos âmbitos político-institucionais foi estudada a partir das trajetórias políticas dos dirigentes. Nesse sentido, serão analisadas as carreiras políticas das elites das esquerdas na concorrência por cargos políticos tanto nas esferas governativas quanto nas representativas. Da mesma forma, realizar-se-á uma aproximação aos diferentes tipos de carreiras e ao contexto histórico em que os mesmos foram desenvolvidos. A hipótese da integração parcial será apresentada através de um duplo jogo de acumulação de carreiras políticas em cargos representativos e de uma certa reticência em relação à integração total nos âmbitos governamentais. De outro lado, propor-se-á a hipótese de integração social parcial dos agentes mediante o estudo das posições de origem e dos tipos de redes sociais estabelecidos pelos dirigentes em espaços públicos da sociedade. Com efeito, a integração parcial se manifestou no fato de que as redes associativas estabelecidas estiveram ligadas a velhas e novas questões sociais, como também aos déficits sociais decorrentes da crise do Estado de bem-estar. A análise dos padrões de recrutamento social e político mostrará também a emergência de agentes políticos específicos com um grau impor- 91 Capítulo 3 tante de enraizamento e de intermediação de interesses coletivos na sociedade e com mecanismos de recrutamento tradicionais e não-tradicionais dos elencos políticos. A idéia de agente fez referência a empresas políticas que mobilizaram recursos sociais de seus dirigentes ao mesmo tempo em que ensaiavam estratégias de apropriação e de reprodução de capitais políticos. Estes usos sociais da relação partidária, como também a forma de apropriação de bens políticos, revelaram-se fatores relevantes a fim de compreender o tipo de empresa política (Offerlé, 1987, p. 98), consistindo, justamente, o trabalho das organizações políticas e de seus dirigentes em ativar e mobilizar um conjunto de relações e de redes sociais no intuito de constituir as identidades partidárias (Sawiki, 1997, p. 330). A pesquisa sobre os agentes se orientou para a compreensão do contexto sócio-político das trajetórias biográficas que levaram os políticos a ocupar uma posição dirigente. Destarte, partiu-se da preocupação por reconstruir as múltiplas redes sociais percorridas pelos quadros dirigentes antes e paralelamente à carreira “estritamente” política. Explorou-se assim como foi produzida a agregação de interesses de diferentes campos sociais, isto é, as diversas dimensões sociais que confluíram na conformação da identidade social de um grupo político. Desde o enfoque analítico foi salientada a pretensão de recompor a construção social dos dirigentes em termos de “afinidades eletivas”, de relações e de redes sociais nas “carreiras” para o poder político que favoreceram a agregação de uma constelação de interesses comuns de unificação de um “grupo político” de agentes que fizeram parte de um campo político-ideológico específico. De acordo com esse objetivo, este capítulo se focalizou na reconstrução das trajetórias ou carreiras políticas dos quadros dirigentes e na identificação de padrões de recrutamento social em termos de origens sociais prévias à política como também de afinidades eletivas nas estratégias de participação em associações e de estabelecimento de redes sociais na sociedade civil. A análise das afinidades eletivas do elenco dirigente nas carreiras institucionais e nas posições ou redes sociais estabelecidas nas trajetórias políticas serviu para compreender as estratégias de acumulação de recursos coletivos e individuais que contribuíram para a produção de coesão das identidades políticas simbólicas das esquerdas num contexto histórico determinado. 92 As trajetórias políticas e sociais das esquerdas A seção final confirmará o contraste empírico das principais hipóteses comparativas sobre as afinidades e diferenças entre as fronteiras que constituíram os campos ideológicos das esquerdas e do centro-esquerda. AS CARREIRAS POLÍTICAS: ENTRE A SEDUÇÃO E A RETICÊNCIA Que nos pode dizer um estudo sobre os dirigentes das esquerdas, a respeito da organização interna de seu campo? Partindo do pressuposto de que os dirigentes eram agentes “interessados” em reproduzir a existência de certo campo político-ideológico, perguntou-se acerca do grau de “compromisso” em relação ao campo e sobre a forma das “filiações” partidárias dentro do mesmo. Em função disso, foram selecionadas algumas variáveis relativas às carreiras biográficas políticas que serviram para descrever as gerações políticas das esquerdas e suas trajetórias políticas. O primeiro ponto de interesse foi o referido ao período histórico de ingresso ao mundo da vida política e às opções de organizações partidárias escolhidas. Nesse sentido, foi salientado o fato de que os quadros das esquerdas atuais foram forjados majoritariamente no período de crise política e de emergência de autoritarismos militares nas décadas de 60 e 70. As diferenças de períodos específicos entre os três campos de esquerda e de centro-esquerda estudados decorreram, sobretudo, dos diferentes ritmos dos processos políticos de cada país. Assim, para a Argentina, o período chave se localizou entre os anos 1967 e 1976, fase caracterizada pela forte mobilização política e que abrange desde a ditadura militar de Onganía até a repressão e emergência da guerrilha, o retorno do peronismo ao poder em 1973 e sua posterior crise em 1976. No Brasil, por sua vez, os quadros majoritários das esquerdas ingressaram na cena política desde a experiência de resistência armada à ditadura militar (1965-73) e na reconstrução de espaços de oposição política legal ao regime autoritário (1974-81). Por último, no Uruguai, as esquerdas foram se integrando paulatinamente à política, tanto no período de consolidação democrática (1931-57) quanto no longo processo de crise estrutural do modelo de desenvolvimento (1958-73). 93 Capítulo 3 Além desses elementos comuns, constatou-se em todos os casos a existência de uma parte significativa de gerações mais antigas que ingressaram nos períodos imediatamente anteriores e posteriores ao auge dos modelos de Desenvolvimento nacional-popular. No caso da Argentina, foram identificadas três gerações de ingresso à política: 21% dos dirigentes ingressou entre a primeira experiência do peronismo histórico (1943-55) e a expulsão do poder (1956-66). O núcleo principal dos mesmos (59%) o fez no período 1967-76. Em contraste, 15% dos políticos entrou no período da redemocratização recente (1981-89). No Brasil, agruparam-se quatro gerações de esquerda: 18% dos dirigentes ingressou na época de democratização de pós-guerra (1945-64); outro 18% realizou sua primeira experiência no período de luta armada (1965-73); 36% dos dirigentes ingressou no período de distensão do regime autoritário e de abertura política (1974-81); e outro 13% o fez durante a transição e póstransição democrática (1982-99). No Uruguai, o ingresso à política se dividiu em dois períodos principais: de uma parte, 35% ingressou entre os anos 1931 e 1957 e, de outra, 41% o fez entre 1958 e 1973. Tabela 15: Momento de ingresso na atividade política dos dirigentes da FREPASO Período histórico de ingresso à política Sem infor. 1930-1942 1943-1955 1956-1966 1967-1976 1981-1989 1990-1999 Total N % 1 1 4 4 23 5 1 39 2,6 2,6 10,3 10,3 59,0 12,8 2,6 100,0 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. 94 As trajetórias políticas e sociais das esquerdas Tabela 16: Momento de ingresso na atividade política dos dirigentes das esquerdas brasileiras Período histórico de ingresso à política N Sem infor. 1930-1944 1945-1960 1961-1964 1965-1973 1974-1981 1982-1988 1989-1999 Total 16 1 14 4 18 37 10 3 103 % 15,5 1,0 13,6 3,9 17,5 35,9 9,7 2,9 100,0 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. Tabela 17: Momento de ingresso na atividade política dos dirigentes das esquerdas uruguaianas Período histórico de ingresso à política Sem infor. 1931-1941 1942-1957 1958-1966 1967-1973 1974-1979 1980-1989 Total N % 12 8 14 11 15 1 3 64 18,8 12,5 21,9 17,2 23,4 1,6 4,7 100,0 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. Outro dado importante a considerar quanto ao início na política foi o relativo ao partido pelo qual optaram ao começar a militância política. Nesse sentido, foram constatadas três características comuns nos casos de estudo: a existência de uma parte significativa de quadros políticos ligados às alas de esquerdas dos partidos “tradicionais” de cada sistema político; a presença de um núcleo “duro” de militantes vinculados à esquerda socialista clássica (partidos comunistas e socialistas); e outro setor relevante de dirigentes que optou por correntes de esquerda insurretas, variando a proporção destes três grupos de acordo com cada país. 95 Capítulo 3 O caso argentino foi o que apresentou um número maior de dirigentes que optaram por alas de esquerda nos partidos tradicionais (56%). 51% desses dirigentes ingressou ao Partido Justicialista, fazendo-o uma quinta parte em correntes de centro e quase a metade na ala de esquerda propriamente dita. De outro lado, 5% entrou na UCR. É preciso, aliás, realizar duas observações: a maioria dos dirigentes esteve vinculada ao peronismo, desenvolvendo-se dentro dessa corrente os segmentos mais significativos de esquerda revolucionária; de outro lado, deve-se atentar para o peso importante da experiência em partidos socialistas clássicos (28%) num contexto histórico onde os mesmos tinham sido relegados como centros convocadores da esquerda argentina.1 No Brasil, 13% dos dirigentes ingressou à política incorporando-se à esquerda trabalhista tradicional (antigo Partido Trabalhista Brasileiro ou o mais recente Partido Democrático Trabalhista). Outro segmento similar (10%) começou sua atividade política no Partido Comunista Brasileiro. Um contingente importante de líderes políticos (22%) iniciou sua experiência partidária em alguma das múltiplas agrupações de esquerda que organizaram a luta armada entre finais dos anos 60 e a primeira metade da década de 70. 12% dos dirigentes se vinculou às alas de centro-esquerda dentro da oposição legal do Movimento Democrático Brasileiro e suas derivações principais do PMDB e do PSDB. Por último, um contingente muito relevante iniciou sua experiência em partidos socialistas novos, principalmente no Partido dos Trabalhadores (23%) e no Partido Socialista Democrático (5%). No caso uruguaio, 21% dos dirigentes de esquerda proveio dos setores progressistas dos partidos tradicionais (Partido Colorado-batllismo, Partido Nacional e a tradição cristã da União Cívica ou do Partido Democrata Cristão). 49% dos dirigentes iniciou suas atividades nos partidos socialistas clássicos (Partido Comunista Uruguaio e seus aliados, Partido Socialista). 1 Cabe lembrar que o socialismo argentino teve um período de auge nas décadas de 1920 e 1930 até a emergência do peronismo. 96 As trajetórias políticas e sociais das esquerdas Outro 6% de dirigentes esteve vinculado a setores de esquerda revolucionária. Finalmente, registrou-se 11% de dirigentes que ingressou à política sem uma adesão partidária pré-definida embora vinculada à experiência de formação da coalizão de esquerda Frente Ampla. Portanto, os perfis das elites de esquerda mostraram, desde o início da carreira, afinidades eletivas por correntes de esquerda no contexto histórico de crise e mobilização política das décadas de 60 e 70. Mais tarde, no período da redemocratização, observou-se a consistência às adesões ao campo ideológico, mantendo-se em boa medida as filiações partidárias embora também com mobilidades internas para novas correntes de esquerda. Tabela 18: Partido de início na atividade política dos dirigentes da FREPASO Partido ou organização política no ingresso P. Justicialista P. Justicialista Guarda de Ferro (Centro-Direita) P. Justicialista Grupos de centro-esquerda P. Justicialista Agrupações de estudantes Sindicalismo Peronista P. Justicialista Juventude de esquerda P. Justicialista Montoneros P. Justicialista Tendência Intelectuais de esquerda Partido Revolucionário dos Trabalhadores UCR, Junta Coordenadora UCR Alfonsinismo P. Intransigente P. Socialista P. Comunista Democracia Popular / Partido Democrático Cristão Total N % 3 2 2 2 2 2 1 5 2 2 1 1 2 6 5 2 39 7,7 5,1 5,1 5,1 2,6 5,1 2,6 12,8 5,1 5,1 2,6 2,6 5,1 15,4 12,8 5,1 100,0 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. 97 Capítulo 3 Tabela 19: Partido de início na atividade política dos dirigentes das esquerdas brasileiras Partido ou organização política no ingresso Sem Informação Partido Trabalhista Brasileiro Partido Democrático Trabalhista Partido Comunista Brasileiro Partido Comunista do Brasil Esquerda Guerrilheira Marxista Partido Comunista Brasileiro Revolucionário Aliança Libertadora Nacional (ALN) Ação Popular Marxista Leninista Marxismo revolucionário trotskista Movimento Liberdade e Luta (LIBELU) Ala Vermelha Movimento pela Emancipação do Proletariado Movimento sindical Movimento Democrático Brasileiro Partido dos Trabalhadores PT Sindicalista ABC Paulista e CBE Partido Socialista Brasileiro Democracia Cristã Direita Liberal PPB/PFL PSD ARENA PMDB PSDB MR8 Total N % 14 8 5 10 3 2 4 3 2 2 1 1 1 2 9 21 1 5 1 2 1 1 2 1 1 103 13,6 7,8 4,9 9,7 2,9 1,9 3,9 2,9 1,9 1,9 1,0 1,0 1,0 1,9 8,7 20,4 1,0 4,9 1,0 1,9 1,0 1,0 1,9 1,0 1,0 100,0 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. O segundo acontecimento considerado relevante dentro das trajetórias políticas dos dirigentes do campo das esquerdas no sul teve a ver com o impacto da repressão autoritária sobre os quadros de dirigentes de esquerda. Este fenômeno constituiu um marco fundamental, pois os regimes autoritários da década de 60 e de 70 identificaram estes setores políticos como um inimigo direto a ser combatido.2 Por isso, a resistência passiva ou ativa, com toda sua carga ideo- 2 Provavelmente tenha sido O'Donnell quem mais prontamente advertiu o impacto negativo da implementação dos Estados burocrático-autoritários na exclusão coativa do setor popular e na proibição de formação de organizações sindicais políticas de interesse dos trabalhadores (O'Donnell, 1997). 98 As trajetórias políticas e sociais das esquerdas Tabela 20: Partido de início na atividade política dos dirigentes das esquerdas uruguaias Partido ou organização política no ingresso Sem informação Partido Colorado Batillismo (Lista 15,14) Federação Estudantes Batllistas Partido pelo Governo do povo P. Nacional Herrerismo (Lista 51, Erro) P. Nacional Wilsonismo P. Nacional Movimento Nac. de Rocha União Cívica Partido Democrata Cristão Partido Comunista do Uruguai Democracia Avançada Lista 1001 PCU Militância Sindical e Estudantil P. Socialista Militância estudantil União Popular, Tercerismo Universitário Federação Anarquista do Uruguai-ROE Grupos de Ação Unificada FA 26 de março Movimento de Liberação Nacional Frente Ampla Frente Ampla no exterior Total N % 5 5 1 1 3 1 1 1 4 13 1 1 16 1 2 1 1 1 1 3 1 64 7,8 7,8 1,6 1,6 4,7 1,6 1,6 1,6 6,3 20,3 1,6 1,6 25,0 1,6 3,1 1,6 1,6 1,6 1,6 4,7 1,6 100,0 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. lógica, afetiva e pessoal, perante a experiência da repressão e da perseguição política dos regimes ditatoriais do Cone Sul, constituiu-se num traço de destaque nas trajetórias políticas das esquerdas. Para medir o impacto direto da repressão sobre os dirigentes foram levantadas as formas mais fortes de repressão – prisão e exílio – também em relação aos familiares diretos dos perseguidos – filhos, irmãos, maridos ou pais –, dando conta também do desaparecimento ou morte de alguns deles. Entre os dirigentes estudados na Argentina localizamos 26% que sofreu algum tipo de repressão durante a última ditadura militar, passando 73% deles pela experiência da prisão pessoal ou da prisão ou desaparecimento de familiares diretos. No caso do Brasil, foi verificado que 21% dos políticos foi objeto de repressão, passando 59% desses políticos pela experiência da prisão pessoal ou da prisão ou desaparecimento de familiares diretos. 99 Capítulo 3 No Uruguai foi onde se registrou maior impacto sobre o grupo atual de dirigentes. Com efeito, 50% do mesmo sofreu os efeitos da repressão do regime autoritário, passando 75% dessa porcentagem pela experiência da prisão pessoal ou da prisão ou desaparecimento de familiares diretos. Tabela 21: Impacto da repressão dos regimes autoritários nos dirigentes de esquerda e centro-esquerda por país Repressão sofrida no regime autoritário Nenhuma Prisão Prisão de familiares diretos Desaparição ou morte de familiar direto Exílio Exílio de familiar direto Morte Total PAÍS TOTAL Argentina Uruguai Brasil N Col % N Col % N Col % N Col % 29 5 1 74,4 12,8 2,6 81 12 1 78,6 11,7 1,0 34 18 2 53,1 28,1 3,1 144 35 4 69,9 17,0 1,9 1 2,6 1 1,6 2 1,0 3 7,7 9 8,7 39 100,0 103 100,0 5 3 1 64 7,8 4,7 1,6 100,0 17 3 1 206 8,3 1,5 0,5 100,0 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. Pelo menos dois aspectos pareceram relevantes a esse respeito. O primeiro foi o referido ao efeito ampliado da experiência da repressão sobre os quadros dirigentes de esquerda, muito maior do que o sofrido pelo conjunto da população, destacando-se também o impacto estendido da repressão direta sobre a liberdade pessoal e sobre a vida física. O segundo aspecto esteve conformado pelas diferenças entre os quadros dirigentes nacionais, aparecendo, de um lado, a Argentina e o Brasil, com impactos repressivos semelhantes – embora superior no caso argentino – e, de outro lado, o Uruguai, registrando os efeitos mais fortes da repressão sobre os dirigentes. Em primeiro lugar, é preciso lembrar os impactos diferenciais das ditaduras sobre as populações nacionais. Assim, a cada desaparecido ou morto no Brasil corresponderam 10 no Uruguai e 3000 na Argentina. O número de desaparecidos foi estimado, para a Argentina, entre 9000 (número oficial) e 30.000 (ONGs DDHH), para o Brasil, em 152 e, para o Uruguai, em 160 (dos quais 125 foram realizados na Argentina) (Daraújo, Castro, 2000, p. 344). 100 As trajetórias políticas e sociais das esquerdas As diferenças encontradas entre os efeitos da repressão nas elites dos três países podem ser interpretadas de várias formas. É provável que as diferemças existentes entre as esquerdas brasileiras e uruguaias se expliquem pelo fato de que a ditadura uruguaia realizou uma repressão muito mais generalizada e minuciosa na sociedade do que no caso do Brasil, além de o peso político e contestatório e de mobilização da esquerda uruguaia nos anos 70 ser muito maior do que o correspondente à brasileira. Já a quase paridade em relação aos quadros dirigentes da Argentina e do Brasil requer uma explicação adicional. Na realidade, a repressão sobre dirigentes de esquerda na Argentina foi ainda maior do que no Uruguai; porém, a menor presença de efeitos na condução atual pode ser explicada por dois fatores. Em primeiro lugar, os quadros dirigentes da esquerda insurreta se fragmentaram notoriamente ou dissolveram em diversas forças políticas durante o processo de redemocratização. E, segundo, a autodefinição ideológica em direção ao centro-esquerda da FREPASO convocou setores de esquerda do peronismo mais vinculados a posições mais moderadas, sendo, inclusive, vários deles, críticos tanto da experiência guerrilheira de Montoneros quanto das correntes de esquerda marxista clássica. O terceiro núcleo de análise das trajetórias políticas se concentrou nas carreiras político-institucionais. Nesse sentido, constatou-se que 18% dos dirigentes realizou uma carreira exclusivamente política – em cargos executivos ou representativos das instituições políticas – enquanto que o resto intercalou antes e durante a carreira política outros postos de liderança pública na sociedade.3 Nessa direção, considerou-se relevante explorar o tipo de carreiras políticas destes elencos dirigentes. A partir dos processos de redemocratização recente na América Latina, as esquerdas iniciaram uma etapa de avanços no campo político-eleitoral em relação às possibilidades de disputa por cotas do poder político. Nesse sentido, foi medida a experiência acumulativa em cargos de governo no nível executivo nos diversos âmbitos de governo (Nacional, Estadual ou Provincial e Municipal para as capitais de Estado e grandes cidades). 3 Vínculo que será desenvolvido nas seções seguintes. 101 Capítulo 3 O peso das carreiras de governo foi bastante diferente nos três casos. Esse peso é maior no caso brasileiro, onde 61% dos dirigentes teve, em algum momento de sua carreira política, cargos de perfil executivo. Em segundo lugar ficaram localizados os elencos de centro-esquerda argentino, entre os quais 26% exerceu algum cargo de governo. Tabela 22: Cargos executivos que tiveram os dirigentes de esquerda e centro-esquerda por país (último cargo) PAÍS TOTAL Tipo de cargo Nenhum Ministros Direção Executivo Nacional Técnicos Exe. Nac. Secretarias Exe. Nac. Governador e vice Estado/Província Técnicos Exe. Est./Prov. Secretarias Exe. Est./Prov. Dir. Empresas Públicas Nacionais Prefeito Capital País - SP, RJ Gabinete Municipal Pref. Capital Est./ Prov. Prefeito Total Argentina Uruguai Brasil N Col % N Col % N Col % N Col % 29 3 74,4 7,7 40 1 38,8 1,0 54 4 1 84,4 6,3 1,6 123 8 1 59,7 3,9 0,5 1 1 2,6 2,6 2 1 15 1,9 1,0 14,6 2 2 16 1,0 1,0 7.8 1 1 2,6 2,6 1 20 1,0 19,4 2 21 1,0 10,2 3 39 7,7 100,0 2 1,9 3 9 9 103 2,9 8,7 8,7 100,0 2 3,1 2 1,0 2 3,1 4 1,9 1,6 100,0 3 9 13 206 1,5 4,4 6,3 100,0 1 64 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. Por último, a elite de esquerda uruguaia, com uma longa tradição política, foi a que registrou uma menor e mais recente participação em cargos de governo, ocupando esse tipo de cargo apenas 13% de seus dirigentes em sua carreira política. Além das diferenças nacionais, quando as carreiras de governo foram comparadas com qualquer dos outros dois tipos de cargos políticos desempenhados – parlamentares ou partidários – foi notória a relevância muito me- 102 As trajetórias políticas e sociais das esquerdas nor em termos gerais. Esses dados são bastante coerentes com a recente experiência histórica de governo dos quadros dirigentes de esquerda, sendo condizentes também com as atitudes de desconfiança manifestadas historicamente por várias correntes de esquerda com respeito à participação em cargos de responsabilidade governativa executiva. Da mesma forma, considerando o âmbito de ação governativa, observou-se certa reticência quanto ao desempenho de cargos no executivo nacional e uma preferência pela assunção progressiva de postos nos âmbitos municipais, estaduais ou provinciais. Outro aspecto que se levou em conta nas trajetórias políticas foi a análise das carreiras Parlamentares4 em seus diferentes âmbitos (Congressos nacionais, estaduais ou provinciais). O perfil parlamentar como padrão de carreira política foi prevalecente em todas as elites de esquerda e de centro-esquerda, exercendo, entre 70 e 75% dos dirigentes estudados, algum cargo legislativo durante sua carreira política. A grande maioria (mais de dois terços) teve, por sua vez, dois ou mais mandatos parlamentares, sendo este resultado muito significativo em vários sentidos. Em primeiro lugar, exprimiu preferência por ocupar postos parlamentares na esfera institucional,5 o que poderia ser interpretado como coerente com o papel opositor e de controle exercido historicamente pelos elencos de esquerda; também resultou significativa a descoberta de que, além dos diversos períodos de rupturas institucionais das democracias, nos três países, em contextos de abertura política, as esquerdas demonstraram interesse em participar dos órgãos representativos dos regimes democráticos. Esta interpretação reforçaria a hipótese de integração política “parcial” das esquerdas. 4 Estas carreiras foram, na prática, as de mais fácil acesso através de fontes de dados secundárias. 5 Deve-se lembrar que o mecanismo de seleção da amostra considerou dirigentes em todos os postos políticos – executivos, parlamentares ou partidários. 103 Capítulo 3 Tabela 23: Cargos legislativos que tiveram os dirigentes de esquerda e centro-esquerda por país (último cargo) PAÍS TOTAL Tipo de cargo legislativo Argentina N Nenhum Nenhum Uruguai Brasil Col % N Col % N Col % N Col % 3 7,7 28 27,2 15 23,4 46 22,3 Senador Senador (titular (titular ou sup.) ou sup.) 4 10,3 15 14,6 24 37,5 43 20,9 Deputado Deputado Nacional/Federal Nacional/Federal 21 53,8 49 47,6 24 37,5 94 45,6 Deputado Deputado Constituinte Constituinte (Argentina (Argentina e Brasil) e Brasil) 2 5,1 4 3,9 6 2,9 Deputado Deputado Estadual/Estadual/ Provincial Provincial 3 7,7 4 3,9 7 3,4 Municipal Câmara Câmara Municipal Total Total 6 15,4 3 2,9 1 1,6 10 4,9 39 100,0 103 100,0 64 100,0 206 100,0 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. Tabela 24: Número de mandatos legislativos que tiveram os dirigentes de esquerda e centro-esquerda por país PAÍS TOTAL Número de mandatos legislativos Nenhum Nenhum 1 1 2 2 3 3 4 4 5 ou mais 5 ou mais Total Total Argentina Brasil Uruguai N Col % N Col % N Col % N Col % 3 15 7 10 2 2 39 7,7 38,5 17,9 25,6 5,1 5,1 100,0 28 31 17 18 6 3 103 27,2 30,1 16,5 17,5 5,8 2,9 100,0 15 14 12 10 6 7 64 23,4 21,9 18,8 15,6 9,4 10,9 100,0 46 60 36 38 14 12 206 22,3 29,1 17,5 18,4 6,8 5,8 100,0 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. O último vetor selecionado das carreiras políticas foi o estudo das trajetórias partidárias em seus diferentes âmbitos de atuação – Nacional, Esta- 104 As trajetórias políticas e sociais das esquerdas dual ou Provincial, Municipal e Internacional. Nesse sentido, a preferência por ocupar posições hierárquicas em partidos políticos se destacou como padrão de desempenho político de todos os elencos de esquerda do sul, com uma média de 65% dos dirigentes exercendo em sua carreira política cargos de direção partidária. Por sua vez, na grande maioria dos casos, desempenharam-se no executivo nacional dos partidos – tanto na direção de agrupações de partidos quanto na de coligações partidárias. Nos dois países maiores e de estrutura federal – a Argentina e o Brasil –, a passagem por postos partidários nos âmbitos estaduais ou provinciais se revelou como um degrau relevante na carreira política. Da mesma forma, foram observadas a variedade e a circulação de cargos partidários desempenhados pelos quadros dirigentes. Assim, as carreiras partidárias apareceram com a mesma relevância quantitativa do que as parlamentares nas trajetórias políticas, reforçando-se, aliás, a importância da carreira partidária pelo fato de que nos períodos de “ilegalidade” ou de perseguição política, os partidos foram organizações de “refúgio” para a direção política. Tabela 25: Posições partidárias que tiveram os dirigentes de esquerda e centro-esquerda por país (última posição) PAÍS Posições Partidárias Nenhum Executivo Nacional Secretarias executivas Diretório Nacional Órgãos de direção colegiados Líder bancada parlamentar nacional Executivos estaduais ou provinciais Executivos Municipais Líder bancada parlamentar provincial/estadual Executivos partidários Internacionais Fundação Partidária Total TOTAL Uruguai Brasil Argentina N Col % N Col % N Col % N Col % 10 18 1 3 3 25,6 46,2 2,6 7,7 7,7 21 31 12 15 2 20,4 30,1 11,7 14,6 1,9 19 35 4 4 1 29,7 54,7 6.3 6,3 1,6 50 84 17 22 6 24,3 40,8 8,3 10,7 2,9 1 2,6 3 2,9 4 1,9 17 16,5 17 8,3 1 1,0 3 1 1,5 0,5 1 0,5 1 206 0,5 100,0 1 1 2,6 2,6 1 2,6 39 100,0 1 103 1,0 100,0 1 64 1,6 100,0 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. 105 Capítulo 3 A diversidade de degraus e combinações entre as carreiras partidárias, parlamentares e de governo nas trajetórias políticas dos dirigentes pode ser considerada, de um lado, como um indicador da capacidade de mobilização desde os recursos políticos locais até o centrais e, de outro, como uma articulação de recursos partidários e não-partidários nas referidas trajetórias (Collovald, 1985, p. 16-17). Em suma, a reconstrução das trajetórias políticas dos dirigentes das esquerdas e do centro-esquerda mostrou uma importante acumulação de capitais e de bens políticos nas instituições representativas como também uma mais incipiente incorporação de cargos governativos vinculada à tradição de oposição política histórica das esquerdas. A mobilização coordenada desse tipo de capitais políticos por parte dos agentes favoreceu uma forma de consolidação das empresas políticas (Offerlé, 1987, p. 38) nos campos ideológicos das esquerdas e do centro-esquerda. OS RECRUTAMENTOS SOCIAIS A análise das posições sociais originárias dos dirigentes serviu para realizar uma aproximação em relação a em que medida foram reconhecidas afinidades eletivas na constelação de posições, recursos e interesses sociais que se traduzem ou se mobilizam em direção ao campo político e na conformação de um grupo específico de dirigentes. O início juvenil na política. A média de idade dos dirigentes em 1999 era de 55 anos, de forma quase idêntica nos casos dos quadros dirigentes da Argentina e do Brasil. Já o caso uruguaio apresentava uma idade média de 63 anos. De alguma forma, as diferenças nacionais quanto à idade dos dirigentes reproduziram a estrutura populacional dos países.6 6 As referências comparativas de idade no Cone Sul latino-americano foram obtidas principalmente no Brasil, onde existem bancos de dados ordenados em forma sistemática, sobretudo dos elencos parlamentares. Da informação existente, observou-se que as médias de idade de todos os congressistas estaduais e federais foram bastante similares às registradas nas elites de esquerda (Coradini, 1999, p. 21). 106 As trajetórias políticas e sociais das esquerdas No entanto, levando em conta que, no Uruguai, a maioria dos dirigentes começou sua atividade política entre as décadas de 60 e de 70, isto quer dizer que ingressaram cedo à atividade política, com uma média de idade em torno dos vinte e poucos anos. À juventude relativa do início, deve-se acrescentar o fato de que suas carreiras políticas tiveram uma interrupção de aproximadamente uma década (variável segundo o país) como efeito da repressão dos regimes autoritários. Tabela 26: Idade dos dirigentes de esquerda e centro-esquerda por país PAÍS média máx mín Argentina Brasil Uruguai 53 52 63 80 83 94 40 32 39 55 94 32 Total Idade em 1999 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. Diferenças de gênero na esquerda? Os perfis de sexo dos líderes de centro-esquerda e de esquerda mostraram diferenças notórias, com 83% de homens e 17% de mulheres. A baixa representação das mulheres foi ainda mais acentuada nas esquerdas dos países do Prata (a Argentina com 13% e o Uruguai com 6% de dirigentes mulheres) enquanto que no Brasil atingiu 26% dos quadros dirigentes. Estes resultados foram muito significativos para os países rio-platenses porque exprimiram uma sub-representação ainda menor do que a existente, por exemplo, nos congressos. No Uruguai, para o período 1995-2000, a porcentagem de parlamentares mulheres se localizou em 7,1% enquanto que nas bancadas e diretorias partidárias do FA-EP e do NE o fez em 17% (Moreira, 2001, p. 194). Também chamou muito a atenção a sub-representação de mulheres no centro-esquerda argentino, pois, no período 1995-1999, a representação parlamentar se localizou em 28% (Tula, 2001, p. 219). Devese lembrar que, tanto a Argentina (por lei desde 1991) quanto o Brasil (por lei desde 1995) tiveram um sistema de cotas no congresso e nos partidos. Estes indicadores confirmariam a hipótese de Constanza Moreira de que, se bem que nas últimas décadas e a partir da democratização recente, as mulhe- 107 Capítulo 3 res tivessem conseguido um avanço na participação “desde a base” – processo favorecido nos partidos de esquerda e de centro-esquerda –, a persistência de déficits de representação no acesso aos cargos de direção daria conta das desigualdades de gênero ainda não superadas na estrutura institucional e cultural onde continua imperando a “masculinização” da vida política. Da mesma forma, parte das dificuldades de percepção das desigualdades de gênero residiu no fato de que o discurso progressista clássico colocou ênfase nas questões distribucionais mais do que nas diferenças sócio-culturais (Aguirre, 2001, p. 250). O caso da elite da esquerda brasileira, pelo contrário, foi o que teve uma proporção de mulheres semelhante à proporção que acedeu a bancadas legislativas no âmbito nacional, sendo este resultado também significativo, pois os partidos com maior quantidade de legisladoras eleitas foram os conservadores (Pinto, 2001, p. 223). Quiçá um dos fatores explicativos das diferenças de gênero entre os países do Prata e o Brasil tenha sido que os primeiros, com um peso maior de tradições liberais de cidadania, fizeram mais “invisíveis” as desigualdades de gênero do que numa sociedade brasileira onde se conviveu historicamente com múltiplas formas de exclusão social. De qualquer maneira, é preciso advertir que, devido à amostra restrita de dirigentes de onde foram colhidos os indicadores, estas apreciações devem considerar-se como uma aproximação inicial a ser aprofundada em estudos futuros. Tabela 27: Sexo dos dirigentes de esquerda e centro-esquerda por país PAÍS TOTAL Sexo Feminino Feminino Masculino Masculino Total Uruguai Brasil Argentina N Col % N Col % N Col % N Col % 5 34 12,8 87,2 27 76 26,2 73,8 4 60 6,3 93,8 36 170 17,5 82,5 39 100,0 103 100,0 64 100,0 206 100,0 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. A origem metropolitana. O peso da origem geográfica foi medido através do local de nascimento dos quadros dirigentes, o que evidenciou uma for- 108 As trajetórias políticas e sociais das esquerdas te influência das metrópoles no recrutamento de dirigentes. Com efeito, 34% dos líderes dirigentes nasceu nas cidades capitais do país, megalópoles (São Paulo e Rio de Janeiro) e áreas metropolitanas. Esta influência foi notoriamente maior nos países rio-platenses, onde 44% dos líderes de centro-esquerda argentina e 55% dos dirigentes uruguaios nasceram em áreas urbanas enquanto que no Brasil apenas 15% nasceram nestas áreas. É preciso acrescentar a esta atração metropolitana um quinto de dirigentes da Argentina e do Brasil que nasceu nos Estados ou Províncias maiores (Província de Buenos Aires, São Paulo e Rio de Janeiro). A origem dos dirigentes, marcadamente metropolitana ou das províncias mais modernas, foi consistente com as bases sociais eleitorais das esquerdas e do centro-esquerda analisadas no capítulo anterior. O resto dos dirigentes nasceu em áreas urbanas ou rurais dos Estados, Províncias ou Departamentos que configuram o heterogêneo interior dos países. Uma porcentagem muito menor (1,5%) dos quadros dirigentes da Argentina e do Brasil nasceu em outro país estrangeiro. Tabela 28: Local de nascimento dos dirigentes de esquerda e centro-esquerda por país PAÍS TOTAL Local de nascimento informação Sem Sem informação Capital do País Capital do País Megápolis e áreas Megalópole e áreas metropolitanas metropolitanas províncias MegaMega províncias ou estados ou estados Capital Estadual/ Capital Estadual/ Provincial Provincial especif. Est./ Est./ Prov.Prov. sem sem especif. Cidade cidade Interior urbano e rural Interior urbano e rural OutroOutro País País Total Uruguai Brasil Argentina N Col % N Col % N Col % N Col % 1 14 3 2,6 35,9 7,7 14 13,6 15 14,6 10 35 3 15,6 54,7 4,7 25 49 21 12,1 23,8 10,2 8 20,5 21 20,4 29 14,1 12,8 10 9,7 16 7,8 12 11,7 12 5,8 21,9 1,6 50 4 24,3 1,9 64 100,0% 206 100,0 1 1,6 5 6 2 15,4 5,1 30 1 29,1 1,0 39 100,0 103 100,0 14 1 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. 109 Capítulo 3 A formação educativa: a preeminência humanista nas esquerdas. O estudo do nível educacional dos dirigentes constatou que 75% teve acesso à realização de cursos de educação superior.7 Por sua vez, três quartas partes dos dirigentes realizaram os cursos em Universidades públicas, o que foi um indicador de afinidades eletivas entre o tipo de formação superior e os espaços públicos. Das pesquisas identificadas como antecedentes na região, constatou-se que existiu uma correlação mais forte entre níveis educacionais altos ou superiores nos dirigentes políticos de esquerda e o nível de escolarização de ensino médio nos políticos de partidos conservadores (Coradini, 1999, p. 58). As áreas de conhecimento escolhidas para a formação superior tiveram tanto padrões tradicionais quanto não-tradicionais dos elencos políticos. A área de formação favorita por parte dos líderes foi a de Direito, um tipo de saber de alta afinidade com a “classe política” em geral (Max Weber, 1986) por sua utilidade e contigüidade com a gerência do Estado. De fato, um terço dos dirigentes com cursos de educação superior optou por uma formação jurídica. Esta proporção foi notoriamente superior no caso do centro-esquerda argentino, no qual a metade de seus quadros dirigentes contava com a referida formação. O segundo núcleo de áreas de conhecimento preferido pelos dirigentes das esquerdas esteve ligado a uma inclinação humanista e social. De um lado, uma média de 12% dos dirigentes optou pela formação em ciências econômicas, um tipo de saber também de crescente demanda para a organização das questões públicas. De outro lado, destacou-se a tendência para as Ciências Humanas, Sociais e da Educação, que constituíram 23% das opções de formação superior. 7 Mais uma vez o caso brasileiro, tido como a referência mais próxima, apresentou parâmetros similares para o conjunto dos candidatos a cargos parlamentares entre 1990 e 1994, contando, no Rio Grande do Sul, 76% com estudos de educação superior (Coradini, 1999, p. 26). Dentro dessa porcentagem, verificou-se a existência de uma maior proporção de universitários, principalmente da área das ciências humanas, como também foi verificada uma presença significativa de professores do ensino público nos partidos de esquerda num estudo recente dos deputados federais brasileiros (Martins, 2001, p. 21). Também se pode fazer referência a um estudo específico sobre o perfil dos dirigentes do PT entre 1991 e 1997 que deu como resultado que 58% dos mesmos tinha tido acesso a estudos de nível universitário. (César, 2000, p. 95). 110 As trajetórias políticas e sociais das esquerdas O terceiro núcleo de preferências por formação superior foi o correspondente ao saber médico (17%), estando também este tipo de conhecimento vinculado à alta visibilidade social das profissões médicas nos serviços de saúde da população. Os conhecimentos ligados às Ciências Exatas e tecnológicas foram escolhidos por 11% dos quadros dirigentes das esquerdas. Por último, apenas 2% dos dirigentes optou pelo estudo das Ciências agrárias. Esta constatação de uma afinidade maior pela formação humanística e social dos dirigentes de esquerda em contraposição a uma formação superior orientada mais para os saberes tecnológicos e das ciências exatas nos partidos conservadores já foi apontada em outros estudos (Coradini, 1999, p. 59; Martins, 2001, p. 23). Tabela 29: Formação de ensino superior dos dirigentes de esquerda e centro-esquerda por país PAÍS Área de formação superior Nenhuma Direito Ciências Econômicas e Administração Ciência Política Sociologia História Letras Comunicação Serviço Social Psicologia Educação Medicina Engenharia Arquitetura Geologia Matemática Agronomia Química Antropologia Veterinária Arte Total TOTAL Uruguai Brasil Argentina N Col % N Col % N Col % N Col % 4 17 6 10,3 43,6 15,4 28 23 9 27,2 22,3 8,7 15 15 6 23,4 23,4 9,4 47 55 21 22,8 26,7 10,2 1 2 2,6 5,1 3 5 2 2,9 4,9 1,9 1 1 4 1,6 1,6 6,3 1 1,6 2 2 1 13 8 2 1 1 1 1 1 1,9 1,9 1,0 12,6 7,8 1,9 1,0 1,0 1,0 1,0 1,0 3 11 1 2 4,7 17,2 1,6 3,1 1 1 1,6 1,6 1 1 1,6 1,6 2 6 9 2 1 2 2 11 25 10 4 1 2 2 1 1 1 1 1,0 2,9 4,4 1,0 0,5 1,0 1,0 5,3 12,1 4,9 1,9 0,5 1,0 1,0 0,5 0,5 0,5 0,5 64 100,0 206 100,0 7 1 1 39 17,9 2,6 2,6 100,0 103 100,0 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. 111 Capítulo 3 O mundo do trabalho: ocupações tradicionais e não-tradicionais nas esquerdas. Um pouco mais da metade dos líderes das esquerdas teve como ocupação principal em sua trajetória de trabalho uma profissão universitária. Também foi possível detectar uma diversidade de ocupações profissionais, entre as quais se destacaram três categorias profissionais: 20% dos dirigentes se desempenhou, fora da atividade política, nas tarefas de advogados, tabeliões ou juízes; uma média de 10% dos dirigentes dos três países exerceu a profissão de médico em sua trajetória de trabalho; 9% dos quadros dirigentes teve como ocupação principal serem economistas ou contabilistas; e, por último, uma média de 12% dos dirigentes se desempenhou em outras profissões universitárias. A existência de uma proporção relevante de dirigentes cuja ocupação principal foi a de profissional universitário, com destaque para o peso das profissões jurídicas – advogados, tabeliões, juízes, promotores –, foi um fato salientado em outras pesquisas realizadas previamente sobre quadros políticos dirigentes (principalmente no caso brasileiro, Coradini, 1999, p. 30; César, 2000, p. 101; Marenco, 2000;8 Martins, 2001, p. 6). Outra ocupação de representação importante foi a relativa à atividade docente nos três níveis de ensino – primário, secundário e terciário –. Com efeito, 12% dos dirigentes se desempenhou como professor. Esta presença significativa, principalmente na esquerda, foi verificada também em estudos brasileiros anteriores (Martins, 2001, p. 7). Da mesma forma, observou-se que 5% dos dirigentes desempenhou as funções de jornalista. Pode-se adicionar neste grupo outras profissões vinculadas à cultura (diretor de cinema, teatrólogo, escritor, entre outros) que representaram 2% da amostra. De outro lado, os dirigentes cuja ocupação principal durante sua vida de trabalho fora da política foi relativa à condição de trabalhador assalariado (qualificado e não-qualificado) constituíram 13% do total. Este resultado, apesar de parecer representar uma proporção relativamente baixa, quando com8 O estudo realizado por Marenco sobre os deputados brasileiros concluiu que, durante a década de noventa, uma média de 19% teve como ocupação principal a advocacia, ao que é preciso acrescentar 28% de profissionais de educação superior – destacando-se a presença de médicos e engenheiros. 112 As trajetórias políticas e sociais das esquerdas parada com o resto da classe política resulta notoriamente superior, sobretudo levando em consideração os estudos sobre elites políticas e sobre esquerdas latino-americanas,9 sendo também altos com respeito aos antecedentes desse tipo de evidências empíricas em esquerdas européias.10 Este dado deve ser recuperado, aliás, no momento de estudo sobre a passagem efetiva pela militância em agremiações de trabalhadores que será apresentado mais adiante. Dentro das categorias ocupacionais minoritárias entre os dirigentes se encontraram os pequenos produtores rurais (1%), empresários ou administradores de empresas (1,5%) e policiais ou militares (1,5%). Isto foi um claro indicador das diferenças com respeito aos partidos de direita em geral em relação à classe política, onde a presença de empresários foi amplamente majoritária – existindo evidências contundentes para o caso brasileiro: Marenco, 200011 e Martins, 2001, p. 6. A classificação de ocupações é condizente com a hipótese geral de que existiriam diferenças significativas no recrutamento social dos elencos políticos dos campos ideológicos de esquerda e de direita. Com efeito, enquanto nos partidos de direita a proporção de dirigentes empresários ou de alta renda era maior do que no resto, na esquerda a relação se invertia, com uma presença 9 Nos estudos sobre deputados brasileiros realizados por Marenco (2000) e Martins (2001), constatou-se que a proporção de políticos provindos de uma ocupação assalariada se localizou aproximadamente entre 4% e 5%, ou seja, da porcentagem registrada no presente estudo é possível inferir que a participação de políticos de esquerda cuja origem era a de trabalhadores assalariados foi o dobro do que no resto dos partidos. A proporção de políticos de extração popular foi maior em pesquisas sobre as bases sociais da militância partidária. No caso do PT no Brasil, por exemplo, o estudo dos dirigentes partidários nacionais deu como resultado uma proporção superior a 40% de empregados e de trabalhadores (César, 2000, p. 101); também em outro caso diferente, uma pesquisa sobre os dirigentes regionais do partido socialista francês revelava entre 30 e 40% dos dirigentes de ocupação assalariada (Sawiki, 1997, p. 56). 