UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA- UFPB CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES-CCHLA DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULA-DLCV LICENCIATURA EM LETRA-PORTUGUÊS DAS ORIGENS À ATUALIDADE, DA TEORIA ÀS CRENÇAS DOCENTES: O QUE É LITERATURA? GERLANY PADILHA DA SILVA Orientadora: Profª. Drª Daniela Maria Segabinazi João Pessoa- PB Março de 2013 GERLANY PADILHA DA SILVA DAS ORIGENS À ATUALIDADE, DA TEORIA ÀS CRENÇAS DOCENTES: O QUE É LITERATURA? Monografia apresentada ao Curso de Letras, Português, do Centro de Ciências humanas, Letras e Artes (CCHLA), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em cumprimento às exigências da disciplina Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), como requisito para a obtenção do grau de Licenciatura em Letras. Orientadora: Profª. Drª Daniela Maria Segabinazi João Pessoa- PB Março de 2013 Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal da Paraíba. Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA). Silva, Gerlany Padilha da. Das origens à atualidade,da teoria às crenças docentes: o que é literatura?. / Gerlany Padilha da Silva. - João Pessoa, 2013. 52 f.:il. Monografia (Graduação em Letras) – Universidade Federal da Paraíba - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Orientadora: Profª. Drª Daniela Maria Segabinazzi. 1. Literatura . 2.Literariedade . 3. Docente . I. Título. BSE-CCHLA CDU 82 GERLANY PADILHA DA SILVA DAS ORIGENS À ATUALIDADE, DA TEORIA AS CRENÇAS DOCENTES: O QUE É LITERATURA? Monografia apresentada ao Curso de Letras, Português, do Centro de Ciências humanas, Letras e Artes (CCHLA), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em cumprimento às exigências da disciplina Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), como requisito para a obtenção do grau de Licenciatura em Letras. APROVADA POR: Orientadora: Profª. DRª. Daniela Maria de Segabinazi Universidade Federal da Paraíba – Campus I Prof. DRº. Hermano de França Rodrigues Universidade Federal da Paraíba– Campus I Profª. DRª. Socorro Pacífico Barbosa Universidade Federal da Paraíba– Campus I Em ____/____/____ João Pessoa- PB Março de 2013 A Deus. Aos meus pais, a meus irmãos e aos meus amigos. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, acima de todos, pois não me deixou ficar ao chão, quando em muitos momentos caí; todos que estiveram ao meu lado nesses cinco anos de caminhada, meus amados pais: Pedro e Daura, que estiveram sempre ao meu lado, incentivando e acreditando, até mesmo, nos momentos que eu mesma tinha perdido a fé. Meus irmãos que em meio a brincadeiras, me fizeram uma irmã confiante e amada, minhas amadas irmãs, que mesmo estando tão longe, estiveram sempre cuidando da minha educação, me incentivando e me ensinando que o melhor caminho a seguir é o do meu coração. Minha orientadora, Daniela Segabinazi, que em meio a grandes problemas, acolhera mais um e me apoiara até o fim dessa jornada. Minhas amigas e irmãs de alma, Daniele Coutinho, que em cinco anos de convivência me fez perceber a grandeza e a importância de uma grande amizade; Manuela Santos, minha irmã de todos os momentos, conhecendo-me desde a infância e preservando esse amor por todo o sempre; Joselma Félix, Gilcassia Figueredo, Niely Nasciemnto, Cassiana Soares, Késia Mota, Cibely Chacon, Aurenívia Gomes, Anaclaudia Máximo, Fabiana Pimentel, grandes amores que nunca me deixaram fraquejar. Obrigada a todos que estiveram comigo e que sempre acreditaram no meu potencial. SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS___________________________________________________ 08 RESUMO _____________________________________________________________10 ABSTRACT ___________________________________________________________11 INTRODUÇÃO _______________________________________________________12 1. LITERATURA: O QUE DIZEM OS TEÓRICOS _________________________ 15 1.1–Literatura: Arte da palavra; Mimeses; literariedade; estética?__________________ 17 1.2-Literatura e o cânone? ________________________________________________ 20 1.3-Literatura é literatura? ________________________________________________ 22 2. LITERATURA: O QUE DIZEM OS LIVROS DIDÁTICOS ________________25 2.1 - Português Linguagens 1, o que é literatura? _______________________________26 2.2- Português: literatura, gramática, produção de texto, O que é Literatura?_________ 31 2.3 - Literatura brasileira e portuguesa, o que é literatura?________________________ 34 2.4 - Afinal, o que é literatura no livro didático?________________________________36 3. COMO OS PROFESSORES CONCEITUAM A LITERATURA?____________39 3.1 Professores, o que é literatura?___________________________________________42 CONSIDERAÇÕES FINAIS ____________________________________________ 49 REFERÊNCIAS _______________________________________________________52 LISTA DE FIGURAS Figura 1- Capa do livro Português Linguagens 1, dos autores William Cereja e Thereza Cochar Magalhães ______________________________________________________ 27 Figura 2 - Capítulo 1 do livro Português Linguagens 1, de William Cereja e Thereza Cochar Magalhães, ______________________________________________________ 29 Figura 3 - Capa do livro Português: Literatura, Gramática e Produção de Texto, dos autores Leila Lauar Sarmento e Douglas Tufano ________________________________32 Figura 4- Capa do livro Literaturas: Brasileira e Portuguesa, dos autores Samira Yousseff Campedelli e Jesús Barbosa Souza __________________________________________ 35 A arte, e, portanto a literatura, é uma transposição do real para o ilusório por meio de uma estilização formal da linguagem, que propõe um tipo arbitrário de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos. (ANTÔNIO CANDIDO) RESUMO Este trabalho tem por objetivo discutir e refletir sobre a forma de conceituar a literatura, buscando nas teorias literárias, nos manuais didáticos e nos discursos dos docentes as definições usadas para a mesma. Compreendendo que, dependendo do tempo, do espaço em que se fale a forma de ver a literatura não é a mesma, foram trabalhadas classificações desde Aristóteles, na antiga Grécia, até aos dias atuais; ora concebendo a literatura como arte da palavra, mimeses, conceitos aristotélicos, ora buscando elementos que pudessem selecionar uma obra como pertencente à literatura, literariedade, em outros momentos focando nos cânones a resposta para tal pergunta. Foram analisados capítulos de alguns livros didáticos, voltados para o primeiro ano do Ensino Médio, cujos conceitos resumemse a poética de Aristóteles e a uma indefinição e síntese de algo que não conseguem explicar. Por último, temos os conceitos usados pelos docentes em suas aulas, definições, em muitos casos, incoerentes e que demonstram uma falta de familiaridade com as teorias que discutem o assunto e uma enorme dependência dos manuais de literatura, e que muitas vezes são interpretados confusamente pelos professores Foram Buscados e discutidos em três espaços distintos a resposta para a indagação o que é literatura, entendendo, assim, de onde eram tirados alguns os conceitos levados à sala de aula. Palavras chave: Literatura, Mimeses, Aristóteles, Literariedade, Manuais, docentes. ABSTRACT This paper aims to discuss and reflect on how to conceptualize the literature, searching the literary theories in textbooks and in the speeches of faculty definitions used for the same. Understanding that, depending on the weather, the space in which we speak to see how literature is not the same ratings have been worked since Aristotle in ancient Greece up to the present day; sometimes conceiving literature as word art, mimeses, Aristotelian concepts, sometimes seeking elements that could select a work as belonging to literature, literariness, at other times focusing on the ideology and seeing the canons the answer to that question. We also analyzed textbooks, facing the first year of high school, whose concepts are summarized Aristotle's poetics and a blurring and synthesis of something they can not explain. Finally, we have the concepts used by teachers in their classrooms, definitions, in many cases, inconsistent and that demonstrate a lack of familiarity