10 Por ex. no caso francês, o estudo de Annie Collovald (1985) sobre os elencos parlamentares entre 1973 e 1981 deu como resultado que a proporção de políticos do Partido Socialista e do Partido Comunista, cuja ocupação era tipicamente de classes populares, era de 6% e 8% do total dos quadros partidários. 11 Na pesquisa sobre a elite parlamentar durante a década de 90 se encontrou que uma média de 17% dos deputados tivera como ocupação principal a condição de empresários urbanos, ao que se somava 13% de proprietários agrícolas. 113 Capítulo 3 Tabela 30: Última ocupação dos dirigentes de esquerda e centro-esquerda por país PAÍS Ocupação Principal TOTAL N Sem informação Advogados-cartórios Uruguai Brasil Argentina Col % N Col % 3 7,7 10 9,7 10 25,6 19 18,4 N Col % 9 14,1 Col % 6,3 38 18,4 Médicos 1 2,6 12 11,7 9 14,1 22 10,7 Economistas/contadores 4 10,3 9 8,7 6 9,4 19 9,2 Sociólogos 3 7,7 2 1,9 1 1,6 6 2,9 Engenheiros 1 2,6 7 6,8 8 3,9 4 3,9 1 1,6 5 2,4 3 4,7 17 8,3 5 2,4 Professores Universitários Professores 2ºgrau, escola 8 20,5 6 5,8 Juízes, Fiscais 3 7,7 2 1,9 Empresários 1 1,6 1 0,5 Militares 1 1,6 1 0,5 5 7,8 11 5,3 1 0,5 Jornalistas 1 2,6 Pedagogos Peqs. comerciantes Administração empresas 1 5 4,9 1 1,0 1 1,0 2,6 Peqs. produtores rurais Técnicos Trabalhadores qualificados 3 7,7 Trabalhadores não qualificados urbanos Diretor de cinema 1 1 0,5 1 0,5 1,0 2 3,1 2 1 1,0 1 1,6 2 1,0 1 1,0 9 14,1 13 6,3 6 5,8 8 12,5 14 6,8 1 1,6 Técnico de futebol 2,6 1 0,5 0,5 2 1,0 1 1,0 Escritor 1 1,0 1 0,5 Agrônomos 1 1,0 1 0,5 Arquitetos 2 1,9 2 1,0 Psicólogos 1 1,0 1 0,5 Geólogos 1 1,0 1 0,5 Enfermeiros 2 1,9 2 1,0 Historiadores 1 1,0 1 0,5 2 1,9 1 Polícia civil ou militar 1,6 1 1 Diretor Ongs Biblioteconomista 1,6 1 0,5 2 1,0 Bancário 1 1,0 1 0,5 Antropólogo 1 1,0 1 0,5 Teatrólogo 1 1,0 Politólogo Nenhuma Total 39 100,0 1 0,5 1 1,6 1 0,5 2 1,9 4 6,3 6 2,9 103 100,0 64 100,0 206 100,0 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. 114 N 13 As trajetórias políticas e sociais das esquerdas proporcionalmente superior dos parlamentares originários das classes populares ou médias (Martins, 2001, p. 5-6). Conforme pesquisas recentes na região, os dirigentes de partidos de esquerda e de centro-esquerda que foram recrutados preferencialmente tinham ocupações como a de professor universitário, jornalista, produtor de cultura, empregado, operário e pequeno comerciante, entre outros, enquanto que os partidos conservadores e de direita recrutaram dirigentes, mais freqüentemente, que tinham ocupações empresariais, de profissões liberais clássicas, de altos funcionários públicos, de grandes produtores rurais, de militares profissionais, etc. (Coradini, 1999, p. 67).12 A “cultura secular” das esquerdas. A pesquisa das adesões religiosas dos quadros dirigentes revelou um forte peso da tradição secular das esquerdas, declarando 74% dos mesmos não aderir a nenhuma crença religiosa definida. No entanto, entre os que afirmaram ter uma adesão religiosa, a maioria fez referência à tradição judaico-cristã (22% dos dirigentes), com um predomínio da Igreja Católica (18%). A maior influência do catolicismo foi constatada, aliás, nos dirigentes brasileiros (um quarto do total) como também nos líderes argentinos (15%) e, finalmente, em 9% dos quadros dirigentes uruguaios. De alguma forma, as diferenças entre as elites se explicaram pelos diversos graus de influência da Igreja Católica nos três países, como também pelo peso interno das correntes de esquerda dentro da Igreja (Teologia da Libertação, Comunitarismo de base, entre outros). 12 O estudo realizado sobre a elite política argentina entre 1936 e 1961 estabeleceu duas constatações empíricas no sentido de que os únicos partidos que contavam com dirigentes de extração operária eram o peronismo (32%) e o partido socialista (2%), tendo, aliás, o partido socialista, a maior proporção de dirigentes provenientes de classes médias (36%) (de Imaz, 1964, p. 192- 193). 115 Capítulo 3 Tabela 31: Religião dos dirigentes de esquerda e centro-esquerda por país PAÍS Religião Sem religião Católica Evangelista Judaica Religiões africanas Agnóstico Espírita Cristià Panteísta Total TOTAL Uruguai Brasil Argentina N Col % N Col % N Col % N Col % 33 6 84,6 15,4 67 26 4 1 1 65,0 25,2 3,9 1,0 1,0 52 6 1 2 81,3 9,4 1,6 3,1 1 1,6 4 3,9 1 1 1,6 1,6 152 38 5 3 1 1 4 1 1 73,8 18,4 2,4 1,5 0,5 0,5 1,9 0,5 0,5 64 100,0 206 100,0 39 100,0 103 100,0 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. A SOCIALIZAÇÃO POLÍTICA E A REPRESENTAÇÃO DE INTERESSES SOCIAIS A referência à relevância da experiência de militância social prévia ou paralela em relação ao ingresso à vida política tem se tornado um ponto comum na cultura política da esquerda. Também foi recorrente a afirmação de que a esquerda era forte na militância nas organizações sindicais e nas agremiações. Analisar-se-á a seguir o que é possível dizer a respeito de acordo com os resultados da pesquisa. A análise dos padrões comparativos de trajetórias na sociedade civil das elites será apresentada através da elaboração de uma tipologia de cinco mecanismos de recrutamento e conformação de redes sociais das esquerdas no Cone Sul. Em primeiro lugar, será identificada uma série de redes sociais ligadas à configuração do campo ideológico da esquerda e do centro-esquerda: a militância nas associações sindicais de trabalhadores vinculadas ao mundo do trabalho urbano e rural; a participação nas associações relacionadas com a reprodução do campo da cultura e da educação; a influência da militância nas associações de direitos humanos; e a participação numa variedade de organizações ligadas às velhas e novas questões sociais (Habitação, Mulheres, Etnia, 116 As trajetórias políticas e sociais das esquerdas Ecologia, etc.). O segundo passo consistirá na determinação dos mecanismos de recrutamento político “tradicional”, isto é, a socialização mediante redes familiares; o desempenho destacado em cargos públicos; a pertença a organizações vinculadas à reprodução do status quo e a associações sociais sem fins lucrativos de forte enraizamento popular. O ingresso tradicional à esquerda: o mundo das associações sindicais e agremiações. Neste tipo de recrutamento foram agrupadas a assunção de posições de direção em Sindicatos de trabalhadores (urbanos ou rurais) e a militância em atividades de Agremiações estudantis (secundárias e universitárias), incluindo especificamente o caso dos sindicatos da educação. Este tipo de recrutamento social de dirigentes se constatou como um mecanismo central nas esquerdas latino-americanas dos anos 90, sendo este padrão de militância social ainda mais acentuado nas esquerdas brasileiras e uruguaias – 40%13 dos cargos ocupados pelos dirigentes fora da política corresponderam a estas associações –; já no centro-esquerda argentino, um terço das posições de poder na sociedade foi ocupado por políticos que passaram uma parte de sua “carreira pessoal” neste tipo de organização. Esses números foram altamente significativos em comparação com estudos prévios.14 Ainda mais interessantes resultaram as diferenças quando foi comparada a passagem por sindicatos de trabalhadores com a militância destacada em agremiações estudantis ou em sindicatos de docentes. Mais uma vez o caso do centro-esquerda argentino se localizou num extremo. Com efeito, no referido setor, do total de dirigentes que realizaram 13 Daqui em diante, far-se-á referência às porcentagens da tabela de porcentagens acumuladas de cargos. 14 O estudo antes referido sobre os dirigentes partidários nacionais do PT deu como resultado uma proporção superior a 40% dos mesmos que tinha tido experiência de militância em sindicatos dos trabalhadores e de 20% em movimentos estudantis (César, 2000, p. 105). Em outro contexto extremo, no caso francês, o estudo de Collovald (1985) sobre os parlamentares entre 1973 e 1981 lhe permitiu concluir que, em média, 16,5% dos políticos do Partido Socialista e do Partido Comunista tinha ocupado uma posição relevante em sindicatos de trabalhadores antes de seu ingresso à carreira parlamentar. Além disso, a passagem prévia por organizações sindicais ou associativas foi assinalada como um capital coletivo passível de ser transformado num “capital político” que favoreceu a ascensão nas carreiras políticas, principalmente nos partidos socialistas e comunistas (Gaxie, Offerlé, 1985, p. 136). 117 Capítulo 3 este tipo de mecanismo tradicional, a grande maioria (60% dos postos) esteve vinculada às atividades em agremiações estudantis ou em sindicatos de docentes, contando-se, portanto, com uma menor participação de representantes de sindicatos de assalariados clássicos. No caso brasileiro essa relação é invertida. De fato, os dirigentes ocuparam cargos em organizações sindicais ou agremiações, 40% em agremiações estudantis ou em sindicatos de professores e 60% em sindicatos de trabalhadores. A esquerda uruguaia apresenta características semelhantes às da brasileira, pois 69% dos cargos gremiais foi desenvolvido na atividade sindical tradicional enquanto que 31% correspondente aos postos restantes foi efetivado em agremiações estudantis ou em sindicatos de docentes. Por isso, é possível formular duas hipóteses complementares: em primeiro lugar, a militância em organizações sindicais ou agremiações de trabalhadores e estudantes continuou sendo o principal mecanismo de recrutamento dos quadros dirigentes de esquerda; e, de outro lado, as transformações estruturais das classes trabalhadoras assalariadas clássicas (a despeito das diferenças de tamanho, de desenvolvimento nacional e de processos históricos) repercutiram sobre os quadros dirigentes de esquerda no sentido de ir substituindo progressivamente a centralidade da fábrica em direção da escola (em sentido amplo) como lugar de recrutamento social. Esta passagem se tornou ainda mais visível com o crescente peso de um segundo tipo de recrutamento: o mundo da cultura. Os intelectuais orgânicos: a crescente relevância do mundo da cultura e da educação. Este segundo mecanismo de conformação de redes sociais marcou uma transformação progressiva das esquerdas em direção a um papel pedagógico (no sentido gramsciano) numa sociedade de massas, agrupando, nesse nível, o acesso a posições de poder ou de reconhecimento público em organizações do campo intelectual, cultural ou educacional em sentido amplo. Foram incluídos aqui desde o âmbito mais formal das instituições educativas – Universidades, Centros de Pesquisa, Associações ou Agremiações profissionais –, passando por cargos na mídia – Televisão, Cinema, Rádio, Imprensa escrita – até associações acadêmicas do campo da Literatura e da Arte. Quase um quinto das posições de destaque obtidas na sociedade pelos dirigentes do centro-esquerda argentino (15%) e da esquerda brasileira 118 As trajetórias políticas e sociais das esquerdas (18%) foram ocupadas em organizações do mundo da cultura, sendo esta proporção ainda mais acentuada no caso uruguaio, onde 32% dos cargos foram desse tipo. A relevância notória desse tipo de recrutamento foi um indicador dos impactos das mudanças sociais estruturais na esquerda contemporânea. Considerando globalmente a centralidade e as mudanças dos dois mecanismos principais de recrutamento social pareceria que a velha fórmula gramsciana de partido como intelectual orgânico, trasladada a um contexto bastante diferente do da Europa ocidental, chegou a ter seu lugar nas esquerdas latinoamericanas dos anos 90. O terceiro mecanismo de recrutamento sócio-político considerado relevante quanto ao seu tratamento particular foi a militância em organizações de Direitos Humanos. Dado o forte impacto da experiência autoritária especificamente sobre as esquerdas, achamos interessante levantar o peso da assunção de posições de destaque em associações de Direitos Humanos. Nesse sentido, os resultados, de alguma maneira, foram coerentes com a profundidade dos efeitos repressivos das ditaduras militares. Destarte, encontramos que, no caso argentino, 13% dos cargos dos dirigentes na sociedade estiveram vinculados à militância em Direitos Humanos; em segundo lugar, localiza-se o Uruguai com 6%; e, finalmente, o Brasil, onde o impacto sobre a sociedade foi comparativamente menor, sendo a militância em associações de Direitos Humanos de 3%. Quanto à militância em associações relacionadas com novas e velhas “questões sociais”, foram encontradas várias novidades em termos de multiplicação de temáticas de interesse social. A efeitos expositivos, as referidas associações foram agrupadas em cinco tipos. Em primeiro lugar, foi considerado um conjunto de associações relacionado à satisfação de direitos materiais de bem-estar social. Este conjunto incluiu desde associações ligadas aos direitos e à atenção da Saúde na população, passando por outro núcleo congregante vinculado a associações ou movimentos sociais em favor da defesa de direitos de Habitação urbana, até uma variedade de organizações não-governamentais de promoção e assistência social. Outro grupo de organizações onde militaram os referidos dirigentes teve por finalidade a defesa de interesses populares locais imediatos no âmbito municipal, em bairros urbanos ou em vizinhanças. 119 Capítulo 3 O terceiro subgrupo identificado foi o integrado pela militância reunida em associações organizadas em torno da defesa de Direitos de minorias não organizadas específicas – adolescência, infância, condição do negro – ou gerais – como, por exemplo, do consumidor. O quarto tipo de organizações sociais não-tradicionais esteve relacionado à defesa de direitos de quarta geração em, por exemplo, associações de mulheres ou movimentos ecológicos. Por último, foi identificada a relevância da militância na organização de campanhas populares para o uso de mecanismos de participação cidadã direta (plebiscitos, etc.) sobre o âmbito público. O peso global proporcional deste tipo de militância social foi bastante semelhante entre os três elencos dirigentes de esquerda e de centro-esquerda, pertencendo aproximadamente 13% dos cargos ocupados pelos dirigentes a esse tipo de organizações. Considerando este mecanismo junto com o anterior como modos de recrutamento não-tradicional de dirigentes de esquerda latino-americana, podemos observar seu peso crescente. Isto também pode ser interpretado como um indicador de adaptação em relação à mudança de época e de temáticas de relevância social em setores organizados ou não e sobre interesses mais difusos, ora mais concretos, ora mais gerais, da sociedade pós e pré-industrial. Por último, foi incluída uma série de mecanismos de recrutamento político da classe política em geral, identificando-se, dentro desse tipo de recrutamento, duas modalidades principais. É necessário advertir que, de acordo com a pesquisa realizada, um quinto dos dirigentes das esquerdas argentina e brasileira, como também 18% das elites de esquerda uruguaia, realizou carreiras “exclusivamente” na órbita política, seja em entidades executivas ou representativas no Estado, seja em organizações políticas partidárias. O primeiro modo de recrutamento “tradicional” levantado foi a socialização política familiar. Consideramos que valha a pena tratá-lo separadamente, pois pode ser entendido como um mecanismo de autorecrutamento da classe política como também de transmissão intergeracional de práticas sociais de grupos específicos. 120 As trajetórias políticas e sociais das esquerdas A medição deste mecanismo foi realizada através da identificação da existência de participação política ativa no núcleo familiar direto (par, filhos, irmãos, cunhados, pais, tios ou avós). Apesar de se tratar de uma variável de defeituosa medição, os resultados marcadamente significativos como mecanismo de recrutamento (comparável com os mecanismos de recrutamento do mundo do trabalho e da cultura), presentes nos três casos, foram muito chamativos. De fato, cerca de 43% dos quadros dirigentes das esquerdas dos três países registrou algum antecedente de participação política na família. Também foi discriminado o tipo de participação na família. No caso do centro-esquerda argentino, dos membros familiares que tinham atuado em política, 40% havia se desempenhado em cargos públicos executivos ou parlamentares e 40% o tinha feito em cargos de direção ou de militância partidária.15 Nos casos das esquerdas brasileira e uruguaia e no que se refere ao tipo de antecedentes políticos familiares, a relação se inverte; com efeito, apenas um quinto dos membros familiares tinha se desempenhado em postos estatais de direção ou representação política enquanto que a grande maioria dos familiares (41% nos elencos brasileiros e 54% nos quadros dirigentes uruguaios) tinha tido participação em condução ou militância partidária. Novamente aqui se verificou um contraste entre a forma de socialização política do centro-esquerda argentino e as esquerdas brasileira e uruguaia. De fato, os dirigentes do centro-esquerda registraram antecedentes familiares relevantes de participação na gestão pública estatal e nos órgãos políticos representativos enquanto que nos campos de esquerda brasileira e uruguaia as modalidades de reprodução de tradições políticas dos dirigentes estiveram muito mais fortemente ligadas a uma pertença e a uma participação estritamente partidárias – elemento certamente consistente com as tradições de oposição política das esquerdas e com seu acesso mais marginal aos âmbitos político-institucionais como também com a condição de resistência extra-legal. 15 Não se contou com estudos gerais parecidos para a comparação dos resultados. No entanto, é possível afirmar que a pesquisa sobre os quadros dirigentes regionais do partido socialista francês deu como resultado que entre 20 e 30% dos dirigentes tinham pelo menos um parente que tinha sido membro de partidos ou que tinha um cargo eletivo (Sawiki, 1997, p. 56). 121 Capítulo 3 O segundo tipo de mecanismo de recrutamento da classe política em geral esteve vinculado à participação em posições de destaque na gestão da administração pública, de um lado, e à pertença a associações ou instituições de representação de interesses do poder econômico, militar, hierocrático da sociedade, de outro. A isto veio se somar a direção de organizações da sociedade civil onde são reproduzidos mecanismos clientelísticos populares. Um segmento de dirigentes que adquiriu relevância pública a partir da gestão em cargos públicos com impacto social como, por exemplo, os vinculados à administração da justiça (juízes, promotores, etc.), foi incluído como um modo “tradicional” no sentido da extensão da política à atividade do estado. Outro acesso tradicional à política incorporado aqui foi o relativo aos que provinham de associações ou instituições de empresários (urbanas ou rurais) ou militares ou religiosas enquanto organizações representantes do poder econômico, bélico ou hierocrático da sociedade. Esta modalidade se incluiu como mecanismo tradicional no sentido da situação privilegiada destas instituições em relação ao acesso ao Estado enquanto organizações reprodutoras do status quo. No caso das instituições religiosas – igrejas de diferentes credos, com predomínio notório da Igreja Católica –, as mesmas desempenharam um papel relevante do ponto de vista da socialização política popular. Embora, em muitos casos, estas instituições tenham se transformado em agentes de mudança social, a relação entre política e religião tem sido ambígua na medida em que as duas áreas operam sobre dimensões diferentes do poder na sociedade, o controle da coerção física e a coerção espiritual respectivamente. Se se admite o fato de que a instituição religiosa esteve vinculada à estrutura de poder tradicional nas sociedades latino-americanas, é possível considerá-la como um mecanismo tradicional de acesso ao poder social. Por último, considerou-se a assunção de postos de direção em associações não-governamentais sem fins lucrativos, mas com forte adesão popular; principalmente referimo-nos às organizações esportivas. Com efeito, estas organizações cumpriram um papel significativo de socialização política popular e de reprodução de clientelas interpessoais sem ter como objetivo uma disputa direta pelo poder público ou pela transformação da ordem social. Agrupando estes mecanismos de recrutamento “tradicional” da classe política, encontramos um peso proporcional significativo no centro-esquer- 122 As trajetórias políticas e sociais das esquerdas da (15% dos cargos) e notadamente mais baixo nas esquerdas brasileira (10%) e uruguaia (6%). Tabela 32: Posições de destaque público na sociedade (além das políticas) dos dirigentes de esquerda e centro-esquerda por país (% total de posições acumuladas excluindo os nenhum) Posições de destaque social fora da política Sind. Trab. Urbano Sind. Trab. Rurais Central Nac. de Trab. Grêmios de Estudantes Dir. Universitárias Assoc. acadêmicas Sindicatos de docentes Grêmios Profissionais Jornalismo, Rádio e TV Imprensa Escrita Imprensa Partidária Associações de DDHH Clubes Esportivos Associações da Saúde Associações pela Moradia Ongs de RRHH Ongs promoção social Assoc. defesa minorias Orgs. de bairros Escolas ou Bibliotecas Câmaras Empresariais Assoc. Militares ou Policiais Orgs. Igreja Católica Igreja Católica Administração estatal Orgs. Internacionais Cinema e arte Participação cidadã Lideranças populares Movimentos ecológicos Defesa patrimônio estado Frente Parlamentar Nacionalista Associações de Mulheres Assoc. produtores rurais Assoc. camponêses Assoc. antifascistas Frente Nac. de Prefeitos Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % PAÍS Argentina Brasil Uruguai 6,7 9,1 2,3 4,6 16,0 4,6 2,9 8,0 5,1 1,7 2,9 1,1 2,9 12,3 0,7 9,4 11,6 3,6 9,4 3,6 1,4 2,2 7,2 8,0 5,8 4,3 2,9 2,2 3,3 16,7 8,3 1,7 1,7 1,7 3,3 13,3 1,7 1,7 1,1 1,7 1,7 5,0 1,7 1,7 13,3 1,7 1,7 1,1 1,1 1,1 0,6 0,6 0,6 4,0 1,1 3,4 0,6 1,1 1,1 1,1 1,1 0,6 1,1 1,7 1,4 2,9 0,7 0,7 1,4 1,4 1,1 0,7 0,6 TOTAL 9,9 1,3 6,2 14,5 3,5 6,2 5,4 3,2 1,6 4,3 4,0 5,6 1,9 1,9 1,3 0,3 0,8 1,3 1,3 1,6 0,5 0,5 1,9 0,5 3,8 0,5 0,8 0,5 0,5 0,5 0,8 0,5 0,8 0,5 0,5 0,3 0,3 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. 123 Capítulo 3 Advertência metodológica: nesta tabela – e em todas as seguintes que assinalam porcentagens sobre postos acumulados – foram sistematizados resultados de múltipla resposta; por isso, nas tabelas foram calculadas porcentagens sobre o total de respostas – correspondentes na quantidade de cargos que cada indivíduo acumulou durante sua trajetória política – e não sobre as pessoas. Também por esse motivo foram excluídos os indivíduos que não tinham nenhum cargo como também as respostas que não correspondiam nas opções sucessivas. Tabela 33: Familiares diretos dos dirigentes de esquerda e centro-esquerda que tiveram participação política ativa por país (% total de familiares acumulados) PAÍS Familiares com participação política Cônjuge (ex.) – Filhos Irmãos Pais Tios Avós Cunhados Netos Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Argentina Brasil Uruguai 15,6 11,1 26,7 2,2 11,0 5,9 15,3 2,5 8,5 1,7 0,8 10,7 8,3 23,8 2,4 14,3 TOTAL 11,7 7,7 20,2 2,4 8,9 0,8 0,4 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. Tabela 34: Tipo de participação política dos familiares diretos dos dirigentes de esquerda e centro-esquerda por país (% total de posições acumuladas) PAÍS Tipo de participação política Sem informação Adesão partidária Militantes de base Parlamentares Mun/Est. Dirigentes partidários Executivos locais Dirigente sindical Participou nas guerras civis Parlamentar Nacional Executivos Nac./Est./Prov. Movimentos guerrilheiros Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Col % Argentina Brasil 16,0 16,0 8,0 24,0 4,0 1,9 9,4 24,5 15,1 17,0 5,7 20,0 8,0 4,0 1,9 9,4 11,3 3,8 Fonte: elaboração própria com base em documentos e entrevistas. 124 Uruguai 24,0 36,0 14,0 18,0 4,0 2,0 2,0 TOTAL 0,8 16,4 27,3 13,3 18,8 4,7 0,8 1,6 7,8 6,3 2,3 Capítulo 4 A RECONVERSÃO DA QUESTÃO DEMOCRÁTICA NAS ESQUERDAS As esquerdas, durante a transição política, introduziram com particular ênfase o debate sobre a questão democrática em relação a suas próprias tradições e no referido à valorização dos processos políticos latino-americanos dos anos 80 e 90. A seguir serão analisadas as diferentes formas de integração discursiva da questão democrática nas identidades das correntes de esquerda e de centro-esquerda que redefiniram historicamente a relação entre Democracia e Esquerda nos três países selecionados. Argüir-se-á, assim, que teve lugar um processo de reconversão das matrizes ideológicas das esquerdas mediante o qual foram incorporados internamente postulados e princípios democráticos. A reconversão histórica das culturas políticas democráticas de esquerda será analisada comparativamente através de quatro modalidades típicas: o caminho republicano de valorização das instituições políticas; a via social-democrata; as formas de reinvenção nacional das tradições de esquerda socialista; e a radicalização da democracia.1 1 A análise qualitativa que será realizada neste capítulo está baseada em fontes documentais de partidos e em entrevistas de dirigentes, detalhadas no anexo 3. 125 Capítulo 4 O CAMINHO REPUBLICANO DE VALORIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES O modo republicano colocou ênfase em três aspectos básicos da democracia representativa: a virtude cívica das instituições políticas sobre os interesses setoriais ou individuais; a reivindicação da autonomia da ação política; e a purificação ética do espaço público, como o cultivo do respeito às liberdades cidadãs como alicerce da legitimação política. Esta estratégia discursiva esteve presente, no caso argentino, na conformação do espaço de centro-esquerda, desde a criação da Frente Grande até a constituição da FREPASO. A valorização das instituições políticas constituiu um argumento central para a distinção discursiva e ideológica de ruptura com o passado populista do peronismo do qual provinham os principais dirigentes. Principalmente, esta valorização foi uma estratégia de diferenciação especialmente em relação ao ciclo menemista, que tinha degradado as instituições políticas públicas e a própria tradição justicialista, substituindo o Estado pelo mercado e pelo exercício de uma profunda corrupção a serviço de interesses particulares. [...]la naturalización del peronismo, todo el estilo menemista que no es otra cosa que otro de los rostros del peronismo, el menemismo ya no era un accidente de un partido que duraba lo que duraba Menem sino que era realmente una transmutación de ideas muy profundas, no era solamente un fenómeno de un dirigente al que uno no le gusta dentro de un partido sino que mostraba la imposilibidad de un debate más enriquecedor de ideas y un partido que había decidido que sus consignas eran las consignas del poder económico y que abrazó con la fe de los conversos en este sistema de economía de mercado salvaje que es la que estamos viviendo hoy y todo ese fenómeno acompañado de una enorme corrupción. (dirigente da Frente Grande, julho de 1999, grifo nosso). A crítica republicana esteve ligada à criação de um novo espaço político que servisse para a renovação da política argentina, um espaço alternativo à política dos partidos majoritários tradicionais e diferenciado do populismo e também do neoliberalismo econômico implementados pelo governo de Menem. El Frepaso, nosotros pensamos, fue una herramienta de un momento de la etapa política del país, de un agotamiento del esquema bipartidarismo, que en el 126 A reconversão da questão democrática nas esquerdas pacto de Olivos surge un espacio para la centro- izquierda, surgen dos figuras muy fuertes y muy relevantes como Alvarez y Fernández Meijide, y se genera el FREPASO como un espacio de centro-izquierda, lo que más apunta es a una confederación de partidos, el socialismo con su perspectiva pendiente de unidad ingresa al FREPASO para hacer un aporte importante el FREPASO por considerar que el Frepaso era la canalización de una cantidad de expectativas progresistas que no se canalizaban por los partidos tradicionales, que siempre intentaron canalizarlas, siempre hubo un sector más de izquierda en el radicalismo, un sector más de izquierda en el peronismo, hoy ya no, la realidad ha cambiado en los últimos años. (dirigente socialista, julho de 1999, grifo nosso). A criação de um espaço político novo se definiu não apenas por sua oposição ao passado, mas também pelo modo de construção transversal da política futura. A identidade frepasista surgiu como uma nova forma de articular as alianças políticas por sobre as fronteiras político-partidárias, orientando pragmaticamente os acordos em direção à resolução dos problemas cotidianos e concretos das pessoas. A transversalidade referida apresentou alguns traços distintivos. Em primeiro lugar, ela foi interpretada como um meio para a revalorização da política enquanto concepção do bem comum sobre os interesses particulares. Portanto, sua finalidade principal consistia em promover acordos multipartidários e na aproximação interpessoal de líderes de diferentes tradições político-partidárias de maneira pragmática e progressiva com respeito aos problemas mais urgentes da vida social cotidiana. Assim, a idéia de transversalidade valorizou positivamente a flexibilidade das alianças políticas entre dirigentes e partidos orientadas para as temáticas públicas de maior relevância social. [...]cuando teníamos que hablar de las propuestas electorales, de Chacho y de Bordón, eran escasísimas las diferencias, no era que no las había, pero eran de tono, eran absolutamente menor y lo cierto que la corporación política seguía atrapando la democracia después del Pacto de Olivos, y de lo de Alfonsín y no había un lugar para renovar la política, seguían siendo los grandes actores de la política Menem y Alfonsín, no se abría un espacio nuevo en la situación política y en ese planteo el tema fue no discutir desde la concepción política de lo general sino al revés, o sea, ser capaces de discutir a ver cuál era nuestra visión de los problemas y las soluciones respecto a las cosas concretas, entonces el Molino nace haciendo un análisis haciendo un análisis de lo que pasaba en educación, lo que pasaba en justicia, no se pretende abordar esta discusión desde el hecho de decir, tenemos una concepción común de la cosa política, tenemos una concepción diferente pero frente al problema tenemos una visión similar, y muchas veces común, además lo que proponemos muchas ve- 127 Capítulo 4 ces tienen diferencia de tono, no tienen diferencia profundas respecto a lo que era la solución. (dirigente da Frente Grande, julho de 1999, grifo nosso) Em contraste, foi colocada uma forte crítica à política partidária tradicional que criou fronteiras rígidas entre as filiações partidárias e a atenção dos problemas públicos comuns. Por último, a definição de um espaço público de acordos transversais partiu do pressuposto da existência prévia de um pluralismo político-partidário e de interesses sociais em disputa. El tema de la transversalidad tiene que ver con un fenómeno que, digamos, con que hay problemas que deben ser enfrentados al margen de las pertenencias partidarias, es necesario que la lucha contra la exclusión social, que la lucha por una justicia independiente, el ciudadano empieza a ver que los partidos tradicionales no pueden resolver en tanto tales, sino que empiezan a mirar más hacia las figuras, hacia los ciudadanos, empieza a valorar más las personas que a las estructuras partidarias y que ese fenómeno se está dando de manera general, transversal en toda la sociedad, es decir, que no es un sector solamente de la sociedad que ve, el que valora más al dirigente en función de lo que dice, de lo que hace, de su historia más que al partido sino que esto empieza a circular de una manera más dinámica por todo el cuerpo social, fenómeno al que todavía le falta muchísimo, en la Argentina sigue habiendo todavía mucho electorado cautivo. (dirigente da Frente Grande, julho de 1999, grifo nosso) A agrupação política Frente Grande foi a corrente majoritária da FREPASO tanto em sua etapa fundacional quanto posteriormente, tendo, por isso, um papel muito relevante nesse processo ao definir, desde sua gênese, a referida identidade transversal. El nuestro debe ser un partido de los derechos, de la solidaridad, del trabajo, y de los ciudadanos, un partido síntesis de la transversalidad política y social como instrumento para ir forjando una democracia integral. Implica superar definitivamente las viejas y anacrónicas antinomias entre peronismo- antiperonismo o peronismo- radicalismo, que significa mirar la historia hacia atrás y que, en cambio de ayudar a soldar una nueva alianza social, como base de un modelo distinto, cristaliza en términos de representación política el divorcio entre los sectores populares y los sectores medios de la Argentina. (1er Congresso Frente Grande: 1995; p. 9) A transversalidade da Frente Grande se exprimiu em múltiplas dimensões: no programático, pela ampliação da política partidária para a sociedade 128 A reconversão da questão democrática nas esquerdas e o cidadão; de convocação, nos setores populares; de fronteiras políticas abertas a fim de integrar o mais amplo feixe de dirigentes; e também com vocação de governo. Programático en el sentido que “Significa promover el ensanchamiento de la política, más allá de los confines propiamente partidarios, en primer lugar abriéndonos a la acción de los movimientos que emergen de la propia sociedad, y haciendo que tengan peso, no sólo los militares y afiliados, sino también los votantes, ya sea en las instituciones, ya sea al interior mismo del partido.” (1er Congreso Frente Grande: 1995; p. 11) Un partido democrático y de transformación tiene en los hechos, necesidad de ser: partido de una amplia base popular difundido en todo el territorio, integrado socialmente, capaz de desarrollar una más profunda y mejor inserción en el seno de la sociedad.”... Un partido nacional y abierto con capacidad para buscar y convocar a quienes pueden ser los mejores intérpretes de las necesidades de la gente, articulado con los equipos paralelos de gobierno, que debemos ir conformando en cada una de las provincias.”... Por consiguiente, nuestros representantes legislativos junto con los equipos de gobierno son quienes deben tener la mayor responsabilidad en fijar dentro de la política partidaria, una acción programática que vaya proyectándonos no solo como partido de oposición sino también de gobierno. (1er Congreso Frente Grande: 1995; p. 12) O espaço ocupado pela FREPASO tem sido catalogado como de centro-esquerda devido a algumas características ideológicas bastante nítidas. Primeiro, foi uma força progressista desde a esquerda, pois se definiu a partir da crítica ao modelo neoliberal e neoconservador implementado na Argentina durante a década de 90. Enquadrou-se, assim, numa reação perante as doutrinas neoliberais econômicas que pregavam o mercado e a abertura à economia capitalista mundial como a única saída política viável. Da mesma forma, constituiu uma crítica ao neoconservadorismo político que degradou a função do Estado enquanto instituição representante de interesses públicos e de capacidade de regulação da ordem econômica e social. La identidad del FREPASO es con el progresismo. No creo que sea nada medible, nosotros somos otra cosa, no lo puedo homologar ni al socialismo chileno, con años de socialismo, ni al PT brasileño ni al Frente Amplio uruguayo, no es homologable a nada de eso y es parecido a todo. Y creo que están las ideas, pero me parece que hay toda una serie de procesos en los cuales hoy por hoy se está armando el cuerpo conceptual como algo que surge en reacción “a”, todo lo que 129 Capítulo 4 está pasando hubiera sido impensable, me parece que están apareciendo determinados espacios progresistas, están apareciendo como reacción al neo-conservadurismo que imperó en el mundo hace muchísimos años... Uno empieza a percibir que no es eso, que la idea de la representación estatal, todo esto es lo que va definiendo en estos años un perfil progresista, que no utilizo el término “izquierda”, en Europa sí utilizaría este termino, pero insisto, en Argentina los términos izquierdas- derecha son producto de una construcción histórico- cultural, y esa construcción te determina el perfil, si yo hoy estuviera en Europa sería de izquierda, no tendría la menor duda, pero no en la Argentina, todavía existe eso, yo pensé que no, pero existe. El problema es el siguiente, el mercado es un instrumento, acá el neoliberalismo ha endiosado, el mercado es todo, estado = mercado. El mercado es un instrumento, cuando acá se nos pretende meter en la discusión el modelo, y nosotros nos embretamos en esa discusión del modelo, nosotros decimos que no hay modelo económico acá, es un modelo político con una batería de instrumentos económicos, el modelo es político, somos anti- modelo político, los instrumentos económicos depende, algunos que sí y otros que no. El tema del progresismo tiene que ver con un nuevo rol del estado, y un nuevo diseño institucional que asegure el nuevo rol del estado. El estado ahora está y gasta un montón de plata, ahora el tema es que yo con menos plata puedo garantizar lo fundamental que es la función estatal. No es que hayan destrozado al Estado sino que han degradado la función estatal. (dirigente da Frente Grande, julho de 1999, grifo nosso). Em segundo lugar, foi definido como de centro-esquerda por causa de suas fronteiras em relação aos outros atores do sistema político. De um lado, devido ao antagonismo com respeito a um peronismo transformado e visualizado dentro do âmbito das direitas e, de outro lado, apresentando limites claros em relação à esquerda tradicional argentina, tanto no referido às tradições comunistas quanto às insurrecionais. Nesse sentido, foram ilustrativas as disputas Solanas-Alvarez, nas quais não apenas foi colocada em jogo a questão da liderança interna, mas também a inclusão dos setores da esquerda mais radical que finalmente abandonaram a FREPASO com a cisão da Frente do Sul; e, depois, a disputa Bordón-Alvarez, na qual, além das desavenças pessoais, encontrava-se em questão o grau de compromisso com figuras do menemismo. Yo me propuse construir otro espacio, un espacio centro- izquierda, nuevo, moderno y más amplio de pensamiento. Durante estos 10 años mi lucha fue contra la visión de la izquierda tradicional que apuntaba a llevarnos a formar una minoría “dura” que cría que con dos o tres consignas podía conmover a las masas. (Chacho Alvarez: Rev. Tres Puntos: 1999; p. 15) 130 A reconversão da questão democrática nas esquerdas As propostas formuladas se condiziam com a aparição de um novo espaço desde a esquerda que pretendeu crescer, mediante alianças, em direção ao centro do sistema político, rompendo com as tradições pesadas de esquerda radical e identificando-se com um progressismo político de mudanças moderadas. Também assumiu um tom pós-moderno de crítica ao dogmatismo das ideologias políticas tradicionais, mas valorizando a ação política e o pluralismo democrático; da mesma forma, o referido tom questionou as doutrinas econômicas neoliberais, reivindicando o papel regulador do Estado, mas convivendo com o mercado. As bases sociais deste progressismo foram recrutadas dos setores médios urbanos em aliança com classes populares. Reforzar la democracia y valorizar la política exige comenzar a satisfacer, con gradualidad, equilibrio y austeridad fiscal, las demandas de mejoramiento de las condiciones de vida y de inversiones sociales incumplidas por años de ajuste ortodoxo de la economía. Y éste exige la articulación del consenso político a través de cambios en el sistema de partidos y la construcción de consenso económico y social por vía de la concertación. (1er Plenario Nacional del FREPASO:1996; p. 33) A construção da Frente Grande e da FREPASO foi concebida como a de um espaço político de oposição, mas com uma forte vocação de poder em termos de atingir o governo. Esta vocação pelo poder político se exprimiu de várias formas por sua aspiração a constituir-se numa força política majoritária contrária aos partidos testemunhais e pelo estímulo à expansão das coalizões políticas para governar. A estratégia política estava orientada a tornar majoritária esta força política à maneira do radicalismo e do peronismo, visando à consolidação desde o Estado pela capacidade de governo mais do que pela organização partidária. Em contraste, uma fronteira bem nítida entre este centro-esquerda e as tradições de esquerda esteve constituída pela crítica aos partidos “testemunhais” que, com uma alta consistência ideológica, terminavam sendo “minúsculos”, sectários e isolados na cena política nacional. Los partidos mayoritarios populares en Argentina, el radicalismo y peronismo se hicieron al calor de la experiencia de gobernar, la gestión del estado dio el proceso de síntesis. La práctica del FREPASO es renovadora en la apertura de la política, en la transversalidad, en lograr poner en líneas fuerzas que parecerían a priori injuntables, o sea, esta es por primera vez una experiencia de construcción de una fuer- 131 Capítulo 4 za de centro izquierda con vocación de poder, no ser un testimonio solamente ideológico o reivindicativo. (dirigente da Frente Grande, julho de 1999, grifo nosso) O meio privilegiado da ação política consistia em estender as coalizões políticas a fim de ampliar a força do espaço político gerado, valorando-se a flexibilidade dessas coalizões como um capital político muito positivo para crescer eleitoralmente como também para adequar-se às exigências da variabilidade das conjunturas políticas cotidianas. La característica central de las prácticas políticas del FREPASO, yo creo que son fundamentalmente renovadoras, no son de síntesis, son en general renovadoras. Este es un espacio político que al tener fronteras abiertas, es un espacio político que primero define la política en función del afuera y después acomoda la organización política a la definición que tomó. Es un espacio político, eso es absolutamente nuevo, nosotros actuamos en función de determinada coyuntura, percibimos qué es lo que hay que hacer, lo hacemos y después le intentamos explicar a los nuestros, es al revés. Tenés un nivel de rapidez, de presencia en la cosa cotidiana que no la tenés con una estructura política tradicional, es más la Alianza nos trae problemas, cuando estábamos acá en el parlamento solos sin alianza, nosotros producíamos un hecho político todos los días, pero ahora hay que discutirlo con ellos, ellos tienen que consultar con..., son un infierno. Cuando definen se pasó, entonces no tenés una fuerza política que esté metida en la vida política de todos los días, en realidad el FREPASO, se metió todos los días, en cada cosa estaba el FREPASO, entonces la gente lo incorporó al FREPASO como cosa cotidiana. (dirigente da Frente Grande, julho de 1999, grifo nosso) Outra estratégia de identidade republicana foi a postulação de uma nova cultura política que se levantasse em função da autonomia perante o poder econômico e os interesses particulares. A reivindicação da autonomia da ação política se assentou na necessidade de moralização dos bens públicos, de respeito e transparência nas instituições políticas e de luta contra a degradação, o clientelismo e a corrupção da política. Una nueva cultura política, o para decirlo de otra manera, una nueva forma de hacer política, no significa mutilar la competencia, anular los disensos, o clausurar las legítimas ambiciones, sino aportar coherencia entre el decir y el hacer, sin caer en ningún tipo de demagogia o de populismo, aún estando lejos del poder, demostrando que se puede crecer y ser alternativa sin corromperse o claudicar, siendo autónomos de los grupos de presión o de interés que han contribuido en mucho a que la política sea una mercancía más que fluctúa según las conveniencias del mercado. (1er Congreso Frente Grande: 1995; p. 4) 132 A reconversão da questão democrática nas esquerdas La Ética como base de la credibilidad en la política Para nosotros, la cuestión ética como base de la renovación de la política se vincula al proyecto de producir un cambio profundo en el esquema del poder. Muchas veces ingenuamente, y otras de manera interesada, se ha querido disociar la lucha contra la corrupción, de los efectos del programa económico, algo así como señalar menemismo como sinónimo de delito y al cavallismo como transparencia, cuando en realidad son la misma cara de un proyecto que al favorecer situaciones de privilegio, y desproteger a los sectores más débiles, por ineficacia y corrupción, modelan un país injusto basado en el desprecio por las instituciones de la República y hecho a la medida de quienes tienen mayores recursos de poder. (1er Congreso Frente Grande: 1995; p. 6) A defesa da ética republicana adquiriu um sentido democratizador da vida política e a reivindicação de governos eficientes e decentes visou conjugar autoridade política e valores democráticos. A prédica da transparência das instituições públicas se identificou com a defesa do âmbito público como o espaço do bem comum. Nesse sentido, a recorrente prédica pela recuperação da política significou reinstalá-la como centro da autoridade democrática legítima e revitalizá-la, tornando-a mais prestigiosa e convocadora perante a cidadania. A fim de poder recuperar o sentido ético da política era preciso combater suas deformações, isto é, a corrupção, o clientelismo, a mutação da democracia representativa em delegatória. El signo más visible de una gestión progresista será la reivindicación de la política. La sustitución de la ley por el decreto, la ética por el cálculo, el debate por el chantaje, la razón por “la razón del Estado”, lo público por lo privado, los principios normativos por los indicadores económicos, la política por el negocio, ha deteriorado peligrosamente a las instituciones de la democracia. (Auyero: 1999; p. 49) A moralização da vida pública dos políticos e das instituições devia ser completada com um “aprofundamento da democracia” em sua base de compromisso por atingir uma cidadania plena que garantisse a “igualdade de direitos e o acesso efetivo aos direitos”, podendo fazer do cidadão um sujeito ativo da democracia. La participación ciudadana aparece recurrente en los documentos del FREPASO porque sin protagonismo de los ciudadanos no hay democracia, el ciudadano como sujeto porque sino el ciudadano como objeto, es simplemente esa apelación 133 Capítulo 4 del ciudadano: “no, la gente se expresa por el voto”, ya ahí sonamos si la gente se expresa solamente por el voto, yo no estoy hablando de hacer democracias directas ni nada que se le parezca, pero la conformación de un sujeto crítico en una sociedad es un objetivo deseable, no es deseable en un sistema de exclusión social tampoco, yo digo, que la cuestión económica es central en todo esto. Acá el sistema electoral es absolutamente perverso, un sistema de boleta, donde todo el mundo tiene el voto afuera, donde se hacen entregas de votos con cosas, cosa que en otros países son inaceptables, incomprensibles. Mejorar la calidad de la participación en términos generales, de la participación en las decisiones, de la participación en la economía, de la participación en las elecciones, implica colocar al ciudadano como sujeto, tenemos una escasa valoración del ciudadano por eso hablamos de la gente, por eso hablamos del pueblo, porque no nos gusta hablar de los ciudadanos, en realidad no nos parece un tema tan importante. (dirigente da Frente Grande, julho de 1999, grifo nosso) Também existiu uma revalorização da sociedade civil e do Estado ativo para controlar o mercado e poder aperfeiçoar seu funcionamento. De um lado, percebeu-se a necessidade de fortalecimento da sociedade civil e especialmente do denominado terceiro setor (organizações não-governamentais sem fins lucrativos) para que a sociedade fosse ativa no controle da vida econômica e dos direitos dos consumidores. Assim, foram convocados a sociedade e os movimentos cidadãos, mas não as organizações corporativas de interesses, ocorrendo assim um desligamento em relação às tradições populistas antecedentes. Queremos una sociedad con mercados, no de mercado. Y esto supone una resistencia global a la mercantilización de la sociedad... El programa de la derecha consiste en garantizar una altísima tasa de ganancia a los empresarios con el objeto de inducirlos a transformar ahorros en inversión. El progresismo necesita que inviertan con una tasa de ganancias que, luego de deducidos los impuestos, sea baja. Esto último es posible mediante un sistema tributario que captura rentas monopólicas y “naturales” y priorice el destino y el nivel de inversión privada a través de una fuerte imposición nominal a los ingresos derivados de ganancias y patrimonios.