with the theories that discuss the issue and a huge reliance on manuals of literature, and which are often interpreted confusedly by teachers. We look at three distinct spaces the answer to the question what is literature and try to understand where the concepts were taken brought to the classroom. Keywords: Literature, Mimeses, Aristotle, literariness, Manuals, teachers INTRODUÇÃO A definição daquilo que conhecemos como literatura está cada vez mais difícil de ter uma classificação fechada, que possa incluir em seu conceito todas as peculiaridades de tal arte. Na antiguidade, Aristóteles estudava e analisava obras, falava de uma arte que usava a escrita como matéria prima das suas criações e a cada um delas chamava, individualmente, de gênero: épico e gênero dramático. A partir do início do século XIX, os gêneros seriam textos que pertenceriam a algo maior, ampliando o conhecimento e os conceitos sobre literatura, passando para uma denominação voltada para as letras e para a erudição transformando a literatura. Desse modo, ainda nos perguntamos: o que é literatura? A etimologia da palavra pouco nos diz, pois temos diversos gêneros textuais que utilizam a linguagem de forma particular e mesmo assim não são denominados como textos literários. José Luis Jobim (1992) discute no seu texto História da Literatura, o fato de ter existido diferentes representações para o conceito de Literatura; dependendo do momento, do ponto de vista, do lugar do qual se fale, nossa sociedade ocidental, concebeu de modos diferentes, o que seria a arte literária. Se no século IV a.c, na antiga Grécia, Aristóteles alude a essas criações artísticas como sendo a “arte da palavra”, no século XX os formalistas russos centram sua investigação na materialidade do texto, excluindo de sua análise o psicologismo, o historicismo e o próprio leitor; para eles, o estudo literário deveria ser autônomo, através da definição da especificidade do seu objeto. Assim, em nossas leituras, percebemos que teorias estão sempre surgindo, novas formas de conceber a literatura são trabalhadas e abordadas nas universidades, nos livros didáticos e na sala de aula. Temos uma arte que acompanha o ser humano desde os tempos primordiais, uma arte que segue o costume e a história da sociedade, que caminha e evolui junto com o homem. Diferentes etapas, visões do mundo que se diversificam com o passar dos tempos, decerto, os termos que foram ligados à literatura não permaneceram inertes, mas foram mudando de época para época. O que no passado poderia nunca ser considerado como uma obra literária, hoje é possível vê-la fazendo parte do grande acervo de textos legitimados pela academia e pela crítica. São diversos os conceitos encontrados nas teorias literárias, ora focando a linguagem, as construções metafóricas, voltados para a estética, 12 ora buscando preservar a tradição da literatura, elegendo as grandes obras do passado como foco e representante vitalício dessa arte, presos a ideologia de um cânone. Os manuais didáticos também são responsáveis por propagar o conceito de literatura; inclusive, como apoio didático nas aulas de literatura, colabora na formação do conceito de obra literária tanto para professores como para alunos do Ensino Médio. Na análise dos manuais, podemos constatar que a forma de eles conceituarem, em muitos casos, encontra-se atrelados a teoria aristotélica, ora definindo a literatura através de mimeses, ora classificando-a como a arte da palavra. Essas classificações estão bem presentes nos livros, na parte dedicada à arte literária, em que muito volumes são apenas reproduções da teoria, com poucas discussões mais aprofundadas e acrescentadas sobre o assunto. Outra conceituação para o termo literatura advém dos discursos docentes do ensino médio, isto é, há que considerarmos também que os professores constroem e elaboram definições ou ideias para o que chamamos de obra literária, pois são mediadores dessa arte em suas aula e, com freqüência, precisam explicar aos seus alunos o que é literatura. Desse modo, a crença dos docentes precisa ser analisada e considerada em uma pesquisa que busca compreender o termo a partir de sua origem histórica e teórica, afinal são eles que estarão presentes, lecionando e buscando uma forma de explicar a literatura para jovens, que em muitos casos, nunca tiveram contato obras literárias fora da escola. Entretanto, sabemos da grande dificuldade dos professores diante da utilização dos livros didáticos, tornando-se reféns das proposições e conteúdos do manual e transformando o ensino em apatia e desinteresse em ler literatura. O objetivo que nos levou a formular este trabalho foi buscar expor as distintas formas de conceber a literatura, seja ela nas teorias literárias, nos manuais didáticos e na visão dos docentes que atuam no ensino médio, para compreender a (im)possível ligação que há entre teorias, manuais e crenças docentes, com o propósito, ainda, de encontrar nesses conhecimentos mais alternativas para preencher as lacunas desse lexema que não tem uma definição fixa. Na academia, dizer o que não é literatura é uma tarefa simples, excluir diversas obras do ambiente universitário e focar os estudos nos cânones parece ser uma forma de querer mostrar que só há uma forma de literatura (os grandes clássicos), excluindo do seu meio as diferentes formas que a arte literária apresenta fora da universidade. 13 A partir dessa problemática, pesquisamos os conceitos para literatura em alguns autores que exploram e discutem a teoria da literatura; em autores que escrevem livros didáticos de literatura para o ensino médio e, por fim, na resposta dos professores do ensino médio que fizeram parte dessa pesquisa. Cada capítulo desse trabalho revela as respostas encontradas em nossas três fontes: teoria literária, manual didático e discurso docente. No primeiro capítulo são descritos e analisados definições para a literatura posta por autores que abordam os conceitos desde Aristóteles, passando pela definição da literariedade dos formalistas russos até discussões mais atuais; os autores trabalhados neste capítulo foram: Compangnon (1999); Jobim (1992); Terry Eagleton (1983); Hans Robert Jauus (1985); Wellek, Warren (1969); Franco, apud, Schnaiderman (1976); Reis (1972); Magaly Trindade e Zina Bellodi (2005). No segundo capítulo são analisados livros didáticos de literatura, do ensino médio, buscando os conceitos apresentados pelos seus autores. As obras analisadas e seus autores foram: Português Linguagens 1, dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães; Português: literatura, gramática, produção de texto, dos autores Leila Lauar Sarmento e Douglas Tufano e, por último o livro, Literatura brasileira e portuguesa, dos autores Samira Yousseff Campedelli e Jésus Barbosa Souza. O terceiro capítulo foi escrito a partir de um único questionamento realizado à quatro professores que lecionam a disciplina de Literatura no Ensino Médio, ou seja, a elaboração desse capítulo tem como fonte de pesquisa as respostas dos professores sobre como eles definem o que é literatura, para a partir desse conhecimento confrontarmos os conceitos com a teoria e o livro didático, discutidas em capítulos anteriores, e também reconhecermos como os professores mediam e didaticamente transpõe esse conhecimento para seus alunos. Assim, foram sujeitos dessa pesquisa professores de escolas do sistema Estadual de Ensino da Paraíba, que residem e lecionam nas respectivas cidades de Itapororoca e Mamanguape, locais em que a pesquisadora realizou seus estudos e reside atualmente. A partir desses capítulos, mostramos três fontes para evidenciar como o conceito de literatura se modifica a partir da evolução histórica, da temporalidade e do seu contexto, além de mostrar como atualmente essa definição tem se colocado na construção do conhecimento de nossos professores e alunos do ensino médio, perpetuando ou não definições encontradas na origem aristotélica ou delimitadas pelo livro didático. 