(Auyero: 1999; p. 63) De outro lado, também reivindicou o papel ativo de um Estado eficiente para estabelecer controles eficazes, promover o desenvolvimento nacional e a redistribuição da riqueza, garantindo a igualdade de oportunidades. 134 A reconversão da questão democrática nas esquerdas ¿Por qué es necesario reconstruir la política? “El conjunto de nuestras propuestas giran sobre la idea de fortalecer al Estado, para reconstruir la Nación en beneficio del Pueblo. Así, defendemos un rol activo del Estado para promover el desarrollo económico y la redistribución de la riqueza; un estado capaz de garantizar la igualdad de oportunidades, impulsamos una reforma tributaria, sostenemos, la necesidad de un control público sobre las empresas de servicios privatizados. Cualquiera de estas dos ideas requiere dos cosas: un Estado no corrupto y eficiente.” (Frente Grande: 1999; p. 7) Um elemento assinalado repetidas vezes quanto à forma de comunicação política da Frente Grande e da FREPASO foi o uso estratégico da mídia enquanto ferramenta de luta política e de influência efetiva na opinião pública, sendo esta capacidade de maleabilidade política em direção à sociedade de massas fomentada desde as origens da Frente Grande. El Frente Grande se autodefinió fundacionalmente como un partido de opinión “Y también, en la forma moderna, ser un partido de opinión. Esto es, apto para activar en una sociedad invadida por la información. Un partido preparado para comunicar imágenes, símbolos mensajes receptibles por parte de una vasta opinión pública, eficaz a la hora de crear opinión, incidiendo en la formación de los sentidos comunes y de las orientaciones de la gente también en su dimensión cultural.” (1er Congreso Frente Grande: 1995; p. 12) Também essa capacidade efetiva de utilização da influência da mídia por parte dos dirigentes conferiu à referida força política uma potencialidade de inovação política em termos de conseguir um impacto rápido de sua ação política sem ter que arcar com os custos de mantimento de uma pesada estrutura burocrático-partidária. Bueno, el FREPASO ha sido un gran innovador en cuanto a la comunicación política, creo que ha sido el primer movimiento político donde sus líderes conectaron, tanto Chacho como Graciela Fernández Meijide conectaron con la sociedad posmoderna, la sociedad mass media de la comunicación donde tuvieron la virtud de ser capaces de construir más allá de las propias estructuras políticas sobre la sociedad, y esto genera un consenso político, entonces creo que es el gran innovador en cuanto al método de contacto y de participación en la política. El FREPASO es mucho más en la gente que lo que es como estructura política, y esto generó una conciencia diferente en la política, esto posibilitó, la apertura de procesos nuevos y de procesos de interpretación de la política. (dirigente da Frente Grande, julho de 1999, grifo nosso) 135 Capítulo 4 A VIA SOCIAL-DEMOCRATA Um segundo caminho de introdução à questão democrática nas esquerdas esteve constituído pela identificação com a matriz ideológica da social-democracia européia e pela adaptação nacional da proposta da terceira via como uma alternativa ao neoliberalismo diferente da proposta pelas esquerdas clássicas. Nesta modalidade foram notórios o peso assumido pelo referente ideológico externo, a ênfase democrática sobre o socialismo e a preocupação pela diferenciação em relação às outras correntes de esquerda socialista. Entre os partidos selecionados no presente estudo, dois casos seguiram nitidamente esta opção: a reconversão da tradição trabalhista brasileira no Partido Democrático Trabalhista e a fundação de uma nova esquerda no Uruguai com o Novo Espaço. A RECONVERSÃO DO POPULISMO EM DEMOCRACIA: O PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA BRASILEIRO A emergência do Partido Democrático Trabalhista foi um exemplo de reinvenção da tradição trabalhista que teve vínculos de continuidade com o passado e também características de inovação de uma síntese ideológica nova. Os laços de continuidade com a tradição passada remeteram-se à história de lutas populares e nacionais do antigo PTB como também à resistência à ditadura, ao exílio e à continuidade na experiência pessoal de seu líder carismático. A intenção de reconstruir o PTB, enquanto projeto de partido nacional, popular e democrático, esteve presente desde os documentos fundacionais. Esta refundação foi realizada no contexto da abertura política democrática, na qual era patente que o trabalhismo tinha a função de desempenhar um papel “renovador” da política, capaz de “liberar as energias do povo brasileiro” e “reconduzir o Brasil para uma institucionalidade democrática”. Esta invocação à continuidade com o passado foi tolhida pela conjuntura adversa de um regime autoritário que impediu a possibilidade de que o grupo mais progressista do trabalhismo ficasse com a sigla partidária, impli- 136 A reconversão da questão democrática nas esquerdas cando essa perda a criação de uma nova sigla, similar à anterior, mas que incorporou desde o nome a adjetivação democrática. A reconstrução da memória trabalhista se efetivou mediante uma reinvenção própria que introduziu novidades, principalmente pela recuperação da questão democrática e pela incorporação da matriz socialista européia. Esta recuperação teve lugar através da revalorização da democracia enquanto regime político que assegura liberdades públicas – como o pluralismo político – e da defesa dos direitos das minorias sociais excluídas como imperativo de maior inclusão numa sociedade pluralista democrática. Este sentido social da democratização foi especialmente destacado na Carta de Lisboa que proclamou a necessidade de uma “campanha de salvação nacional” para atender ao “drama social pungente dessas massas marginalizadas”. Assim, a ação política trabalhista devia orientar-se para a resolução de problemas prioritários tanto no nível político-institucional quanto no social. Primeiro, o de salvar os milhões de crianças abandonadas e famintas... Segundo, o de buscar a forma mais eficaz de fazer justiça aos negros e índios que além da exploração geral de classe sofrem uma discriminação racial e étnica... Terceiro, o de dar a mais séria atenção às reivindicações da mulher brasileira... Quarto, o de fazer com que todos os brasileiros assumamos a causa do povo trabalhador do norte e do nordeste... No plano da ação política, duas tarefas... Em primeiro lugar, a luta por uma anistia ampla, geral e irrestrita de todos os patriotas brasileiros perseguidos por sua resistência à ditadura... Em segundo lugar, a luta pelo retorno à normalidade democrática... eleger a Assembléia Nacional Constituinte. (Lisboa, 17 de junho de 1979) A valorização das liberdades públicas da democracia no contexto da abertura política se deu, em boa medida, como negação e rejeição perante a repressão e o exílio impostos pelo regime autoritário. Da mesma forma, produziu-se uma reafirmação do sentido popular da recuperação democrática mediante uma ampliação da concepção das maiorias populares. Com efeito, a raiz popular do trabalhismo, a despeito de confirmar seu compromisso histórico com os trabalhadores, incorporou também novas categorias sociais entre as massas excluídas. Assim, perfilou-se como uma nova forma de representação política que, afastando-se da identificação mecânica com o sindicalismo, foi incorporando novas questões sociais, como 137 Capítulo 4 o problema do racismo, da discriminação contra a mulher, dos direitos das minorias, etc. Esta reinvenção das tradições populares será acompanhada pela defesa do nacional, que incluirá também a defesa da natureza brasileira e do patrimônio econômico que afete a soberania nacional (Vânia Bambirra, 1981, p. 32-33). A reconversão do trabalhismo herdou as tradições nacionais populares de luta, mas, ao mesmo tempo, sintetizou e modernizou as mesmas mediante a incorporação do socialismo democrático. Isto supôs, aliás, uma tentativa de modernização e de identificação com movimentos internacionais da esquerda socialista. No encontro de Lisboa o socialismo democrático foi definido por Brizola nos seguintes termos: “o trabalhismo é o caminho brasileiro para a construção de uma sociedade democrática e socialista”. A renovação trabalhista por meio da incorporação indissolúvel da democracia e do socialismo significou uma dupla inovação política. De fato, o trabalhismo se fusionou com um ambiente democrático, assumindo a democracia não num sentido instrumental, mas em sua qualidade de sistema político e social que garante a representação política, os direitos humanos e a participação das maiorias populares. Também a referida renovação se uniu ao socialismo como alvo de conteúdo de uma democracia de massas baseada numa maior inclusão e igualdade social. Para o PDT, trata-se de assumir a democracia em todas as suas dimensões e conseqüências. Isto significa que, além de assumir a democracia como forma (democracia política: pluripartidarismo, representação parlamentar, direitos políticos e direitos humanos fundamentais), nós o assumimos também – e decisivamente como conteúdo (democracia econômica, social e cultural, igualdade de oportunidades, participação popular ativa). Tanto o estatuto como o manifesto do PDT incorporam coerentemente esta concepção de democracia vinculada ao objetivo estratégico socialista... A nossa concepção de democracia se fundamenta em dois princípios: o da igualdade (real, e não apenas jurídica) e o da participação popular. O socialismo, tal como o entendemos, consiste no movimento histórico que converte os valores da liberdade e da igualdade, de formais, em reais, a partir das lutas operárias e populares... 138 A reconversão da questão democrática nas esquerdas Trata-se, pois de criar as primeiras condições para que possamos efetuar uma política de transição para o socialismo, o que só pode ser concebido como conseqüência de uma democracia de massas. (Sarmento Barata: 1982, p. 1-2) Assim, o trabalhismo foi definido como um caminho nacional para atingir o socialismo, assumindo, por isso, um duplo papel de porta-voz das lutas nacionais democrática e socialista. A opção por um socialismo democrático implicava a crítica a um sistema capitalista injusto e excludente no social e que exercia um autoritarismo político que tinha coarctado a soberania nacional. No entanto, tratava-se de um socialismo que ia ser direcionado pela via democrática e legal e não pela revolução rupturista. O PDT assume, com inabalável e definitiva convicção e firmeza, pelo seu programa, sua prática e objetivos, a causa do socialismo democrático no Brasil. O PDT é um Partido Socialista. O nosso Socialismo há de ser construído através do voto livre, numa sociedade pluralista e civil, sem discriminar ou excluir quem quer que seja. O nosso socialismo está indissoluvelmente ligado ao conceito de liberdade. Socialismo e liberdade, para nós são inafastáveis como dois trilhos de uma estrada de ferro expressando um Estado de Direito democrático e de profundo conteúdo social. Os nossos métodos e caminhos são pacíficos e democráticos. O PDT não luta pela tomada do poder. O seu propósito é ascender ao poder, inundando este país de consciências esclarecidas. Carta de Mendes (RJ, 23 de janeiro de 1983) A identificação externa com o referente da social-democracia européia estabelecia certas afinidades entre os desafios dos contextos sociais e históricos e as alternativas políticas ensaiadas. Destacou-se, então, o esforço democratizador das estruturas políticas próprio da social-democracia como também sua adaptação e inserção nas diferentes realidades nacionais. Ao mesmo tempo, tinham sido compatibilizados os princípios das liberdades públicas da democracia liberal com os postulados de igualitarismo social das correntes socialistas. A afinidade assinalada não se restringia exclusivamente ao plano ideológico, abrangendo também as estruturas partidárias e as trajetórias políticas. Com efeito, tratava-se de partidos de base sindical que tinham acumulado experiência de governo, tendo institucionalizado, durante seus governos, conquistas sociais para os trabalhadores. 139 Capítulo 4 A minha manifestação no exílio expressava esse sentimento, que cultivamos até o presente, de uma identificação ampla com o esforço democratizador promovido pela social democracia, especialmente na Europa. Efetivamente, foram os partidos sociais-democratas europeus que abriram o espaço para o debate e o reconhecimento, afinal, de que a democracia é a marca originária e uma exigência da própria natureza do socialismo. (Brizzola Leonel, 1984, grifo nosso) Essa identificação com a social-democracia européia constituía uma meta futura de um padrão de desenvolvimento ainda não atingido no Brasil. As experiências clássicas da social-democracia se assentaram numa crescente participação dos trabalhadores mediante a conquista da cidadania, a consolidação de um Estado Nacional e que a expansão do capitalismo. O sistema democrático se baseava em governos constitucionais solidamente institucionalizados e com sistemas partidários representativos e estáveis. De outro lado, o Estado desempenhava um papel central ao incorporar a sociedade civil através de um sistema de bem-estar com um nível de exclusão social baixo, estimulando o desenvolvimento econômico nacional e submetendo o capital a certos interesses sociais. No contexto da crise brasileira, decorrente da exploração do sistema capitalista, que submeteu o governo e o Estado à lógica dos interesses do capital, e de um autoritarismo político tecnocrático que marginalizou os interesses e direitos das maiorias populares, tornando inviável a democracia liberal, a social-democracia foi visualizada como uma saída. De fato, no referido contexto, a reivindicação pelo socialismo democrático representava uma resposta nacional no intuito de conjugar a recuperação de um regime político democrático com a implementação de uma democracia mais igualitária e socialista que abrangesse também os níveis econômico e social. A nossa opção pelo socialismo democrático pretende deixar bem claro a consciência que temos, de que a reconstrução da nossa sociedade passa pela reconstrução de uma identidade nacional, que está sendo destruída pela dinâmica da exploração capitalista. Como passa, também, pela afirmação plena do direito da cidadania das maiorias marginalizadas da nossa sociedade... Necessariamente, esta solução precisará expressar o seu conteúdo: o respeito à cidadania, a submissão do capital ao trabalho, e a recuperação da dignidade e autodeterminação da Nação. (Brizola: 1984, p. 6, grifo nosso) 140 A reconversão da questão democrática nas esquerdas O projeto de reinvenção do trabalhismo mediante a construção de um partido socialista democrático exprimiu a confluência de uma multiplicidade de correntes políticas no marco de uma ampla assimilação e valorização da questão democrática. De um lado, reivindicava as lutas nacionais populares da tradição trabalhista ao mesmo tempo em que assimilava os princípios e postulados democráticos em todos os níveis – político, econômico e socialcomo alternativa política para a realidade brasileira. E, de outro, apresentava uma proposta de esquerda renovada, identificada com o referente ideológico da social-democracia européia e com um espírito de modernização das estruturas partidárias. Os documentos de Lisboa, pareciam uma proposta avançada de social-democracia brasileira, a ênfase básica do projeto de Lisboa era a construção de um partido socialista democrático. Que se entendia por socialista? Um partido integrado ao movimento da social democracia européia portanto um partido que de alguma forma emulava as tradições do socialismo democrático e se articulava internacionalmente com esse projeto, o socialismo democrático na época representava uma alternativa importante para as esquerdas de América Latina até pelo apoio que davam, por exemplo, Nicarágua formando uma espécie de terceira via de fato. Por outro lado a proposta de Lisboa era profundamente democrática, eu me lembro inclusive de uma passagem no documento onde Brizola dizia que o Trabalhismo respirava democracia, o ambiente do trabalhismo era a democracia e fora da democracia o trabalhismo não tinha condições de existir, a democracia em todos os níveis, democracia interna, democracia na sociedade, ela vinha como uma proposta muito avançada, moderna, de um partido não corporativo, de um partido que reconhecia a importância do movimento sindical mas não se vinculava exclusivamente a essa corrente, a essa tradição, tinha sua própria tradição de movimento social no Brasil, principalmente nos estados de Rio Grande e Rio de Janeiro, tinha incorporado toda uma tradição, de lutas populares camponesas no nordeste, se vinculava a todo um grupo varguista de antigos trabalhistas baianos, um grupo mais tradicional, mais importante pela sua vinculação com a tradição nacionalista, em fim, tinha um espectro de um partido nacional construído em cima de alguns pontos fortes de tradição política local ou regional. Esse projeto parecia interessante e contava com o apoio de uma certa elite intelectual respeitável, nós tínhamos no movimento de Lisboa figuras como Betinho, Clovis Brigadão, Sarmento Barata, Vania Bambirra, Theotonio dos Santos e outras figuras intelectualizadas era um grupo interessante e um quadro interessante de articulações. E dentro desse espírito de construir um partido moderno, um partido sem muitos traços políticos porque havendo uma onda de renovação e modernidade, Brizola vinha com todo este discurso democratizante e todo o aparelho da socialdemocracia que incorporava figuras tradicionais da política gaúcha também, os chamados históricos e que representavam uma espécie de justiçamento da histó- 141 Capítulo 4 ria política que havia sido purgada pelo governo autoritário. (ex-dirigente do PDT, Porto Alegre, maio 2000, grifo nosso) Este processo de reconversão ideológica e política da tradição trabalhista foi realizado sob a clara marca pessoal da liderança carismática de L. Brizola. O trabalhismo antes de Brizola era um trabalhismo em cima de propostas que foram realizadas no país, por exemplo, a consolidação das leis trabalhistas foram feitas por Getulio Vargas e foi um grande avanço em relação a capital e trabalho em defesa do trabalhador feitas por um presidente que fundou o PTB, a fundação foi toda ela em cima da valorização do trabalho em relação ao capital, mas com o passar dos anos, mantendo as nossas doutrinas, mantendo as nossas lutas, as reformas na área da educação, na área da saúde, mantendo todas essas lutas nós tivemos assim um exemplo vivo que é o governador Brizola, que participou da história passada e que conduziu o presente porque é o fundador do PDT, uma vez fundado o PDT com todo aquele hiato do PTB com relação ao PDT em função do regime militar, o Brizola até por sua personalidade ele conduziu o partido com uma fé de ferro, se produz uma fusão do partido com ele, essa é a realidade do PDT, hoje nós somos um partido pedetista, trabalhista mas brizolista. Todos o que aqui estão no PDT ingressaram com suas convições, mas com sua admiração em relação a Brizola. (dirigente do PDT, Porto Alegre, maio 2000, grifo nosso) O NOVO ESPAÇO: UMA SOCIAL-DEMOCRACIA TESTEMUNHAL NO URUGUAI A construção do Novo Espaço como um espaço político alternativo da esquerda se remontou a um longo debate no interior da Frente Ampla no período pós-ditadura – que será exposto mais adiante –. Com efeito, o NE surgiu como conseqüência da cisão do Partido pelo Governo do Povo e do partido Democrata Cristão da Frente Ampla mediante a criação da coalizão política com o mesmo nome para as eleições de 1989. No entanto, a referida coalizão não teve uma vida muito prolongada devido à decisão de seu principal líder, Hugo Batalla, de retornar ao Partido Colorado como também às divisões no interior do PGP. O partido Novo Espaço foi produto da última cisão do PGP e da reunião de um grupo de dirigentes que tomou a decisão de reorganizar-se partidariamente, recuperando em parte o legado do projeto originário, em 6 de agosto de 1994. 142 A reconversão da questão democrática nas esquerdas Destarte, o Novo Espaço ficou localizado como uma esquerda testemunhal, minoritária e herdeira de parte da ideologia do PGP; de fato, herdou do mesmo a percepção da necessidade de uma esquerda diferente, uma esquerda renovada, com capacidade de diálogo com os partidos tradicionais no governo, menos frontalmente opositora do que a esquerda frenteamplista e com uma concepção ideológica explicitamente definida como de social-democrata. Porém, esta força se definiu como ou uma esquerda com uma marcada ênfase nas questões “republicanas” como elemento de diferenciação em relação à esquerda frenteamplista. Essa ênfase se exprimiu na preocupação por um espaço público não limitado ao estritamente estatal, mantendo o tom social-democrata de valorização do Estado no intuito de melhorar a justiça social, mas apresentando uma postura crítica mais moderada com respeito ao papel do mercado na economia. A proposta de renovação da política consistiu em convocar um “novo interesse pela política” na construção da “coisa pública”, estando muito vinculada, a referida proposta, à revalorização da democracia como sistema em si mesmo e das tradições democráticas nacionais. Una generación que se forjó haciendo política en la dictadura, que la obligó a batirse en retirada, que protagonizó la lucha por llegar a la transición y que celebró el advenimiento de la democracia como un acontecimiento que marcaría para siempre sus vidas. Porque en la larga noche había aprendido a revalorizar la democracia, a tolerar las diferencias, a buscar los consensos. Y había alimentado la inmensa ilusión: luego de la caída de la dictadura, se abriría paso la construcción de un país nuevo y mejor, más justo y más abierto a los vientos del cambio, un país en que se harían realidad todos los sueños compartidos en la resistencia. Pero no fue así. Con la democracia, llegó la restauración. Se instaló la restauración en las instituciones. Se instaló la restauración en las instituciones, las organizaciones sociales, los partidos. Fue como si el reloj del país volviera a marcar el día y la hora que precedieron a la ruptura. Y ese fue el primer desengaño o la primera decepción. Al que siguieron otros. La comprobación de que la política, en democracia, no está hecha de gestas heroicas sino de un trabajo, muchas veces gris para buscar consensos o al menos mayorías que permitan acordar la forma de administrar y distribuir los recursos públicos. (Rafael Michelini, em Rilla, 1999, p. 9, grifo nosso) Esta prédica de valorização das instituições democráticas teve um duplo sentido: de maneira retrospectiva, com respeito à interpretação das experiências democráticas no passado e, de maneira prospectiva, acerca das 143 Capítulo 4 perspectivas da democracia para o futuro. Em relação ao passado, houve um processo de revalorização positiva das tradições democráticas nacionais como um elemento de destaque dentro da região, mas, de outro lado, atentou-se para as “questões pendentes” do legado autoritário, principalmente no referido à situação dos desaparecidos e ao papel das forças armadas na defesa nacional. A revalorização da democracia assumiu também um sentido de renovação política para o futuro, assinalando a necessidade de aperfeiçoar e aprofundar a “qualidade” da democracia existente a fim de garantir efetivo acesso e cumprimento dos direitos cidadãos que não se esgotam no plano político-institucional. Nesse sentido, foi apontada a necessidade de atacar problemas como, por exemplo, a segurança pública dos cidadãos; o combate contra a discriminação social; a instrumentação de mecanismos para que os cidadãos e consumidores possam reclamar junto à Administração pública o cumprimento dos direitos cidadãos; a luta contra a corrupção e o estabelecimento de controles para assegurar a transparência na gestão pública. La sociedad uruguaya recuperó en 1985 la democracia y la convivencia pacífica. Esta década y media de funcionamiento de las instituciones democráticas ha demostrado, por un lado, que la institucionalidad política mantiene su tradicional vigor. Los partidos políticos son instituciones fuertes, la participación electoral es elevada, los niveles de interés ciudadano en la política, si bien han disminuido en relación a otras épocas, continúan siendo más altos que en el resto de América Latina. La valoración ciudadana por que vivimos en una sociedad con una fuerte cultura política democrática. Sin embargo, un análisis más profundo de la calidad de la democracia actual permite señalar la necesidad de resolver asuntos pendientes que tienen que ver con el triste legado de la dictadura. Al mismo tiempo es necesario asumir y resolver adecuadamente un conjunto significativo de desafíos novedosos que atañen al efectivo goce de los derechos ciudadanos. El Nuevo Espacio entiende que uno de los objetivos fundamentales para el próximo período de gobierno tiene que ver con el perfeccionamiento y profundización de nuestro sistema democrático. Su fortalecimiento y su consolidación es un objetivo primordial que está en relación directa con la vigencia plena de los derechos ciudadanos en toda su extensión y con la reformulación de las políticas en la áreas de seguridad y defensa. (Novo Espaço, 1999, p. 65, grifo nosso) 144 A reconversão da questão democrática nas esquerdas A REINVENÇÃO NACIONAL DAS TRADIÇÕES SOCIALISTAS Os processos de reinvenção nacional das tradições de esquerda socialista em democracia tiveram lugar através da progressiva substituição da visão instrumental da democracia como etapa transitória na luta pelo socialismo pela redefinição de alguns princípios democráticos dentro da matriz socialista. A progressiva assimilação dialética entre Socialismo e Democracia se produziu mediante uma reconversão ideológica da teoria e da práxis da mudança política, passando de posturas revolucionárias para uma concepção de reformas radicais de maneira gradual dentro do marco das instituições democráticas. A confluência do socialismo em democracia esteve determinada pela canalização política de uma incorporação e reconhecimento efetivos dos direitos dos trabalhadores no sistema democrático. Da mesma forma, teve lugar uma reafirmação da importância das liberdades públicas e do pluralismo político, o que se traduziu, aliás, na ampliação do feixe de alianças políticas e de classes sociais a fim de poder obter maiorias que permitissem o acesso ao governo e o controle do poder político. Outra modalidade discursiva de integração de princípios democráticos esteve conformada pela prédica em favor da moralização das instituições políticas como caminho para atingir um funcionamento mais transparente das instituições da democracia representativa. A assimilação de pilares da democracia se deu também no nível da concepção da representação política do povo, incorporando a reivindicação por uma cidadania efetiva e ativa. Estes processos de reconversão ideológica do socialismo reafirmaram a inserção nacional dos partidos socialistas e redefiniram a vocação internacionalista e latinoamericanista na procura de alternativas para a hegemonia capitalista na etapa neoliberal. 145 Capítulo 4 O SOCIALISMO PETISTA A aparição do Partido dos Trabalhadores se produziu numa conjuntura particular que marcará sua definição ideológica. Com efeito, o PT surgiu, de um lado, num contexto internacional de derrota das revoluções socialistas, de fragmentação dos regimes de socialismo real, e, do outro, num contexto nacional de avanço capitalista, transição política conservadora e de emergência de um movimento social organizado. Em contraste ao contexto internacional, o PT pregou uma alternativa socialista renovadora diferenciada da social-democracia européia e de ruptura em relação às experiências comunistas passadas de socialismo real. Ao mesmo tempo, reconverteu sua vocação internacionalista mediante a recuperação da identidade latino-americana como uma via de esquerda própria. Também em resposta ao contexto nacional realizou uma reconversão ideológica de superposição dos objetivos de luta pela democracia e pelo socialismo. As marcas de identidade socialista do PT foram a expressão dos interesses da classe trabalhadora enquanto base popular do partido e pela luta contra a exploração do sistema capitalista. Neste contexto, o PT se construiu como um partido de oposição política e social às classes economicamente dominantes e de crítica à dominação social burguesa e à hegemonia do capitalismo neoliberal. Na fase fundacional do referido partido, a democracia era percebida como um meio estratégico na luta das maiorias populares pelo acesso a liberdades políticas, direitos civis e, ao mesmo tempo, a demandas sociais de bemestar material adiadas pelo autoritarismo político. Assim, em sua revalorização, a democracia foi identificada como um regime político que beneficiaria as maiorias populares em contraste com um regime autoritário que apenas tinha favorecido os privilégios de uma elite que usufruía a estrutura do Estado e concentrava o poder econômico. O compromisso por atingir uma democracia plena foi percebido como o caminho para superar o regime político autoritário, a concentração de poder econômico capitalista e a desigualdade social estrutural do país. 146 A reconversão da questão democrática nas esquerdas O PT nasce numa conjuntura em que a democracia aparece como uma das grandes questões da sociedade brasileira. Para o PT, a luta democrática concreta de hoje é a de garantir o direito à livre organização dos trabalhadores em todos os níveis. Portanto, a democracia que os trabalhadores propõem tem valor permanente, é aquele que não admite a exploração econômica e a marginalização de muitos milhões de brasileiros que constróem a riqueza do país como o seu trabalho. A luta do PT contra o regime opressivo deve construir uma alternativa de poder econômico e político, desmantelando a máquina repressiva e garantindo as mais amplas liberdades para os trabalhadores e oprimidos que se apóiem na mobilização e organização do movimento popular e que seja a expressão de seu direito e vontade de decidir os destinos do País. Um poder que avance nos rumos de uma sociedade sem exploradores e explorados. (Programa do PT, jun.1980, em PT: 1998; p. 68-69, grifo nosso) Paralelamente à definição da luta estratégica pela democracia, o socialismo foi concebido como uma construção cotidiana concreta dos avanços e conquistas das lutas populares dos movimentos sociais organizados e de trabalhadores. O socialismo se apresentou como uma construção desde a base da sociedade brasileira em contraposição ao poder econômico e estatal. O socialismo que nós queremos irá se definindo nas lutas do dia-a-dia, do mesmo modo como estamos construindo o PT. O socialismo que nós queremos terá que ser a emancipação dos trabalhadores. E a libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores. (Discurso de Lula na 1ª Convenção Nacional do PT, set.1981, em PT: 1998; p. 68-69, grifo nosso) A definição do socialismo petista esteve então permeada pela inserção política e social num determinado contexto histórico da sociedade brasileira e pela vontade de invenção de uma nova identidade diferenciada dos socialismos antecedentes. O alicerce numa base social trabalhadora autônoma e mobilizada, como também o contexto de crise ideológica do socialismo internacional, favoreceu a reconversão da identidade socialista numa visão construtiva mais imediata e basista através da vontade de canalização dos interesses dos movimentos sociais organizados na realidade histórica nacional. Destarte, o socialismo deixou de ser visto como um projeto futuro doutrinário preestabelecido para identificar-se com uma construção nacional dos trabalhadores num contexto histórico determinado. Mas, ao mesmo tempo, a particularidade de um contexto histórico marcado pela recuperação demo- 147 Capítulo 4 crática facilitou a identificação entre as reivindicações pelo socialismo e as conquistas dentro do marco democrático. Quando, em uma de suas mais famosas boutades, ao ser perguntado se era comunista ou social-democrata, Lula respondeu que era “torneiro mecânico”, expressou-se de forma jocosa, mas ao mesmo tempo significativa, as dificuldades e as virtudes da definição socialista petista: Em primeiro lugar, reiterava distância em relação às alternativas que representavam um pasado com o qual o PT não queria compromete-se. Em segundo lugar, sublinhava metaforicamente que importava menos sua definição ideológico-doutrinária e mais sua condição operária, o que é relevante em um pais sem tradição proletária de esquerda. E, por último apontava para o fato de que as definições políticas do partido estavam grandemente condicionadas por sua base social e que esta noção processual de socialismo se vinculava às experiências de luta dos trabalhadores. Desde seus documentos iniciais, o PT afirmou que o socialismo não é apenas um horizonte longínquo a ser buscado e atingido, más é algo a ser construído e que se incorpora na dimensão cotidiana das lutas. O movimento operário, que foi e é o principal componente social do partido, forjou-se desenvolvendo articuladamente três tipos de lutas que apresentavam conteúdos anticapitalistas: contra o arrocho; pela autonomia e liberdade sindical e contra a organização do processo de trabalho e a disciplina patronal nas empresas. Os componentes sociais que aderiram ao PT e participaram de sua construção – operários fabris e trabalhadores de áreas de serviços, camponeses e trabalhadores rurais, profissionais liberais e técnicos assalariados pobres das periferias urbanas – garantiram um programa que transcendia as reivindicações operárias. Os componentes políticos – ex-militantes de organizações de esquerda, grupos e partidos de extrema-esquerda, católicos ligados às igrejas progressistas, personalidades vinculadas à luta pelos direitos humanos, setores mais radicalizados de oposição democrática – permitiram que o partido ampliasse seu conceito de democracia mais além de uma simples volta ao Estado de Direito. Eles incorporaram temas fundamentais para a renovação da cultura política de esquerda que apontam para uma compreensão maior dos processos de exploração e dominação e, por conseqüência, ampliam o espectro das lutas pela democracia. Há, no entanto, outro elemento fundamental para sublinhar a especificidade do projeto subjacente à formação do PT: a crise do socialismo como projeto e como realidade. Nacionalmente as esquerdas brasileiras estavam exauridas. As forças mais tradicionais, sobretudo os partidos comunistas e o nacional-populismo tinham pequena expressão social, e diminuta presença nos setores fundamentais da sociedade, além de demonstrar escassa capacidade de elaboração teórico-política. A esquerda revolucionária, como a outra, fora muito golpeada pela repressão nos anos 70 e se encontrava atomizada. Encontrava-se mergulhado em um debate estéril como a velha esquerda e digladiava-se em infindáveis polêmicas doutrinárias. Internacionalmente, sobretudo a partir da evolução política na Polônia, e de- 148 A reconversão da questão democrática nas esquerdas sencadeava-se uma nova etapa da crise do socialismo real que culminaria com as profundas transformações que marcaram a URSS e o Leste Europeu neste final de década. A contemporaneidade das experiências do PT no Brasil e de Solidariedade na Polônia permitiu aos militantes do partido, sobretudo aos de origem operária, desenvolver uma crítica radical do sistema político vigente nos países do socialismo real. Chamou a atenção principalmente para o problema das relações entre socialismo-democracia e para a existência de valores democráticos que transcendiam formas específicas de organização política da sociedade. Em contextos históricos distintos, os trabalhadores poloneses e brasileiros enfrentavam o mesmo tipo de problemas com suas respectivas ditaduras. (Marco Aurélio García: 1990, p. 53-54, grifo nosso). Sob a perspectiva do PT, o socialismo devia ser uma construção alternativa desde as bases da sociedade, resultado de uma acumulação de forças representativas das grandes maiorias populares e contando com a presença de uma organização autônoma dos trabalhadores. Essa mobilização social e política ativa devia, aliás, conformar uma oposição firme e radical à transição política cupular conservadora e em relação às classes economicamente dominantes. A relevância de constituir um bloco social opositor e não meramente político se assentava numa concepção do poder que transcendia amplamente o âmbito político estatal de uma estrutura econômica e social exprimida numa hegemonia da dominação burguesa. Em antagonismo com essa dominação burguesa, o caminho para atingir o socialismo consistiu em construir uma alternativa democrática e popular a partir da denominada “política de acúmulo de forças”. Esta política pressupunha uma estratégia em três planos superpostos: a organização do PT como força política socialista, independente e de massas; a construção de um movimento sindical classista, de massas e combativo exprimido na CUT e na organização do movimento popular independente; e o delineamento de uma estratégia política de preenchimento dos espaços institucionais através da concorrência nas eleições para cargos executivos e de representação parlamentar (5º Encontro Nacional, 1987, no PT, 1998, p. 321). O 5º Encontro Nacional em 1987 foi um momento de inflexão na construção partidária, pois tanto a institucionalização política progressiva em face às eleições diretas para a Assembléia Constituinte de 1988 quanto a perspectiva de poder concorrer no nível nacional por cotas do poder político foram definidas no mesmo. 