14 1. LITERATURA: O QUE DIZEM OS TEÓRICOS Desde a antiguidade aos dias atuais, autores de teoria e leitores de literatura fazem indagações sobre a definição para classificar a forma peculiar de uso da linguagem em textos denominados literários, não nos referindo, apenas, ao conjunto que se apresenta aos nossos olhos, mas a cada elemento que compõem essa união de fonemas, causando estranhamento aos nossos ouvidos: combinantes entre si, fazendo surgir, assim, “A arte da palavra”. Combinações que abundam em ambiguidades, polissemias, metáforas, paradoxos, dentre tantos outros artifícios usados para enriquecer tais obras. Teorias surgem e são contestadas, as respostas encontradas são frágeis, não trazem explicações plausíveis para aplicar a variedades de textos literários que vão sempre surgindo e, novas formas de classificá-los acabam por desarticular o que já parecia pronto para ser usado como modelo. Os porquês são infinitos, Aristóteles, no início da sua Poética, falava de uma arte que usava a linguagem, mas que ainda não havia sido encontrada uma denominação para ela. Na antiga Grécia, o grego já estudava e analisava as escritas literárias, não o conjunto onde continha variedades de gêneros, mas cada um, individualmente, e o conjunto que continha as obras que Aristóteles analisava ainda não tinha nome, ele chamava cada um de: gênero épico e o gênero dramático, o gênero lírico era excluído, pois não era fictício e nem imitativo, já que era centrado na primeira pessoa. Antes, os gêneros já existiam e já eram investigados pelos filósofos, a partir do início do século XIX teríamos não mais só os gêneros, mas teríamos um nome para a reunião deles: literatura; do latim, litteratura, derivado do radical littera, (letra). Para Compangnon: O nome literatura é, certamente, novo, data do inicio do século XIX; anteriormente, a literatura, conforme a etimologia, eram as inscrições, a escritura, a erudição, ou o conhecimento das letras; Ainda se diz “é literatura (...)” (1999,p. 30 ) Seguindo a etimologia da palavra, poderíamos deduzir que literatura são textos escritos, que utilizam uma forma particular da linguagem? Porém, se observamos os anúncios publicitários, perceberemos que neles, também, há uma exploração das riquezas que podem tornar uma redação interessante e diferente do uso “normal”, seria justo, então, 15 classificá-los, também, como literatura? Temos uma arte que acompanha o ser humano desde os tempos primordiais, uma arte que segue o costume e a história da sociedade, que caminha junto com o homem e evolui ligada a ele. Diferentes etapas, visões do mundo que diversificam ao passar dos tempos, decerto, os termos que foram ligados a literatura não permaneceram inertes, mas foram mudando de época para época. O que no passado poderia nunca ser considerado como uma obra literária, é possível, hoje, vê-la fazendo parte do grande acervo de textos legitimados pela a academia e pela crítica. O próprio gênero lírico é um exemplo disso. Com isso, percebe-se que a forma de classificar uma obra como sendo ou não literária não é uma tarefa fácil. Temos épocas distintas e concepções que mudam de acordo com cada período que se está inserido. Segundo José Luis Jobim (1992), no seu livro História da Literatura, dependendo do momento, do ponto de vista, do lugar a partir do qual se fale, a literatura pode não ser a mesma coisa. Assim, uma parte do problema da história literária consistiria em investigar quais foram às representações que se constituíram para este termo. Cada época tem seu estilo, sua forma de investigação, costumes e visões do mundo. “O que a própria História da Literatura nos mostra que houve sucessivas e diferentes representações daquilo a que chamamos “literatura” (JOBIM, 1992, p.127). Podemos usar, como exemplo, a carta que Pero Vaz de Caminha escreve para o rei de Portugal, descrevendo, poeticamente, as belezas da terra “descoberta”, deleitando-nos até os dias atuais; a forma romantizada usada por ele para expor ao seu destinatário a visão que ele tinha daquele lugar que se apresentava primitivo e belo aos seus olhos. Essa é uma representação para aquilo que chamamos literatura, literatura informativa poderia ser ou não um texto literário, dependendo da época e da forma de julgamento que usaríamos. Na idade média, Horácio julgaria um texto como sendo ou não literário pela sua idéia pragmática, sua forma de deleitar e instruir ao mesmo tempo os leitores; segundo o autor “os poetas desejam ou ser úteis, ou deleitar, ou dizer coisas ao mesmo tempo “agradáveis e proveitosas para a vida” (HORÁCIO, 1997, p. 65). No final do século XX, Terry Eagleton (1983), em Teoria da literatura: uma introdução, discorda da ideia posta por Horácio na idade média, afirmando que o “discurso não pragmático” é parte do que se entende por “literatura”, segue-se dessa “definição” o 16 fato de a literatura não poder ser de fato, conceituada “objetivamente”. A conceituação de literatura fica dependendo da maneira pela qual alguém resolve ler, e não pela natureza daquilo que é lido. Segundo o autor, se não é possível ver a literatura como uma categoria “objetiva”, descritiva, também não é possível dizer que a literatura é apenas aquilo que, caprichosamente, queremos chamar de literatura. Isso porque não há nada de caprichoso nesses tipos de juízos de valor: eles têm suas raízes em estruturas mais profundas de crenças, tão evidentes e inabaláveis quanto o edifício do Empire State. De acordo com Hans Robert Jauus (1979), no triângulo de autor, obra e público, o último não é a parte passiva, não é elo meramente reativo, mas em vez disto, é ele próprio uma energia formadora da história. A teoria da recepção prioriza o leitor, levando em conta seus conhecimentos, o contexto onde ele está inserido para poder buscar uma forma de conceituar a literatura. 1.1 Literatura: Arte da palavra, Mimeses, literariedade, estética? No século IV a.c, na antiga Grécia, Aristóteles já ponderava na sua Poética e relacionava a literatura como mimeses, mas diferente de Platão, mimeses seria interpretada como criação de algo e não como simples imitação. Assim, conforme Compagnon (1999), a [...] mimese é, [...] o conceito capital para a própria definição da literatura. A obra aristotélica germina questões básicas que envolvem a teoria literária até os dias atuais. O filosofo grego centra a poética na mensagem, literatura como a arte que se utiliza da palavra para suas criações. Definição muito ampla esta, pois teríamos vários textos que utilizam de palavra e não o são considerados literatura. [...] a linguagem de todos os dias também tem a sua função expressiva, embora esta possa variar desde uma incolor comunicação oficial até a uma apaixonada veemência suscitada por um momento de crise emocional. A linguagem diária está repleta dos irracionalismos e das mudanças contextuais da linguagem histórica [...]. Apenas ocasionalmente há a consciência dos próprios signos no falar de todos os dias. (WELLEK, WARREN, s/d, p. 25) 17 Que palavras seriam essas que fariam um texto deixar de ser um simples papel escrito, para se tornar uma obra renomada, estudada nas escolas e apreciada pela a academia? No século XX, os formalistas russos limitam suas inquirições à materialidade do texto literário. Essa forma de investigação sobre a natureza da obra, o autor e o público pouco eram considerados. Não se buscavam fatores externos para explicá-la, ela falaria por si só. Os formalistas queriam, dessa forma, excluir a aplicação do historicismo e do psicologismo à literatura. A filosofia, a sociologia, a psicologia, etc. não poderiam servir de ponto de partida para a abordagem da obra literária. Ela poderia conter esta ou aquela filosofia, refletir esta ou aquela opinião pública, mas, do ponto de vista do estudo literário, o que importava era príon ou processo, isto é, o principio da organização da obra como produto estético, jamais um fator externo. (FRANCO, apud SCHNAIDERMAN, 1976, p.ix) Para os formalistas, o estudo literário deveria ser autônomo, através da definição da especificidade do seu objeto. Segundo Compagnon (1999), os formalistas se opunham abertamente à definição de literatura como documento, ou à sua definição através da função de representação (do real) ou de expressão (do autor) e acentuavam os aspectos da obra literária, considerando especificamente literários e distinguem, assim, a linguagem literária da linguagem não literária ou cotidiana. Tentando separar os textos literários dos não-literários, eles deram o nome de literariedade à propriedade que serviria como forma de distinção para esses tipos de escritas. Mas o que seria essa literariedade, de suma importância, para conseguir chegar à definição desse enigma? De acordo Roger Samuel, “a literaridade são as metáforas, as metonímias, as sonoridades, os ritmos, a narratividade, a descrição, os personagens, os símbolos, as ambigüidades e alegorias, os mitos e outras propriedades da literatura (1985, p.10). Na teoria dos formalistas russos seria observados o som, a imagem, o ritmo, a sintaxe, a métrica e as técnicas narrativas, detendo-se só aos aspectos formais do texto. Elementos esses que causariam, assim, “desfamiliarização” do que se estava sendo apresentado. As respostas para explicá-los estariam presentes nele mesmos, o que é ou não é literatura teria que ser apontado dentro e não fora das obras. A propriedade, denominada “literariedade” que estaria presentes em obras literárias é o que lhe caracterizariam como pertencente à literatura. Segundo Jakobson, (apud, Schnaiderman, 1976, p. ix-x), o objetivo do estudo 18 literário não seria a literatura, mas a literariedade, isto é, aquilo que torna determinado texto literatura. Para a escola de Praga a definição da literatura estaria ligada a forma de construção das sentenças. Eagleton (1983) também discute a forma como os formalistas consideravam a linguagem literária, reafirmando que eles a viam como um conjunto de desvios da norma, uma espécie de violência lingüística. Assim, a literatura poderia ser definida como uma forma “especial” de linguagem, em contraste com a linguagem “comum”. A definição que mais uma vez foca sua atenção no tipo de linguagem distinta do cotidiano, entretanto, não é só a linguagem literária que “deforma” a linguagem diária. A língua é uma faculdade dinâmica e através dos tempos ela vem se modificando, o que parecia “normal” de ser falado no século XVII, hoje nos soa estranho, bonito, diferente, desfamiliarizado aos nossos sentidos. Na atualidade, podemos ter como exemplo de linguagem que foge à regra, as gírias, mesmo assim esse tipo de comunicação ainda não é considerado literatura. Quem acredita que a “literatura” possa ser definida por esses usos especiais da linguagem tem de enfrentar o fato de que há metáforas na linguagem usada habitualmente em Manchester do que na poesia Marvell. Não há nenhum artifício “literário”, metonímia, sinédoque, litote, quiasmo, etc._ que não seja usado intensivamente no discurso diário. (EAGLETON, 1983, p.7-8) A tentativa de definir a literatura pelos formalistas não considerava a forma de ler e nem o espaço onde as obras estariam inseridas. Então, desumanizar a literatura seria a melhor forma para encontrar sua definição? A literatura tem uma estreita relação com tudo que é do mundo, tudo que é humano, ela está ligada ao homem e a sua história de vida. Não estamos falando de algo estático, como arte ela é dinâmica e evolui junto com os acontecimentos, caminha com a humanidade, desde os tempos primordiais. Então para pensarmos numa definição para ela, teremos que incluir o leitor que estará em contato com essa arte e a vivenciará nas suas experiências. No final do século XX, Renné Wellek e Austin Warren (s/d) discutem, no segundo capítulo do livro Teoria da literatura, possíveis definições para este termo, Alguns conceitos foram apresentados, um consideraria como sendo literatura tudo o que se encontra em letra de forma, teremos assim, desde a profissão médica, no século XIV, o 19 movimento dos planetas na idade média, dentre tantas outras coisas, entretanto, mesmo não havendo uma proibição de a literatura entrar no espaço pertencente a história, isso causaria problemas. Identificar a literatura como a história da civilização, seria negar a própria natureza da mesma. As definições tornam-se falíveis; introduzem-se na literatura critérios a ela estranhos; e, em conseqüência, a literatura será julgada valiosa apenas na medida em que proporciona resultados nesta ou naquela disciplina adjacente (WELLEK E WARREN, s/d, p. 22) Outra forma discutida por Wellek e Warren para conceituar a literatura estaria diretamente ligada com o valor estético, pela reputação e imanência intelectual. Se a academia e a crítica classificar uma obra como pertencente a “Arte da palavra”, ela o será, independente de qualquer outro fator. Nessa perspectiva, definir essa arte seria limitá-la aos grandes livros, independente do tema, notável por sua forma ou expressões literárias. Dentro da história da literatura imaginativa, a limitação aos grandes livros tornaria incompreensível a continuidade da tradição literária, o desenvolvimento dos novos gêneros. (WELLEK E WARREN,s/d, p.23) Ler livros renomados, obras que carregam em cada página a riqueza cultural de uma sociedade, de uma civilização é direito de todos, entretanto, limitar a literatura aos grandes mestres do passado seria paralisá-la no tempo, criar muros e circundá-la, impedindo, assim, que novos gêneros e novas obras surjam, seria restringir a expressão e manifestação literária das novas gerações. 1.2 Literatura e o cânone? Quando pensamos ou ouvimos o termo literatura, nosso cérebro registra automaticamente os nomes de Camões, Gonçalves Dias, Graciliano, Machado de Assis, dentre tantos outros ilustres e reconhecidos, universalmente, como verdadeiros donos dos tesouros literários. Segundo Compangnon, [...] tudo o que foi escrito por grandes escritores pertence à literatura, inclusive a correspondência as anotações irrisórias pelas quais os 20 professores se interessam. Nova tautologia: a literatura é tudo o que os escritores escrevem. (1999, p.33) Se classificarmos a literatura, resumindo-a aos grandes autores, seria preciso excluir dela a própria amplitude ao qual o seu nome remete, mas se nos guiarmos pela ampla categoria do lexema, requereríamos de uma conceituação que pudesse delimitar o corpus estudado, pois só classificá-la como arte imaginativa, expressão de criatividade humana, ligada ao gosto e a sensibilidade não seriam suficientes para tentar defini-la. Ligar a literatura aos grandes escritores é uma forma bastante utilizada na hora de se dizer o que é e o que não é literatura. Segundo Reis (1992), o estudo da literatura seria melhor equacionado considerando-o dentro da dinâmica das práticas sociais: a escrita e a leitura estão sujeitas a variadas formas de controle e têm sido utilizadas como instrumento de dominação social. Nos dias atuais, a instituição mais empenhada nessa tarefa é a universidade (onde se ensina a ler as “grandes obras”, chancelando dessa maneira, o cânon literário), que se presta a reproduzir a estratificada estruturação social. Compagnon afirma que “o critério de valor que inclui tal texto não é, em si mesmo, literário nem teórico, mas ético, social e ideológico, de qualquer forma extraliterário” (1999, p. 34). O cânon, termo grego “Kanon”, vara de medir, tem o sentido de norma; a cristandade o utilizara para selecionar os textos e os autores que mereciam ser lidos. Na literatura, cânon são obras consideradas patrimônio da humanidade, que foram imortalizadas e escolhidas por aqueles que detêm o poder de dizer o que é e o que não é literário. Nas artes em geral e na literatura, que nos interessa mais de perto, cânon significa um perene e exemplar conjunto de obras. Os clássicos, as obrasprimas dos grandes mestres, um patrimônio da humanidade (e, hoje percebemos com mais clareza, esta “humanidade” é muito fechada e restrita) a ser preservado para as futuras gerações, cujo valor é indispensável. (REIS, 1972, p.70) O cânon é uma forma de exclusão não só da cultura de um povo, quando ele está apenas centrado num tipo mais valorizado, mas é como se tivéssemos uma única realidade, uma única história é a que todos precisam ter acesso, excluindo as demais. A literatura, a arte, a escola, talvez não tenham sido criadas visando à classe mais popular, seu alvo fora as pessoas que já estavam preparadas para elas, e talvez venha daí a grande dificuldade em 21 aceitar e quem sabe criar uma maior inclusão dos gostos populares nesses meios, fontes de culturas inquestionáveis. Se seguirmos esta noção, tão corrente nos circuitos da chamada alta cultura e tão consagradas pelas estâncias abonadoras da produção de bens simbólicos, verificamos que a corpus canônica da literatura (e, via de regra, não se usa o adjetivo “ocidental”, embora os autores sejam oriundos do ocidente) está envolto por uma redoma de a - historicidade, como se houvesse sido estipulado por uma supra comissão de cúpula e de alto nível ( infensa a condicionamentos de ordem ideológica ou de classe) que, por uma espécie de mandato divino, houvesse traçado os contornos do cânon, elegendo tais obras e autores e varrendo do mapa outros autores e obras. (REIS, 1992, p.71) As obras consideradas clássicas trazem verdades que ultrapassam o tempo, universais e incontestáveis. E o conceito de literatura está arraigado a função social das ideologias dominantes e sua definição encontra-se ligada a noção de poder, aos que dominam e aos que são dominados. 