149 Capítulo 4 O PT tentou evitar o debate antagônico entre as estratégias de reformistas versus as revolucionárias como também o posicionamento com respeito à existência de etapas preestabelecidas rumo ao socialismo; pelo contrário, afirmou que a combinação de ambas as estratégias e o avanço em objetivos democráticos populares nas conjunturas políticas concretas não eram incompatíveis com os objetivos socialistas de longo prazo (5º Encontro Nacional, 1987, no PT, 1998, p. 313). Vários anos depois, no 1º Congresso do PT em 1991, reafirmar-se-á que a estratégia socialista não será um momento de revolução mas um processo de mais longo prazo, cuja consolidação não se esgotará na mera conquista do poder político, supondo, pelo contrário, uma hegemonia ideológica e cultural sobre a sociedade. A conquista do poder político é um momento da luta pelo socialismo, mas não garante, por si só, a sua construção. A conquista do poder pode significar a vontade da maioria, mas não é sinônimo de hegemonia política com base no projeto global, e muito menos ideológica e cultural. Sua consolidação virá com o exercício democrático do poder... (1º Congresso Nacional, 1991, em PT: 1998; p. 516) Esta postura redefinia a relação entre Socialismo e Democracia, já que o partido se constituiu num espaço de intervenção social e política lutando pela democracia e, ao mesmo tempo, pelo socialismo. Esta superposição de objetivos políticos se manifestava na estratégia de “acúmulo de forças” e na definição de um programa de reformas qualificado como de “democrático popular”. A acumulação de forças no programa democrático-popular chamava a atenção pelo fato de que o socialismo não era o objetivo imediato do partido. A questão de fundo está na forma pela qual se articulam a luta por este programa democrático- popular com os objetivos socialistas. (Marco Aurélio García: 1990, p. 54). A conformação de uma Frente de alianças políticas para a concorrência pela presidência em 1989 estava vinculada ao desenvolvimento de um programa democrático popular. A referida estratégia de acúmulo de forças, cuja finalidade era alterar a correlação de forças sociais existentes e disputar a hegemonia por parte dos trabalhadores, foi reforçada e desenvolvida no 6º En- 150 A reconversão da questão democrática nas esquerdas contro Nacional. Assim, a estratégia de crescimento político-eleitoral se articulava com a construção do socialismo petista. A constituição de uma coligação política maior se apoiava também numa alternativa de aliança de classes mais ampla que incluía desde os trabalhadores assalariados, passando pelas classes médias e a pequena burguesia, até categorias semiproletárias e camponeses. Essa aliança democrática popular assumiu também objetivos socialistas como, por exemplo, a postura anticapitalista e a ruptura com as formas de concentração do capital. Um governo do PT e da Frente Brasil Popular deverá realizar as tarefas democráticas e populares no país, de conteúdo antiimperialista, antilatifundiário e antimonopólio. A efetivização de medidas deste gênero, mesmo que de cunho não explicitamente socialista, choca-se diretamente com a estrutura do capitalismo aqui existente e somente poderão ser adotadas por um governo de forças sociais e políticas em choque com a ordem burguesa, um governo hegemonizado pelos trabalhadores... Por estas condições, o governo democrático e popular e o início da transição ao socialismo são elos do mesmo processo. (6º encontro nacional, 1989 em PT: 1998; p. 401, grifo nosso) À medida que avança a consolidação do PT enquanto força política com pretensão a concorrer por cotas do poder político, reforça-se também a valorização das instituições e mecanismos da democracia em si mesma e como alternativa de legitimação de uma via de construção do socialismo. Do nosso ponto de vista, nossa intenção, nossa vontade política, nossos propósitos programáticos vão no sentido de conquistar o poder através da vontade, da mobilização e da luta da maioria, e não da tomada de poder por meio de um golpe de mão, de um putsch da vanguarda... O pluralismo partidário, as liberdades de imprensa e sindical, de credo, a existência de condições efetivas para sua prática, o respeito integral aos direitos humanos são importantes conquistas da humanidade, que devem ser ferreamente defendidas pelos trabalhadores no processo de construção do socialismo... A democracia é uma conquista dos trabalhadores, arrancada na luta política contra as classes dominantes. No Brasil, queremos transformar as liberdades políticas formais da Nova República em valores democráticos reais, permanentes, apropriados pelos trabalhadores e por toda a sociedade. O PT quer a democracia e intervém na disputa político-cultural da sociedade contrapondo os valores e ideais do socialismo aos do capitalismo, como a certeza de que seremos capazes de vencer, construindo uma alternativa de poder demo- 151 Capítulo 4 crático, socialista, e revolucionário. (6º encontro nacional, 1989 em PT: 1998; p. 402, grifo nosso) Os documentos partidários reafirmarão recorrentemente a associação necessária entre democracia e socialismo. Além disso, este compromisso democrático esteve vinculado, de um lado, aos fracassos das concepções burocráticas do chamado socialismo e, de outro, à crítica das experiências socialdemocratas pela ausência de crítica anticapitalista como também aos fracassos históricos do Estado Social. A recuperação dos valores democráticos também teve lugar mediante a valorização do pluralismo ideológico-cultural interno do partido, correspondente a uma esquerda síntese de diversas culturas libertárias democráticas, cristãs, marxistas, socialistas não-marxistas, radicais revolucionárias, entre outras. A cristalização da concepção do socialismo petista se produziu no 7º Encontro Nacional, centrado justamente no debate acerca do socialismo a ser adotado. A resposta, em consonância com a trajetória passada, não foi doutrinária, mas prática, não propondo a adoção de um ideal predeterminado, mas sim um socialismo a ser construído. Da mesma forma, reiterou-se a vinculação indissolúvel entre socialismo e democracia mediante a postulação da necessária articulação entre democracia representativa e democracia direta, estendendo, aliás, os conteúdos da referida democracia ao âmbito econômico. O PT não concebe o socialismo como um futuro inevitável a ser produzido necessariamente pelas leis econômicas do capitalismo. Para nós, o socialismo é um projeto humano cuja realização é impensável sem a luta consciente dos explorados e oprimidos, capaz de desenvolver uma consciência e um movimento efetivamente libertários. Daí porque recuperar a dimensão ética da política é condição essencial para o restabelecimento da unidade entre socialismo e humanismo... O socialismo que almejamos, por isso mesmo, só existirá com efetiva democracia econômica. Deverá organizar-se, portanto, a partir da propriedade social dos meios de produção.... No plano político, lutamos por um socialismo que deverá não só conservar as liberdades democráticas duramente conquistadas na sociedade capitalista, mas ampliá-las. Liberdades válidas para todos os cidadãos e cujo único limite seja a própria institucionalidade democrática. Liberdade de opinião, de manifestação, de organização civil e político-partidária. Instrumentos de democracia direta, garantida à participação das massas nos vários níveis de direção do processo político e da gestão econômica, deverão conjugar-se com os instrumentos da democracia representativa e com mecanismos ágeis de consulta popular, libertos da coação do capital e dota- 152 A reconversão da questão democrática nas esquerdas dos de verdadeira capacidade de expressão dos interesses coletivos. (7º Encontro Nacional, 1990, em PT: 1998; p. 434-435) Após dez anos da constituição formal do Partido, o mesmo realizou seu primeiro Congresso, reafirmando e desenvolvendo ainda mais os eixos de seu programa de governo e de democratização do poder. Em primeiro lugar, destacou-se a luta “anti-imperialista” contra uma dominação imperialista e em favor da defesa da “soberania nacional” perante as “ameaças permanentes postas para os avanços democráticos” na América Latina. Anti-imperialismo significou também, na perspectiva do PT, a procura por uma “nova ordem econômica internacional não opressiva” que propusesse uma nova inserção internacional que revertesse as desigualdades de fluxo de capitais entre Norte e Sul, apresentando programas de cooperação econômica e resolvendo o problema da dívida externa. Além disso, visou-se a reestruturação de uma nova ordem internacional no nível “ecológico” que fosse sustentável em prol da manutenção dos recursos naturais. O anti-imperialismo foi conseqüente também como um “novo internacionalismo” socialista, tanto no contexto latino-americano – com iniciativas como a do Foro de São Paulo – quanto, mais recentemente, no impulso para a realização do Fórum Mundial Social em Porto Alegre, expressão de uma alternativa não capitalista para a globalização neoliberal. O segundo eixo de ação esteve constituído pela luta “anti-monopolista” contra as grandes empresas monopolistas nacionais e internacionais que detinham a concentração de riqueza das classes dominantes burguesas. O terceiro objetivo almejado foi a luta “anti-latifundiária” por uma reforma agrária contra os latifúndios em virtude dos quais uma minoria dominou as terras do continente latino-americano. O compromisso democrático não se limitou à formulação de um programa Democrático Popular e de reformas políticas, econômicas e sociais; pelo contrário, incluiu também a reafirmação da identidade “socialista democrática” por meio de um aprofundamento dos conteúdos da democracia. A simbiose entre socialismo e democracia se efetivou mediante a radicalização da democracia, adquirindo essa radicalização um duplo sentido: de um lado, significou a extensão dos princípios igualitários da democracia aos 153 Capítulo 4 âmbitos econômico e social e, de outro, aprofundou os pilares políticos reivindicando um funcionamento mais transparente das instituições políticas da democracia representativa e proclamando a necessidade de incorporação de mecanismos de participação direta da cidadania. Para o PT, socialismo é sinônimo de radicalização da democracia. Isso quer dizer que a concepção de socialismo do PT é substancialmente distinta de tudo que, enquanto concepção, vimos concretizado em todos os países do chamado socialismo real. Mais do que a mera afirmação retórica de uma idéia, esse compromisso democrático pretende concretizar-se em todas as dimensões do Partido: no seu modo de ser e de organizar-se, nos valores que assume perante a sociedade, no seu relacionamento com os movimentos sociais e com a sociedade civil, nas propostas consubstanciadas em seu programa político, na sua atuação parlamentar e em cargos executivos: enfim, em toda ação cotidiana de cada petista. Ao final, “democracia, para nós, é simultaneamente meio e fim”. Dizer isso implica recusar todo e qualquer tipo de ditadura, inclusive a ditadura do proletariado, não pode ser outra coisa senão ditadura do partido único sobre a sociedade, inclusive sobre os próprios trabalhadores... (1º Congresso Nacional, 1991, em PT: 1998; p. 500, grifo nosso) A radicalização democrática com respeito às instituições políticas se apresentou como uma postura republicana de moralização da vida política exprimida na reivindicação pelo funcionamento efetivo da engenharia institucional de controle do poder estatal – divisão de poderes, respeito do estado de direito –; na reclamação por uma maior transparência da representação política parlamentar e da Federação; na crítica à corrupção exigindo uma nítida separação entre os interesses públicos e privados; e na proclamação da ética da convicção como guia da ação política, do agir conseqüente com as doutrinas e lineamentos programáticos dos partidos políticos. A radicalidade democrática se expressou também na forma de um novo conteúdo de socialização política democratizadora desde a base. Conforme esse conteúdo, valorizou-se positivamente a promoção da participação política direta e ativa num duplo sentido. De um lado, fomentou-se a mobilização popular mediante a expressão e canalização políticas dos interesses coletivos organizados da sociedade civil e, de outro, visou-se o apelo ao exercício da participação cidadã direta dos indivíduos enquanto sujeitos ativos com igualdade de direitos perante as instituições políticas. 154 A reconversão da questão democrática nas esquerdas O PT tem uma referência no movimento popular. Tem um peso significativo quando é governo porque ele consegue pela sua abertura dos mecanismos participativos ou de outras formas democráticas, que lhe dão uma possibilidade muito grande ao povo, chegar ao aparelho do estado, pressionar, reivindicar e em nível nacional o PT continua sendo uma referência de oposição ao governo de Cardoso, tanto na política geral, e a concepção do estado, como na economia e também no comportamento, o forte do PT continua sendo o comportamento, a ética. O PT consegue se diferenciar muito dos outros partidos por ser um partido honesto, quando é governo transparente, um partido que não rouba, um partido que combate a corrupção, não tem duas caras, se é preciso condenar, condena e toma posição, não vacila. Em São Paulo é evidente, os setores tradicionais estão levando na brincadeira a CPI da máfia, e o PT se opõe a isso. O PT consegue em todos os momentos mostrar [...] que tem conduta, que é a ética. Diferentemente de alguns partidos que, num momento ou outro, alguns de seus membros estão enterrados até o pescoço na corrupção, eu acho que isto tem que ser um elemento essencial a ser preservado e radicalizado. Eu acho que no Brasil devemos criar um movimento “mãos limpas”. O PT não pode vacilar em nenhum momento diante das questões da ética e comportamento na política, é muito forte no PT e tem que ser cada vez mais valorizado. Porque sem confiabilidade não há parlamento que resista. (dirigente nacional do PT, Porto Alegre, maio 1999, grifo nosso) O aprofundamento da democracia proposto pelo PT teria um sentido pedagógico de socialização política massiva para a transformação radical da estrutura capitalista concentradora e excludente. Com efeito, a ampliação da participação política e o exercício dos direitos cidadãos por parte das grandes maiorias populares romperia a lógica de um Estado que apenas beneficiou uma elite minoritária. A canalização da participação popular rumo ao âmbito estatal teria, aliás, um efeito democratizador do Estado e de controle ativo por parte da sociedade. Destarte, estabelecer-se-ia uma clara demarcação entre os interesses públicos coletivos e os interesses privados particulares, transformando-se a natureza excludente do estado capitalista mediante a inversão da orientação dos recursos públicos de acordo com as prioridades sociais. Por isso, a postura de radicalização democrática do PT teria um efeito “desestabilizador” do capitalismo, de transformação das estruturas políticas e, ao mesmo tempo, de questionamento das desigualdades econômicas e sociais decorrentes do modelo de desenvolvimento capitalista brasileiro. Este seria o sentido transformador último da revolução democrática proposta pelo PT. A grande questão que se coloca é como é que você chega ao socialismo, agora eu tenho defendido concretamente que nós que temos seguir uma política refor- 155 Capítulo 4 madora radical, porque as reformas radicais do país, das instituições, da economia, a inversão desse modelo concentrador de renda e riqueza, do ponto de vista do capitalismo concreto, desestabilizam o capitalismo brasileiro. Reformar significa desestabilizar o capitalismo. Um dos elementos fundamentais é que se você socializa a política, faz que milhões de pessoas participem do processo de re-definição da sociedade. Se você não socializa a política, conduz de uma forma vanguardista, luminista, ou se entrega nas mãos de um grupo pequeno, no Estado, no partido, onde seja, esse grupo em determinado momento vai seguir uma lógica de racionalidade com características perversas, pode ser autoritário, vai ser obrigado a romper com a democracia. Mas se você faz um processo massivo, um processo que nós chamamos de revolução democrática, não corre esse risco, não tem partido único, você tem alternância, tem jogo democrático, é mais difícil, porque os inimigos têm mais liberdade de ação, mas ele é um caminho mais seguro, não corre o risco de cair em experiências do socialismo autoritário burocrático, ou corre menos risco. É um processo complicado, onde se fazem reformas que teoricamente podem melhorar o capitalismo, mas em realidade elas têm um efeito desestabilizador do capitalismo (Marco Aurélio García: 1990, p. 56). Assim, a posição do PT em favor de uma democracia radical implicou a resignificação dos conteúdos democráticos em múltiplos níveis: a canalização da participação organizada, ativa e direta da cidadania; a reforma do Estado priorizando os fins públicos e sociais do mesmo; e a ampliação da democracia para as esferas econômicas e sociais. Resulta interessante apontar como no decorrer dos anos em que se consolidou a presença do Partido nos âmbitos políticos e representativos, o mesmo, ao se perfilar nitidamente como um pólo de oposição capaz de apresentar-se como alternativa de governo nacional, foi substituindo discursivamente a concepção originária desde uma revolução social para uma revolução política democrática (termo que começou a ser utilizado a partir de 1994). De fato, a perspectiva de acesso e instalação de um governo democrático e popular foi visualizada como uma revolução política que poderia impulsionar mudanças sociais estruturais. Anteriormente às eleições de 1998, perante a perspectiva de concorrer novamente como alternativa de governo, foi formulada mais uma vez a idéia de revolução democrática como motor da democratização radical da sociedade e do Estado e de um desenvolvimento nacional alternativo. Somente uma revolução democrática será capaz de pôr fim à exclusão, às desigualdades sociais e ao autoritarismo que marcam nossa história, oferecendo uma 156 A reconversão da questão democrática nas esquerdas alternativa concreta e progressista ao nacional-desenvolventismo, superando historicamente o conservadorismo neoliberal. (11º Encontro Nacional, 1997, em PT: 1998; p. 653, grifo nosso) A última virada na resignificação da opção democrática do PT esteve constituída pela incorporação da ênfase na defesa da soberania nacional ligada à conquista de um modelo de desenvolvimento econômico, social e político mais integrado e inclusivo. Esta reorientação progressiva se manifestou nas eleições de 1998 na proposta de uma aliança ampla de partidos de oposição ao neoliberalismo, baseada em três eixos fundamentais que serão reafirmados no II Congresso Nacional: - o nacional, que buscará uma nova ordem internacional, onde cada país terá presença soberana; - o social, que enfrente o problema da exclusão social da maioria da nossa população; - o democrático, que reforme radicalmente nosso sistema político, amplie e garanta a cidadania e os direitos humanos e estabeleça mecanismos sólidos de controle do Estado pela sociedade. Este programa radicaliza a democracia, promove reformas sociais, impede a desnacionalização e desindustrialização do País, promove o desenvolvimento, baseado na distribuição de renda, na expansão do mercado interno, na defesa dos interesses nacionais e será viabilizado por meio de uma reforma tributária capaz de gerar poupança pública para financiar o crescimento, reorganizar os serviços públicos, sobretudo a saúde e a educação, e promover uma reforma democrática do Estado. (11º Encontro Nacional, 1997, em PT: 1998; p. 660) A FUSÃO ENTRE SOCIALISMO E LIBERALISMO NO PSB Outro caminho de reinvenção nacional do socialismo brasileiro foi o proposto pelo Partido Socialista Brasileiro. Este partido apareceu após a abertura política, em 1985, com o objetivo de inaugurar uma alternativa de esquerda socialista diferenciada das existentes, colocando sua ênfase na refundação da tradição socialista do PSB (anterior a 1964) e na postura de que o socialismo e o liberalismo constituíam princípios inseparáveis da prática política. 157 Capítulo 4 Tratou-se de um partido ideologicamente definido como exclusivamente socialista, sendo sua fusão com as doutrinas do liberalismo o elemento de diferenciação com respeito às esquerdas marxistas e populistas. Esta síntese de socialismo e liberalismo foi percebida como uma proposta de aprofundamento da democracia, pregando desde o fortalecimento do funcionamento das instituições da democracia representativa até a democratização do Estado e a participação da sociedade. A visão liberal do regime democrático compreende exigências fundamentais no que respeita à garantia absoluta dos direitos e liberdades individuais, considerando a dignidade do indivíduo, do cidadão, algo absolutamente inegociável, que não pode ser trocada por nada; compreende também o modelo de governo representativo do povo, escolhido pelo povo em eleições livres e universais, com pluralidade de partidos e rotatividade no poder, compreende ainda mecanismos eficazes de limitação e fiscalização da Autoridade e do Poder através da Lei. O socialismo democrático incorpora todas essas postulações do liberalismo, considerando-as, entretanto, insuficientes. Os socialistas pretendemos ampliar e aprofundar o conceito de democracia muito além da visão liberal, em consonância com as caraterísticas do ideal da sociedade que defendemos e que difere essencialmente da sociedade liberal. Para os socialistas, não basta democratizar o Estado, embora seja importantíssima essa conquista. O socialismo postula a democratização da própria sociedade nos seus diferentes setores ou atividades que não os estritamente políticos.... Ao lado dessa, o socialismo levanta outra dimensão de aprofundamento do conceito de democracia. Trata-se da questão da participação popular nas decisões de Governo feita de forma permanente e institucionalizada. Na visão liberal, o povo delega aos seus representantes eleitos essas decisões em todos os níveis e revê essa delegação – confirmando-a ou não – nas eleições seguintes (Braga: 1999, p. 6, grifo nosso). O tipo de compromisso com a democracia foi considerado como um elemento de diferenciação em relação às tradições comunistas e socialistas insurrecionais. De fato, a opção pela democracia foi considerada como um marco institucional, objetivo e meio da prática política para atingir o socialismo. Portanto, tratou-se de uma proposta socialista de avanços mediante conquistas “graduais” dentro da democracia, excluindo explicitamente as alternativas armadas ou rupturistas. 158 A reconversão da questão democrática nas esquerdas A democracia, para os socialistas, é um valor em si mesmo – é um fim, não um meio –; até mesmo a democracia dos liberais, insuficientes, é para nós um valor a ser preservado. Isto quer dizer claramente que rejeitamos de maneira frontal a idéia da ditadura do proletariado, ditadura de classe, defendida pelos partidos comunistas... Como rejeitamos a hipótese da ditadura, rejeitamos igualmente com igual força o apelo à revolução armada como meio de conquista para realizar o socialismo... A nossa intransigência na via democrática significa necessariamente a opção pela implantação gradual e evolutiva do socialismo, compreendendo períodos de avanços e retrocessos, segundo o esquema normal da rotatividade democrática. Acreditando na pregação e na conscientização, optamos pelo caminho do convencimento e do voto (Braga: 1999, p. 10, grifo nosso). A estratégia de reformas dentro do marco democrático foi também um elemento de diferenciação com respeito a outros partidos de oposição, realizando uma crítica ao “oposicionismo paralisante” em relação a qualquer tipo de governo (Leonelli, Domingos. Em: Anais do VII Congresso Nacional, 1997, p. 12) e reclamando uma oposição firme ao modelo econômico capitalista selvagem, mas, ao mesmo tempo, construtiva e pragmática. Destarte, foi colocada uma reorientação das grandes metas revolucionárias socialistas em direção a uma prática política pragmática no sentido de avançar no encontro de soluções alternativas concretas, no âmbito cotidiano local, às necessidades sociais insatisfeitas e no combate contra a desigualdade social. Essa nova revolução democrática deveria se constituir na Agenda da Esquerda moderna e democrática brasileira... É preciso rearticular o particular e o geral, juntar os grandes fatores de transformação do mundo com as coisas concretas do dia a dia. Alguns exemplos: - associar a construção, hoje utópica, de um Governo Mundial capaz de controlar a volatilidade e a selvageria dos capitais financeiros que ameaçam o mundo, com a luta contra os juros altos no Brasil. - associar a tarefa de governar com novas soluções concretas para cada rua, cada bairro e cada cidade, com grandes tarefas revolucionárias para reduzir as desigualdades, como a erradicação do analfabetismo, a requalificação básica profissional dos trabalhadores brasileiros, a erradicação das doenças endêmicas, o combate profundo, no terreno da segurança e da psicologia social, ao dramático problema das drogas (Leonelli Domingos, em Anais Congresso do VII Congresso Nacional: 1997, p. 14, grifo nosso). 159 Capítulo 4 A especificidade da identidade socialista do partido esteve determinada por sua postura anticapitalista e por sua diferenciação ideológica com respeito a outras tradições de esquerda. Com efeito, o PSB se diferenciou das experiências social-democratas pela abdicação perante o capitalismo por parte dessas experiências; separou-se também das tradições marxistas leninistas pela falta de convicção democrática característica das mesmas; e, por último, afastou-se das tradições populistas devido às práticas clientelistas de cooptação dos interesses dos setores populares levadas a cabo por essas tradições. Primeiro que não somos um partido social-democrata no sentido histórico, no sentido que não queremos transformar o capitalismo, se trata de nosso ponto de vista de análise crítica de que todo regime que é fundado na exploração do homem pelo homem tem para nossas concepções uma contradição ética insuperável, nós afastamos do capitalismo e da social-democracia. Nós temos diferenças também com o leninismo, nós entendemos que o grau de necessidade da revolução socialista que podemos realizar, isto em termos democráticos, nós não aceitamos a ditadura do proletariado nem a ditadura do partido único, nós achamos que na pluralidade podemos encontrar o consenso e temos que trabalhar nesse sentido, tanto que em países como o Brasil nós estamos tentando a realização da revolução disputando com outros partidos, isso não significa um reconhecimento da ordem burguesa, nós denunciamos a ordem burguesa, o regime representativo tal qual está. A tradição trabalhista no Brasil vem trazendo consigo uma tradição assistencialista, não é que o trabalhismo perdeu a vertente revolucionária no Brasil, o trabalhismo getulista, petebista, é um trabalhismo de assimilação, é um trabalhismo de acomodação, de utilização das massas, de acomodação das lideranças, ele não tem uma visão revolucionária, esta é nossa divergência com o trabalhismo brasileiro, getulista, ele teve um papel importante na organização da sociedade brasileira, ele teve um papel importante no sindicalismo brasileiro, ele teve um papel importante na defesa da riqueza nacional, a lógica nacionalista, mas ele é fundamentalmente assistencialista e para-estatal, ele viveu em um estado patrimonialista. (dirigente do PSB, Rio de Janeiro, novembro 2000, grifo nosso) O PSB se proclamou como a refundação de uma tradição, de uma continuidade com o passado do socialismo democrático, mas ocorrendo também um processo de reinvenção e renovação do velho partido por causa de uma aspiração de representação de uma base social mais ampla. Assim, concebeu-se não meramente como um reformismo socialista de classes médias, mas também pela convocação em direção a bases populares concretas. 160 A reconversão da questão democrática nas esquerdas O Partido Socialista Brasileiro de hoje é um passo adiante. Tem um mérito fundamental que é de compreender a gestão democrática que os comunistas até hoje não têm compreendido. O Partido Socialista de então tinha uma organização distinta da de hoje. Era um partido social-democrata e um partido com uma influência muito grande da burguesia e da classe média, hoje desde nossa perspectiva, perspectiva mais revolucionária, aspira uma condução de massas, nós somos todavia um partido de quadros, mas não é um partido que se conforma com uma condução de quadros, quer ser um partido de massas. Essa é a grande diferença do partido de hoje com o partido do 47. A liderança de Arraes teve suas contribuições dentro do partido, uma de suas concepções que hoje é muito forte dentro do partido é a concepção do nacional-popular, a concepção de uma alternativa nacional-popular. Nacional no sentido de retomar os padrões da nacionalidade e popular no sentido que podemos chegar ao povo (dirigente do PSB, Rio de Janeiro, novembro 2000, grifo nosso). A preocupação por exprimir e canalizar interesses populares se orientou principalmente para a representação política dos setores populares não organizados e excluídos das relações de produção capitalista. Este foi um elemento de distinção com respeito ao PT, cuja ênfase na prática política se centrava na intermediação dos interesses dos trabalhadores e dos setores populares com capacidade própria de organização coletiva. O PSB a partir do 85 tem desenvolvido uma estratégia que ultrapasse a representação de um segmento da sociedade, tal é por exemplo o caso do PT, ele quer representar a sociedade, ele procura representar os excluídos. Por exemplo, o PT está preocupado com os segmentos organizados da sociedade, está preocupado por exemplo com os trabalhadores sindicalizados, nós estamos preocupados como os desempregados, como os excluídos, os que não estão organizados, não apenas com os que estão sindicalizados, dos que estão fora dos sistema, esta é nossa diferença. A questão fundamental não é com os contingentes organizados que chegam a um terço da ssociedades, mas com os contingentes dos excluídos da sociedade brasileira, pelos que não integram as relações de trabalho, são marginais, são excluídos da sociedade do capital (dirigente do PSB, Rio de Janeiro, novembro 2000, grifo nosso). A capacidade do PSB de canalização de interesses populares se mostrou com maior força de expressão política a partir do acesso ao governo municipal de várias capitais do nordeste. Nesse sentido, o PSB se autoproclamou como um espaço de renovação democrática no nordeste enquanto esforço de modernização e moralização política em antagonismo com uma política eleitoral tradicional oligárquica, paternalista, assistencialista e clientelista. Este es- 161 Capítulo 4 pírito modernizador democrático foi considerado por seus dirigentes como “uma antecipação de alguns frutos da revolução socialista”. Um dos exemplos citados foi a experiência levada a cabo pelo governo do Amapá através do que foi chamado de “Programa de Desenvolvimento Sustentável (PDSA)”, um projeto de “inclusão social” concebido como uma “Amazônia para amazônidas” e destinado à preservação da maior reserva de biodiversidade animal e vegetal do planeta. O objetivo do referido programa era efetivar um projeto de desenvolvimento sustentável que permitisse a preservação dos recursos naturais, a salvaguarda das culturas indígenas e a melhora da qualidade de vida da população nativa. As ferramentas políticas centrais a fim de executar tal projeto foram a autogestão local e a democratização mediante um reconhecimento efetivo dos direitos cidadãos. Buscar a solução das desigualdade regionais e sociais não é tarefa fácil, pois uma está contida na outra, indissolúveis portanto, mas factíveis de mudanças para melhor. E cabe às estruturas partidárias socialistas estabelecer rumos a tomar com a coragem de propor mudanças que venham romper com os elos do conservadorismo, e com o ideal democrático de dizer ao povo o que somos, o que queremos e o que não queremos diante dos processos globalizantes em curso e do tudo aquilo que é imputado à sociedade pelos arautos do neoliberalismo... Posto isto, o PDSA, colocado na prática pelo governo Capiberibe, vem salvaguardar o sentido ideológico do socialismo ao promover sua disseminação na Amazônia, enquanto experiência exeqüível que beneficia a sociedade como um todo, não mais dilapidando nossas riquezas naturais, ao contrário, buscando agregar valor a atividades já praticadas pelas populações tradicionais. A ação construtiva da política governamental que traz em seu bojo o PDSA também gera qualidade de vida a partir do processo de conscientização para a preservação do meio ambiente. Um exemplo disso é o trato dado pelo Governo amapaense àqueles que sempre receberam das velhas políticas o tratamento de excluídos, pois nunca foram incluídos socialmente... (Construção de um grande partido nacional e popular através de um projeto de inclusão social, em Anais Congresso do VII Congresso Nacional: 1997, p. 18-20, grifo nosso) A ALTERNATIVA DEMOCRÁTICA PARA A RECONSTRUÇÃO DO NACIONAL NAS ESQUERDAS Um quadro referencial comum das esquerdas brasileiras dos anos noventa esteve constituído pela confluência das reivindicações democráticas e da 162 A reconversão da questão democrática nas esquerdas defesa do desenvolvimento nacional, do patrimônio público e de um modelo econômico mais justo no nível social. A recuperação da importância da preservação dos valores nacionais perante a crescente dependência da globalização como também a defesa do papel do Estado e do patrimônio público em face a uma onda de reformas neoliberais privatizadoras facilitaram a aproximação e confluência entre as esquerdas socialistas com as reivindicações históricas do trabalhismo. Também a prédica por políticas de redistribuição da riqueza que possibilitassem promover um desenvolvimento social mais eqüitativo perante o avanço de um capitalismo globalizado excludente e um acesso mais igualitário aos direitos sociais foi outro espaço de coincidência das reivindicações das esquerdas desde a oposição. Nesta fase histórica, a ênfase foi colocada na canalização de ambas as reivindicações através de uma defesa da democracia como caminho de gestação de alternativas políticas. Um exemplo desta progressiva assimilação entre as lutas nacional popular e democrática foi o “Manifesto em defesa do Brasil, da Democracia e do Trabalho”, elaborado por uma frente das esquerdas em ocasião dos 500 anos da descoberta do Brasil. A situação histórica nacional foi interpretada pelas esquerdas como uma crise do modelo de desenvolvimento nacional que tinha sido substituído por uma integração globalizada ao capitalismo em aliança com os interesses de uma elite econômica e política conservadora que deteve o poder econômico em benefício próprio. Sob esta perspectiva, o avanço da globalização teve efeitos nefastos de destruição dos valores da “nacionalidade”, de ruptura da soberania nacional, junto com a exclusão social da maioria do povo e a degradação da democracia. Em contraposição, o manifesto propôs uma recuperação da democracia em sentido pleno e do desenvolvimento no âmbito da produção e do trabalho como imperativo civilizatório da reconstrução do projeto nacional. É preciso retomar a luta, defender o Brasil, construir a democracia e valorizar o trabaho, não apenas como elemento fundamental das relações de produção, mas igualmente como valor ético fundador da civilização. (Manifesto Conselho da Frente Democrática e Popular, 1999, p. 10-11) 163 Capítulo 4 Nesse sentido, as esquerdas pregaram em favor da elaboração de um programa mínimo comum de emergência que constituísse o primeiro passo na construção de um projeto de desenvolvimento nacional sustentável em prol da salvaguarda da soberania econômica, do aprofundamento da democracia e de um desenvolvimento social mais eqüitativo. [...] o primeiro passo para construirmos uma grande frente nacional, popular e democrática, que levantará o País em um clamor cívico em Defesa do Brasil, da Democracia e do Trabalho, para construir a democracia, acabar com a injustiça social e a dependência, unificando a maioria do País através de uma plataforma mínima, que se torne o ponto de partida para a aglutinação de todos os brasileiros comprometidos com o projeto de reconstrução nacional (Manifesto Conselho da Frente Democrática e Popular, 1999, p. 16-17). OS DILEMAS DA REPRODUÇÃO DO SOCIALISMO NO URUGUAI No Uruguai existiram três correntes explicitamente definidas como socialistas que atravessaram, aliás, um processo de redefinição da questão democrática numa perspectiva de construção do socialismo nacional. A efeitos analíticos, serão estudados dois casos de partidos clássicos de longa tradição socialista – socialista e comunista –, como também a reincorporação da referida questão pela principal força do socialismo insurreto, o MLN. A CENTRALIDADE DO PARTIDO COMUNISTA URUGUAIO A relevância para a análise do Partido Comunista Uruguaio proveio da centralidade que o mesmo ocupou enquanto força política majoritária dentro da esquerda, com uma clara definição marxista leninista e, ao mesmo tempo, por causa de sua forte projeção externa no âmbito latino-americano e internacional. Tratava-se de um partido comunista que tinha adotado, desde o XVI Congresso do PCU em 1955, uma estratégia de unificação orgânica da classe trabalhadora e de inserção institucional no sistema político mediante uma “Frente Democrática de Liberação Nacional”. Portanto, o referido partido se- 164 A reconversão da questão democrática nas esquerdas guia uma linha política de ação de “acumulação de forças dentro da democracia”, coincidente em muitos pontos com a proposta pelo partido comunista italiano, fundamentalmente na forma de condução do partido de massas em sociedades com desenvolvimento da democracia e da sociedade civil. Era também um partido comunista com uma forte projeção internacional, primeiro, em comparação com o resto dos partidos comunistas latinoamericanos, por seu destaque no desenvolvimento político atingido e por sua inserção institucional num país com longa tradição democrática apenas comparável, nesse sentido, à situação do partido comunista do Chile no período de pré-ditadura. E, em segundo lugar, por sua projeção no movimento comunista internacional a partir de seu alinhamento com a Revolução Russa e pela posição privilegiada de Rodney Arismendi como intelectual orgânico do partido, transformando-se num interlocutor reconhecido perante os soviéticos e num mediador dos debates no interior da esquerda socialista entre a Rússia e a China e, mais tarde, entre a Rússia e Cuba. A inserção institucional do PCU teve como meta desempenhar um papel histórico social de vanguarda política socialista, o que se exprimia de múltiplas formas. De fato, concebia-se como um partido com “enraizamento de massas” que se orientava para uma inserção social da classe trabalhadora mediante uma unidade do movimento sindical e popular. Da mesma forma, no nível estritamente político, visava constituir-se na força hegemônica de uma frente legal de forças democráticas e de esquerda, autodefinindo-se, no plano ideológico, como o porta-voz da teoria marxista leninista da mudança revolucionária. A estratégia de inserção política do partido consistia em gerar um espaço progressivo em múltiplos níveis de ação que criasse uma “alternativa de poder democrático avançado”. Isto se realizaria mediante a articulação orgânica de três “círculos” concêntricos: a organização no mundo do trabalho da classe trabalhadora, a articulação de uma aliança política com partidos de esquerda e, finalmente, o desenvolvimento do núcleo organizacional do Partido. Assim, o partido se vinculava organicamente ao movimento sindical, virando uma “caixa de ressonância das lutas sociais” no âmbito parlamentar, e articulava uma estratégia de frentes político-eleitorais a fim de aceder ao poder político. 165 Capítulo 4 [...] hemos descrito esta labor táctica a cumplir por el Partido con la imagen de tres círculos enlazados: dibuja, el más amplio, la organización multiforme y unificada de la clase obrera, y el sistema de organizaciones populares que ésta aglutina; el segundo, que entrecruza el primero, representa el frente político de los partidos y organizaciones de izquierda, llamado a extenderse y que se relaciona por sólidos lazos programáticos y hasta físicos – la orientación de miles de dirigentes del movimiento de masas – con el anterior; el tercero y más pequeño, que se entrelaza con los otros dos, simboliza a nuestro Partido. El desarrollo e interacción dialéctica de esas tres vertientes confluye a la formación del Frente Democrático de Liberación Nacional. (XX Congresso do PCU, 1970, grifo nosso). A inserção institucional no marco democrático provinha também de um diagnóstico que levou em consideração a “peculiaridade nacional” das condições para a organização da “revolução”, principalmente no relacionado ao alto nível de “desenvolvimento capitalista” da estrutura econômica e às “conformações institucionais democráticas”. De outro lado, existia nos anos 60 uma concepção mais “instrumental” da democracia vinculada à “linha revolucionária do partido”, segundo a qual a democracia garantia liberdades dentro das quais era possível, de uma melhor forma, acumular forças para a mudança revolucionária que criticava a democracia como “cascata vazia” devido ao esvaziamento formal ocasionado pela ascensão do autoritarismo desde o governo de Pacheco. Nesse contexto, o papel estratégico da constituição da “Frente” foi interpretado como o de uma “ferramenta social e política da revolução anti-imperialista e anti-oligárquica”, constituindo, nesse sentido, um preâmbulo do socialismo. Porém, o programa da FA era interpretado como propondo uma “democracia avançada” e não como “socialista”. Segundo o diagnóstico de Arismendi, na América Latina confluíam diversas “torrentes da revolução”, desde lutas pela liberação nacional, reivindicações pela pobreza, lutas pela democracia, entre outras que podiam confluir no movimento unificado pelo socialismo. A partir da transição democrática em inícios dos anos 80, essa interpretação se reintegrou num único movimento pela democracia avançada e pelo socialismo. Esta reintegração das lutas democráticas e socialistas esteve relacionada a uma reflexão na transição democrática sobre a natureza da ditadura, interpretada como o “terror fascista ao serviço do capital financeiro”, que implicou uma ruptura radical com as tradições sociais, culturais e políticas nacio- 166 A reconversão da questão democrática nas esquerdas nais. Esta caracterização fascista da ditadura, aliás, enquadrava-se no “plano imperialista norte-americano” de promover ditaduras no Cone Sul a fim de opor-se ao processo de democratização e ao desenvolvimento de movimentos populares. Qué han sido estos 11 años de fascismo? La respuesta tiene que ver con el valor de la defensa de la democracia, con el doble aspecto de la política del imperialismo, de las clases dominantes. La explicación debe evocar los 11 años de fascismo y de terror selectivo contra los comunistas y el heroísmo de los comunistas. Deberá señalar el significado del entreguismo fascista más allá de sus invocaciones nacionalistas, de la explotación del pueblo y la nación entera aplicando un programa de miseria y crisis, de entrega al capital financiero internacional, a la gran burguesía monopolista, a los bancos que ha diezmado la economía nacional y ha supeditado gran parte de ella al capital financiero... Podríamos seguir: el pisoteo de la enseñanza, la crisis de la salud pública, el deterioro general de las condiciones sociales y culturales de la nación la liquidación de las mejores tradiciones nacionales. (Arismendi, 1999, p. 221) A caracterização da ditadura esteve acompanhada também por uma reflexão sobre a forma de saída da mesma, cujo objetivo principal era “derrotar a ditadura e marchar para uma democracia avançada”. A prioridade da estratégia política do partido na transição democrática era o concerto político de um movimento democrático para a derrota da ditadura, cujo eixo central de ação passou a ser a dicotomia “ditadura ou democracia” e não “ditadura ou socialismo”. Isto possibilitava que o grau de “convergência” de forças políticas anti-ditadura com que se poderia aliar fosse mais amplo. O acordo político nacional foi proposto como o mecanismo mais adequado para “estabelecer a democracia e defendê-la”, pois o fato de “reconquistar a democracia” era percebido como “uma enorme vitória e uma mudança qualitativa”. A interpretação do Partido era que a ditadura não iria cair sozinha pela simples mobilização e que, por isso, para a saída política devia conjugar-se a resistência e a crescente mobilização popular com uma negociação política. A elaboração dos lineamentos programáticos da “democracia avançada”, formulados em 1984, era, antes de mais nada, uma estratégia de resposta política contra a ditadura. Seu primeiro objetivo era “terminar com a ditadura” e “destruir as estruturas do fascismo”. Isto significava acabar com as condicionantes impostas pela ditadura para a abertura política, legalizar o parti- 167 Capítulo 4 do e reconquistar todas as liberdades públicas para a organização do movimento popular. Também implicava uma crítica no intuito de reverter a política econômica (“A linha da ditadura é a do FMI, do entreguismo, a linha do capital financeiro, do endividamento do país a limites extremos”) e reorientar a política exterior em defesa da economia e da soberania nacional. A proposta de Democracia Avançada não apenas rejeitava um passado autoritário, mas também constituía um olhar positivo em direção às metas futuras em que confluiriam as reivindicações democráticas e socialistas. Es una plataforma mínima, no es una plataforma revolucionaria sino política inmediata. Será producto del cambio de la correlación de fuerzas y de la elevación del papel del pueblo... Resumimos, nuestro camino es la democracia y el antimperialismo, nuestro destino es la liberación nacional y social, el socialismo. Se puede de manera clara y popular resumir que no hay contraposición entre lucha por la democracia y lucha por el socialismo. (Arismendi, 1999, p. 232, grifo nosso) Na Conferência Nacional do PCU, em dezembro de 1955, definiu-se que a via uruguaia para o socialismo residia numa transformação revolucionária dentro da democracia. Esta postura foi assumida como uma continuidade em relação à linha programática inaugurada em 1955, de inserção legal do Partido no nível social e político na democracia e de acumulação de forças para a revolução socialista. A estratégia do PCU se autopercebia como uma visão socialista com capacidade de antecipação teórica e de previsão da ação política nacional em forma não voluntarista e que se verificava na prática ao se exprimir na construção de um movimento popular unificado e de um movimento político progressista que completaria a fase nacional democrática e permitiria avançar para uma etapa superior de transformação socialista. A FA, por sua vez, se percebia como a confluência do movimento social e político nacional que serviria de catapulta para a etapa socialista. La vía al socialismo implica, como la encara nuestro programa y la concepción de la revolución uruguaya elaborada desde 1955, un vasto movimiento de la clase obrera y el pueblo con el proletariado como vanguardia, en alianza con las capas medias de la ciudad y el campo y la intelectualidad. Ello requiere crear la fuerza social de la revolución, que es el Frente Democrático de Liberación Nacional. Durante 30 años nuestro Partido ha trabajado para la construcción de este Frente mediante la unidad obrera y popular, la unidad política y un gran Partido Comunista. 