1.3 Literatura é literatura? Pensar em um conceito para literatura, antes, seria preciso delimitá-la. O campo da arte é muito amplo e o da literatura como arte que é não seria diferente das demais. Mimeses, literariedade, letras de forma, estética, ideologia, dentre tantas outras construções não são precisas, individualmente, mas, o conjunto desses elementos, é de suma importância para se achar uma forma de conceituar a literatura. Para Compangnon, “no sentido mais amplo, literatura é tudo o que é impresso (ou mesmo manuscrito), são todos os livros que a biblioteca contém (incluindo-se ai o que se chama de literatura oral, doravante consignada)” (1999, p. 31). Segundo Compagnon (1999), a acepção apresentada acima, corresponde à noção clássica de “bellas letras” as quais compreendiam tudo o que a retórica e a poética podiam produzir, não somente a ficção, mas também a história, a filosofia e a ciência, e, ainda, toda a eloqüência. Se pensarmos a literatura, assim, como sendo equivalente a cultura, referente ao sentido que essa palavra adquiriu no século XIX até os dias atuais, ela perderia sua especificidade, sua qualidade, própria, será negada. 22 O estreitamento institucional da literatura no século XIX ignora que, para aquele que lê, o que ele lê é sempre literatura, seja Proust ou uma fotonovela, e negligência a complexidade dos níveis de literatura (como há níveis de língua) numa sociedade. (COMPAGNON, 1999, p. 33) A literatura não é inalterável, ela muda com o tempo. A forma de ver as obras hoje pode não ser a mesma daqui a alguns anos, o que hoje não é considerado como um texto de cunho literário pode adquirir esse status futuramente. Compagnon (1999) discute o fato do próprio cânone não ser estável, mas que nele há entrada e saída, como exemplo, ele frisa a poesia barroca, Sade, Lautréamont, os romancistas do seculo XVIII, que foram redescobertos e que modificaram a nossa definição de literatura. A tradição literária é o sistema sincrônico dos textos literários, sistema sempre em movimento, recompondo-se à medida que surgem novas obras. Cada obra nova provoca um rearranjo da tradição como totalidade (e modifica, ao mesmo tempo, o sentido e o valor de cada obra pertencente à tradição. (COMPANGNON, 1999, p.34) T. Eagleton (1983) já discutia o fato de que muitas coisas que foram escritas no passado, não tiveram como objetivo serem consideradas como sendo literatura. Muitos ensaios, tratados, cartas, dentre tantas outras escritas, hoje ocupam o status que muitos desejariam, suas obras apreciadas, indicadas e carimbadas pela crítica como leituras de riquezas inestimáveis, verdadeiros patrimônios da humanidade. Um segmento de um texto pode começar sua existência como história ou filosofia, e depois passar a ser classificado como literatura; ou pode começar como literatura e passar a ser valorizado por seu significado ideológico. Alguns textos nascem literários, outros atingem a condição de literários, e a outros tal condição é imposta, sob esse aspecto, a produção do texto é muito mais importante do que seu nascimento. (EAGLETON, 1983, p.12) No livro Teoria da literatura “revisitada”, Magaly Trindade e Zina Bellodi (2005) discutem a exploração e a criação dos diferentes aspectos literários contemplados em variedades de obras, entretanto, afirmam que seu essencial “mistério” permanece ainda hoje. É o fato da literatura (como arte em geral) continuar ainda como um campo aberto a novas perspectivas que justificaria o grande número de obras de livros sobre teoria literária. Não por imaginarmos que encontrarmos uma resposta nova e definitiva para a questão, mas apenas num impulso de pelo menos, uma explicitação daquilo nos sugere a atividade literária. (TRINDADE E BELLODI, 2005, p. 19-20) 23 As definições que foram trabalhadas, apesar de distintas em alguns pontos, estão sempre buscando na linguagem uma forma para definir a literatura. A forma que um texto se apresenta e causa estranhamento, nos desfamiliarizando com o que estamos vendo parece ser o principal foco que nos levaria a uma definição para essa arte. Dessa forma, tão certo ou tão polêmico, a história e a teoria da literatura nos leva a pensar e questionar como os livros didáticos apresentam aos alunos do ensino médio o conceito de literatura, aliás, o próprio cotidiano da Academia e a experiência discente nos levam a querer analisar como a ideia de o que é ou não literatura perpassa nas escolas e nos manuais didáticos; assim o próximo capítulo mostrará conceitos trabalhados pelos livros didáticos para a arte literária, além de apresentar uma análise dos conceitos ali evidenciados. 24 2. LITERATURA: O QUE DIZEM OS LIVROS DIDÁTICOS No capítulo anterior foi possível descrever alguns textos trabalhados por alguns teóricos, encontrando, assim, alguns conceitos para a arte literária. Neste capítulo serão os livros didáticos que trarão as definições para a Literatura. Foram escolhidos três manuais, porém, não será analisado todo o conteúdo dos livros, apenas os capítulos onde estão sendo trabalhados os conceitos para a disciplina. As obras escolhidas são dois do ano de 2010 e outro ao ano de 2009: Português linguagens: literatura, produção de texto, gramática, dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães; Português: literatura, gramática, produção de texto, dos autores: Leila Lauar Sarmento e Douglas Tufano e Literaturas brasileira e portuguesa dos autores: Samira Yousseff Campedelli e Jésus Barbosa Souza. No século XXI, continua sendo muito percebível a dependência dos docentes ao livro didático. Ele é o companheiro fiel nas suas aulas e, em muitos casos, seu trabalho se resume ao que está dito e como está sendo dito naquele manual. No decorrer dos anos, houve mudanças na forma de construção desse material, ficaram mais coloridos, mais atrativos e maiores. Conforme Pinheiro “os livros didáticos, nos últimos anos, mudaram sensivelmente sua apresentação. Estão maiores, bem mais coloridos, em papel de melhor qualidade” (2006, p.108). Os livros didáticos de Literatura para o Ensino Médio, ou a parte do livro de Língua dedicada à disciplina da “Arte da palavra”, são bem ilustrativos, com pinturas, sugestões de filmes, letras de música e alguns textos literários. Em suma, temos na parte dedicada a Literatura, a disciplina que contempla todos os tipos de artes. Apesar das diversidades de obras lançadas pelas grandes editoras, não encontramos muitas diferenças de um volume para outro, só alguns poucos detalhes variam de obra para obra. Um primeiro aspecto a destacar em livros didáticos de literatura recentemente publicados é a diversidade de autores e de reedições. Mas, se por um lado, há uma boa quantidade de livros no mercado, por outro, o modo de apresentar a literatura e de conceber o seu ensino não tem sofrido grandes alterações. (PINHEIRO, 2006, p.106) Temos basicamente dois modelos de livros: os que são coleções voltadas para os três anos do Ensino Médio e os volumes únicos, que é a junção dos três anos numa única 25 obra. Segundo Pinheiro (2006), esses modelos são quase sempre de língua e literatura e, em muitos deles, a literatura é a menor parte. Em menor quantidade, temos os livros didáticos especificamente de literatura, também em forma de coleção e em volume único. O que já foi dito mostra que não há muita heterogeneidade na parte física das obras e mesmo nos conteúdos. Sempre encontramos quase a mesma coisa: partem do Trovadorismo português, uns se restringem à Literatura Brasileira, até as tendências contemporâneas da nossa literatura. Porém, o que vai interessar aqui é a conceituação que os manuais didáticos trazem para a Literatura, como eles introduzem aos alunos esse conceito e quais são as linhas teóricas que pautam essa discussão, uma vez que muitos alunos nunca tiveram contato com essa arte até o Ensino Médio. 