168 A reconversão da questão democrática nas esquerdas Hoy en el Uruguay están asentadas, en el plano orgánico, social y político, las premisas fundamentales de este frente, que tiene al FA como columna vertebral. Potencialmente el FA se identifica como la base de esta gran Frente que habilitará para cubrir las etapas en la marcha del Uruguay hacia el socialismo, es decir, mediante un gobierno democrático y antimperialisa, que facilite el tránsito hacia una etapa socialista. La vía uruguaya al socialismo debe verse dialécticamente unida al camino del avance de la democracia en el país, de su consolidación, profundización y desarrollo. (Arismendi, 1999, p. 232) Nesse sentido, a concepção de Democracia Avançada era uma estratégia de avanço por etapa que pretendeu unir as lutas democráticas e socialistas. Com efeito, a Democracia Avançada significava consolidar a democracia política para evitar a regressão ao autoritarismo e, ao mesmo tempo, avançar em conteúdos maximalistas da democracia que conformariam a primeira etapa socialista. Destarte, teve lugar um processo de revalorização da democracia em si mesma enquanto marco institucional, conjunto de regras de convivência e de crenças. Também foram assumidas as reivindicações democráticas dentro da sociedade burguesa mas apontando para uma reconversão dos objetivos socialistas na medida em que era questionada a sociedade capitalista. Arismendi, em 1989, isto é, em pleno processo da Perestroika, reafirmou a identidade entre Democracia Avançada e realização do socialismo enquanto aprofundamento do conteúdo da democracia e como a via uruguaia para o socialismo. Esta reflexión de Lenin es muy profunda. Nos sirvió de inspiración cuando allá por fines de los 60’, y ya a la vista el acontecimiento histórico del nacimiento del Frente Amplio, comenzamos a concretar más la elaboración de la categoría “democracia avanzada”, que ya habíamos comenzado a manejar en nuestros congresos. O sea: la “democracia avanzada” como una fase del desarrollo social y económico deriva de la profundización de la democracia; vía de aproximación peculiar que no se identifica exactamente con el concepto de “gobierno democrático de liberación nacional”, es una transformación económica, social y política y una singular correlación de fuerzas que permite y facilita la “indagación de las formas”, y la “comprobación en la práctica” de ese “desarrollo de la democracia hasta sus últimas consecuencias” (Arismendi, 1999, p. 282). 169 Capítulo 4 A REORGANIZAÇÃO DO PARTIDO SOCIALISTA O Partido Socialista pré-ditadura tinha ficado muito enfraquecido em sua organização e identidade, puxado pelas tentativas de polarização de suas alas internas tanto em direção às estratégias do partido comunista quanto para as correntes de esquerda insurrecional. O período de transição democrática foi um processo de reorganização partidária e de reflexão sobre os fundamentos da identidade socialista. Nesse contexto, deu-se um processo de revalorização da questão democrática e de sua relação com o socialismo. No marco da referida reflexão partidária sobre as perspectivas da transição democrática foi elaborada uma proposta de estratégia política para a “construção de uma democracia sobre novas bases”, cujo objetivo imediato era a “eliminação do estado autoritário” e “a reconciliação do povo e da nação com o Estado”. Segundo esta interpretação, a experiência autoritária tinha produzido conseqüências prejudiciais para a sociedade e para a economia nacional, dissociando o Estado dos interesses do povo. A possibilidade de reconciliação entre Estado e sociedade estaria dada por uma democratização que fosse além da instalação das instituições políticas, devendo ser acompanhada e aprofundada pela mobilização popular organizada. Perante a iminência da instalação de um governo de transição democrática e num contexto de crise econômica e social, requeria-se, aliás, uma vontade política para estabelecer um “concerto nacional” com o alvo de “reativação econômica, social e moral do país”. Assim, produziu-se uma resignificação do socialismo e da Democracia socialista, incorporando uma releitura do euromarxismo, principalmente seguindo a noção de hegemonia segundo a versão gramsciana, a fim de repensar a construção nacional do socialismo e a relevância da participação popular da sociedade em diversos âmbitos, como também do funcionamento da sociedade política. Esta reintrodução de correntes marxistas teve como sentido adicional o afastamento em relação à orientação marxista leninista ortodoxa, realizando uma virada para uma definição marxista não dogmática como “marco de referência” principal, mas não exclusivo, na interpretação da realidade. A ên- 170 A reconversão da questão democrática nas esquerdas fase, então, foi trasladada a dar uma resposta ao desenvolvimento nacional e a resolver as questões sociais antes de chegar ao controle do poder estatal. Para que una Democracia sobre Nuevas Bases alcance los objetivos que reclaman nuestras clases trabajadoras y satisfaga las aspiraciones de justicia social y de libertades públicas y privadas a las cuales aspiran las grandes mayorías de nuestra sociedad, sus objetivos finales deben estar dirigidos hacia la construcción del socialismo en el Uruguay. Ya hemos visto que la opción entre los proyectos de un capitalismo dependiente para nuestro país y el ensayo de un proyecto socialista nacional y popular no deja lugar a dudas. Un socialismo uruguayo, independiente, popular y arraigado en nuestras mejores tradiciones, es la opción más seria que tenemos a nuestro alcance para darle respuesta a los problemas de nuestro sub-desarrollo, pobreza, estancamiento y dependencia. O sea, para lograr el desarrollo integral y soberano de nuestra sociedad, primero en el contexto latinoamericano y luego en el contexto internacional (PS, 1984, p. 34, grifo nosso). A concepção de Democracia sobre Novas Bases constituiu o ponto de partida para linhas políticas de reincorporação da questão democrática em vários aspectos. Em primeiro lugar, levou a uma revalorização das tradições democráticas nacionais. Também foram reafirmados os princípios da “democracia pluralista”, as liberdades públicas e o reconhecimento efetivo da igualdade de direitos políticos, econômicos e sociais. A reafirmação democrática se realizou paralelamente ao compromisso com as bandeiras socialistas clássicas como, por exemplo, a da “hegemonia das classes trabalhadoras” e a da “socialização dos meios de produção”. A despeito disso, propunha-se um socialismo renovado que se diferenciasse da mera estatização e colocasse ênfase na justiça social, numa redistribuição da riqueza nacional mais igualitária e solidária. A construção da democracia devia promover a participação em todos os âmbitos (institucionais, políticos, sociais, etc.) e garantir por essa via o engajamento ativo e o controle da sociedade sobre a “coisa pública”. Por último, embora não se trate de um ponto menos importante, significava um momento de afirmação partidária, de uma identidade política socialista própria, diferenciada de outros partidos de esquerda socialista. La construcción de una Democracia sobre Nuevas Bases no surge de cero. En primer lugar, hay bases ya existentes en nuestra legislación avasallada por la dictadura, que proporcionan ricos elementos de nuestra tradición civilista que pue- 171 Capítulo 4 den servir de antecedente para la democracia sobre nuevas bases. A ello estaremos acudiendo más de una vez. En segundo lugar, una democracia sobre nuevas bases ha de ser, necesariamente, una democracia pluralista pero, como ya lo hemos analizado, también ha de ser una democracia en la cual el desarrollo, y progreso y la convivencia de las distintas expresiones de sus clases sociales han de estar regidas por la hegemonía de sus clases trabajadoras. Después de todo, ésta es la garantía más sólida de la mayor igualdad política, económica, social y cultural y de la mayor libertad para toda la sociedad. En tercer lugar, una Democracia sobre Nuevas Bases debe tender a través de los cambios permanentes y necesarios de su estructura social, económica y jurídica, a la socialización de los medios de producción. Como la propia experiencia institucional lo irá demostrando, socialización no es sinónimo de estatización (aunque ciertos grados de la misma sean necesarios en su debido momento) sino de una participación colectiva y organizada en la riqueza nacional de quienes contribuyeron con su trabajo cotidiano a crearla. En cuarto lugar, una Democracia sobre Nuevas Bases debe ser participativa en todos los órdenes del quehacer político y de la vida social. En las futuras estructuras institucionales deben existir organismos populares en los más diversos campos, con atribuciones de proposición, de decisión, de ejecución y de contralor de la cosa pública. Por último, si partimos de la importancia que tendrán las clases trabajadoras en la consecución de estos grandes objetivos, el PARTIDO SOCIALISTA DEL URUGUAY tiene una gran responsabilidad que cumplir y una tarea que afrontar para ser un instrumento más de militancia y de servicio en esta lucha por la liberación nacional. Con ello no hará más que ser fiel a su tradición histórica y a los esfuerzos, proyectos y luchas de nuestro pueblo (PS, 1984, p. 34-35, grifo nosso). O PS reafirmou também sua diferenciação histórica com respeito aos comunistas, propondo um socialismo pluralista e participativo em contraposição às experiências de socialismo burocrático “real”. De fato, o conteúdo popular e participativo seria o que diferenciaria a construção do poder numa democracia socialista. En una Democracia sobre Nuevas Bases el poder popular debe estar presente a través de cada una de sus expresiones, sean institucionales, legislativas, judiciales o administrativas. Esa presencia debe manifestarse a través de la movilización y de la organización, como hemos señalado tantas veces, cuyas expresiones más representativas son los sindicatos, los partidos y los movimientos políticos y sociales. Pero no basta con ello. El pueblo, como tal debe participar en la administración y en el gobierno de la cosa pública. En una Democracia sobre Nuevas Bases no sólo es necesario llegar a la creación de los espacios sociales y políticos que permitan esa forma de acción popular, sino también abrir los cauces para la posible institucionalización de 172 A reconversão da questão democrática nas esquerdas las mismas, a medida que se vayan desarrollando y que, en la práctica, demuestren su eficacia como aporte al desarrollo de la democracia socialista. (PS, 1984, p. 42) Conforme estes preceitos, a democracia devia ser construída através da hegemonia das classes trabalhadoras e de um desenvolvimento nacional mais libertário. A postulação de uma hegemonia de “classes trabalhadoras” em plural reconhecia a existência de uma multiplicidade de classes sociais. A hegemonia dos trabalhadores em democracia seria uma via para a construção nacional do estado socialista, ocorrendo novamente neste ponto a confluência de objetivos democráticos e socialistas. O sea, la Democracia sobre Nuevas Bases se va construyendo bajo la hegemonía de las clases trabajadoras y su nivel superior nos conduce al estado socialista y a la más amplia libertad en la realidad cotidiana de la producción, de la distribución, del consumo, de la toma de decisiones nacionales, en última instancia no limitada al enunciado teórico – y falso – que la burguesía le confiere a este término (PS, 1984, p. 44). A reconversão da questão democrática teve um sentido histórico em comparação com o legado prévio da esquerda socialista nos anos 60. No período de pós-transição democrática, produziu-se um longo processo progressivo de substituição da concepção estratégica da democracia como marco para o acesso ao poder estatal, para uma concepção de valorização das instituições e dos fundamentos da democracia política como também para uma ressignificação da necessidade de estender o conteúdo da democracia desde o interior da mesma em direção a uma reconciliação dos postulados de igualdade social e de liberdade política. La izquierda – en los años 60 – no valoraba – la democracia liberal y formalcomo la valoró en los años de la dictadura. En los años que preceden al golpe de Estado, la izquierda, mayoritariamente, no le daba a la democracia política el valor que le dio durante la dictadura y después de la dictadura. Se veía a la democracia en su aspecto instrumental, como el marco más adecuado para dar combate contra la derecha y contra el gobierno, pero no como un valor en sí misma. La democracia como un valor en sí mismo fue incorporada en los años de la dictadura, cuando se perdió la democracia y fue incorporada más claramente del 85 para acá... La democracia política es un valor en sí mismo, no es nunca un aspecto instrumental. Es un valor en sí mismo y es un valor universal. Es más: yo creo que la demo- 173 Capítulo 4 cracia sustancial es la democracia política, económica y social, pero es la democracia política que se expande hacia lo económico y social. Se debe partir de la democracia política para llegar a la democracia económica y social, no renunciar a la democracia política para después llegar a ella. Con la renuncia a la libertad a través de la igualdad se pierde la igualdad y la libertad, como pasó en el este europeo: la burocracia del partido y del estado termina explotando a la población para su beneficio y se reimplanta el sistema de explotación de clases. Es más: el socialismo para mí es la extensión de la democracia de lo político a lo económico y lo social. La socialización de los medios de producción o de las fuerzas productivas es eso, justamente, que la democracia se expande de lo político puramente social y la ciudadanía toma en sus manos la marcha de la economía de la sociedad (Laguarda, 2000, p. 58). Em síntese, a reincorporação da democracia se produziu mediante a revalorização da mesma como marco institucional de convivência num contexto histórico recente, mas, ao mesmo tempo, através da integração como construção de uma utopia e de um projeto político futuro: “A esquerda deve criar a ilusão da democracia. Desde a democracia é possível criar muitas coisas. A utopia é a democracia.” (Laguarda, 2000, p. 63). A SIMBIOSE DO SOCIALISMO INSURRETO E DA DEMOCRACIA BASISTA A partir da redemocratização e da libertação dos presos políticos, a principal expressão da esquerda insurrecional no Uruguai, o Movimento de Liberação Nacional Tupamaros (ex-guerrilheiros), iniciou um processo de balanço e reflexão sobre as estratégias de inserção política na democracia. Foi assim que desde a III Convenção Nacional do MLN Tupamaros, em dezembro de 1985, esta agrupação começou a estender pontes com outras forças políticas, o que se exprimiu primeiro na proposta de “Frente Grande” enquanto acordo de partidos e agrupações de oposição em prol de um “programa mínimo de salvação nacional”: “A Frente Grande será o reflexo no social e no político da luta contra o capital financeiro e pela democracia”. A intenção de incorporar-se ao âmbito político legal se traduziu, mais tarde, no pedido de ingresso à FA em abril de 1986 e, após seu ingresso em 1989, na estruturação no interior da FA, de uma coligação chamada “Movimiento de Participación Po- 174 A reconversão da questão democrática nas esquerdas pular” (Movimento de Participação Popular), cujo lema central foi “pela liberação e o socialismo”. Esse foi um processo lento, mas progressivo, de incorporação à concorrência política nos espaços legais, o que implicou uma mudança profunda de reorganização para a conquista de representação político-eleitoral. No período pré-ditadura, o MLN agia na política legal mediante o movimento partidário denominado “26 de Marzo” (26 de Março), a partir do qual exprimia o apoio crítico à FA. A partir da redemocratização, dar-se-á uma unificação de ambas as organizações (MLN, 1989). Bueno, durante mucho tiempo nosotros apoyamos pero no nos involucramos, poníamos el énfasis en esa militancia social, después fuimos lentamente decidiendo involucrarnos porque navegábamos en el sistema de alianzas, en alguna medida promovíamos desarrollo y gente de otros sectores o con otras visiones, que realmente después no nos representaban cabalmente y ese es todo un período en donde decidimos que teníamos que participar directamente e involucrarnos directamente y es en lo que estamos. Seguramente que perdimos adhesión y ganamos adhesiones como cualquier viraje político, pero nosotros no lo vemos ni como un fin en sí mismo sino como un instrumento. (la propuesta del Frente Grande fue un ejemplo de eso) Claro. La propuesta del Frente Grande es una filosofía política, no es meramente una fórmula, una política de apertura que parte del reconocimiento de la necesidad de las alianzas, coyunturales o de mediano plazo en un país sub-desarrollado del mundo que tiene que enfrentar dificultades muy grandes y que esos sistemas de alianzas tienen que ser muy abiertos, policlasistas porque parten de la verdad de que hay que solucionar algunos problemas muy graves y que la fuerza de lo que nosotros podamos representar, y por eso nos damos, y si no se solucionan esos problemas es inútil pensar en una humanidad mejor o en un porvenir mejor, y si se quiere, son cosas muy elementales que castigan a mucha gente y a muchos sectores, por intereses distintos, pero encontramos en que hay un largo período en que hay que navegar en esos sistemas de alianzas (dirigente nacional MLN, Montevidéu, 2000, grifo nosso). Esse processo difícil de reconversão da estrutura guerrilheira numa organização política para a concorrência na arena institucional esteve acompanhado por uma redefinição da identidade política e das diferentes correntes de pensamento que confluíram na mesma, entre as quais se encontrava a meta socialista. Em abril de 1993, na V Convenção Nacional tupamara, iniciou-se a elaboração de alguns traços da redefinição socialista, destacando-se principalmente a contribuição de um texto sobre “Nosso socialismo”. 175 Capítulo 4 No referido texto foi apontada a existência de três fases de construção do socialismo. A primeira correspondeu à emergência da utopia como reação a um capitalismo que, em sua fase atual, é um sistema econômico desigual, concentrador, excludente das maiorias da população e produtor de processos de crescente marginalização social, econômica e cultural. A segunda etapa foi apresentada como o momento de liberação nacional, de lutas pelo desenvolvimento nacional econômico, social e cultural da democracia contra o imperialismo e a oligarquia. A terceira fase foi definida como a meta socialista, supondo a resolução prévia das outras duas a fim de poder superar o capitalismo. A) La emergencia. El capitalismo contemporáneo ha llegado a una etapa sacrificial. Para mantenerse, condena a la marginación y la muerte a millones de personas. Su propuesta es exclusivamente para una minoría de los habitantes del planeta (incluso los que todavía tienen el “derecho”(!) a ser explotados). El resto, la mayoría, es prescindible... B) La liberación nacional. O, dicho de otro modo, la independencia, el desarrollo económico y social recuperando para ello las riquezas que se rapiñan, la democracia y la identidad cultural de cada nación. Para ello hay que derrotar al imperialismo sin olvidar que de él forman parte las oligarquías nativas que lo sirven. (una minoría en los países oprimidos), y forman parte los pueblos que viven en los países “centrales”... C) Socialismo. Será imposible construir el socialismo si no se han resuelto favorablemente las otras dos grandes tareas históricas. Porque nada -y menos que el socialismo- se puede construir sobre un cementerio económico, social, cultural y moral. Será imposible, también, construirlo en un solo país o en un pequeño grupo de países. Esta “tarea”, más que las otras dos, tendrá carácter mundial como condición imprescindible. Hay una “escala” para la liberación nacional y el socialismo como la hay hoy para la economía. El dilema principal en esta fase y fundamentalmente en todo este período histórico, es socialismo o barbarie. “Barbarie” en lugar de “capitalismo” porque éste ha llegado a tal grado de “desarrollo” que si no encuentra como solución el socialismo, se transformará en sinónimo de barbarie tal como hoy lo podemos ver en grandes zonas del planeta. Porque no es forzoso que – como muchos creían – el capitalismo desemboque “fatalmente” en el socialismo. Eso depende de los seres humanos y sus opciones (Fernández Huidobro, 1993, p. 2-3). 176 A reconversão da questão democrática nas esquerdas A reflexão atentou para a urgência de repensar o socialismo como a Utopia alternativa perante um capitalismo percebido como cada vez mais selvagem e bárbaro e como um sistema que degradou a civilização humana, estendendo seus efeitos sociais devastadores no nível planetário. Nesse contexto, a elaboração de uma política alternativa foi apresentada como uma necessidade para dar respostas às crescentes demandas das maiorias excluídas e marginalizadas do sistema. Sob esta perspectiva, a esquerda teve também outro desafio, o de repensar-se ela mesma em relação ao futuro, após a crise da identidade socialista decorrente do desmoronamento das experiências de socialismo real do passado. El MLN tiene incidencia, sigue teniendo una influencia mítica, eso es incuestionable, debe ser el mayor convocador de gente joven despierta, con inquietudes. El problema es que tiene una crisis, tiene que solventar, junto con otros, problemas de perspectiva histórica muy importantes, creo que la izquierda definida como izquierda, y eso tiene que ver con aquello que te hablaba de la explotación del hombre por el hombre, está metida dentro de un túnel, cuando se está en el túnel y se pierde la boca de salida y ahí pasan dos cosas: o se mira demasiado para atrás, una luz que se pudo tener pero ya no se tiene, o hay que tener el coraje de abrir la boca de túnel y ese es el desafío que tenemos en una época restauradora, hablando a nivel del mundo, tal vez parecida a la que vivió la humanidad luego de la Revolución Francesa, el debate ha sido muy grande, se nos cayó la URSS o el muro de Berlín, cayó un modelo que demostró que era la vía más larga hacia el capitalismo, y hay que encontrar otras referencias, y eso es lo que no está. No tengo la respuesta, sé que tengo que pelear por tenerla... aparecieron una cantidad de fenómenos cada vez más globalizados, más planetarios que, por un lado, impone la necesidad intelectual de pensar en el socialismo más que nunca, porque ahora las contradicciones parecen ser que apuntan sobre la vida y la muerte arriba de la tierra, no por bombas atómicas, luchas de grandes potencias, no tiene por qué ser tan dramática, pero en realidad el despilfarro que está significando ésta humanidad y los límites que tiene la naturaleza crea un tipo de problemas que no lo podíamos prever hace treinta años. Y bueno, veremos si los hombres somos capaces de encontrar alguna cosa un poco más racional y si una civilización de mentira, si los hindúes tuvieran tantos autos en proporción como tienen los alemanes, no nos queda oxígeno para respirar, por lo tanto, este modelo de civilización nos está diciendo a las claras que no es para todos si no nos organizamos distinto o nos iremos al carajo (dirigente nacional do MLN, Montevidéu, 2000, grifo nosso). Mas não apenas era preciso reinventar a utopia socialista como também a democracia. A “democracia capitalista” tal qual existe foi interpretada como parcial e insuficiente por causa da falta de igualdade de oportuni- 177 Capítulo 4 dades e de direitos sociais, econômicos e culturais na vida cotidiana da maioria da sociedade. Por isso, o aprofundamento do sentido pleno da democracia como um caminho de construção da sociedade socialista foi definido como objetivo político prioritário. Por outra via, a reconversão do socialismo insurreto integrou a questão democrática como uma meta a ser desenvolvida em consonância com as estratégias de lutas socialistas. O “compromisso democrático” se assentou na afinidade entre os princípios de igualdade pregados pela democracia e os de solidariedade de uma sociedade igualitária, semelhante à concepção de Rosseau. La democracia capitalista es parcial y lo es en grado sumo. Ella se detiene ante una serie de portones. Allí no entra. Ante el portón de la fábrica; de los cuarteles; de los bancos; de los canales de T.V.; de los otros grandes medios de comunicación e información; de los partidos políticos... Se detiene ante los legajos de los grandes títulos de la propiedad abusiva. Se detiene, en fin, ante todos los lugares donde se toman o gracias a los que se toman, las más importantes decisiones. Las que habrán de determinar el futuro de las grandes mayorías. Se detiene también ante el portón de los almacenes de alimentos. Su democracia no llega ni tan siquiera a la hora de comer. Bochorno para todos los seres humanos, coman o no. Luchar por la democracia en su pleno y cabal sentido, en su sentido completo, sin portones ante el paso de la gente, conduce a otra sociedad. Para nosotros esa sociedad se llama socialista. Sin la democracia, los/as trabajadores/as, aunque crean vencer, serán vencidos/as: de entre sus propias filas surgirán los/las nuevos/as explotadores/as. (Fernández Huidobro, 1993, p. 13-14, grifo nosso). A despeito de suas insuficiências, esta reafirmação do compromisso com a “defesa da democracia” contemporânea se produziu ao mesmo tempo como revalorização de suas instituições e princípios e como aprofundamento de sua participação. De um lado, pregou-se a defesa das liberdades públicas e civis, como também dos direitos humanos e sociais, como princípios e valores universais da democracia em si mesma. De outro lado, foi elaborada uma concepção da Democracia popular enquanto resultado das maiorias populares em antagonismo com o capitalismo e também da Democracia como o sistema político mais adequado para a expressão dos interesses do povo. Nesse sentido, o compromisso democrático 178 A reconversão da questão democrática nas esquerdas se reconverteu no sentido de um aprofundamento de um tipo de democracia direta e participativa na base de todos os centros de poder público. Para los/las trabajadores/as y el pueblo el compromiso con la democracia es un principio. Ella es la idea de una sociedad solidaria de personas libres e iguales. Sin ninguna clase de opresión ni discriminación. Es por eso que defendemos la democracia actual -producto de la lucha popular y no de la generosidad capitalista frente a todo intento de limitarla aún más. Sólo aceptamos como alternativa un sistema con mayor democracia. Ya dijimos que para nosotros la emancipación de los trabajadores (o sea de la inmensa mayoría) será obra de los trabajadores mismos. Ello conlleva una concepción directa de la democracia en todos sus aspectos. Estamos en contra de los diversos modos de intermediación que, como la experiencia muestra, sólo sirven para manipular en contra de las grandes mayorías los resortes del poder, generando además nuevas modalidades de opresión. Si el poder, como ya vimos, descansa en la conciencia de las mayorías, ellas deben ejercerlo directamente. El poder no es para un partido ni para un ejército por más que se crea o diga representante de los intereses de la mayoría. Gobierno y democracia directa. Capacidad de ser todos electores y elegibles. Revocabilidad de los mandatos otorgados. Transparencia en la gestión de los asuntos públicos. Descentralización del gobierno. Transferencia del poder desde el Estado hacia todas las formas imaginables de organización social de base. Fortalecimiento de la sociedad civil. Democratización y transferencia desde los centros de poder hacia la gente de los medios de comunicación y de información. Enflaquecimiento de los aparatos estatales hasta llegar a su disolución pasando de la administración de los seres humanos y las cosas, a la simple administración de las cosas. El pluralismo es inseparable de este concepto de la democracia. Es un atributo inalienable de la libertad el derecho a organizarse por afinidad. Sea para lo que sea. Con el único límite colocado en el respeto al mismo derecho en los demás. El pluralismo es natural en todo tipo de actividad colectiva (un país, un sindicato, un club...). Es, además, la garantía de que los/as afines de puedan organizar separadamente del modo que estimen más conveniente. Es garantía incluso de la homogeneidad y coherencia de dichas asociaciones -partidarias o no- cuando desean tener esos atributos y en la cantidad y calidad que deseen tenerlos. Garantía de “poder irse” cuando se entiende que el ámbito organizado ha dejado de interpretar lo que se desea. Garantía de poder expulsar cuando se entienda que alguien es incompatible con el ámbito. Pero la garantía del pluralismo reposa sobre el hecho de que una vez debatido, acordado y decidido, la resolución se aplica. Porque si lo plural cuando acuerda no ejecuta, se desnaturaliza o se transforma en una dictadura de los saboteadores, las minorías, la inacción y la esterilidad. Ese diabólico mecanismo ha sido usado por las más conspicuas burocracias para matar el pluralismo. El derecho de las mayorías a que sus resoluciones se apliquen tiene dos límites: el respeto a las minorías, y 179 Capítulo 4 el respeto a los Derechos Humanos (incluido el de huelga). Los Derechos Humanos son el sello de distinción del socialismo. Para que todo esto sea posible debe regir la más irrestricta libertad de prensa y por lo tanto de crítica (Fernández Huidobro, 1993, p. 13-14, grifo nosso). A RADICALIZAÇÃO DA DEMOCRACIA O caminho da radicalização ou aprofundamento do sentido da democracia foi percorrido como uma forma de reinvenção da questão democrática a partir de alguns aspectos da mesma integrados à constelação de identidades de esquerda. Entre os casos de estudo foram selecionadas duas formas de radicalização democrática, uma envolvendo a invenção de uma nova identidade de esquerda democrática nacional e outra de radicalização democrática participativa desde a base. O SINCRETISMO DEMOCRÁTICO DA ESQUERDA NACIONAL NO URUGUAI O surgimento da Frente Ampla constituiu um interessante exemplo de conformação de uma nova identidade democrática nacional ao realizar um processo de síntese entre a radicalização de correntes democráticas progressistas e a de agrupações políticas de esquerda. O sentido democrático radical fundacional da FA se manifestou de várias formas. A FA apareceu na cena nacional como uma força política que aglutinou todas as correntes de esquerda de oposição com um objetivo de denúncia perante a onda crescente de autoritarismo político em finais dos anos 60, vislumbrando-se como uma alternativa “pacífica”, “eleitoral” de “massas” dentro do marco legal da democracia e propondo mudanças estruturais do desenvolvimento nacional com uma orientação anti-imperialista. Distinguiuse também dos antecedentes de Frentes Populares na América Latina por sua “amplidão ideológica” em decorrência da qual conseguiu juntar desde correntes democráticas liberais, passando por democratas cristãos, até comunistas. 180 A reconversão da questão democrática nas esquerdas Porque creo que hay que tener conciencia de como cambiaron los tiempos. El Frente nace en el año 71 en un momento muy difícil, nace con un doble carácter: Primero, de fuerte oposición y crítica a un gobierno autoritario consecuencia de la crisis, etc., pero nace como una fuerza opositora y de denuncia, sí proponiendo un esquema nuevo, proponiendo tremendos cambios estructurales en lo que hacía al país. Pero con una clara conciencia después, de las dificultades de poder procesar esos cambios sabiendo que había que ganar la opinión pública en una tarea que no era del día, pero que la historia demostró que la acumulación sucesiva de esfuerzo se traducirían en lo que es ahora, el haber conquistado Montevideo y estar en los albores de conquistar el gobierno nacional (Dirigente histórico do FA, Montevidéu, 2000, grifo nosso). A criação da FA esteve marcada também pela natureza dual de sua matriz organizacional fundacional, exprimida na dupla definição de movimento e de coalizão política. O caráter de movimento fazia referência à convocação ativa à participação cidadã e militante de base numa nova força política com projeção nacional. Ao mesmo tempo, denominou-se coalizão política como resultado de um acordo de partidos e de organizações políticas com tradições partidárias diversas que queriam se preservar e também como uma transação em que era reconhecida a assimetria interna de pesos entre as organizações políticas integrantes da Frente, procurando-se a salvaguarda da representação e influência de todas nas decisões políticas. Esto fue fundamental, fue absolutamente distintivo de otros movimientos, de otros Frentes que se crearon y, yo diría, de cualquier formación política, porque el Frente nace, nace como un movimiento, nace de las centenares de asambleas que se realizan a lo ancho y largo del país, en el interior del país y en los barrios de Montevideo, buscando desesperadamente, frente a la situación critica planteada, promoviendo la unidad de los que pensaban iguales en lo que tiene que ver con una concepción del país, creando una cosa nueva, nace como un movimiento, se institucionaliza el 5 de febrero, y desde el punto de vista jurídico como una coalición de partidos políticos, pero siguió manteniendo ese doble carácter de movimiento, por un lado, y de coalición por otro, a pesar de que la historia en los treinta años fue demostrando, de más en más, sobre todo en los últimos tiempos, una perdida del carácter de movimiento y una acentuación, sobre todo, que tiene que ver con la dirección del carácter coalición y de sectores de partidos políticos (Dirigente histórico da FA, Mdeo, 2000, grifo nosso). Esta estrutura dual será mantida na etapa pós-transição, reproduzindo internamente a tensão entre modos de representação político-eleitoral dos 181 Capítulo 4 partidos membros e formas de representação política partidária das estruturas comuns da militância de base da FA. A finales del 85 se plantea la necesidad de la reestructura interna si el objetivo del FA es ser gobierno. La relación movimiento – coalición ha sido modificada por la nueva realidad. En el 71 la dirección era partidaria, respondía a la coalición, en el 84 la participación de las bases desencadena una discusión larvada entre quienes querían un frente puramente federativo y los que querían una coalición – movimiento. El PGP se convierte en la fuerza principal pero la 99 tiene representación parlamentaria pero falta de expresión de base. El PC se reorganiza rápidamente y le aporta a Seregni el respaldo en las bases. El Encuentro Nacional del 19 de abril de 1986 da el primer paso en la representación de los comités de base en la dirección. Pero si bien los comités eran el lugar donde se expresaba la unidad de la diversidad, el día que los comités tuvieron cuotas de poder se transformaron en lugares de disputa de los sectores políticos y no lugares de búsqueda de la unidad en la diversidad (Seregni em Blixen: 1997, p. 161, grifo nosso). A estas características da matriz fundacional vieram se somar a amplidão e a pluralidade das correntes políticas convocadas por trás de um “programa democrático avançado” que constituiu uma experiência de convivência democrática interna de destaque no contexto latino-americano. Assim, constituiu-se num espaço político de confluência unitária, mantendo a diversidade de setores políticos e de tradições partidárias. El Frente Amplio desde que nace, en sus documentos fundacionales y en sus propuestas, nunca cultivó un proyecto socialista, su programa y su propuesta, lo dijimos en su momento, incluso una frase: “un programa democrático avanzado”, pero no socialista, lo que pasa es que han habido cambios en la organización del mundo y en la organización nuestra, pero ese carácter estuvo siempre... El Frente nace como una experiencia única en el mundo, conviven en un mismo proyecto cristianos y marxistas de todas las tendencias, junto con liberales desde el punto de vista político, pero es la unidad del pluralismo y ese pluralismo se va a mantener dentro del Frente como queremos mantener, como concepción de la sociedad a la que postulamos, la pluralidad. La esencia de la democracia es la existencia del pluralismo que conlleva el ejercicio de la tolerancia. Democracia, pluralismo y tolerancia (Dirigente histórico da FA, Montevidéu, 2000, grifo nosso). Durante o processo de transição democrática ocorreram dois acontecimentos que determinaram a incorporação efetiva da FA na recuperação da democracia. O primeiro foi a adoção de uma estratégia de defesa de sua identidade própria mediante a campanha de voto em branco nas eleições in- 182 A reconversão da questão democrática nas esquerdas ternas dos partidos em 1982 perante a proscrição de todos os seus dirigentes e partidos. O outro acontecimento crucial para a reinstalação de um governo democrático consistiu na participação decisiva da esquerda na concretização do denominado Pacto do Clube Naval, isto é, um acordo dos partidos Colorado, União Cívica e a FA com os militares para a sucessão do governo mediante uma convocação a eleições em 1984. Bueno, fue fundamental, el año 84 y al término de la dictadura y la transición a la recuperación a la institucionalidad democrática, reconoce como un protagonista fundamental al Frente Amplio que se jugó. Costo mucho desde el punto de vista interno, privilegiar por encima de cualquier otra circunstancia lo que era la reconquista de la institucionalidad democrática, y a eso nos jugamos y en eso nos comprometimos en el año 84 a plena conciencia de esos hechos, concurrimos a los acuerdos del club naval, pagando, a conciencia, un alto precio como fue el de la prisión nuestra y de una cantidad de compañeros, pero poniendo por sobre todas las cosas la reconquista de la libertad y la democracia (Dirigente histórico da FA, Mdeo, 2000). Este momento foi chave tanto na inserção da esquerda no processo de redemocratização enquanto um agente político legítimo do mesmo quanto na reafirmação do compromisso com a democracia emergente. A estratégia proposta pelo presidente da FA, Líber Seregni, apresentava três pilares básicos: a “negociação” com os militares para garantir as condições de sucessão efetiva do poder político; o “concerto”, através de acordos com outros partidos, de programas políticos mínimos de resposta à situação de crise nacional e que serviriam de lineamento para o governo civil eleito; e, ao mesmo tempo, a “mobilização popular” e a cidadania ativa para dar um conteúdo participativo à democracia emergente e resistir às reações conservadoras. La tesis de Seregni era “que podía pasar el tiempo y la situación seguir incambiada... había que asumir responsabilidades: agotar todas las instancias para consolidar un frente opositor que pudiera negociar en las mejores condiciones el traspaso de gobierno y sobre todo arribar a un acuerdo nacional que permitiera formular un proyecto verdaderamente nacional. (Sostuvo) que el tiempo político estaba enturbiado por el tiempo electoral, y que (debían) tomar conciencia de que eran una auténtica oposición de poder. Fue ya en ese momento (que comenzó) a hablar de que la cultura de la resistencia debía dejar paso, en el Frente, a la cultura de gobierno.” (p. 140). 183 Capítulo 4 En la reunión de la Mesa, Seregni plantea que la concertación con otras fuerzas no debe diluir el perfil específico del Frente. Se evalúa el nivel de la movilización popular y se acuerda impulsar un “paro cívico” para generar las condiciones de la concertación. Los dirigentes ratifican el carácter de coalición del Frente pero reconocen la existencia de una unidad y coherencia cualitativamente mayores a la de la suma de sus componentes (Seregni em Blixen: 1997, p. 140, grifo nosso). Este processo de integração ao jogo democrático não foi fluido, implicando, pelo contrário, um longo e complexo debate interno sobre o sentido da revalorização da “questão democrática” para a esquerda. Um dos níveis em que esse debate público teve lugar foi o referido às contradições que começaram a vislumbrar-se desde finais de 1986, fundamentalmente entre o Partido pelo Governo do Povo e o Partido Comunista do Uruguai, quanto à existência de concepções e estratégias antagônicas da esquerda em democracia, o que culminou na crise de 1989 que levou à cisão do PGP e do PDC da FA. Assim, a questão democrática se transformou num centro de reflexão e debate entre as esquerdas sobre as conseqüências do processo democrático na redefinição das esquerdas no sistema político. Um aspecto do debate teve a ver com a reflexão crítica sobre as conseqüências do autoritarismo passado, sobre as “responsabilidades” da esquerda no referido processo e sobre a necessidade de reafirmar o compromisso democrático a partir da negação da concepção instrumental da democracia. A ala moderada reclamava uma releitura crítica do passado da esquerda. [...] nosotros creíamos que debíamos hacer una lectura autocrítica, es decir en que medida teníamos una cuota parte de responsabilidad en la gestación del golpe de estado... Mario Benedetti lo sintetizó muy bien: la diferencia digamos estratégica a la que yo me refería previa al golpe de estado cuando escribió: "algunos creían que lo peor era lo mejor", aquello de la radicalización de las contradicciones etc. etc. que tenía desde luego una base de contenido ideológico marxista muy fuerte a nuestro modo de ver y la vida, dice Benedetti, la dureza de todo lo ocurrido, demostró inequívocamente, que lo peor era lo peor, que la izquierda debía aprender a vivir en democracia, dejar para algunos partidos de considerar la democracia como un aspecto instrumental para asumir una concepción de compromiso político, ideológico muy fuerte con un estado de derecho y con esta democracia que surgía, desde luego limitada, debilitada, condicionada, etc, pero que era lo posible de obtener. Con toda franqueza, creo que en el Pacto del Club Naval se obtuvo todo lo posible que no era todo lo deseable y la izquierda tenía que hacer- por tanto- una lectura autocrítica y 184 A reconversão da questão democrática nas esquerdas fundamentalmente un proceso muy intenso de reflexión acerca de cómo el nuevo contexto internacional y la nueva situación nacional, debían operar en un cambio. En un cambio de fuerte reafirmación democrática, en un compromiso más directo y explícito con la salida a la crisis nacional que golpeaba fuerte no solamente a los sectores populares sino también a los sectores productivos. (Dirigente histórico da FA, Montevidéu, 2000, grifo nosso) Essa leitura crítica do passado pretendia abrir um debate mais amplo sobre as concepções da esquerda marxista da mudança social e da democracia, de crítica às concepções revolucionárias e de defesa das liberdades e instituições da democracia representativa numa época de debate ideológico internacional de prenúncio da ruptura dos regimes de “socialismo real”. [...] en ese cambio global se insertó un cambio en las ideologías de la izquierda y en esa modificación el PGP tuvo un rol relativamente importante, por lo menos fue un intento de cambiar muchos de los estereotipos de la izquierda clásica, de revisarlos, de promover el debate sobre ellos y de procurar a la larga en ese proceso una modernización de la izquierda. En qué medida lo logró es una pregunta muy abierta. La izquierda ha cambiado indudablemente, la izquierda frentista, pero probablemente cambió mucho menos que lo que al PGP le hubiese gustado. También es cierto que el PGP murió en el intento, murió bien, pero murió en el intento. La izquierda era una izquierda apegada a esquemas de fines del siglo pasado y a comienzos de éste. Una izquierda con una concepción revolucionaria, rupturista de los procesos políticos, una versión economicista, una versión estatalista y todo este conjunto de estructuras de pensamiento estaban, en realidad desde los 70, puestas en cuestión, lo que sucede que en el Uruguay como estaba la dictadura no podía ser discutido, con el advenimiento de la democracia se abrió un período dónde todos estos temas aparecieron sobre la mesa y que esa izquierda no tenía ninguna capacidad, con sus esquemas ideológicos, para incidir positivamente en el país. De modo que en el PGP decidimos necesario aggiornada esa izquierda, abrir la discusión. La discusión fue muy difícil, los resultados, probablemente, se sembró para no cosechar el PGP sino para ayudar a un proceso de cambio que se está dando en la izquierda todavía, con muchos temores pero que se está dando, la izquierda en general, si bien cambió, lo hizo calladamente, sin abrir una polémica sobre sus errores y sus culpas anteriores, no puede olvidarse que, de alguna manera, la izquierda clásica, hablo básicamente de la izquierda comunista (ex-dirigente do PGP, Montevidéu, 2000, grifo nosso). Mas o debate não se restringiu às diferenças sobre concepções de democracia passadas ou presentes, orientando-se também para uma redefinição das estratégias das esquerdas na concorrência dentro do sistema político de- 185 Capítulo 4 mocrático e de sua relação com o resto dos atores. Existiram vários elementos que foram dividindo progressivamente as duas posturas como, por exemplo, a assunção de compromissos políticos por fora do interior da FA; as reclamações pela acentuação do caráter de “coalizão” política; as aspirações de concorrência eleitoral de lideranças políticas emergentes sobre as lideranças internas partidárias, propondo a habilitação das candidaturas múltiplas; as discrepâncias sobre o caráter opositor contestatório da FA, entre outros. O debate supôs também uma redefinição sobre as fronteiras ideológicas entre a esquerda e a intenção de criação de um pólo de centro-esquerda alternativo que excluísse as esquerdas marxistas. La contradicción dialéctica entre coalición o movimiento, pone en peligro la gran característica del Frente: su pluralidad. “A nivel internacional hay una tendencia hacia la centro-derecha en el espectro político, y como respuesta se producen alineamientos de centroizquierda. Pero en nuestro país, en el campo político, las opciones son bipolares, sólo hay conservadurismo o cambio; la posibilidad de una tercera opción llevaría a la exclusión de ciertos sectores, en especial los marxistas. La creación de un polo de centro- izquierda supone la ruptura del FA.” (Seregni em Blixen: 1997; p. 166, grifo nosso). O detonante final da ruptura foi o condicionamento de maior liberdade política de ação dos partidos para apresentar candidaturas em face à concorrência nas eleições de 1989. O setor majoritário do PGP afirmou que a FA tinha atingido um teto eleitoral e achou que uma nova proposta de esquerda renovada localizada mais para o centro arrastaria consigo a maioria do eleitorado frentista, captando, além disso, novas adesões de setores externos à Frente. O destino posterior do processo político diminuirá as expectativas da nova esquerda, de um Novo Espaço que teve menor impacto eleitoral do esperado e que terá novas cisões, produto da acentuação do caráter de coalizão com a hegemonia de um partido e sobretudo a partir da decisão de seu principal líder, Hugo Batalla, de acompanhar a candidatura do Dr. Sanguinetti, incorporando a nova identidade política dentro do partido Colorado e desencadeando uma nova divisão interna. Como efeito, um grupo minoritário de dirigentes assumiu a tarefa de refundar o Novo Espaço, mas com um sentido exclusivamente partidário que será mantido ainda como uma esquerda testemunhal do projeto originário e com uma forte marca ideológica social-democrata. 186 A reconversão da questão democrática nas esquerdas Além dos motivos de rupturas e divisões, o que constitui o centro de nossa preocupação, isto é, o debate sobre a questão democrática na esquerda, teve impactos a longo prazo sobre a esquerda em geral. Uma conseqüência imediata da divisão foi a aceitação formal da integração orgânica da esquerda guerrilheira (MLN) à estrutura partidária da FA, o que foi assinalado por vários dirigentes como uma contribuição política relevante para a mesma – principalmente quando considerada sob uma perspectiva comparativa – para a integração ao sistema democrático. Os processos de longo prazo de mudanças políticas e discursivas internas da esquerda uruguaia no período pós-ditadura foram analisados em várias pesquisas recentes (Martinez,1998; Yaffé, 2001). A seguir, serão retomadas algumas das hipóteses a fim de vinculá-las com os processos de reconversão ideológica da questão democrática na esquerda. A análise comparativa realizada por P. Martínez no período de 19711994 constatou que existiu uma tendência majoritária na esquerda de deslocamento discursivo para posições mais negociadoras de integração “sistêmica” ao sistema político, relegando as orientações revolucionário-utópicas (Martínez, 1998, p. 34). Também foi verificada a progressiva tradicionalização da identidade partidária com uma ênfase para o nacional (Martínez, 1998, p. 37). No mesmo sentido, o estudo de Yaffé sobre o período 1984-2001 explorou a tradicionalização da identidade frentista junto com a progressiva moderação política da esquerda como expressões de renovação e crescimento da força política. Sob sua perspectiva, produziu-se uma progressiva “renovação ideológica” entendida como a flexibilidade crescente das concepções ideológicas para orientações políticas amplas, recolhendo uma diversidade de correntes de pensamento de esquerda e nas que “predominaram as definições abertas como a de ‘socialista’ (mais do que ‘marxista’) ou ainda mais extensas e difusas como ‘progressistas’” (Yaffé, 2001, p. 7). A tônica de maior integração efetiva à democracia e a moderação política ideológica de suas propostas confluíram numa aceitação da democracia liberal como marco de convivência e numa aposta a reformas graduais dentro da economia capitalista. No caso da FA se produziu uma interessante virada entre os processos de reconversão ideológica da esquerda e a assimilação de experiências nacio- 187 Capítulo 4 nais de tom social-democrata, sendo, o referido processo, percebido repetidas vezes pelos dirigentes. Lo que sucede es que el Uruguay tenía determinadas características socioculturales heredadas desde su primer batllismo y del segundo batllismo, que de algún modo, eran proclives, eran permeables para que la izquierda pudiera retomar ese imaginario, pudiera reciclarlo y pudiera trasladarlo hacia sus tierras... ¿cuál fue el cambio? Bueno, en definitiva la izquierda clásica uruguaya en este momento es una izquierda, en cierto modo, social demócrata, fue adaptándose a un discurso social-demócrata, no la última social-democracia sino la social-democracia clásica, la de mediado de siglo, con un estado interventor, del estado benefactor con su versión de mediados de siglo, etc., entonces ahí se produjo una simbiosis importante entre el temor al cambio que sentían los uruguayos aún aferrados a su imaginario batllista y el proceso de adaptación ideológica de la izquierda clásica (ex-dirigente do PGP, Montevidéu, 2000, grifo nosso). De fato, detectou-se uma confluência “ideológica” entre o imaginário das experiências passadas de tom social-democrata do batllismo e a reorientação distributiva da riqueza da esquerda na época recente perante um avanço de reformas econômicas neoliberais. “La concepción general de diferencia de la democracia de la izquierda actual vista como un todo, un término común de lo que se puede llamar Frente con la derecha, es un proyecto que va a respetar las leyes del juego fundamentales, la propiedad, sus valores, su cultura, todo lo demás, pero que tenga un tono mucho más equitativo y distributivo que priorice el enfrentamiento a las dificultades más marcadas que tienen los sectores que van quedando postergados y amputados en la sociedad contemporánea, yo diría es un batllismo modernizado (dirigente do MLN, Montevidéu, 2000, grifo nosso). A moderação política se deu, em boa medida, como um processo de adaptação discursiva a uma corrente que expectativas cidadãs de mudanças, mas graduais. Bueno, el hecho es más complicado: todo el país se ha corrido al centro. El centro es la mayoría aplastante de este país por eso no creo que deba sorprender el fenómeno, sin embargo, no se es más de izquierda por gritar mas fuerte. Acá hay un problema de etapa histórica, la inmensa mayoría de la sociedad uruguaya, espera respuestas un tanto de centro-izquierda. Quiere cambios, pero no tanto. Hay que tener la paciencia estratégica de esperar que esa etapa se agote posiblemente y eso no lo podemos vaticinar, no por un problema de voluntad sino de objetividad, de ver el 188 A reconversão da questão democrática nas esquerdas termómetro social, tenemos que ser de izquierda tanto como nos comprendan (dirigente do MLN, Montevidéu, 2000, grifo nosso). Estes processos de reinvenção de uma via social-democrata da esquerda à “uruguaia” foram complementados com a consolidação do sincretismo da identidade frenteamplista enquanto tradição democrática nacional. [...] el Frente es un partido tradicional porque ha sido capaz de generar una genuina tradición, acertamos con orgullo ese reconocimiento. Al nacer el Frente recoge el legado de la Patria Vieja, el legado de Artigas, también recogió en su seno las mejores tradiciones coloradas y batllistas, blancas y nacionalistas, recogió la tradición de lucha obrera, el legado de las corrientes más avanzadas de origen marxista, socialcristiano y libertario, así como los mejores aportes de la intelectualidad, el movimiento estudiantil, y oros sectores, entre ellos el de aquellos militares que... han representado las mejores tradiciones democráticas y constitucionalistas de las Fuerzas Armadas. Sí, en el Frente Amplio vive y se proyecta la historia patria. Es tradición, es presente y es futuro (Assembléia Uruguai, 1998, p. 18, grifo nosso). Desde a realização do II Congresso da FA em 1991 começou a ser colocada na agenda da mesma força a necessidade de uma “renovação” e “atualização programática” da esquerda, sendo um dos lineamentos básicos o “aprofundamento da democracia” como “valor supremo”. Esta renovação significava o aprofundamento da “concepção nacional progressista e democrática avançada” incluída na Declaração Constitutiva da FA, assimilável em grandes traços aos conceitos de “democracia sobre novas bases”, “via não-capitalista de desenvolvimento” ou “democracia avançada”. Também este processo de atualização ideológica supôs uma assimilação das matrizes socialistas por uma grande parte da esquerda frentista num contexto mais geral de aprofundamento e de radicalização do sentido da democracia. Yo creo que le hemos ido dando un mayor énfasis al tema de la democracia, entonces el problema del socialismo, en el sentido de formulaciones relativas a la economía básicamente, o a las relaciones de poder en la economía, queda subsumido en una propuesta democrática más amplia y de mayor profundidad, en realidad, gran parte de las propuestas socialistas son asumidas en una propuesta mas amplia, que a su vez, permite una revisión crítica de las propias respuestas socialistas, donde muchos de los énfasis se modifican, en estado se ve como un instrumento mas junto con el mercado, y junto con el desarrollo de un área social, de todo lo que es la economía sin fines de lucro y yo creo que está emergiendo en varios lugares y creo 189 Capítulo 4 que hay que reflexionar en profundidad (dirigente da Frente Ampla, Montevidéu, 1999, grifo nosso). À renovação política veio se somar uma “reformulação programática” que se orientou para a “moderação das propostas de transformação econômica e para a incorporação e/ou desenvolvimento de assuntos referidos aos temas sociais e político-institucionais”. Na opinião de Yaffé, “o programa frenteamplista de 1999 se apresenta como um programa de mudança moderada orientado para a transformação e o crescimento econômico, a justiça social e o aprofundamento e aperfeiçoamento da democracia política, atribuindo ao Estado um papel relevante na condução do processo econômico e social.” (Yaffé, 2001, p. 22). Esta renovação democrática desde a esquerda e de afirmação enquanto tradição nacional esteve acompanhada por um processo de ampliação de alianças políticas e eleitorais com grupos não-frentistas ou ex-frentistas, assegurando-se desde a cúpula lideranças comuns que favoreceram um novo sincretismo neofrentista sob a nova denominação de Encontro ProgressistaFrente Ampla. [...] el Encuentro Progresista constituye una alianza política con carácter permanente de fuerzas que, en el marco del sistema democrático representativo pretende mediante una amplia participación de la ciudadanía, introducir transformaciones profundas en el país, tendientes a la construcción de una sociedad democrática, progresista y solidaria, a través del impulso de un desarrollo socialmente justo y económicamente autosostenido (III Congreso Extraordinario, FA-EP em Bayley 1998, p. 127). A RADICALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA DESDE ABAIXO: O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO DO PT A radicalização da democracia apareceu também com um sentido de democracia participativa desde a base. Apesar de esta virada ter sido utilizada por múltiplas correntes de esquerda, acreditamos que no caso da proposta de orçamento participativo, elaborada pelo PT, a mesma assumiu um novo sentido de resignificação de implementação da democracia participativa. 190 A reconversão da questão democrática nas esquerdas Ao ser analisado o processo de reinvenção do socialismo no caso do PT, atentou-se para a diversidade de acepções que a denominação “democracia radical” adotava nos documentos partidários. A presente seção se centrará, então, na invenção de um projeto de democratização desde a base mediante a implementação do orçamento participativo (OP). O fundamento ideológico da proposta esteve constituído pela insuficiência das instituições da democracia representativa para a representação adequada dos interesses da sociedade. Em consonância com esse fundamento, a democracia participativa foi apresentada como um complemento destinado não a substituir a democracia representativa, mas a melhorá-la ao fomentar as possibilidades de influência da participação direta e ativa nas decisões públicas. A participação cidadã direta, individual e organizada foi valorizada como um elemento de aperfeiçoamento e qualificação do engajamento cidadão com a democracia e como um mecanismo de transparência do controle social sobre o destino dos recursos públicos. Essa expressão da democracia radical é uma das maneiras de denominar, existem outras, como a democracia participativa, é a idéia da construção de outro sistema político institucional que contém o que há de elementos positivos nesse sistema e integre com elementos inéditos na política brasileira em busca de uma nova síntese, de um novo sistema político institucional que combine democracia representativa com democracia direta, uma democracia representativa que seja mais universalizada, que se expresse por meios de comunicação de massas, que se expresse por exemplo na questão do financiamento público das eleições com uma legislação que impeda a corrupção do processo de representação política, etc. isso combinado com diferentes mecanismos institucionais de democracia direta, o orçamento participativo é um deles, a participação direta do indivíduo cidadão em singular. Outras dimensões como o plebiscito, o referendum, que nós gostaríamos de introduzir, mecanismos tanto de consulta como de referendum a posteriori, que hoje são muito facilitados pelos meios técnicos de informação, de comunicação e nossa idéia não é de abolir a democracia representativa que é essencial, não é substituir a democracia representativa pela direta, e por outro lado nós não consideramos que a democracia representativa seja suficiente para uma adequada expressão de interesses, tanto interesses materiais como interesses ideais, de convicções políticas, espirituais, culturais, então a idéia é combinar. Estruturalmente nossa concepção é isso, é a busca de uma síntese de Combinamos elementos da democracia representativa clássica com elementos da democracia direta, que também tem sua tradição clássica. (dirigente do PT, São Paulo, junho de 1999, grifo nosso) 191 Capítulo 4 Destarte, a abertura a mecanismos institucionalizados de exercício da participação cidadã e popular foi incorporada como outra forma de representação de interesses, intermediária entre os mandatos representativos e as estruturas do Estado, estabelecendo um espaço de controle e intervenção nas decisões públicas. O orçamento participativo foi uma forma de traduzir, a partir do acesso ao governo municipal, um modo de reforma do Estado que desse resposta à crise de legitimação entre Estado e sociedade. Por isso, foi proposto como uma nova articulação de ambos os espaços, com um sentido democratizador que permitisse um controle direto e um engajamento da cidadania nos assuntos públicos. A articulação da participação cidadã direta com as formas tradicionais de representação política permitiria aperfeiçoar a democracia garantindo a representação dos interesses da maioria. O OP tem por objetivo “uma forma universal de dirigir e de criar um novo tipo de Estado. Um Estado que combine a representação política tradicional (ou seja eleições periódicas e previsíveis) com a participação direta e voluntária dos cidadãos (criando formas de “co-gestão”), para que os representantes eleitos pelo sufrágio universal e os participantes da democracia direta e voluntária gerem decisões cada vez mais afinadas como os interesses da maioria (Genro: 1997; p. 21-22). Assim, o OP não será um mero programa de ação, estabelecendo também mecanismos institucionais de participação direta, de formação de um novo espaço político de decisões públicas, de exercício do poder democrático. A experiência realizada com o Orçamento Participativo é incomum. Não se tratou simplesmente de “incentivar” a participação popular de uma forma espontânea, “fazer obras” ou simplesmente “azeitar” os mecanismos da democracia formal. Na verdade, foi criado um novo centro decisório que, juntamente com o Poder Executivo e o Legislativo democratizaram efetivamente a ação política e integraram os cidadãos comuns num novo “espaço público (Genro: 1997; p. 11-12). O OP também terá uma finalidade pedagógica de socialização política dos cidadãos enquanto sujeitos de direito, de “gerar uma nova consciência cidadã”, não esgotando a participação cidadã “formal” no ato de votar, mas formando o cidadão a fim de torná-lo um sujeito capaz de exercer influência nas decisões públicas. 192 A reconversão da questão democrática nas esquerdas Além disso, o OP contribuirá com uma nova articulação com a sociedade civil para “a democratização da relação do Estado com a sociedade” e para “a criação de uma esfera pública não estatal”. O princípio de “auto-regulamentação” na elaboração do orçamento público “estabelece um contrato social entre o governo e a sociedade” (de Souza, 1997, p. 46-47). Este novo contrato político entre Estado e sociedade implicará novas modalidades de intermediação e de decisão política que assegurem o funcionamento da democracia por parte da maioria do povo, combinando o âmbito da representação política eleitoral como a representação de interesses sociais organizados. O que se trata é de democratizar radicalmente a democracia, de criar mecanismos para que ela corresponda aos interesses da ampla maioria da população e de criar instituições novas, pela reforma ou pela ruptura, que permitam que as decisões sobre o futuro sejam sempre compartilhadas. “Compartilhar” quer dizer, no que se refere à democracia, permitir que entre aqueles eleitos pelo sufrágio universal (os representantes políticos) e aqueles indicados por outras formas de participação direta (oriundos diretamente do movimento social), sejam acordadas novas formas de “decidir” (Genro: 1997; p. 18). O estabelecimento de mecanismos de canalização da participação cidadã e popular direta teve efeitos sobre o investimento de prioridades na atribuição dos recursos públicos como também no acesso aos serviços públicos. A participação direta da cidadania no orçamento municipal democratizou o uso dos recursos públicos, reorientando sua distribuição para a atenção das necessidades materiais mais imediatas da maioria da população. O investimento público se reorientou de acordo com as demandas sociais coletivas, reduzindo a influência dos grupos de pressão privados na gestão municipal. Portanto, o investimento e a atribuição dos recursos públicos segundo as prioridades sociais foram resultado da democratização radical, exprimida na substituição da vontade das minorias pela da maioria no governo e na alteração do Estado capitalista que beneficiava exclusivamente os interesses privados por um Estado orientado para a redistribuição da riqueza e a priorização dos interesses públicos. A democracia participativa fortaleceu também as possibilidades de universalização dos direitos de acesso aos serviços públicos. Com efeito, o estabelecimento de mecanismos de inclusão da participação dos setores popu- 193 Capítulo 4 lares mais marginalizados conferiu aos mesmos a oportunidade de estender o acesso aos serviços públicos, tornando-os mais igualitários. A inversão de prioridades ela é uma decorrência ou está muito articulada como a questão da democracia, à participação popular, porque é evidente que se a população começa a ser protagonista na decisão dos recursos é evidente que os investimentos vão sofrer uma completa inversão do que eram até então quando os orçamentos e investimentos públicos eram definidos pelo grupo dirigente e articulado com os grupos econômicos que lhes davam base social, sustentação financeira, no momento em que democratiza e incorpora a opinião do cidadão comum, do cidadão dos bairros, é evidente que em vez de grandes viadutos que asseguram recursos para a construção civil é evidente, que vai construir menos viadutos. Os grupos do transporte são os dois grupos de interesses dos municípios, e mais elementos básicos, mais casas populares, mais asfaltamentos nas escolas do bairro, é natural que a inversão de prioridades vai fazer mais. E está articulado com um terceiro elemento que junto com a democracia e a inversão de prioridades a meu juízo são os três grandes pilares de construção de nosso projeto, que é a universalização dos direitos, a universalização dos serviços públicos, essas três coisas combinadas definem que nós não queremos uma sociedade com excluídos, significa que o dinheiro público vai ser fundamentalmente instrumento de luta contra a exclusão e portanto vai ser destinado àqueles setores que não têm aceso aos serviços públicos básicos e isso se articula de uma forma muito forte. A democracia não é um ato unilateral do poder público, ela é uma ação de outro tipo, não é uma reverencia ao prefeito, é articulada com a decisão e com o princípio da universalização, nas cidades se traduz em aceso aos serviços públicos para todo o mundo, o aceso de água potável, em fim a todos aqueles serviços que hoje em dia são apenas garantidos integralmente nos bairros mais de classe média (dirigente do PT, Porto Alegre, maio de 1999, grifo nosso). A participação direta foi interpretada também como um instrumento de luta política por uma democracia socialista, de “subversão” do capitalismo desde a base. A institucionalização das formas de participação popular ativa foi percebida como um elemento de fortalecimento da democratização da política e da sociedade, o que se oporia à estrutura capitalista concentradora e excludente. Portanto, a democracia radical desde a participação ativa da cidadania foi concebida como um meio de transformação democrática em direção a um sistema político e social mais igualitário e para um cidadão mais envolvido nos assuntos públicos. Ainda que no caso do PT a participação cidadã adquirisse uma nova forma institucional e política da democracia participativa – sendo, aliás, a de 194 A reconversão da questão democrática nas esquerdas maior projeção internacional –, a ênfase em estimular a participação política ativa e local foi uma tônica presente nos governos municipais de várias correntes de esquerda do Cone Sul. No caso do Brasil, as afinidades mais próximas foram as encontradas com o PSB, que também teve algumas experiências bem-sucedidas de exercícios de governos locais com participação ativa da sociedade. Nos documentos partidários estas experiências foram identificadas como “orçamentos cidadãos” no intuito de diferenciação, sobretudo no nível “ideológico político”, em relação às já realizadas pelo PT. No Uruguai, o governo capitalino da esquerda frenteamplista implementou uma proposta de descentralização que também tinha o espírito de promoção da participação cidadã, criando conselhos de representação social de interesses nos bairros e estruturas de descentralização administrativa e regional junto com formas de representação partidária. Após uma década de governo municipal, os impactos atingidos foram menores aos do caso brasileiro quanto aos alcances políticos propostos, a baixa delegação das decisões políticas e a receptividade à participação cidadã efetiva. No entanto, foi uma experiência que avançou na desconcentração de uma estrutura administrativa marcadamente centralizada (IMM, 2001, p. 65 e 107). 195 Capítulo 5 AS ESQUERDAS NA LEGITIMAÇÃO PARCIAL DAS DEMOCRACIAS Os quatro tipos apresentados servirão para mostrar a diversidade de trajetórias históricas alternativas das esquerdas na incorporação da questão democrática, assinalando, por sua vez, os limites, disjuntivas e problemas da reconversão ideológica parcial. A recomposição da orientação cultural entre esquerdas e democracia se produziu num duplo percurso de, por um lado, um processo de reconversão ideológica interna e, por outro, de uma reorientação discursiva externa de legitimação parcial das democracias contemporâneas. A legitimação parcial da democracia no discurso das esquerdas e do centro-esquerda teve lugar mediante uma dupla interpretação das democracias “existentes”, confluindo a valorização da democracia representativa, em boa medida como resultado das conseqüências negativas da experiência autoritária prévia, e a crítica às insuficiências do desenvolvimento democrático contemporâneo. Estes mecanismos discursivos exprimiram afinidades eletivas comuns em todos os discursos, desde os da extrema esquerda até os mais moderados do centro-esquerda. No entanto, cada caminho histórico apresentou problemas e limites específicos na reconversão parcial da esquerda. 197 Capítulo 5 PROBLEMAS E LIMITES DA RECONVERSÃO PARCIAL DAS ESQUERDAS OS LABIRINTOS DO REPUBLICANISMO A rápida ascensão da FREPASO na cena política argentina colocou um problema de identidade da força política emergente em termos de seu posicionamento em relação aos partidos tradicionais, o que se tornou visível principalmente com a formação da ALIANÇA junto com a UCR em 1997. A FREPASO surgiu como uma alternativa à bipolarização política, com uma prédica republicana que a diferenciava das tradições populistas e, ao mesmo tempo, enquanto força nova e renovadora perante a tradição centenária da UCR. A questão de sua identidade passou a ser central a partir da ALIANÇA, no sentido de definir até onde se tinha chegado a uma alternativa política ou a uma alternância no governo (Caputo, Godio, 1996). A aliança com um dos partidos tradicionais históricos significou uma frustração da FREPASO no relativo à geração de uma alternativa ao bipartidarismo, colocando-se em dúvida a crítica à política tradicional. Creo que el Frepaso intentó convertirse en un espacio de política transversal, pero no prosperó demasiado, creo que el momento de mayor expansión de esta idea, fue cuando se creó la multisectorial, ahí empieza a estructurarse, la transversalidad entendida como la política que es gestada, no sólo desde un partido sino desde los sectores sociales y de otros partidos, la multisectorial fue el momento en el cual pareció que esto iba a cobrar energía, después volvió el cauce a la política convencional, volvió el cauce al acuerdo político, a la alianza electoral... quizás vuelva a ser un sistema bipartidario con aspecto distinto pero un sistema donde se elige entre A y B (dirigente socialista, junho de 1999, grifo nosso). A ênfase conferida à aliança política centrada numa coalizão eleitoral a fim de vencer o menemismo moderou a crítica e a elaboração política de uma gestão alternativa ao modelo econômico neoliberal. A moderação ideológica em direção ao centro mediante a abertura das fronteiras para os outros partidos no intuito de atingir o poder esteve acompanhada por uma espécie de “pragmatismo niilista” “pós-moderno” (termos 198 As esquerdas na legitimação parcial das democracias utilizados por um dirigente da Frente Grande) em boa parte dos dirigentes, que deixava latente um risco de crise de identidade da força política. Puede ser el portador de una novedad en nuestra historia; puede ser la fuerza que logre la síntesis de diversas historias partidarias. El FREPASO puede ser eso y aún más. Pero también el FREPASO puede ser otra ilusión perdida; que en lugar de traer lo nuevo, sólo alcance para ocupar el gobierno; que en lugar de ser alternativa, se limite a jugar el papel de la alternancia. Que sea una cosa u otra no es sólo una cuestión de fe. Requiere una estrategia, una fuerte voluntad y, probablemente lo más importante, una enorme cuota de audacia. El FREPASO nació con audacia. Las reflexiones que siguen buscan promover un debate para esa voluntad política masiva que se identifica cada vez más con una cultura “frentista” del progreso y de profundización de la democracia (Caputo, Godio: 1996 ; p. 12-13, grifo nosso). Mas gerar uma oposição alternativa para governar não era uma tarefa fácil, ora devido à gravidade da crise econômica, social e política contemporânea argentina, ora pelos custos da associação minoritária no governo entre um partido centenário, com múltiplas e díspares gestões de governo, e uma FREPASO que emergiu desde o âmbito legislativo com escassas e marginais experiências de governo local.1 O outro problema principal que teve que afrontar foi a gravidade dos condicionamentos sócio-econômicos externos que colocaram em questão a autonomia da política em relação ao poder econômico. As declarações de Chacho Álvarez após 14 meses de governo da Aliança, isto é, quando começou a crise econômica, foram ilustrativas do dramatismo da imposição do poder econômico sobre a política, que catalisou a renúncia do ministro de economia e sua substituição por Domingo Cavallo. Com efeito, a volta de Cavallo constituiu um preâmbulo da quebra da autonomia da política. Hubo un problema que arrastraron José Luis Machinea – una persona por la que yo siempre tuve y tengo mucho afecto – y su equipo. Por un lado, ellos cerraban la Alianza. Su equipo nos representaba frente a los ortodoxos. Pero por otro lado estaba muy presente la experiencia de fines de los 80… 1 O único antecedente relevante em matéria de gestão governamental da FREPASO antes de 1999 foi a relativa à administração da prefeitura da cidade de Rosário, cujo governo respondeu, na realidade, a um setor minoritário, o Partido Socialista Popular, e cuja ênfase se centrou na relevância da gestão decente e solidária no âmbito municipal. 199 Capítulo 5 El ala política del primer gabinete intentó – intentamos – dar batalla. Rodolfo Terragno, Federico Storani y yo lo hicimos. Pero por otro lado estaba el núcleo duro. Me parece que Machinea estaba en el medio, pero en situaciones de crisis extrema terminaba dominando la visión más ortodoxa... La apuesta es a que el FREPASO continúe en la Alianza y afirme el rol que imaginábamos después del blindaje. No había que ser un profesional de la anticipación para darse cuenta de que si a Machinea no le iba bien despues del blindaje los dos hipotéticos ministros de Economía, que creaban ambos grandes problemas, eran Lopez Murphy y Cavallo... El problema es el siguiente: la crisis siempre tironea hacia la derecha, al mismo tiempo la Alianza fundamenta su legitimidad en una propuesta de centroizquierda. Por eso es importante la agenda y es clave mostrar un modo particular de gestionar... La presencia de Cavallo ocupa, simbólicamente, más espacio que el Ministerio de Economía. La economía ocupa tanto que un ministro de Economía activo sobrepasa los límites del Ministerio. La delegación de atribuciones es hacia el Presidente, pero el 80 por ciento de las medidas serán implementadas por el ministro de Economía. No es cuestión de un ministerio más o menos. Es cuestión de un armado que pueda demostrar que también reconstituye el lugar de la política (Alvarez, p. 12, Bs.As., 1 de abril de 2001, grifo nosso). As fraquezas de uma democracia delegativa, acentuadas por uma crise econômica e política estrutural na Argentina, questionaram a viabilidade de continuidade do governo da aliança, colocando em xeque, aliás, a promessa de renovação da política. Nesse momento, as declarações de renúncia à vice-presidência de Chacho Álvarez foram ilustrativas das dramáticas resistências e da falta de resposta do sistema político tradicional. No renuncio a la lucha. Renuncio al cargo con el que me ha honrado la ciudadanía. Funde una fuerza nueva para entre otras cosas cambiar drásticamente la forma de hacer política en este país, en nuestro país. Estoy convencido que estamos en una crisis terminal en la forma de hacer política, en la relación entre poder político y el poder económico y del vinculo entre la política y la gente. Lo vengo sosteniendo no desde ahora sino desde hace más de diez años. Parece paradójico y a la vez resulta cada vez más chocante. Cuanto más avanza la pobreza, la desocupación, el escepticismo y la apatía desde no pocos lugares se responde con dinero negro, compra y venta de leyes, más pragmatismo y más protagonismo para quienes operan en la política como si fuera un gran negocio para pocos. Esta realidad no acepta medias tintas. No se puede tratar el cáncer con aspirinas ni alcanzan los discursos que remiten a la acción de una justicia en la cual muchos de los que deben investigar los casos de corrupción difícilmente podrían soportar una investigación a fondo sobre su patrimonio. 200 As esquerdas na legitimação parcial das democracias De aquí que esta situación debe enfrentarse con una enorme cuota de coraje y decisión. O se está con lo viejo que debe morir o se lucha por lo nuevo, que esta crisis debe ayudar a luchar. Atravesamos tres crisis los argentinos: la crisis política social, la crisis moral y la crisis económica. Para combatir la primera he manifestado que los senadores que protagonizaron las decisiones de los últimos años del Senado debían renunciar. Lejos de ello, han intentado una política de avestruz, se han atornillado a las bancas y a los cargos ahora seguramente se amparan, como ya lo han señalado públicamente algunos en la presidencia para decir que nada ha pasado. Confío en que mi renuncia contribuya a que tomen las decisiones que la sociedad y la gente espera. Que se den cuenta que deben hacer gestos que aun en la decadencia los acerque a un nivel de dignidad que no tuvieron en el ejercicio de la función. (Depoimentos do Chacho no jornal La República; 7 de outubro de 2000) Nesse sentido, encontraram-se freqüentemente nos depoimentos dos dirigentes frepasistas críticas à profissionalização política da democracia delegativa argentina, entendida como sinônimo de autonomização de interesses setoriais e individuais dissociados das vontades cidadãs. Outro tema problemático no que se refere à estruturação da FREPASO desde suas origens esteve constituído pela maleabilidade dos dirigentes e pela forte concorrência pela liderança interna do espaço político. De fato, a emergência de líderes políticos adotou um viés taticista pragmático, de habilidade e audácia política de um núcleo de dirigentes para uma rápida adequação e flexibilidade em relação à conjuntura política. A forte concorrência pessoal entre líderes – Álvarez # Solanas, Bordón # Álvarez – combinou-se com uma ampla autonomia de ação decorrente do baixo nível de organização de estruturas partidárias e com a utilização crescente da mídia para a projeção das imagens públicas. A tensão entre as lideranças proveio também da existência de diversas fontes de legitimidade política, enfrentando os líderes forjados desde a arena partidária e parlamentar e os de maior projeção de comunicação externa em direção à sociedade. A outra face dessas lideranças pessoais fortes foi a marcada fraqueza da estrutura organizacional confederativa, típica de um partido aluvial que recrutou uma diversidade de agrupações e dirigentes sem uma identidade ideológica coesa. Da mesma forma, faltava à referida força política a existência de antagonismos definidos com outros atores políticos ou sociais que lhe conferisse uma mística fundacional. 201 Capítulo 5 A origem parlamentar da maioria dos partidos e agrupações políticas da confederação, com uma baixa e desigual implantação territorial, fez com que a fortaleza principal da referida força residisse em seu papel de Partido Mediático e nos acordos superestruturais das cúpulas dirigentes. O uso efetivo da mídia como uma ferramenta de legitimação pública e de expansão da influência política da FREPASO acarretou também problemas de médio prazo como, por exemplo, o perigo de ficar preso à maleabilidade da conjuntura da opinião pública. Yo creo que eso bien manejado puede ser un capital político, pero en el FREPASO generó, por lo menos dos dificultades, la primera aceptar un tanto acríticamente la agenda impuesta por los medios y el sesgo que los medios daban al tratamiento de cada tema. Y el segundo riesgo es el de creer de que como el espacio público de algún modo se ha redefinido hoy con los medios, es decir, el modo de llegar al conjunto de la población es a través de los medios, entonces descuidar o subestimar las otras formas de expresión políticas, reuniones, asambleas, actos, debates, conferencias, que tiene un valor mucho menos desde el punto de vista de la llegada al gran público, pero que tienen una importancia grande en cuanto a formación de cuadro de simpatizantes, etc. (dirigente da Frente Grande, junho de 1999, grifo nosso) A potencialidade da comunicação mediática da FREPASO contribuiu para que os dirigentes se aproximassem da cotidianidade das pessoas na sociedade de massas, mas o fato de essa visibilidade pública não estar acompanhada por uma institucionalização partidária foi um fator de fraqueza política na hora de articulação da aliança com uma força de longa tradição organizacional como a UCR. El perfil mediático permite abreviar los tiempos, una llegada social a la sociedad sin pasar por todas las etapas de organización, inversamente la ausencia de organización tiene costos: costos de implantación territorial, por eso el FREPASO tiene dificultades en muchos distritos, en la conformación de la Alianza se produce un desajuste porque el radicalismo tiene una altísima implantación territorial, entonces lo mediático ayuda a abreviar, es un atajo, el vinculo con la sociedad pero también es un vinculo menos profundo, y tiene las dificultades que representa en la lucha política la ausencia de maquinarias electorales instaladas, es decir, concentrar el esfuerzo no en la organización sino en la expresión mediática, la ausencia de organización se paga. (dirigente socialista, junho de 1999, grifo nosso). 202 As esquerdas na legitimação parcial das democracias A flexibilidade organizacional, a moderação ideológica e a prática política mediática se agravaram pela fraqueza na base devido à ausência de vinculação orgânica com setores sociais subalternos. Com efeito, a rejeição em relação às tradições organizacionais populistas, a separação da vinculação orgânica com o sindicalismo operário, o crescimento eleitoral aluvial de dirigentes e cidadãos foram elementos que fragmentaram os vínculos com os setores populares. A isso veio se somar o progressivo deslocamento de suas bases sociais em direção ao recrutamento do desmembramento do voto radical, proclamando-se um porta-voz das classes médias urbanas castigadas pela implementação das políticas econômicas neoliberais ao canalizar a desilusão cidadã pela degradação das virtudes cívicas dos políticos e pela emergência de novas formas de exclusão social. AS FRAQUEZAS DA SOCIAL-DEMOCRACIA O primeiro obstáculo enfrentado pela refundação do trabalhismo foi o de superar a descontinuidade organizacional com respeito ao passado partidário trabalhista, principalmente desde a perda da sigla PTB. De fato, a partir desse momento, o nexo fundamental com o passado trabalhista passou a ser a liderança histórica pessoal de L. Brizola. Outra problemática ligada à redefinição do legado histórico foi a relativa à recuperação da questão nacional num contexto regional cada vez mais tomado pela globalização.2 Nesse sentido, o desafio consistiu em reconstruir a tradição nacionalista de defesa da soberania nacional, sem isso ser visto como uma mera retomada nostálgica e anacrônica da memória histórica passada. 