2.1 Português Linguagens 1, o que é literatura? O livro didático Português linguagens: literatura, produção de texto, gramática, lançado no ano de 2010, pela editora Saraiva e adotado por muitas instituições de ensino, para vigorar entre os anos de 2012, 2013 e 2014, é uma coleção constituída por três volumes; cada volume é dedicado a um ano do Ensino Médio. De acordo com nossa proposição de pesquisa e estudo, nos restringiremos apenas ao volume indicado para o primeiro ano, pois é neste livro que se apresenta aos discentes o “primeiro contato com a arte, chamada literatura”, isto é, o primeiro momento de aproximação e apresentação da literatura a ser estudada sistematicamente pelos alunos. A coleção escolhida pertence aos já conhecidos autores William Roberto Cereja, professor graduado em Português e Linguistica, licenciado em Português pela Universidade de São Paulo, mestre em teoria literária pela mesma instituição de ensino superior, doutor em lingüística aplicada pela PUC- SP e professor da rede particular de ensino em São Paulo; e, Thereza Cochar Magalhães, professora graduada em Português e francês, pela FFCL de Araraquara e professora da rede particular de ensino em São Paulo. Ambos também são autores das obras para o ensino fundamental: Português: linguagens (1º ao 9º ano), Gramática: Textos, reflexão e uso (6º ao 9º ano) e também obras para o 26 ensino médio como: Literatura brasileira, Literatura portuguesa, Gramática reflexiva_ texto, semântica e interação, Texto e interação e Interpretação de textos. Como vemos, os autores possuem publicações abrangentes na área de língua, lingüística e literatura, contudo focaremos nossa análise apenas na literatura, mais especificamente, na 7ª edição reformulada por Cereja e Magalhães. O livro, cujo alguns capítulos foram analisados, apresenta uma capa atrativa: um celular moderno e a imagem de uma mulher que, pelas vestes usadas, parece representar o século XVIII, evidenciando um contraste e um encontro entre o passado e o presente; como podemos ver na figura abaixo: (Fig. 1) No sumário do livro não se apresenta uma sequência cronológica ou mesmo unitária sobre a disciplina de literatura, mas um revezamento entre língua e literatura, ora uma, ora outra. Talvez, essa forma de apresentar a literatura indica uma renovação do ensino da disciplina no nível médio, adequando-se as novas propostas e orientações curriculares da área Linguagens, Codigos e Suas tecnologias. Na Introdução do volume há uma forma de preparação denominada leitura e prazer, para podermos entrar, assim, na arte que o livro se propõe a trabalhar. Pessoas ilustres como dramaturgos, cineastas, atores, historiadores, entre muitas outras personalidades, dão breves depoimentos sobre a importância da leitura, e alguns chegam mesmo a definir um conceito para a literatura em suas vidas. Essa foi a estratégia usada 27 pelos autores para influenciar e incentivar os alunos a se abrirem para a leitura e recepção da obra. Vejamos alguns depoimentos usados por eles, em que os entrevistados definem a arte literária. A literatura é como o mar, me banha o tempo todo. É ela que me permite como jornalista, ter um olhar sempre diferenciado em relação ao mundo. Ela me deu essa abstração romântica. Do ponto de vista pessoal, funciona como uma terapia, me levando a descobrir personagens e sentimentos. Acho que a literatura é o caminho da descoberta de emoções, de novas possibilidades de olhar e de sentir. (GILBERTO DIMENSTEIN, apud, CEREJA E MAGALHÃES, 2010, p. 15) É possível perceber que para o jornalista Dimenstein a literatura revela sua importância na sua dimensão humana, pois aponta para função social e emocional que ela causa quando presente no cotidiano do leitor. Outras palavras que mostram o significado da literatura na vida das pessoas são as manifestadas por Marcelo Tas. Eu sempre li como diversão, como uma busca espiritual, nunca por obrigação. Acho que ninguém deve fazer isso, nem obrigar seus filhos ou alunos a tal castigo. (...) Os livros da minha evolução, da minha formação artística e humanística. O livro que a gente está lendo reflete exatamente o que somos naquele momento, o que estamos cutucando dentro do infinito universo de pensamento. Portanto, é bom sempre afiar a pontaria. (...) A literatura é uma espécie de supermicroscopio da alma humana, a maior lente de aumento já inventada pelo homem. Num livro, a gente pode descer até a menor partícula de pensamento ou sentimento já experimentado por alguém. Esse é o fascínio da leitura. Não é pouca coisa não. É como um telescópio Hubble apontado pra dentro da gente. (apud, CEREJA E MAGALHÃES, 2010, p.15) Assim, um jornalista e um apresentador de televisão exprimem sua opinião sobre a arte da palavra, realçando a proposta do livro didático a respeito do ensino de literatura. Além disso, os depoimentos destes e de outras personalidades fazem parte da introdução aos estudos literários no ensino médio, pois, após esses relatos e a partir da discussão dos mesmos, os alunos deverão criar sua própria definição sobre o literário e a literatura em suas vidas. A atividade que segue as citações apresenta o seguinte questionamento: 1)Você notou que, entre tantos depoimentos, não há um consenso sobre o que é literatura em sobre qual é o papel dela. Para alguns, ela é revolucionária, generosa; para outros, um meio de conhecer a si mesmo; para outros, ainda, permite ver a vida sob novas perspectivas, permite viajar e vivenciar outras experiências. E para você, o que é literatura? Troque idéias com os colegas da classe, dê seu depoimento e ouça o deles. (CEREJA; MAGALHÃES, 2010, p.15) 28 A questão colocada já nos trouxe uma indagação sobre a arte literária, os alunos terão que ler os depoimentos e através deles formular sua própria opinião sobre algo que, talvez, eles nunca tenham visto ou pode até ter entrado em contato com algum texto literário nos anos anteriores (ensino fundamental), porém o nome literatura provavelmente não fora usado ou explorado. A pergunta que abre as possibilidades de conhecimento e acesso ao que chamamos literatura mostra-se interessante, já que solicita aos alunos que expressem a impressão que têm dessa nova matéria e elaborem um conceito pessoal a respeito do assunto, oferecendo ao professor um conjunto de dados a respeito do que sua turma já sabe sobre o objeto de ensino que ora se apresenta como novo: a obra literária. A seguir, percorrendo nossos objetivos, encontramos, na primeira unidade, intitulada Linguagem e literatura, a primeira definição sobre o que é literatura: “Literatura é linguagem, é a arte da palavra” (CEREJA E MAGALHÃES, 2010, p.16). O conceito inicial sobre o que é literatura decorre da teoria aristotélica, entretanto, os autores não contextualizam de onde tiram esse conceito e esta noção será exposta aos alunos que adentram ao ensino médio pela primeira vez. Temos uma vastidão de teorias literárias contemporâneas que buscam responder essa pergunta, desde os Formalistas com seu conceito sobre a literariedade até as teorias que vêem a literatura como uma construção ideológica, porém é, na antiga Grécia, na germinação do problema que os autores buscam se basear para apresentar aos discentes a nova arte. Na sequência, o capítulo 1 apresenta o tópico: O que é literatura? Neste momento, o aluno terá explicações mais objetivas sobre o termo trabalhado e que muitos terão contato pela primeira vez. Como podemos ver, pinturas deixam a página atrativa: (Fig. 2) 29 Dessa forma, podemos verificar que a obra de Cereja e Magalhães não centram sua atenção apenas na literatura, mas dialoga em toda extensão com outros tipos