2 O momento de debate interno em torno da definição da nova sigla foi um exemplo das indefinições da estrutura partidária em relação ao peso do passado, às correntes internas e ao líder. Duas propostas foram apresentadas nessa hora: a de Brizola, que queria que o partido se chamasse PTND, Partido Trabalhista Nacionalista Democrático, e a de um grupo de intelectuais do Rio de Janeiro que não concordava e achava que se fosse usado muito o conteúdo nacionalista se perderia aquela visão moderna de partido socialista democrático; esta última foi finalmente a proposta majoritária, incorporando-se assim exclusivamente o termo “democrático”. 203 Capítulo 5 Esta descontinuidade em relação ao passado foi percebida também na ausência de correntes intelectuais orgânicas do partido como, por exemplo, a escola de Pascualini no caso do PTB, e também na falta de continuidade nas correntes sindicais do trabalhismo. Um tema central de debate com respeito à estrutura partidária e à renovação ideológica do trabalhismo foi o referido à subordinação à liderança carismática e pessoal de Brizola, que ficou como o candidato nato e vitalício do PDT. Com efeito, a condução da estratégia do partido – com seus acertos e erros – foi estruturada em boa medida em função da projeção da liderança de Brizola e reforçada pela presidencialista. Também a onipresença da referida liderança carismática gerou dificuldades de mudança, renovação e sucessão de lideranças políticas intermédias ou emergentes. O sentimento do partido, pelo que sinto hoje em suas lideranças intermediárias em seus militantes mais ativos, é de mudança. Há um desejo de preservar a liderança do Brizola, más há também um desejo muito forte de retirar dessa liderança toda sorte de messianismo. Muitos ainda pensam que Brizola é uma solução em sem Brizola é o partido e que o brizolismo é mais que o partido. (Saturnino Braga, 1987, p. 71, grifo nosso). Isto determinou a existência de numerosas incongruências na definição do projeto político do PDT que, tendo a pretensão de organizar-se como um partido estruturado de massas, exercitava uma prática cotidiana partidária que assemelhava muito mais um diálogo de líderes com as massas do que propriamente uma estrutura partidária. Ainda que a liderança carismática nacional de Brizola não fosse questionada enquanto liderança de uma figura máxima, a relação com os líderes intermediários emergentes foi de difícil coabitação. De fato, produziram-se múltiplos debates e retirada de dirigentes de peso, principalmente após 1989, ano em que o desempenho eleitoral do PT começou um processo de estagnação. Com efeito, é possível lembrar vários casos de abandono de dirigentes do partido (Saturnino Braga, César Maia, Marcello Alencar e Anthony Garotinho); todos esses dirigentes tinham chegado a ocupar cargos de destaque em governos do PDT, tendo relações pessoais com Brizola. 204 As esquerdas na legitimação parcial das democracias A disputa interna entre lideranças políticas foi agravada também pela dissociação, em várias oportunidades, entre os elencos de governo e a orientação partidária. Outra fraqueza assinalada pelos próprios dirigentes em relação ao novo trabalhismo esteve constituída pelo esvaziamento das bases sociais organizadas e pela diminuição do referente da classe operária como sustento do partido. De fato, um problema recorrentemente encontrado foi a falta de articulação e mediação do partido com os movimentos sociais organizados. O tipo de relação mantida pelo PDT com os sindicatos e movimentos sociais foi populista tradicional, priorizando-se os mecanismos de recrutamento partidário de dirigentes e as lealdades pessoais para a absorção de demandas sociais sem conseguir estabelecer uma intermediação política partidária dos interesses coletivos. Essa falta de articulação orgânica com os movimentos sociais foi assinalada como uma diferença notória em relação ao PT que, nesse mesmo período, conseguiu canalizar melhor politicamente os interesses sociais, respeitando a autonomia dos movimentos sociais organizados. A liderança sindical que o PDT conseguiu promover a dirigência partidária, no nível sindical um dirigente passa do sindicato ao partido, a relação eleitoral do PDT com o movimento social é o mais pessoal possível. Essa relação até onde eu acompanhei sempre é pessoal. O PDT ele tem uma relação de incorporar demandas de movimentos sociais mas não consegue articular-se, não consegue a apropriação das consignas, o PDT nunca conseguiu construir, por exemplo, uma relação como o PT tem com o movimento social, uma relação profundamente articulada na qual o movimento social é uma coisa e o partido é outra, estão articulados... (ex-dirigente do PDT, Porto Alegre, maio de 2000, grifo nosso). Esse distanciamento do movimento social organizado, especialmente dos sindicatos de trabalhadores, foi interpretado por alguns autores como um processo partidário decorrente da reconversão ideológica em direção à social-democracia. Aí o PDT está muito influenciado por esse debate europeu, por essas correntes socialdemocráticas, insistiram muito na necessidade de separar radicalmente o partido das organizações sociais, e em certa forma triunfaram na orientação do partido. Nós nunca pudemos reivindicar uma articulação mais forte, nós pecamos de um liberalismo inconseqüente (dirigente do PDT, Rio de Janeiro, novembro de 2000). 205 Capítulo 5 QUAL SOCIALISMO EM DEMOCRACIA? A reconversão da questão democrática no socialismo esteve atravessada pelos impactos externos de sua crise na ex-URSS e pelas mudanças sociais da época. Um exemplo extremo do impacto das conseqüências da ruptura do sistema socialista na ex-URSS sobre a esquerda socialista foi vivenciado de forma dramática na crise do Partido Comunista Uruguaio. O desaparecimento do referente externo da URSS a partir do qual se tinha firmado sua concepção socialista destruiu sua justificação ideológica internacional, desencadeando um forte debate interno sobre a teoria acompanhado por conflitos entre diversas frações internas, que culminou com uma crise do partido e com a cisão ou afastamento de importantes quadros dirigentes. As contradições entre diversas tendências internas, isto é, entre setores renovadores desde a cúpula e quadros que se resistiram às mudanças, desde o XX Congresso, agravaram-se pela ausência de uma liderança política forte que pudesse arbitrar os conflitos devido à retirada progressiva e posterior morte de Rodney Arismendi. A emergência nesse momento de um setor renovador pretendia revisar criticamente o alinhamento histórico com a experiência socialista soviética, revalorizando a democracia como sistema, condição imprescindível para o projeto democrático. Sin democracia, en la participación consciente y voluntaria de la gente, no se puede construir el socialismo, porque pierde uno de sus valores fundamentales. El socialismo tiene que ser la democracia más completa en el plano económico, social, político y cultural. Cualquier otra cosa es un fracaso histórico. El golpe de Estado en la URSS, dado por la burocracia nostálgica del pasado, del poder absoluto y de los privilegios, no tiene absolutamente nada que ver con el socialismo. Y cualquier confusión en este sentido representa no sólo un error, sino la negación de los valores éticos y políticos del mismo. Si algunos justifican los golpes de Estado, como antes nosotros justificábamos los tanques invadiendo países para imponer un sistema, es porque siguen apostando a un régimen que ha fracasado y siguen creyendo en los mismos mecanismos fallidos y destructores que se han aplicado durante década (Jaime Pérez, 1996, p. 176, grifo nosso). No entanto, a empresa de reconversão de um partido comunista ortodoxo em seus lineamentos com a Revolução Russa se revelou uma tarefa nada 206 As esquerdas na legitimação parcial das democracias fácil, contribuindo, pelo contrário, para a catalisação de conflitos internos latentes que levaram à crise partidária e à cisão de dirigentes importantes. No es una tarea fácil, no es un cambio pequeño. Representa una revolución en nuestras concepciones que, aunque están en nuestros documentos, siempre las consideramos una consigna y un deseo y no una tarea posible y urgente, como en cambio lo vemos ahora (Jaime Pérez, 1996, p. 182). Aos impactos da crise do socialismo vieram se somar as conseqüências negativas estruturais do desenvolvimento capitalista na fase histórica de reformas econômicas neoliberais. Este avanço neoconservador enfraqueceu ideologicamente as possibilidades de reconstrução de alternativas socialistas dentro do capitalismo devido à dupla crise da sociedade salarial e do Estado de bem-estar. As tendências para a flexibilização das relações de trabalho capitalistas clássicas, a redução do papel do Estado na redistribuição da riqueza e a perda da garantia de direitos sociais e universais favoreceram as tendências para a fragmentação e a exclusão social de amplos setores subalternos. Estas mudanças deixaram de manifesto os novos desafios de uma alternativa socialista de representação política dos interesses sociais. Isto se vislumbrou sobretudo por um duplo processo de, por um lado, mudanças estruturais que reduziram notadamente a magnitude quantitativa dos assalariados capitalistas fabris e, por outro, de quebra da centralidade da organização sindical na representação dos interesses sociais. Estes processos, junto com a fragmentação das propostas socialistas da esquerda, recolocaram a centralidade da vinculação direta entre sindicalismo e partidos de esquerda. De outro lado, a reorientação das esquerdas no sentido da representação dos interesses sociais dos setores não organizados e a adaptação ao novo contexto social da época não foram nada simples. De fato, a adesão nesses setores sociais dependeu de novas formas de mediação política onde incidiram mais a marca da liderança pessoal e a capacidade de comunicação na mídia do que as estruturas partidárias de massas tradicionais dos partidos socialistas. Além disso, dentro dos novos desafios, destacou-se a necessidade de ter uma estrutura organizacional flexível de mediação política devido ao caráter flutuante do aparecimento de novas formas de mobilização e de demanda social. 207 Capítulo 5 Outra dificuldade na reconversão ideológica do socialismo esteve constituída pela vocação internacionalista num mundo multipolar com referentes heterogêneos de esquerda no âmbito latino-americano e internacional, e por sua compatibilização com a crescente nacionalização das esquerdas. A revalorização por parte da esquerda socialista do desenvolvimento nacional e do papel do Estado teve lugar num contexto globalizado adverso sob a hegemonia do sistema capitalista que reduziu as margens nacionais de controle dos recursos econômicos e que questionou a regulação estatal do mercado. A confluência entre as lutas nacionais populares e socialistas no marco democrático supôs uma reconceituação de uma democracia à Rousseau com uma forte marca igualitarista que não compatibilizou muito bem com as experiências de democracia representativa liberal e com as condicionantes do capitalismo nessa fase histórica. OS LIMITES DO DESENVOLVIMENTO DEMOCRÁTICO As fraquezas da identidade frenteamplista A tensão entre a institucionalização partidária da coalizão e a definição de um movimento político mais flexível se manteve ao longo do tempo. Porém, as tendências para uma maior institucionalização política não foram o elemento que conferiu consistência à referida força, percebendo-se, pelo contrário, uma maior unidade da identidade frenteamplista nas pertenças cidadãs ao movimento. Creo que esta tensión no ha sido resuelta, desde el punto de vista real, el Frente es una formidable coalición y es, en su pueblo, un formidable movimiento, pero desde el punto de vista práctico, los que mandan son las resultantes de valores de los coaligados, pero que está muy cimentada esa coalición porque nadie puede renunciar al formidable peso que tiene el Frente movimiento, la unidad no está asegurada de arriba, está asegurada de abajo, el que se va, pierde. Para mantenerse como movimiento, no lo tengo claro. Cuando las papas queman lo veo como movimiento, cuando vienen tiempos de calma chicha es una coalición. De que pueda resolver este problema depende su poder, pero no tengo la respuesta clara (dirigente da Frente Ampla, Montevidéu, 2000, grifo nosso). 208 As esquerdas na legitimação parcial das democracias Os debates sobre a reestruturação orgânica e as crises internas sofridas pela coalizão geraram, no entender do líder histórico da FA, um clima de “indefinição estratégica” que dificultou a tomada de decisões políticas e as orientações de longo prazo. A denúncia sobre a exacerbação das diferenças internas, a disputa entre as frações e setores políticos, as discrepâncias quanto às estratégias de alianças e aos lineamentos políticos, a crescente concorrência setorial por cotas de poder nos comitês de base e as disputas pessoais entre líderes foram alguns dos pontos assinalados no momento da renúncia de Líber Seregni à presidência da FA. Esta circunstancia me resulta particularmente ingrata (...) No podré participar de las discusiones sobre estrategia y conducción de nuestro FA. Porque es absolutamente necesario abordar esos temas ahora, sin pérdida de más tiempo, si queremos realmente afirmarnos como un fuerza y no derivar en un conglomerado de fracciones y tendencias. Hemos perdido presencia y contundencia en el escenario nacional. Perdimos iniciativa y llegamos tarde a las decisiones. Votamos divididos (Seregni, 5-2-1996 Montevidéu, em Blixen, 1997, p. 216). O crescimento da força eleitoral e a institucionalização da representação partidária das bases do movimento ocorreram, paradoxalmente, no contexto de queda efetiva da participação dos militantes políticos nos anos 90 (Yaffé, 2001, p. 26). Ao mesmo tempo, a participação ativa nas estruturas políticas de cidadãos frenteamplistas sem adesão a nenhuma das organizações partidárias se transformou num grupo testemunhal e sem incidência interna. Outro problema visualizado com respeito ao desenvolvimento da FA foi o referido à sucessão de lideranças internas e à emergência na esquerda uruguaia de um tipo de liderança política carismática de forte convocação pessoal e na mídia. Com efeito, a presença da liderança de Vázquez foi interpretada como uma mudança relevante na condução política da estrutura da coalizão ao ser uma figura que se afastou marcadamente das lideranças intermediárias, impondo-se sobre as estruturas setoriais. Pero se produce una distancia tan grande entre los escalones del liderazgo máximo y de los liderazgos sectoriales muy pronunciada, situación que no existía en el 71, aún cuando la figura de Seregni ya se perfilaba como un elemento más aglutinador, pero estaban todavía figuras históricas de la izquierda uruguaya cargadas de mucha historia, de valor intelectual en su mayoría, que hoy se diluyen; no desaparecen, pero se 209 Capítulo 5 diluyen frente a esa gran distancia que hay con la opinión pública sobre el liderazgo de Vázquez, lo que le da pie a él para actuar de free lance (dirigente do Encontro Progressista - Frente Ampla, Montevidéu, 2000, grifo nosso). A liderança pessoal de Vázquez foi percebida positivamente no sentido de renovação política da esquerda devido a sua imagem pública com forte convocação popular e adesão cidadã propiciadas, por sua vez, por um estilo de condução mais pragmático no que se refere às resoluções dos problemas vinculados ao governo (sobretudo a experiência da prefeitura capitalina) e pela direção efetiva dos lineamentos políticos da coalizão. Mas a referida liderança também foi notada como um “perigo” para a esquerda por causa da excessiva concentração de poder e personalização da política adquiridas. Tabaré Vázquez es un hombre que tiene un poder muy grande de comunicación con la gente. Mi explicación casera es que saca partido de su profesión. Su punto fuerte es entender a la gente. La limitación que tiene es que carece de oficio político. Además, tampoco es un militante de larga data. Tiene una peculiaridad positiva y peligrosa: es el primer tipo que veo en la izquierda que pelea en cancha grande y que pelea para ser gobierno. ¿Por qué peligroso? Eso, naturalmente, le da poder y los hombres con mucho poder siempre son peligrosos, más que por sí mismos, por el conjunto que los rodea. Creo que es un hombre de izquierda. Claro, de la izquierda mayoritaria de lo que es el Uruguay de hoy. Pero el Frente siempre fue una fuerza reformista, desde que se fundó. El Frente se presentó a la sociedad con un programa popular de reformas dentro del capitalismo (Mujica em Campodónico, 1999, p. 164-165). A tendência para o enfraquecimento da consistência ideológica da esquerda no longo prazo foi o outro tipo de problema que se manifestou na FA. De fato, a articulação da oposição priorizando cada vez mais os objetivos eleitorais no intuito de melhorar as possibilidades de acesso ao governo foi visualizada como uma dificuldade para manter os lineamentos políticos programáticos de esquerda e como ameaça de um crescente deslocamento para o centro-esquerda, principalmente a partir da construção do EP. Yo soy un crítico del Encuentro Progresista, un defensor del frenteamplismo, este último documento de Tabaré Vázquez nosotros no lo firmamos como MPP, y no lo hicimos porque, en realidad, le hacía perder identidad al Frente Amplio, en el Encuentro Progresista no aparecen organizaciones de base y creo que el Encuentro 210 As esquerdas na legitimação parcial das democracias uno podría admitirlo como un nivel de alianza pero que, en realidad, no tiene una identidad histórica, ni una profundidad, es un mecanismo electoral y agravado en los últimos tiempos porque el Encuentro Progresista tiene sectores, como el de Nin Novoa, que plantean transformar el Encuentro en una fuerza de centro- izquierda, con objetivos evidentemente electoralistas, yo discrepo, el Frente siempre fue una fuerza de izquierda, no de centro-izquierda, eso es confuso, no me parece correcto, cuando ingresaron al Frente no decían que eran frentistas, pero no decían que querían cambiar la orientación del Encuentro Progresista, transformarlo en una fuerza de centro-izquierda, y va a ser el candidato a vice (dirigente da Frente Ampla, Montevidéu, 2000, grifo nosso). A passagem desde um papel de oposição frontal para a assunção de responsabilidades de governo na capital foi percebida como outra ameaça de desvirtuamento dos objetivos do movimento político. Isto se exprimiu de duas formas: pela crescente dependência do partido e dos dirigentes com respeito ao Estado e pela atenuação das reformas programáticas a partir da experiência do governo municipal. Uno de los riesgos del FA es que crezca no a través de los aparatos partidarios, sino del estado, dicho de otra manera, que solo los que están vinculados funcionalmente al Estado, o a la Intendencia puedan hacer política, que los protagonistas políticos sean los legisladores, los cinco secretarios políticos que tiene cada legislador, o los ediles, o los directores de la Intendencia, o sea, yo creo que eso es fatal, cuando ocurre que la política la hacen sólo los funcionarios, los que reciben una renta estatal, sea parlamentaria, sea municipal...creo que hay una incipiente estatización de la vida del Frente también, vas a la mesa política y la mayor parte son dirigentes rentados, o que están en comisión. Ese es un riesgo, en el largo plazo establece un riesgo de burocratización que debe ser contrapesado con una gran trasparencia y la posibilidad que opine quien no tenga relaciones de dependencia. No puede tener larga vida una institución política que no tenga sus raíces implantadas en la propia sociedad (dirigente da Frente Ampla, Montevidéu, 2000, grifo nosso). A redução dos alcances do processo de descentralização municipal para uma desconcentração burocrática, a falta de poder de convocação para a participação de base, como também a concessão em relação à oposição política, que evitou o aprofundamento do processo, constituíram, sob a perspectiva de alguns dirigentes, sintomas de adaptação excessiva e atenuação dos princípios ideológicos e dos objetivos no governo. 211 Capítulo 5 Os limites na base O caminho de radicalização da democracia participativa não esteve isento de obstáculos e problemas. O primeiro empecilho observado foi a defasagem concernente à procura da cidadania ativa em tempos de diminuição da participação direta. Isto foi percebido em múltiplos âmbitos relativos à diminuição da militância partidária e à troca geracional de dirigentes, à restrição da representação aos interesses dos movimentos sociais organizados e à dificuldade do PT em atingir os segmentos sociais não organizados. Nesse sentido, um aspecto apontado foi o constituído pelos impactos diferenciais obtidos na implementação dos orçamentos participativos. Apesar de o modelo político aplicado ser o mesmo, os resultados positivos e negativos na administração dos municípios estiveram ligados à existência ou não de tradições de participação comunitária e associativa local e às formas de articulação com a estrutura estatal. Na implementação dos denominados orçamentos participativos foram percebidos também problemas institucionais derivados de conflitos de interesses ou de concorrências entre os executivos municipais, as câmaras legislativas e os órgãos de participação direta. Da mesma forma, influiu nos resultados obtidos o grau de articulação entre os elencos de governo e os quadros dirigentes partidários locais. As dificuldades dos projetos de democratização participativa do poder local estiveram determinadas também pelo fato de que esses projetos colidiram com uma tradição de patrimonialização do estado brasileiro baseada em três traços típicos: a não diferenciação entre espaço público e privado; a ausência de contrato social exprimida na preeminência de um Estado tutelar, cooptador e clientelístico; e a dualidade entre o funcionamento das instituições “reais” e as estruturas formais (Fedozzi, 1997, p. 196). Nesse sentido, a democracia participativa se conformou como um projeto de reforma do Estado, de despatrimonialização do mesmo para a construção de uma esfera pública e de uma co-gestão dos recursos públicos com a sociedade. Esses desafios foram enormes se se levar em consideração, além disso, a fraca implementação da tradição cidadã efetiva no país. 212 As esquerdas na legitimação parcial das democracias A esse legado histórico vieram se somar as restrições econômicas impostas aos municípios pelas reformas neoliberais da Federação brasileira na década de noventa. Essas condicionantes afetaram os alcances redistributivos de recursos públicos do modelo participativo local (o denominado “investimento das prioridades” para fins sociais nas políticas públicas). A escassez de recursos públicos afetou a compatibilização do postulado de universalização do acesso aos serviços públicos com uma manutenção dos níveis de qualidade dos mesmos para toda a população. Além disso, a deterioração da qualidade dos serviços terminou, às vezes, prejudicando a vinculação com setores sociais que constituíram o apoio eleitoral dos governos. Outra dificuldade muito concreta é que nós começamos a experiência já em um momento de crise de financiamento do Estado brasileiro, que depois nos últimos anos foi agravada pela reforma neo-liberal que no caso da federação brasileira teve efeito, ajustando o orçamento dos estados e dos municípios. Isto dificulta bastante porque evidentemente a participação política da cidadania num país com tantas carências básicas, porque não tem a possibilidade de disputar os fundos públicos e canalizá-los para as comunidades se esses fundos são muito reduzidos... Na maioria dos governos, a inversão das prioridades se fez desde o ponto de vista administrativo, aplicar os recursos públicos onde são mais necessários, ou onde as carências são maiores, em saúde, educação, cultura, etc. Estes fins não sempre conseguimos desde o ponto de vista político, que essa inversão em prioridades fosse bem compreendida e bem aceitada e apoiada pelos setores sociais que nos votaram. Na prática vai em detrimento da classe média, da classe média assalariada, é claro que nas favelas têm uma carência muito maior, mais aguda. A dificuldade é sempre como combinar a inversão em prioridades sociais com a base ideológica e social dos governos e há experiências justas de fracasso. (dirigente do PT, São Paulo, 1999, grifo nosso) A VALORIZAÇÃO DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA Além das dificuldades dos diversos caminhos percorridos pelas esquerdas para a incorporação da questão democrática, constatou-se uma reorientação discursiva geral de valorização da importância da democracia representativa a partir da experiência autoritária. Essa reorientação atitudinal positiva se deu pela valorização do funcionamento das instituições políticas da democra- 213 Capítulo 5 cia liberal – principalmente do Congresso e do Poder Judiciário – e do exercício dos direitos políticos e civis cidadãos. O primeiro governo pós-transição democrática na Argentina teve um papel emblemático na reafirmação democrática de um poder civil reconhecido pela cidadania a partir da iniciativa de juízo às Juntas governamentais da última ditadura militar e de defesa dos direitos humanos. O julgamento dos responsáveis pela violação dos direitos humanos e da escalada autoritária reafirmou os princípios de convivência plural e os direitos cidadãos da democracia representativa. A consolidação das instituições políticas da democracia liberal – após 50 anos de instabilidade política crônica agravada pela contínua sucessão de golpes militares – e a legitimidade dos governos eleitos pela cidadania foram vitórias valorizadas pelos atores políticos. Creo que en el gobierno de Alfonsín se pone en marcha, consolida un a primer etapa constitucional, creo que hace algo fundamental como hecho paradigmático inclusive para América que es el juicio a las Juntas y los Derechos Humanos, viendo las cosas que pasan acá cerca, después del juicio a las Juntas, en la Argentina el tema de lo que pasó durante la dictadura militar no es tema en discusión, digamos, acá no se puede discutir si está bien o está mal. Está mal, nadie puede levantarse y decir: “no, porque la guerrilla mataba gente...”, no, no, nadie puede matar gente. La democracia legitimó una cantidad de valores que quedaron cristalizadas en un montón de gente que en la época de la dictadura miraba para arriba y que te cerraba la puerta en la cara, pero hoy, yo creo que eso hay que agradecérselo a Alfonsín porque cuando vos ves que en otros lados todavía hay temas en discusión, en la Argentina no y esto se percibe y me parece como un sustantivo que creo que no es un problema de Alfonsín ni de todos, es un problema de la política (dirigente da Frente Grande, Bs.As., 1999, grifo nosso). Os efeitos da repressão autoritária das ditaduras do Cone Sul sobre os partidos de esquerda favoreceram um processo de revalorização da democracia liberal formal e de recuperação dos valores da democracia por parte das esquerdas. Com efeito, as esquerdas no Brasil, por exemplo, passaram de uma postura crítica da democracia burguesa na década de 70 para uma defesa da mesma nos anos 80. Nesse processo, a democracia passou a ser valorizada como uma meta a ser atingida em contraposição às tradições autoritárias. Assim, a democracia foi visualizada como o regime mais adequado a fim de garantir as liberdades públicas como também o reconhecimento e a extensão 214 As esquerdas na legitimação parcial das democracias dos direitos civis e sociais das maiorias populares oprimidas. A democracia começou a ser concebida como um fim político e estratégico em si mesmo (e não como simples meio) através do qual a luta pelo funcionamento das instituições políticas democráticas se fusionava com a recuperação de um sentido social pleno de reconhecimento dos direitos cidadãos. O PT já nasceu com propósitos radicalmente democráticos. Surgimos combatendo a Ditadura Militar e a opressão burguesa, exigindo nas ruas e nos locais de trabalho o respeito às liberdades políticas e aos direitos sociais. Crescemos denunciando a transição conservadora e construindo as bases da soberania popular. Em dez anos de existência, o PT sempre esteve na vanguarda das lutas pela democratização da sociedade brasileira. Contra a censura, pelo direito de greve, pela liberdade de opinião e manifestação, pela anistia, pelo pluripartidarismo, pela Constituinte autônoma, pelas eleições livres e diretas. Tornamo-nos um grande partido de massas denunciando a expropriação dos direitos da cidadania pelo poder do Estado, o atrelamento dos sindicatos ao aparato estatal, o imposto sindical... Na raiz do nosso projeto partidário está, justamente, a ambição de fazer do Brasil uma democracia digna desse nome. Porque a democracia tem, para o PT, um valor estratégico. Para nós, ela é, a um só tempo, meio e fim, instrumento de transformação e meta a ser alcançada. Aprendemos na própria carne que a burguesia não tem verdadeiro compromisso histórico com a democracia. A relação das elites dominantes com a democracia é puramente tática, elas se socorrem da via democrática quando, pragmaticamente, lhes convém. Na verdade, a democracia interessa sobretudo aos trabalhadores e às massas populares. Ela é imprescindível, hoje, para aprofundar suas conquistas materiais e políticas. Será fundamental para a superação da sociedade injusta e opressiva em que vivemos (7º Encontro Nacional, 1990, em PT: 1998; p. 429, grifo nosso). No Uruguai também se produziu a reafirmação das tradições democráticas prévias perdidas durante a década de 70, com um sentido histórico de reconhecimento da importância da recuperação do funcionamento pleno das instituições representativas e das liberdades democráticas que se tinham conquistado no decorrer da história política nacional. Esse processo de reconstrução da democracia uruguaia foi valorizado também como uma conquista política da Frente Ampla devido a ser, essa força, um protagonista direto da transição. La tarea después de esa larga noche, la tarea que comienza en el 84 y que se afirma a partir del 85 es la afirmación de la democracia, y el intento de corregir y de suplir el vacío que provocó fundamentalmente desde el punto de vista cultural, los doce años de dictadura, de pérdida de valores culturales y no hemos recuperado los ni- 215 Capítulo 5 veles que teníamos antes. Pero, las etapas posteriores reconocieron la afirmación de la democracia como forma efectiva de vida y el intento de recomposición de la actividad democrática en esos valores (dirigente histórico da FA, Montevidéu., 2000, grifo nosso). Esse processo de revalorização da democracia como sistema pluralista de convivência política e social ocorreu tanto pela preferência indiscutível com respeito a outros regimes autoritários quanto pela opção em relação ao sistema em si mesmo que devia ser aprofundado em seu funcionamento a fim de garantir efetivamente os princípios igualitários do mesmo. Bueno, los logros son en un marco de tolerancia institucional y formal, cierto margen de libertad de opinión, de informarse, de organizarse, de decir. Es un escalón superior incomparable con el régimen de facto acontecido, que en general no se le da importancia hasta que se le pierde, hasta antes de perderlo y después se le da importancia. No estoy en la mitad del camino entre las versiones fascistoides y la democracia burguesa, creo que sinceramente es un escalón muy superior cuyo defecto más flagrante sea no cumplir lo que promete totalmente. Creo que el liberalismo político…, mi discrepancia no es con el liberalismo, es por poco liberalismo que la igualdad de iniciación y de derechos que promete y que formalmente asegura, en la realidad tangible no se cumple, con lo cual le estoy diciendo que una sociedad mejor sería a raíz de profundizar y conservar eso (dirigente do MLN, Montevidéu, 2000, grifo nosso). AS CRÍTICAS ÀS INSUFICIÊNCIAS DO DESENVOLVIMENTO DEMOCRÁTICO O processo de legitimação parcial das democracias emergentes por parte das esquerdas teve lugar devido à conjunção entre a valorização da democracia e a crítica à diversas limitações do desenvolvimento democrático atingido. Assim, foram assinalados aspectos negativos vinculados à herança política passada como, por exemplo, características antidemocráticas da política tradicional (personalismo, clientelismo, caudilhismo, existência de estruturas partidárias hierárquicas, etc.) ou déficits institucionais dos processos de consolidação política (decisionismo executivo, fraqueza do sistema representativo e judiciário, entre outros). 216 As esquerdas na legitimação parcial das democracias Na Argentina, manifestou-se uma preocupação recorrente pela “degradação da política”, entendida como o esvaziamento do sentido democrático do âmbito público decorrente da fraqueza das instituições políticas perante o poder econômico concentrado e da crescente extensão de formas de exclusão social ou política que corroeram os valores democráticos e desnaturalizaram a participação cidadã. A crítica se centrou também no modo “gerencial da política”, “corrosivo”, em função do qual os dirigentes políticos se autonomizaram dos cidadãos, transformando-se em “operadores” de interesses econômicos. La concesión del poder al poder económico lo cual implica quienes tienen el centro del poder no son necesariamente los electos por el pueblo sino los que disponen de capacidad económica para el curso de la decisión del estado. La principal condicionante es la consolidación de un estado económico que termina de hecho reemplazando al proyecto que el pueblo votó. Las restricciones que ha tenido sobre las instituciones políticas es que reemplaza el eje de decisión, quienes deciden no son los electos, la democracia es un sistema en el cual la gente decide que un conjunto de individuos lleve adelante lo que ellos, la gente, considera qué es lo que hay que hacer, cuando esto está falseado, se falsea la democracia, se eligen representantes que en realidad hacen lo que el poder económico quiere hacer, me da la impresión que este cambio de centro de gravedad, del poder del estado al poder de los intereses particulares es un debilitamiento profundo que tiende a llevar la democracia a un proceso gestual, formal, procesal (dirigente socialista, Bs.As., 1999, grifo nosso). No Brasil, foram assinalados múltiplos déficits da democracia representativa vinculados a traços autoritários da política tradicional e a deformações da representação política e da delegação de poderes. Um dos limitadores mais referido foi o relativo ao presidencialismo exacerbado, exprimido num predomínio das decisões do executivo com respeito ao Congresso e ao Poder Judiciário. Também foram criticadas a falta de submissão à Constituição, a desqualificação da oposição política e a permeabilidade em relação às ingerências do poder econômico. Outra crítica ao funcionamento das instituições da Democracia liberal foi a referida ao centralismo do Estado brasileiro e à distorção da representação política dos estados membros da Federação que reproduziu relações assimétricas internas no país. Até hoje não logramos construir uma Democracia como verdadeiro regime de presença e participação popular, voltado para representar e atender aos anseios e 217 Capítulo 5 demandas da cidadania. Abalaram-se as esperanças democráticas que nutríamos com a Constituição de 1988. Ela tem sido cotidianamente ignorada, descumprida e ultrajada. Ao invés de Presidentes da República submetidos ao império da Constituição, temos chefes de Estado prescindindo a reforma permanente da Constituição, visando a adaptá-la aos seus interesses mais imediatos e mesquinhos, e aos interesses dos grupos nacionais e internacionais que dão a tônica de seu governo. O regime democrático vem sendo alvo de restrições e ameaças. O Executivo sobrepõe-se aos demais poderes, o direito de associação sindical e a liberdade partidária são colocados na alça de mira de um projeto que visa a reduzir a cidadania e os espaços da atividade política para finalmente eliminar o pluralismo político, partidário e ideológico, sem o que não há democracia representativa digna de honesta consideração (Manifesto Conselho da Frente Democrática e Popular, 1999, p. 6, grifo nosso). Outro tipo de deficiência do sistema político democrático esteve ligado a traços do sistema partidário e dos políticos. Assim, apontou-se a fraqueza da estrutura orgânica dos partidos e a falta de filiações partidárias estáveis dos políticos. Também foram notados resquícios autoritários pela presença de fortes lideranças pessoais e de caciquismo clientelístico na cultura política brasileira. Os condicionantes expressados para a consolidação da democracia no Uruguai salientaram sobretudo as questões pendentes da ditadura em matéria de direitos humanos e as concessões de “impunidade” outorgadas aos militares. Além disso, as expectativas otimistas colocadas na democracia foram substituídas por uma crescente descrença e um mal-estar cidadãos acentuados pela pouca satisfação das demandas econômicas e sociais precedentes. Y la condicionante básica fue el factor militar. Y yo diría que después hay una condicionante que tiene que ver con, que es de otra característica, el proceso de reapertura democrática generó tentativas que no se vieron colmadas por los cambios económicos y sociales después, esto generó desencanto. Éstas dos condicionantes son de distinta naturaleza: en un caso estamos hablando de un factor de poder, en otro caso estamos hablando de la expectativa democrática. En este último caso está muy vinculado a la capacidad de respuesta que han tenido, o no han tenido los gobiernos a demandas de las mayorías en materia, de por lo menos, bienes básicos, ese es un problema que tiene que ver con la riqueza y la pobreza y del desarrollo, y demás. El otro factor es la transacción que da origen a la salida y opera como una restricción importante que ha estado presenta hasta la actualidad, tiene que ver con las cuestiones pendientes, relativas a la dictadura y que quedaron pendientes. Básicamente en derechos humanos (dirigente da FA, Montevidéu, 1999, grifo nosso). 218 As esquerdas na legitimação parcial das democracias Estes fenômenos de crescente mal-estar cidadão com a política se relacionaram à degradação das tradições civilistas liberais nos governos pós-transição devido à emergência de fenômenos de corrupção como também à progressiva substituição do culto da virtude cívica de respeito à lei e aos princípios liberais pela razão de estado e de governabilidade institucional. O peso crescente do poder econômico na política e os condicionantes da implementação das reformas neoliberais dos anos 90 foram percebidos como imposições da economia à democracia que se exprimiram numa crescente dívida social e em múltiplas formas de exclusão social. Nesse sentido, os déficits sociais da democracia argentina se vincularam à perversa articulação entre um modelo econômico concentrador e excludente com uma política degradada pelos interesses pessoais e particulares. Menem agarró el cuchillo y le dio hasta el hueso, cirugía sin anestesia, un proceso de reforma del estado pactado con los grupos económicos y le dio las empresas del estado, o sea, hizo un proceso de estabilización, de apertura, el consenso de Washington lo aplicó con Cavallo de la manera más disciplinada y salvaje en el país. El resultado está a la vista, 13 millones de pobres, 4 millones y medio de argentinos con problemas de trabajo, se vendió todo el patrimonio nacional y la deuda externa creció al doble de cuando ellos asumieron,...se estabilizó la economía, pero...así está el precio, nadie quiere inflación, pero ¿a qué precio? Y bueno, con la corrupción y la frivolidad, las dos caras del menemismo, una disciplina rigurosa para aplicar en lo económico y lo otro al lado la farándula y la corrupción...si hay un dato de la realidad es que el menemismo ha cambiado el país, eso sin duda, este modelo económico y social cambio la Argentina, es otra Argentina, la concentración económica que produjo este modelo es impresionante (dirigente socialista, Bs.As., 1999, grifo nosso). A vulnerabilidade democrática foi percebida justamente no nível da sociedade. Sob a perspectiva da oposição, as elites políticas governantes têm permanecido insensíveis nesta temática, implementando um modelo de desenvolvimento econômico que aprofundou a dependência externa e a desigualdade social. A exclusão social, agravada no governo FHC, é, porém, uma característica do modelo de desenvolvimento implantado pelas elites brasileiras, desde sempre subalternas, desvinculadas dos interesses da nação ou dos direitos de seu povo, com o qual jamais se identificaram. Ele apenas agravou. Pois a sociedade brasileira foi construída sob as marcas de um profundo apartheid social, de uma renovada dependência externa e de uma brutal devastação do patrimônio natural. Desse pro- 219 Capítulo 5 jeto FHC é fiel servidor (Manifesto Conselho da Frente Democrática e Popular, 1999, p. 7). À referida exclusão social se acrescentou um ingrediente adicional que foi a influência conservadora da mídia que reproduziu o discurso econômico dominante. Com efeito, o denominado quarto poder teve, desde a interpretação das esquerdas, um papel conservador de reprodução das desigualdades econômicas e políticas na sociedade, impedindo a democratização efetiva da opinião pública e abdicando da função de crítica do poder instituído. Salvo honrosas exceções, os meios de comunicação de massas se esquecem dos episódios em que contribuíram para o fortalecimento da democracia e se prestam, hoje, ao papel de defensores incondicionais desse modelo, abdicando da vocação informativa e crítica que compete à imprensa. Discriminam a oposição e adotam o discurso único, unilateral, de defesa do governo e do sistema. O diálogo, o debate, o contraditório foram suprimidos. Os diversos veículos de nossa grande imprensa transmitem uma só voz, reproduzem um só pensamento. A voz do governo e o discurso monocórdico do neoliberalismo (Manifesto Conselho da Frente Democrática e Popular, 1999, p. 14). 220 CONCLUSÃO A questão central da presente pesquisa consistiu em abordar a relação entre democracia e esquerda na experiência democrática das décadas de 80 e 90 no Cone Sul da América Latina. A principal hipótese que orientou o trabalho foi a de que teria se dado um tipo de integração parcial das esquerdas ao sistema político democrático, supondo, essa integração, uma recomposição da relação das esquerdas em democracia devido à confluência de um duplo percurso histórico. De um lado, uma nova fase de democratização que conferiu maiores possibilidades de participação das esquerdas e, de outro lado, a ocorrência de transformações internas no campo ideológico das esquerdas que revalorizou a democracia como meio e fim da ação política. A referida confluência de processos acarretou, aliás, efeitos recíprocos de incorporação de novos significados para o desenvolvimento democrático. As democracias emergentes no Cone Sul ofereceram um marco institucional de maior inclusão política num contexto de mudanças econômicas, sociais e ideológicas estruturais. Isto implicou desafios crescentes e exigências externas de adaptação das propostas e iniciativas de ação no campo da esquerda. De fato, a consolidação político-democrática teve lugar num contexto de fragilidade do desenvolvimento econômico e de fragmentação do tecido social, o que limitou as margens de ação das instituições políticas. Às referidas mudanças sócio-econômicas estruturais veio se somar um contexto internacional de crise das matrizes ideológicas do socialismo real, o que colidiu nas identidades de esquerda, tornando necessária uma redefinição das mesmas. 221 Conclusão Esta superposição de mudanças políticas, econômicas e sociais determinou a crescente necessidade de adaptação dos princípios ideológicos da esquerda num clima de alta incerteza política. A participação da esquerda no jogo democrático sob a forma de um tipo de integração ou adaptação ao novo contexto democrático foi um problema amiúde apontado na literatura embora insuficientemente desenvolvido no referido a suas implicâncias teóricas sobre a democracia. Nos enfoques clássicos, a referida participação era um problema reduzido à esfera política, onde as esquerdas eram visualizadas como agentes disfuncionais ou como um tipo de integração precária em relação à democracia política. No entanto, argüiuse que as referidas perspectivas eram insuficientes para compreender os processos históricos de incorporação das esquerdas às democracias. Nesse sentido, foi assinalada a necessidade de incorporar enfoques alternativos mais amplos que pudessem dar conta da construção social dos agentes políticos e das relações entre a representação política e social. Também foi colocada a potencialidade das perspectivas comparadas dos processos políticos para explicar a inter-relação entre os fatores explicativos estruturais na configuração dos campos ideológicos e a capacidade de invenção da ação política através de sujeitos e identidades históricas concretas. A comparação entre as esquerdas e o centro-esquerda evidenciou a existência de cinco fatores-chave de diferenciação entre ambas correntes: a ruptura com a tradição versus uma coabitação com as identidades políticas tradicionais; a relação orgânica com o sindicalismo versus uma vinculação mais lassa; a ligação articulada com os movimentos sociais em contraposição a uma relação mais autônoma; a orientação favorável à institucionalização partidária em oposição à autonomização das elites políticas; e a oposição frontal versus a coabitação com o governo nacional. A despeito das diferenças ideológicas e das diversas trajetórias históricas, o elemento comum às duas correntes esteve constituído pela participação das mesmas nesta fase de democratização, o que foi interpretado como um fator de contribuição para a desejabilidade e a legitimação democráticas. De fato, as referidas forças foram percebidas na literatura como agentes políticos que fortaleceram a capacidade de mediação dos sistemas políticos, tanto no referido aos mecanismos de representação e participação política quanto no relativo à canalização e representação de interesses sociais. 222 Conclusão A integração parcial das esquerdas em democracia não foi um mero processo de adaptação ou assimilação acrítica dos princípios da democracia liberal, supondo, pelo contrário, processos internos de reconversão política das esquerdas incorporando a questão democrática. Esses processos se exprimiram em três planos superpostos. No âmbito político-institucional produziu-se uma crescente participação das esquerdas na concorrência eleitoral e institucional por cotas de poder no sistema político. Porém, esses avanços na representação política foram parciais, constituindo minorias desafiadoras contra maiorias políticas conservadoras num clima de época inundado pelo neoliberalismo. A fase de consolidação política emergente no Cone Sul da América Latina esteve acompanhada por realinhamentos ideológico-eleitorais nos sistemas partidários latino-americanos durante a década de 90. Esses realinhamentos político-ideológicos se exprimiram num avanço histórico da esquerda em relação a períodos precedentes em termos de integração política e de concorrência eleitoral nas democracias. Os casos de estudo selecionados mostraram dois exemplos de avanço das esquerdas em qualidade de pólos autônomos e diferenciados e um exemplo de reconversão em direção ao centro-esquerda. De um lado, nos processos de deslocamento de correntes de esquerda para o bloco de centro-esquerda – exemplo do caso argentino – confluíram vários fatores como o esvaziamento e cisões do populismo, a crise do radicalismo, a incorporação do socialismo reformista e a exclusão dos setores orgânicos do partido comunista e das correntes de esquerda insurrecional. De outro lado, foram registradas trajetórias de consolidação de núcleos políticos consistentes de esquerda no Brasil e no Uruguai. No Brasil, esse processo teve lugar a partir da conformação de uma nova esquerda integrada pelo Partido dos Trabalhadores como pólo socialista aglutinante. Também essa emergência de novas esquerdas foi complementada pela reconversão das tradições de esquerda do trabalhismo, do socialismo e do comunismo. A trajetória do campo da esquerda no Uruguai se produziu mediante a expansão gradual e progressiva a longo prazo e através de seu agrupamento num pólo convocador no que coabitou uma pluralidade de correntes de esquerda. Esses avanços na cena eleitoral não acarretaram impactos imediatos nem de mesma importância sobre a representação política. No casos argenti- 223 Conclusão no e brasileiro, os avanços no Congresso foram modestos, atingindo-se bancadas parlamentares minoritárias. Já no Uruguai o avanço foi muito mais profundo, pois se consolidou uma oposição política poderosa com a principal bancada parlamentar. Os impactos limitados da expansão eleitoral também estiveram ligados a uma representação territorial desigual. Em geral, as esquerdas se expandiram politicamente nos centros urbanos maiores e médios e nas áreas mais desenvolvidas, canalizando os movimentos de contestação política num contexto de modernização regressiva e conservadora. Apesar da extensão desigual de suas bases eleitorais, produziram-se processos de crescente nacionalização dos partidos de esquerda (PT, FA e, em menor medida, também o FG). Neste ciclo de expansão das esquerdas, produziram-se avanços políticos mediante o acesso às primeiras experiências de governo em distritos municipais de forte concentração urbana e econômica, o que lhes conferiu uma visibilidade crescente nos sistemas políticos. O caráter restrito dos impactos sobre a representação política esteve relacionado também à consolidação política da representação dos setores de direita conservadora nos sistemas políticos nacionais. De um lado, no caso argentino, o deslocamento para o centro-esquerda não impediu a crescente influência de setores de direita tradicional e neoliberal na esfera governamental para além das mudanças de elencos partidários. De outro lado, nos países onde se constituiu um núcleo de esquerda com marcada presença política, produziu-se em contrapartida a unificação das direitas. Com efeito, no Brasil, observou-se uma consolidação do espaço governativo controlado pela direita enquanto que, no Uruguai, catalisou-se uma unificação conservadora mais forte entre os partidos tradicionais. Portanto, apesar de constatar-se um avanço político inédito das esquerdas nos regimes democráticos com respeito aos legados prévios, esses avanços foram modestos na representação política hegemonizada por uma maioria conservadora. A integração política parcial foi constatada também nas carreiras políticas dos líderes de esquerda através de uma preeminência do legado histórico do papel opositor e de resistência desde dentro e fora dos âmbitos político-institucionais. Assim, as trajetórias dos quadros dirigentes apresentaram padrões com carreiras parlamentares e partidárias claramente estabelecidas. Além disso, a 224 Conclusão restrita experiência na atividade governativa foi um indicador da permanência da tradição de oposição e de resistência extraparlamentar das esquerdas. Os dirigentes de esquerda dos anos 90 se formaram, majoritariamente, num período histórico de crise estrutural nas décadas de 60 e de 70, num processo de crescente mobilização social e política da América Latina. As opções de afiliação partidária, as alternativas de ação dos partidos de esquerda e os efeitos diferenciais da repressão autoritária sobre os dirigentes de esquerda constituíram fatores centrais para a configuração das fronteiras entre os campos de centro-esquerda e de esquerda, sendo, os casos escolhidos, bons exemplos do deslocamento ideológico entre as referidas fronteiras. Na Argentina, a constituição de um pólo de centro-esquerda esteve ligada tanto a uma maior continuidade em relação a filiações partidárias tradicionais e à ausência de rupturas com as tradições “populistas” quanto à menor presença de tradições socialistas clássicas e à não incorporação orgânica das esquerdas comunistas ou insurretas. A conformação do campo de esquerdas no Brasil e no Uruguai respondeu, de um lado, a processos de ruptura com as filiações partidárias tradicionais e populistas e, de outro lado, à amalgamação e superposição de tradições socialistas e comunistas clássicas, a geração da esquerda insurreta e a emergência de novas esquerdas e centro-esquerdas nas décadas de 80 e 90. As trajetórias estritamente políticas dos líderes das esquerdas dos anos 90 mostraram padrões que privilegiaram visivelmente as atividades legislativas e partidárias sobre as posições de responsabilidade em cargos executivos. Apesar disso, as recentes possibilidades de acesso a responsabilidades de governo, sobretudo em governos municipais e estaduais ou provinciais, ao fazerem-se presentes, alteraram parcialmente a referida tendência nas trajetórias políticas. De outro lado, a quase paridade e continuidade das carreiras parlamentares e partidárias dos quadros dirigentes podem ser interpretadas como indicadores, tanto de uma importante experiência de atuação nos órgãos representativos do sistema político quanto como parte do legado histórico da esquerda clássica de confiança na relevância da carreira partidária como fonte de poder político para-estatal.1 1 Esta constatação pode ser interpretada como um indicador relevante de integração a carreiras políticas “tradicionais” em contraste com uma época e um contex- 225 Conclusão As diferenças encontradas entre as elites de esquerda dos três países foram consistentes com os legados partidários e históricos prévios e recentes em termos de desenvolvimentos políticos relativos de campos ideológicos de esquerda mais ou menos autônomos. Nesse sentido, o caso argentino foi o mais afastado dos três por ter conformado um espaço de centro-esquerda com baixa autonomia relativa em relação às elites políticas tradicionais e à gestão de governo; já as esquerdas brasileira e uruguaia manifestaram uma maior homogeneidade nas carreiras políticas, principalmente nas trajetórias de oposição política aos governos, e uma maior autonomia com respeito às elites políticas tradicionais. Também foi possível observar traços de continuidade e acumulação entre as tradições de esquerda de forma ainda mais acentuada no caso uruguaio do que no brasileiro. Num segundo nível, no âmbito da sociedade, as esquerdas emergiram como agentes políticos de intermediação e agregação de interesses sobre novas e velhas questões sociais. Podemos denominar este nível de atuação das esquerdas como o papel de “tribunos da plebe”, expressão dos interesses dos setores sociais subalternos mais vulneráveis no interior do sistema político democrático. Nesse sentido, foram achadas evidências que confirmaram a tese da integração social parcial das esquerdas, pois as redes associativas estiveram ligadas a velhas e novas questões sociais como também aos vácuos e déficits sociais deixados pela crise do Estado de bem-estar. A análise das formas de recrutamento dos dirigentes das esquerdas enquanto grupo social com “afinidades eletivas comuns” constatou o estabelecimento de uma constelação de redes sociais e enraizamento em bases sociais específicas de sustento. Assim, foram salientadas a potencialidade de intermediação sócio-política e a diversidade de canalização de interesses sociais exprimidas por estas elites políticas. O estudo das posições sociais de origem dos quadros dirigentes permitiu identificar alguns perfis comuns. Com efeito, tratou-se de uma elite masculinizada, de pronto início na vida política, predominantemente metropolito mais global de ascensão de elencos políticos que provinham de fora da política institucional (a figura do “intruso político” tão argutamente descrita por Mills, 1987, p. 223) 226 Conclusão tana, com uma inclinação humanista na formação educativa, com uma alta participação de profissionais universitários, de pessoas ligadas ao mundo da cultura e também de ocupações próprias de camadas populares. A tipologia apresentada de mecanismos de recrutamento dos dirigentes e de conformação de redes sociais das esquerdas dos anos noventa mostrou alguns padrões comuns e também novidades em relação às tradições de esquerda precedentes e aos referentes de outras partes do mundo. O modo de recrutamento “tradicional” dos elencos de esquerda, definido pela participação em sindicatos de trabalhadores e agremiações estudantis, continuou constituindo uma “marca social” característica das esquerdas. Novamente aqui as diferenças entre centro-esquerda e esquerda estiveram determinadas por distâncias entre uma menor ou maior vinculação direta com as organizações gremiais. Porém, o impacto das mudanças sociais de época não foi alheio às elites políticas. De fato, a análise interna da experiência “sindical” mostrou uma crescente relevância da participação em experiências gremiais no âmbito da educação sobre as organizações tradicionais do mundo do trabalho. Ou, metaforicamente, poder-se-ia dizer que o referido processo se exprimiu numa dupla passagem progressiva do campo para a cidade, de um lado, e da centralidade da fábrica para a centralidade da escola, de outro. Outro mecanismo destacado de recrutamento social das esquerdas (menos discutido na literatura) foi o referido à crescente participação de posições de poder no mundo da educação e da cultura. Assim, o referido mecanismo se apresentou na forma de uma elite com uma vocação política pedagógica intelectual, lembrando o papel do partido de intelectual orgânico gramsciano. Este mecanismo também pode ser interpretado como um modo de adaptação da política às novas condicionantes das sociedades de massas com um peso cada vez maior do capital simbólico na organização da sociedade. Da mesma forma, foi identificada a presença significativa de mecanismos “não-tradicionais” de recrutamento de quadros dirigentes na esquerda. Referimo-nos basicamente a três subtipos: a militância em organizações de direitos humanos, a participação em associações de defesa de direitos de bem-estar social – saúde, habitação, etc. – e outras vinculadas a novas questões ou temáticas sociais – direitos de quarta geração ou de grupos minoritários e excluídos socialmente. Por isso, a intermediação destas redes sociais 227 Conclusão também pode ser interpretada como a incorporação das preocupações da esquerda sobre a justiça e a questão social num novo contexto de transformações estruturais da sociedade. De outro lado, foi apontado que existiram mecanismos “comuns” de acesso à classe política com um peso muito significativo no recrutamento dos quadros políticos da esquerda, sendo, o mais relevante dos mesmos, a identificação da influência da socialização política do núcleo familiar direto (intra e inter-geracional). O tipo de antecedentes de participação política ativa no núcleo familiar direto (par, filhos, pais, avós, etc.) foi um elemento explicativo também das diferenças na constituição das fronteiras entre os campos ideológicos de esquerda e de centro-esquerda, entre tradições de maior ou menor oposição aos governos. A participação política familiar do centro-esquerda argentino esteve mais ligada à inserção em postos de gestão pública enquanto que as esquerdas brasileira e uruguaia registraram antecedentes familiares mais vinculados à militância partidária desde a oposição política. Também foram identificados outros mecanismos de recrutamento que podem ser classificados como tipos de recrutamento globais da classe política na esquerda. Eles são, por exemplo, o ingresso a partir do destaque no desempenho de cargos públicos e estatais, o acesso através de associações ou instituições sociais tradicionalmente vinculadas à organização e mantimento da ordem social (associações de patrões, militares, entre outras) e da participação ativa em Associações sem fins lucrativos, mas com um marcado enraizamento popular (as Esportivas). Em síntese, o estudo dos quadros dirigentes das esquerdas e dos centroesquerdas latino-americanos dos anos 90 mostraram a emergência de agentes políticos com padrões de recrutamento político e uma constelação de redes sociais específicas. Essa potencialidade de intermediação sócio-política se exprimiu através de padrões tradicionais e não-tradicionais de conformação de redes sociais do campo das esquerdas que fizeram referência tanto às desigualdades estruturais do sistema capitalista quanto à nova formação de desigualdades sociais e à crise do Estado de bem-estar social. Por sua vez, foram constatados mecanismos de recrutamento e reprodução dos elencos dirigentes da esquerda típicos da classe política em geral como, por exemplo, a socialização política familiar, as relações com organizações vinculadas ao poder social e o 228 Conclusão estabelecimento de redes inter-pessoais mediante organizações não corporativas e de forte base popular na sociedade. Por último, no nível discursivo das esquerdas se produziu uma reconversão ideológica de incorporação interna da questão democrática e de valorização das instituições políticas. Ao mesmo tempo as esquerdas contribuíram para a legitimação parcial da democracia localizando-se desde a oposição política para denunciar e criticar as imperfeições do sistema político democrático existente. Esse modo de legitimação parcial tinha o sentido marcadamente transformador desde dentro das margens institucionais da democracia, utilizando os canais institucionais com um sentido crítico das insuficiências do sistema, mas, ao mesmo tempo, concebendo a democracia como caminho para realizar as reformas políticas e sociais. As formas de reconversão ideológica do sentido democrático adotaram modalidades diversas segundo as correntes de esquerda. De fato, a partir dessas correntes foram apresentados quatro tipos fundamentais que, conforme nosso critério, tipificaram as alternativas, desafios e problemas das esquerdas do Cone Sul latino-americano. O caminho republicano, seguido fundamentalmente pelo centro-esquerda, foi apresentado como uma aposta por uma forma de reapropriação da democracia enfatizando a ética republicana de valorização do funcionamento transparente das instituições políticas e da recuperação da autonomia política como o espaço dos interesses públicos. A via social-democrata foi ensaiada pelas correntes de esquerda mais moderadas que conjugaram a recuperação de tradições políticas nacionais e de reforma social de esquerda alternativas ao neoliberalismo, mas diferenciadas da esquerda socialista clássica. Também surgiu como uma proposta aggiornada da esquerda mediante a importação doutrinária de correntes de socialismo democrático européias (de pós-Segunda Guerra Mundial). A reinvenção nacional das tradições socialistas apresentou variantes em seu interior. Porém, seu eixo se assentou na intenção de compatibilização dos princípios da democracia representativa liberal em termos de sua adequação às experiências socialistas nacionais. Isto implicou uma reconversão ideológica mediante uma dupla interpretação de, de um lado, a confluência das reivindicações democráticas e as metas socialistas e, de outro, a superposição com a recuperação das raízes nacionais da implementação dos partidos socialistas. 229 Conclusão O quarto caminho percorrido pelas esquerdas foi a radicalização da democracia, que consistiu num aprofundamento e extensão dos princípios democráticos a fim de construir um projeto democrático mais desenvolvido e integral. Esta reinvenção da questão democrática se deu de duas maneiras. Primeiro, através de uma recuperação das tradições nacionais democráticas numa nova identidade sincrética de reformas democráticas radicais e, de outro lado, pela invenção de novos projetos de democracia participativa desde a base. Atentamos também para os limites e condicionantes de cada uma das reconversões parciais. O caminho republicano de valorização da política se viu desafiado pelas condicionantes econômicas externas e pelos custos da governabilidade política. A via social-democrata encontrou dificuldades para combinar as tradições populistas ou reformistas nacionais com as correntes socialistas européias contemporâneas e, ao mesmo tempo, diferenciar-se da esquerda “clássica”. Da mesma forma, viu-se limitada por uma fragmentação de sua base social e por um questionamento dos modelos de desenvolvimento nacional. A reinvenção nacional do socialismo também teve suas limitantes e incertezas no sentido de como reconverter o socialismo sem esvaziá-lo de conteúdo num contexto histórico nacional e internacional de revolução conservadora liberal e de crise do principal bloco socialista no nível mundial. Não menores foram os desafios afrontados pela radicalização democrática da esquerda num contexto de desenvolvimento democrático limitado, de desafeição com a política e com a participação cidadã, de diminuição dos recursos públicos e de crescente fragmentação da ação coletiva. A reconversão política interna da questão democrática na esquerda foi complementada por uma reorientação da legitimação externa da democracia num duplo sentido. As esquerdas se integraram mediante uma valorização geral positiva da democracia como sistema político preferível perante outros e, ao mesmo tempo, ao reclamar uma atitude crítica condizente com a necessidade de superar as insuficiências das democracias existentes. Assim, os caminhos da integração e da reconversão parcial das esquerdas em democracia foram diversos e continuarão abertos na medida em que sejam capazes de articular a representação política e social num contexto de premente fragmentação e vulnerabilidade social perante uma globalização que se impõe sob a hegemonia unilateral da economia de mercado. No en- 230 Conclusão tanto, os desafios de uma integração mais completa da esquerda residirão em poder canalizar as forças sociais latentes num projeto político que possa viabilizar a alternativa de uma Democracia, com um desenvolvimento nacional sustentável e uma maior igualdade social. Até onde isso será possível não constitui objeto do presente estudo, apenas a história poderá dizê-lo, mas manter viva a utopia democrática é um passo para construir uma sociedade mais livre e igualitária. 231 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abal Medina, Juan Manuel (h) (1998) “Los herededos del populismo. 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Tutela militar ou controle civil?, São Paulo Ed. Ática. 247 ANEXO I METODOLOGIA CAPÍTULO 3 COMO FOI A ESCOLHA DOS DIRIGENTES OBJETO DE ESTUDO? Os partidos escolhidos foram aqueles segundo a literatura existente em cada país e a analise feito no capítulo II, tiveram relevância política eleitoral no campo da esquerda e centro-esquerda desde mediados da década do 80 até 1999. Por isso, o estudo foi da coligação de centro-esquerda Frente País Solidário na Argentina, os partidos majoritários, Partido dos Trabalhadores, Partido Democrático Trabalhista, eo Partido Socialista Brasileiro no Brasil; e a coalizão de esquerda Frente Ampla e suas principais transformações Encontro Progressista e Novo Espaço. A escolha das amostras dos casos nos três países construíram-se em duas fases. Na primeira, elaboraram-se varias listas de dirigentes como as listas de políticos que tinham desempenhado algum cargo eletivo parlamentar ou de governo, no âmbito nacional, estadual o provincial segundo cada caso, e municipal, em especial das capitais de estado durante o período 1982 1999. Nesta lista se adicionaram aqueles dirigentes que tinham se candidatado a candidaturas presidenciais, e além disso pelas listas de executivos ou diretórios nacionais de cada partido político estudado em 1999. Numa segunda fase, se fez um teste de juízes, com informantes qualificados os que 249 Anexo I indicaram na ordem decrescente, os dirigentes que segundo eles eram os mais importantes. Assim, as amostras ficaram com os seguintes tamanhos: na Argentina 39 dirigentes, no Brasil um total de 103, e no Uruguai foram 64. Destes dirigentes coletaram-se sistematicamente informação de 25 variáveis, das trajetórias políticas e posições sociais de destaque ao longo de sua carreira política. As fontes de informação utilizadas foram basicamente três, biografias políticas, entrevistas pessoais com questionário fechado a alguns dirigentes e informantes qualificados. As biografias políticas foram coletadas das publicações dos Congressos, assim como publicações independentes sobre os lideranças mais destacadas ou de documentos partidários (impressos ou digitais em internet). É importante observar que a pesar da diversidade das fontes de informação, as bases de dados tem alguns registros sem informação em certas variáveis, pela dificuldade de aceso e a limitação das fontes utilizadas que não tinham todas as variáveis coletadas sistematicamente. LISTA DE JUÍZES UTILIZADOS PARA A ESCOLHA DE DIRIGENTES Argentina Juan Manuel Abal Medina (h) (Universidade de Buenos Aires – FLACSO México) Marcos Novaro (Universidade de Buenos Aires) Gabriel Puricheli (Responsável organização Juventude Frente Grande) Brasil Prof. Benedito Tadeu César (UFRGS) Prof. Cláudio Couto (USP - PUCSP) Prof. Hélgio Trindade (UFRGS) 250 Anexo I Prof. Renato Lessa (IUPERJ) Joaquim Soriano (Secretaria de organização PT-Nac.) Lícia Peres (Diretório partidário PDT-RS) Fernando Brito (Secretario de comunicação PDT-RJ) Carlos Orling (Secretario geral PSB-RS) Uruguai Prof. Gerónimo de Sierra (Departamento de Sociologia-DS, Universidade da República) Prof. Oscar Botinelli (Departamento de Ciência Política-ICP, Universidade da República) Prof. Aldo Guerrini (Departamento de Ciência Política-ICP, Universidade da República) Fontes utilizadas Listas e biografias dos cargos eletivos parlamentares e de governo ocupados por dirigentes dos partidos de esquerda e centro-esquerda entre 1982 e 1999 na Argentina, Brasil e Uruguai. Argentina Congreso de la Nación (1997) Quorum: Perfil de los legisladores II, Senado de la Nación, Argentina. (1994) Quorum: Perfil de los legisladores Grupo de Comunicación, Argentina. Fundação Carlos Auyero Página Web do Congresso da Nação Argentina www.diputados.gob.ar 251 Anexo I Brasil Nicolau Jairo, 1998 Dados eleitorais do Brasil (1982-1996), Rio de Janeiro – IUPERJ. Página Web do Tribunal Superior Eleitoral, Brasil www.tse.gov.br Uruguai Corte Electoral, División Estadística, Uruguai. Currículos biográficos dos parlamentares uruguaios, Biblioteca do Poder Legislativo de Uruguai. Albornoz Alfredo, (1989) Elecciones, Montevidéu, Cámara de Representantes. (1992) Elecciones, Montevidéu, Cámara de Representantes. Fabregat Julio (1971), Montevidéu, Cámara de Representantes. LISTAS DE CARGOS PARTIDÁRIOS DISPONÍVEIS NAS PÁGINAS WEB DOS PARTIDOS DE ESTUDO Argentina www.frepaso.org.ar Brasil www.psb.org.br www.pdt.org.br www.pt.org.br Uruguai www.pcu.org.uy www.ps.org.uy www.vertiente.org.uy www.vertiente.org.uy/rincon programa/ famplio/programa común.htm www.asamblea.org.uy www.nuevo espacio.org.uy [email protected] 252 ANEXO II LISTA DOS DIRIGENTES CAPÍTULO 3 ARGENTINA FREPASO/NAC FRENTE GRANDE Carlos Chacho Alvarez Graciela Fernández Meijide Juan Pablo Cafiero Darío Alessandro (pai) Luis Brunati Germán Abdala Darío Alessandro (filho) Aníbal Ibarra Alberto Flamarique José Vitar Rodolfo Rodil Marcelo Vensentini Horacio Vigueira Raúl Fernandez Oscar Massei 253 Anexo II Eugenio Raúl Zaffaroni Eduardo Jozami Mary Sanchez Irma Parentela Fernando Melillo Abel Fatala Delia Bissuti Nilda Garre Rafael Flores Pedro del Piero Carlos Raimundi Carlos Auyero Eduardo Sigal Alejandro Mosquera Oscar Laborde SOCIALISTAS Dante Caputo Guillermo Estévez Boero Gustavo Galland Hermes Binner Alfredo Bravo Norberto La Porta Héctor Polino Ex-FREPASO Fernando Solanas Octavio Bordón 254 Anexo II BRASIL Partido Democrata Trabalhista Leonel Brizola Antony Garotinho Albuíno Azeredo Alceu Collares Darcy Ribeiro Sebastião Rocha Emília Fernandes Jackson Lago Neiva Moreira Miro Teixeira Airton Dipp Ênio Bacci Luiz Salomão Pompeo de Mattos Vivaldo Barbosa Cidinha Campos Fernando Lopes Hesio Cordeiro Nelton Friedrich Theotônio dos Santos Vânia Bambina Abdias Nascimento Carmen Cenira Lígia Doutel de Andrade Teresinha Cervini Lia Faria Carlos Luppi Paulo Ramos Carlos Correia Manuel Dias 255 Anexo II Jorge Roberto Silveira Carlos Alberto de Oliveira Nilo Batista Partido Socialista Brasileiro Miguel Arraes Ademir Andrade Antônio Carlos Valadares João Capibaribe Ronaldo Lessa Kátia Born Vilma de Faria Célio de Castro Saturnino Braga Alexandre Cardoso Givaldo Carimbão Eduardo Campos Djalma Paes Beto Albuquerque Luiza Erundina Pedro Valadares Jamil Haddad Almino Affonso Carlos Siqueira Roberto Amaral Partido dos Trabalhadores José Dirceu Luiz Inácio Lula da Silva Marco Aurélio Garcia José Genoino 256 Anexo II Marina Silva Eduardo Suplicy Marcelo Deda Aloizio Mercadante Antonio Jorge Almeida Benedita da Silva Clara Levin Ant Cândido Vaccarezza Francisco Rocha da Silva Joaquim Soriano Ivan Valente João Felício Jorge Bittar José Eduardo Dutra Jose Machado Markus Sokol Plínio de Arruda Sampaio Walter Pomar Heloisa Lima Moraes Gilmar Tatto João Paulo Cunha Virgílio Guimarães Milton Temer Arlete Sampaio Arlindo Chinaglia Delúbio Soares João Machado Borges Luiz Soares Dulci Sônia Hypólito Raul Pont Tarso Genro Olívio Dutra Cristovam Buarque Patrus Ananias Marta Suplicy 257 Anexo II Jorge Viana Edmilson Rodrigues Jair Meneguelli Vicente Paulo da Silva Lauro Campos Maria do Carmo Lara Ângela Guadagnin Antonio Palocci Luis Sérgio Nóbrega Celso Daniel Telma de Souza URUGUAI Dirigentes da Frente Ampla/NE/EP Mariano Arana Danilo Astori Rodolfo Nin Novoa Líber Seregni Tabaré Vázquez Juan José D'Elía Juan José Crottogini Hugo Batalla P. Comunista Rodney Arismendi Marina Arismendi Pedro Balbi Thelman Borges Enrique Rodriguez Luis Massera 258 Anexo II Vladimir Turiansky Eduardo Viera Ex-Comunistas Esteban Valenti Marcos Carámbula Gonzalo Carámbula León Lev Jaime Pérez Rafael Sanseviero Espaço 1001 Germán Araújo Rodriguez Camusso P. Socialista Guillermo Alvarez Guillermo Chifflet José Díaz Reinaldo Gargano José Korzeniak José Cardoso Vivián Trías Daisy Tourné 259 Anexo II Espaço 90 Carlos Pita Vertente Artiguista José Bayardi Alberto Couriel Enrique Rubio Assembléia Uruguai Carlos Baraibar Alberto Cid Susana Dalmas Victor Semproni Carlos Varela Corrente Esquerda Leonardo Nicolini MPP-Fundacional Helios Sarthou PVP Hugo Cores 260 Anexo II MLN-T Eleuterio Huidobro José Mujica Julio Marenales Jorge Quartino Raul Sendic Espaço radical Enrique Erro Héctor Rodriguez PGP Carlos Cassina Enrique Martinez Moreno Yamandú Fau Samuel Lichtensztejn Zelmar Michelini Novo Espaço Michelini Rafael Posada Iván Ex-PGP José Quijano 261 Anexo II E. Progressista Días Maynard EP-PDC José Villar Héctor Lescano PDC Juan Pablo Terra Daniel Sosa Díaz 262 ANEXO III FONTES DOCUMENTAIS E ENTREVISTAS DOS CAPÍTULOS 4 E 5 As fontes documentais coletadas sistematicamente sobre cada partido objeto da pesquisa foram os documentos principais de: a) Programas partidários e linhas de ação políticas oficiais; b) declarações e documentos fundacionais de coligações e partidos políticos; c) resoluções e declarações dos Congressos partidários; d) revistas e publicações periódicas oficiais dos partidos; e) documentos dos partidos sobre acontecimentos cruciais da redemocratização dos anos oitenta aos noventa; f) livros com discursos e trajetórias biográficas das principais lideranças políticas; g) livros de intelectuais reconhecidos vinculados aos partidos; h) publicações de Fundações partidárias; i) sites de internet de cada um dos partidos políticos; j) entrevistas semidiretivas (próprias e realizadas pela imprensa) a dirigentes políticos sobre acontecimentos cruciais da democratização e o papel do partido. 263 Anexo III DOCUMENTOS SOBRE PROGRAMAS E LIDERANÇAS PARTIDÁRIAS Argentina Auyero Carlos et al. (1994) Cómo gobernará el Frente Grande, Ediciones de la Urraca, Bs.As. (1999) Auyero Carlos. Su legado, Ed.Lumen, Bs.As. Caputo Dante - Godio Julio (1996) FREPASO: alternativa o alternancia, Ed.Corregidor, Bs.As.. Entrevista a “Chacho” Alvarez na Revista “Tres Puntos”, Bs.As., 22 de julho de 1999. Godio Julio (1995) Los caminos del poder. PJ, UCR y FREPASO: sistema político reformado y posibles coaliciones de gobierno en Argentina, Ed.Corregidor, Bs.As. Mesa Nacional del FREPASO (1996) Construir el futuro, Primer plenario nacional del FREPASO, Bs.As., dezembro. CONFEDERACION FREPASO (1996) Carta Orgánica Nacional, Fundación Centro de Estudios Programáticos, Bs.As., 6 de dezembro. (1995) Bases para la propuesta del Frente Grande. 1er Congreso Nacional del Frente Grande, Bs.As., dezembro. (1999) Aportes para la discusión. La asignatura pendiente del Frente Grande: el Partido de Articulación, Fundación Carlos Auyero, Bs.As. Luis Pazos, Sibila Camps (1995) Ladran Chacho, Quién es “Chacho” Alvarez, líder del Frente Grande, Editorial Sudamericana, Bs.As. Fraye Neldo (1994) Carlos Alvarez ‘chacho’”, Ed.Investigación y Propuesta, Província de Bs.As. Partido Intransigente (1999) 25 años en la historia de nuestro pueblo, Bs.As. PSP (1998) VII Congreso Nacional Ordinario del Partido Socialista Popular, Bs.As., 2,3 y 4 de dezembro de 1998. La Vanguardia. Anuario del Centenario 1894 – 1994, Vocero del Partido Socialista Democrático, Bs.As., dezembro de 1994. 264 Anexo III Brasil Autores vários (1997) Desafios do Governo local. O modo petista de governar Ed.Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 1997. Bambirra Vânia (1981) Os programas dos partidos políticos no Brasil: uma análise comparativa, Belo Horizonte. Conselho da Frente Democrática e Popular (1999) Manifesto em defesa de Brasil, da Democracia e do Trabalho. Declarações do Foro de São Paulo 1990-1998. Fedozzi Luciano (1997) Orçamento participativo. Reflexões sobre a experiência de Porto Alegre, IPPUR – UFRJ – FASE, Editorial Lda., Porto Alegre. Fernandes Aurelio (2000) Apocalipse ou retomada? O PDT enquanto Projeto Histórico, Rio de Janeiro, 23 de outubro. (2000) PDT : lutas e perspectivas, 4 de julho. Genro Tarso, de Souza Ubiratan (1997) Orçamento participativo. A experiência de Porto Alegre, Ed.Fundação Perseu Abramo, São Paulo,. García Marco Aurélio (1990) “A social-democracia e o PT” na Teoria & Debate Revista trimestral da Fundação Perseu Abramo do Partido dos Trabalhadores, São Paulo. Manescky Osvaldo, Sapucaya Madalena, Becker Paulo (1994) Com a palavra de Leonel Brizola, Espaço e Tempo, Rio de Janeiro. Osman Ricardo, Aguiar G. (1998) Leonel Brizola. Uma trajetória política, Brasil. PDT (1979) Carta de Lisboa (Lisboa,17 de junho de 1979) PDT (1983) Carta de Mendes (Rio de Janeiro, 23 de janeiro de 1983) Partido Democrático Trabalhista “História e documentos” Site de internet: www.pdt.org.br, 9/2/99 Partido dos Trabalhadores (1998) Resoluções de Encontros e Congressos 1979 – 1998, Ed.Fundação Perseu Abramo, São Paulo. PT (1999) Resoluções do II Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores, Belo Horizonte, 24 a 28 de novembro, em Site de internet: www.pt.org.br 20/1/00. PSB (1999-2000) Nós, socialistas. Atividades parlamentares da bancada do PSB na Câmara dos Deputados, Liderança do PSB na Câmara, Brasília. 265 Anexo III Partido Socialista Brasileiro “Da esquerda democrática ao Partido Socialista Brasileiro” site de internet: www.psb.org.br, 4/2/99. PSB (1997) Anais do VI Congresso Nacional do PSB, Brasília site de internet: www.psb.org.br, 25/1/00. Marques Luiz (1998) Rio Grande do Sul: a vitória da esquerda, Ed.Vozes, Petrópolis. Revista consultada: (Dezembro de 1987-1999) Teoria & Debate Revista trimestral da Fundação Perseu Abramo do Partido dos Trabalhadores, São Paulo. Sarmento Barata Manoel (1982) Síntese do Programa do PDT. O programa do PDT e o Socialismo, mimeo. Saturnino Braga (1999) O espaço político do socialismo democrático site de internet: www.psb.org.br, 4/2/99 Siqueira Carlos, Sandri Adriano (1999) A refundação do PSB em site de internet: www.psb.org.br, 4/2/99 Outros sites consultados: www.tse.gov.br Uruguai Aguirre Bayley Miguel (1985) El Frente Amplio. Historia y documentos, Ed.Banda Oriental, Montevidéu. Arismendi Rodney (1994) Vigencia del marxismo leninismo Ed.Grijalbo, México. (1983) Lenin y nuestro tiempo, Ed.Progreso, Moscú. Asamblea Uruguay 2121 Nuestro proyecto político em site de internet www.asamblea.org.uy 7/7/99 Blixen Samuel (1997) Seregni. La mañana siguiente, Ediciones de Brecha, Montevidéu. Blixen Samuel (1991) José Pedro Cardoso. Recuerdos cargados de futuro, Ediciones Trilce, Montevidéu. Botinelli Oscar (1999) Un hito histórico en la izquierda: del posfrenteamplismo al neofrentismo em site de internet www.espectador.com/factum, 15/4/99 266 Anexo III Encuentro Progresista – Frente Amplio (1999) El otro programa, Montevidéu. Campodónico Miguel Angel (1999) Mujica, Editorial Fin de Siglo, Montevidéu. Couriel Alberto (2001) “La izquierda y el ‘réquiem para la izquierda’” em Rolando Franco (coord.) Sociología del Desarrollo, Políticas Sociales y Democracia. Estudios en homenaje a Aldo E.Solari, CEPAL, Ed.S.XXI - México. Esquibel Daniel (1997) Tabaré Vásquez. Seductor de multitudes, Editorial Fin de Siglo, Montevidéu. Encuentro Progresista – Frente Amplio Propuesta política em site de internet www.vertiente.org.uy/rincon programa/ famplio/programa común.htm 7/7/99 Del M.N.L. al Congreso del M.P.P. [email protected] Entre ETA y el gobierno español mediaron tupamaros y militares uruguayos, em Programa en Perspectiva, Radio AM CX 14, 9/3/99, em site de internet www.espectador.com Fernández Huidobro Eleuterio (1993) Nuestro socialismo Montevidéu, 8 de setembro [email protected] Harnecker Marta con la colaboración de Isabel Rauber (1991) Los desafíos de una izquierda Legal Vols I-III, Ed.La República, Montevidéu Intendencia Municipal de Montevideo (2001) 10 años de descentralización. Un debate necesario, Departamento de Descentralización, Montevidéu. Laguarda Manuel (2000) La actual línea socialista, entrevista al nuevo Secretario General del PS, Montevidéu, em Revista Tres, Ano V, 2ª época. Movimiento de Liberación Nacional - Tupamaros (1989) El MLN y el Frente Amplio, Montevidéu, MLN. Mujica José, Fernandez Huidobro (1987) Porqué Frente Grande?, Montevidéu, MLN Tupamaros. Marenales Julio Breve historia Del M.N.L., [email protected] Martinez Sansone Patricia (1998) Configuraciones discursivas y prácticas de la izquierda uruguaya: de la ‘guerra de maniobras’ a la ‘guerra de posiciones’, Tese de Graduação, Licenciatura de Sociologia, Departamento de Sociologia, Faculdade de Ciências Sociais, Universidade da República, Montevidéu. 267 Anexo III M.P.P. Fundacional Hacia donde va la izquierda radical entrevista com o edil Jorge Zabalza eo senador Helios Sarthou, no Programa en Perspectiva, Radio AM CX 14, 26/5/99, em site de internet www.espectador.com La ‘izquierda radical’ discute su estrategia. Y...donde está el enemigo? em site de internet www.brecha.com, 9/6/99 Nuevo Espacio Breve historia de nuestro partido em site de internet www.nuevo espacio.org.uy, 7/7/99 PCU (1984) La táctica del Partido Comunista del Uruguay en la lucha contra la dictadura, Argentina. Partido Socialista (1984) Hacia una Democracia Socialista. Democracia sobre Nuevas Bases, Montevidéu, PS Pérez Jaime (1996) El ocaso y la esperanza, Editorial Fin de Siglo, Montevidéu. Rilla José (Editor) (1999) El Uruguay del futuro. Una visión socialdemócrata, Montevidéu, Ediciones del ISODE. Rubio Enrique El futuro de la izquierda, Serie de seis artículos publicados em Cuaderno de Marcha, Tercera Epoca, Años XXII e XXIII, de julho de 1998 até abril de 1999. Terra Juan Pablo (1985) Mística, desarrollo y revolución, Ed.Librosur, Montevidéu. Scaffo Sonia (1993) Hugo Batalla. Una vida al rescate de la persona, Montevidéu. Semblanzas: Gral. Líber Seregni, Dr.Tabaré Vázquez; Arq..Mariano Arana; Cr.Danilo Astori; Dr.Juan José Crottogini em site de internet www.montevideo.com.uy/asamblea/semblanz.htm, 12/4/99 Trias Vivian (1985) Por un socialismo nacional, Prisma, Montevidéu Vertiente Artiguista Presentación del Programa em site de internet www.vertiente.org.uy 7/7/99 Wettstein Germán (1991) El Frente Amplio en el umbral del Gobierno Nacional. La opinión de 13 dirigentes. Vols. 1-6 Ed.La República, Montevidéu Yaffé Jaime (2001) Del Frente Amplio al Encuentro Progresista. El camino de una izquierda Moderada, Depto. de Ciencia Política, Faculdad de Ciencias Sociales, Universidad de la República, Documento de Trabajo nº 26, Montevidéu. 268 Anexo III LISTA DE ENTREVISTADOS Argentina Informantes qualificados Juan Carlos Portantiero (UBA) Juan Carlos Torre (Instituto Torcuato Di Tella) Ana María Mustapic (Universidade Torcuato Di Tella) Daniel García Delgado (FLACSO) Vicente Palermo (Instituto Torcuato Di Tella) Gabriel Puricheli (Juventude Frente Grande) Jorge Makart (Esquerda Unida) Juan Manuel Abal Medina (h) (Universidade de Buenos Aires – FLACSO México) Marcos Novaro (Universidade de Buenos Aires) Entrevistas a dirigentes políticos (Buenos Aires, julho/agosto de 1999) Frente Grande Alberto Flamarique Rafael Flores Marcelo Vensentini Eduardo Jozami Carlos Raimundi Oscar Laborde 269 Anexo III Socialistas Ruben Guistiniani (PSP) Dante Caputo (PSP) Jorge Tula (PSD) Héctor Polino (PSD) Brasil Informantes qualificados Profa. Mercedes Cánepa (UFRGS) Prof. Renato Lessa (IUPERJ) Prof. Eduardo Aydos (UFRGS) Prof. Benedito Tadeu César (UFRGS) Prof. Claudio Couto (USP - PUCSP) Prof. Hélgio Trindade (UFRGS) Joaquim Soriano (Secretaria organização PT-Nac.) Licia Peres (PDT-RS) Aurelio Fernandes (PDT-RJ) Carlos Orling (Secretário geral PSB-RS) Entrevistas a dirigentes políticos PT Nacional (São Paulo, junho de 1999) Marco Aurelio García Francisco da Rocha Joaquim Soriano Candido Vacarezza Luiz Dulci Raul Pont 270 Anexo III PT RS (Porto Alegre, maio de 1999) Adeli Sell Luciana Genro Maria do Rosário Luiz Marques Julio Quadros Gerson Almeida PDT (Porto Alegre - maio, Rio de Janeiro novembro 2000) Neiva Moreira (RJ) Sereno Chaise (RS) Renán Kurtz (RS) Airton Dipp (RS) Aurelio Fernandes (RJ) PSB (Porto Alegre - maio, Rio de Janeiro novembro 2000) Roberto Amaral (RJ) Bernardo de Souza (RS) Saturnino Braga (RJ) Uruguai Informantes qualificados Profa. Ema Massera (Departamento de Sociologia-DS, Universidade da República) Prof. Alvaro Rico (Faculdade de Humanidades e Ciências da Educação, Universidade da República) 271 Anexo III Dr. Heber Gatto (ex-dirigente Partido pelo Governo do Povo e dirigente Novo Espaço) Prof. Gerónimo de Sierra (Departamento de Sociologia-DS, Universidade da República) Prof. Oscar Bottinelli (Departamento de Ciência Política-ICP, Universidade da República) Prof. Aldo Guerrini (Departamento de Ciência Política-ICP, Universidade da República) Entrevistas a dirigentes políticos (Montevidéu maio-junho de 1999) Enrique Rubio (Vertente Artiguista) Daisy Tourne (Partido Socialista) Luis Garibaldi (ex - PCU) Helios Sarthou (MPP fundacional) (Montevidéu fevereiro-março de 2000) Carlos Cassina (PGP) Hugo Cores (PVP) Heber Gatto (PGP) Hector Lescano (PDC-EP) Liber Seregni (FA) José Mujica (MLN) 272 Sobre o Livro Formato 16x23 cm Tipologia Minion (texto) ITC Century Light (títulos) Papel Reciclato 70 g/m2 (miolo) Cartão Supremo 250 g/m2 (capa) Impressão Sob demanda Acabamento Costurado e colado Tiragem 1.000 Equipe de Realização Produção Gráfica Renato Valderramas Edição de Texto Fernanda Godoy Tarcinalli Assistentes de Edição de Texto Ana Flávia Caserta Beatriz Rodrigues de Lima Júlia Carolina de Lucca Valéria Biondo Parecer Técnico Júri EDUSC/ ANPOCS Revisão Júlia Carolina de Lucca Projeto Gráfico Equipe EDUSC Criação da Capa Júlio Furtado Catalogação Eliane de Jesus Charret Diagramação Carolina de Freitas Roveda Impressão e Acabamento Gráfica Bandeirantes S/A