de artes, como o cinema e a música; talvez porque a pós-modernidade solicite elementos mais atrativos e apelativos para a leitura e o estudo de jovens alunos, ou, talvez, decorrência das próprias teorias que buscam expandir o campo de conhecimento pelo viés interdisciplinar e intertextual, qualificando a formação intelectual, social, cultural e cognitiva de nossos alunos. Entretanto, é fato que, O diálogo entre as artes é real e deve ser cada vez mais estimulado. Por outro lado, se o manual é de literatura, espera-se que a predominância seja de textos literários, na medida do possível, completos, sobretudo os textos em versos, uma vez que têm uma extensão menor e oferecem maior dificuldade de ser resumidos. (PINHEIRO, 2006, p.109) Depois da exploração e o passeio pelo mundo da Arte, os autores oferecem uma interpretação para a disciplina que fará parte de todo o Ensino médio. Literatura é uma das formas de expressão artística do ser humano, juntamente com a música, a pintura, a dança, a escultura, o teatro, etc. Assim como o material da escultura são as formas e o volume e o da pintura são as formas e as cores, o material básico da literatura é a palavra. Literatura é a arte da palavra. (CEREJA E MAGALHÃES, 2010, p.18) O conceito apresentado é muito abrangente. A arte da palavra não define quais palavras seriam essas; pensemos agora na literariedade, posta pelos formalistas russos no século XX: Ambiguidades, metáforas, paradoxos, dentre tantas outras figuras de linguagem. Porém, recordemos que esse tipo de construção, o uso da linguagem conotativamente não é um mecanismo de exclusividade da literatura, a linguagem cotidiana está cheia de metáforas, de metonímias, hipérboles e a própria publicidade vem explorando cada vez mais a linguagem poética em suas criações. No mesmo capítulo, os autores discutem o fato de a literatura ser parte integrante da cultura e as sucessivas transformações passadas por ela, desde a antiguidade até os dias atuais. 30 Na Grécia antiga e na Idade Média, por exemplo, sua transmissão ocorria basicamente de forma oral, já que pouquíssimas pessoas eram alfabetizadas. Nos dias de hoje em que predomina a cultura escrita, os textos literários são escritos para serem lidos silenciosamente pelos leitores. Contudo, juntamente com o registro escrito da literatura, publicadas em livros e revistas, há outros suportes que levam o texto literário até o público, como o cd, o audiolivro, a internet e inúmeras adaptações feitas para o cinema e TV. (CEREJA E MAGALHÃES, 2010, p.18) O texto trás para os alunos explicações sobre a forma como a literatura encontra-se presente na sociedade e até no próprio manual didático, e quais são os suportes em que podemos encontrá-los. Na mesma página, já finalizada a explicação sobre a literatura para entrar na parte dos estilos literários em suas épocas; todavia, os autores esclarecem a dificuldade em limitar um conceito para literatura, em enclausurar a definição e procuram apontar um caminho para continuar os estudos do objeto a ser trabalhado pela frente, isto é, deixam os conflitos e polêmicas conceituais e optam por trilhar os aspectos da linguagem e do papel social e cultural que a literatura apresenta. Desse modo, esse é o encaminhamento dado pelos autores para dar continuidade aos estudos literários no primeiro ano, do ensino médio. O que é literatura? Não existe uma definição única e unânime para a literatura. Há quem prefira dizer o que ela não é. De qualquer modo, para efeito de reflexão, é possível destacar alguns aspectos que envolvem o texto literário do ponto de vista da linguagem e do seu papel social e cultural. (CEREJA E MAGALHÃES, 2010, ibdem) Se antes, tínhamos a definição aristotélica, agora, temos os autores explicando a falta de consenso para poder definir a literatura, seguiu-se, agora, a ideia da literatura como uma cultura inserida na sociedade e que é passiva das transformações que ocorrem ao passar dos tempos e que as mudanças de significações afetam sua forma de ser vivenciada e concebida. 2.2 Português: literatura, gramática, produção de texto; O que é Literatura? O segundo livro, cujos capítulos serão analisados, é a primeira edição do volume Português: literatura, gramática, produção de texto. Lançado no ano de 2010, pela 31 editora Moderna, a coleção é composta por três volumes, sendo cada um direcionado para cada ano do Ensino médio. Os autores são: Leila Lauar Sarmento, licenciada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais, professora na rede pública e em escolas particulares de Belo Horizonte por 35 anos e coordenadora do Ensino Fundamental e do Ensino Médio por 13 anos; Douglas Tufano, licenciado em Letras (Português- Francês) e Pedagogia pela Universidade de São Paulo, professor na rede pública e em escolas particulares do estado de São Paulo por 25 anos. Os autores trazem para a sala de aula um livro constituído por 437 páginas, separando categoricamente a literatura da gramática e da produção de texto. A capa focaliza, possivelmente, a literatura de cordel, pois aparecem algumas imagens nordestinas como o cangaceiro; conforme figura abaixo: (Fig.3) Entre as páginas 10 a 206, encontramos a disciplina literária e, como acontece no livro de Cereja e Magalhães, na obra de Tufano e Sarmento também há um grande diálogo entre as artes, principalmente com o cinema. No final de cada capítulo, encontramos muitas sugestões de filmes, mais voltados para a história e poucas indicações de obras literárias. O manual didático da editora Moderna parece estar mais centrado na história do que na própria literatura, conforme reafirma as próprias palavras dos autores no livro didático: No estudo da literatura, enfatizamos a relação entre o contexto histórico e cultural e os movimentos literários. (TUFANO E SARMENTO, 2010, carta de apresentação) 32 Realizadas essas observações iniciais sobre o manual, passamos para a verificação da primeira conceituação sobre literatura que os autores apresentam: “[...] a literatura é uma forma de arte que recria aspectos do mundo real (o mundo que podemos apreender por meio de nossas experiências) em um mundo imaginário” (TUFANO E SARMENTO, 2010, p.12). Na definição apresentada não encontramos a ideia de literatura como arte da palavra, a definição aristotélica escolhida por Cereja e Magalhães, porém encontramos a ideia explorada por Aristóteles na poética, isto é, de mimeses, que segundo Compagnom (1999) é a melhor forma para chegar a um conceito para a arte literária. Entretanto, mais adiante os autores também discutem o fato de a literatura ser conceituada como sendo a “arte da palavra”. É comum a ideia de que a literatura é uma arte da escrita, mas, na verdade, mesmo os povos que não possuíam escrita desenvolveram literatura sob a forma oral, transmitindo, criando e recriando textos ao longo dos séculos. Ainda hoje a literatura oral permanece viva. Um exemplo é a tradição repentista, tão presente na cultura regional nordestina. (TUFANO E SARMENTO, 2010, p.12) Os capítulos do livro dedicado à teoria literária não parecem buscar um conceito para a literatura, mas o que se percebe é um desejo de trazer para a sala de aula a arte, em todas as suas manifestações. Antes de chegar aos capítulos que tratam dos estilos de cada época, historicamente, os autores tentam explicar qual o tipo de linguagem faz parte das criações literárias: “A literatura é o espaço em que a linguagem é muito mais trabalhada para causar efeitos estéticos” (TUFANO E SARMENTO, 2010, p.21). Eagleton (1997) corrobora com Tufano e Sarmento quando postula que o discurso literário torna estranho e aliena a fala comum; ao fazê-lo, porém, paradoxalmente nos leva a vivenciar a experiência de maneira mais intima, mais intensa. A obra de Tufano e Sarmento não apresentam um grande interesse em trabalhar a teoria literária, sua obra vem focando mais na forma de linguagem, explorando os aspectos que tornam um texto como literário. Os autores enfatizam a forma de linguagem e as mudanças que elas tiveram em diferentes tempos, aspectos conotativos e denotativos são apresentados como uma forma de distinguir a linguagem da literatura das demais linguagens; também busca levar aos discentes a ideia de liberdade que a linguagem 33 literária apresenta. Segundo Tufano e Sarmento um texto literário, como vimos, não tem um sentido predeterminado, ele é antes um campo de possibilidades e cabe ao leitor entrar nesse campo e tecer sua leitura, elaborando uma rede de interpretações. 2.3 Literaturas brasileira e portuguesa, o que é literatura? O terceiro e último livro, cujos capítulos foram analisados, é volume único, do ano de 2009, lançado pela editora Saraiva. A obra denominada: Literatura brasileira e portuguesa vem focada na arte literária. O livro é de autoria de Samira Yousseff Campedelli, doutora em Letras pela USP e professora de língua portuguesa na Escola de Comunicação e Artes da USP; e do autor Jésus Barbosa Souza, Bacharel em Direito e PósGraduado em Comunicação Social. O volume único, com 606 páginas, é direcionado para as três séries do antigo segundo grau, embora ainda tenhamos três anos que constituem o atual Ensino Médio. O manual didático mostra-se interessante pela capa, chamando a atenção do estudante ao explorar a ilustração de uma pintura, preparando os alunos para uma viagem pelo mundo da arte, o que possível ver pela capa exposta abaixo: (Fig.4) 34 Além do apelo visual da capa, a novidade do livro é a presença de um capítulo dedicado a literatura africana de expressão portuguesa, pois ao final do livro os autores abrem espaço para trabalhar esse tema. Desse modo, os autores Campedelli e Souza trazem em seu material didático, de acordo com a nova lei da LDB/art.26-A, o estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional. Os conteúdos referentes a esse assunto serão ministrados também nas aulas de literatura e o manual, Literatura brasileira e portuguesa. Assim no capítulo dedicado a literatura africana encontram-se alguns poemas para serem trabalhados, dos autores angolanos José Luandino Vieira e José Eduardo Agualusa. A obra de Campedelli e Souza apresenta uma introdução voltada para a arte. Há toda uma explanação sobre ela antes da introdução a literatura; só no capítulo II, encontramos o objeto da nossa análise, ou seja, o conceito de literatura que os autores de livros didáticos oferecem como conhecimento literário aos alunos/leitores, pautando o ensino de literatura no Ensino Médio e, consequentemente, a noção sobre o que é literatura. A literatura focada neste livro é a literatura artística, ou seja, a obra de arte composta por meio de um arranjo das palavras, organizadas de modo especial para lhe atribuir sentidos novos e não usuais, imitando a vida, e posta de modo a criar uma suprarrealidade, isto é, uma realidade paralela que causa emoções e sentimentos no leitor. (CAMPEDELLI E SOUZA, 2009, p. 24) No início do capítulo, os autores apresentam o seu plano de trabalho e usam a ideia do filósofo grego Aristóteles para abordar o conceito de literatura. Entretanto, como Cereja e Magalhães, Campedelli e Souza não contextualizam seu conceito e não mencionam o filósofo grego no seu material. Assim, mais uma vez, constatamos que os livros didáticos atuais permanecem realizando a alusão à arte da palavra e a mimeses como elementos caracterizados do que vem a ser literatura, reforçando o berço da explicação teórica sobre o tema, inclusive, por vezes, explicando o lexema estudado no sentido de arte das belas letras. Por outro lado, no intuito do desapego ao conceito aristotélico, também são apresentados outros conceitos, os quais evidenciam uma concepção mais atualizada; os autores enfocam seu conceito na análise do receptor, completando sua definição com a 35 teoria da recepção do autor Hans Robert Jauss, versões que acompanham a teoria literária mais recente. Nesse sentido, os autores da obra didática analisada dizem que: A arte literária é, portanto, a arte de escrever e representar a realidade de forma artística, permitindo aos leitores que a interpretem conforme a sua própria experiência. (Campedelli e Souza, 2009, p.25) Segundo os autores, durante muito tempo, foi empregado no sentido de “arte das belas letras”, contudo esse conceito primitivo alterou-se e distanciou-se do simples “beletrismo”, pois nem só o que retrata beleza é o belo artístico. Qualquer assunto pode inspirar uma obra e se constituir em “arte” desde que o autor seja capaz de transmitir uma emoção, pela linguagem. Na página 30, Campedelli e Souza usam uma citação de Antônio Candido para conceituar a literatura: Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que denominamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações. Vista deste modo, a literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação. (2009, p.30 ) A citação de Antônio Candido nos mostra uma literatura, ao mesmo tempo abrangente, revelando-se em diversas manifestações, a escrita e a cultura são características inerentes a ela. O manual didático, Literatura brasileira e portuguesa, apesar de ser apenas direcionado para a literatura não é um material que explore mais profundamente a teoria literária. Os autores trouxeram um livro, onde a arte é ponto mais focado e mais trabalhado. Os conceitos que encontramos sobre a literatura são modernos, democráticos, que trazem para a análise do seu objeto de trabalho o leitor, suas experiências e as mais variadas manifestações artísticas. 2.4 Afinal, o que é literatura no livro didático? 36 A tentativa de explicar a literatura foi germinada pelos filósofos gregos Platão e Aristóteles. A preocupação de muitos séculos atrás ainda tenta responder a mesma indagação. Foi no conceito de mimeses, no sentido aristotélico, que foi possível encontrar um caminho para chegarmos as resposta para o que vem a ser a literatura. (...) é o que acontece na experiencia: nós contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com repugnância, por exemplo, as representações de animais ferozes e cadáveres. Causa é que o aprender não só muito apraz aos filósofos, mas também, igualmente, aos demais homens, se bem que menos participem dele. Efetivamente, tal é o motivo por que se deleitam perante imagens: olhando-a, aprendem e discorrem sobre o que seja cada uma delas, e dirão, por exemplo, “este é tal”. Porque, se suceder que alguém não tenha visto o original, nenhum prazer lhe advirá da imagem, como imitada, mas tão somente de execução, da cor ou qualquer outra causa da mesma espécie. (ARISTÓTELES,1993, p.27) A representação da realidade, mesmo a imitação, foi a forma mais coerente que os livros analisados trouxeram para os discentes. Mesmo Cereja e Magalhães, quando trazem a literatura como “arte da palavra” não sustentam esse conceito, também aristotélico, até o final, por perceberem a abrangência que aquilo implicaria. Os autores dos manuais, como as próprias teorias literárias não conseguiram estabelecer, criteriosamente, a definição para a literatura. O formalismo russo, a escola de praga, o new criticism, o manual de Wellek e Warren, de Aguiar e Silva, nem mesmo seus modos de conceituação conseguiram incluir todas as manifestações literárias em sua fórmula de classificação. Assim foi o que tentaram fazer os autores dos manuais, buscaram no passado as possíveis respostas para seus alunos. Não há refutação definitiva, mas uma forma simples dos discentes conseguirem se adequar a nova realidade. Mas seria definindo a literatura como “arte da palavra” ou como “mimeses” um jeito de não complicar a forma como eles começariam a ver essa arte? Se assim o for, chegará um momento em que eles entenderão como sendo literatura, desde um bilhete apaixonado dos namorados até a mais complexa obra de Machado de Assis, ou qualquer texto que imitem a vida? Se for a linguagem, a palavra, a resposta para a pergunta, poderíamos então, colocar apenas umas metáforas, umas metonímias e assim criamos um texto literário? Assim, poderemos trazer para a sala 37 de aula um conceito amplo de literatura, que abrange tudo o que é impresso ou manuscrito, todos os livros da biblioteca, incluindo-se ai, também a literatura oral. Percebe-se que não é fácil encontrar uma forma de levar uma definição da literatura, que tem uma construção ideológica, para a sala de aula. É preciso um maior cuidado na hora de dizer o que é, pois é muito mais fácil dizer o que não o é e excluir do seu acervo as obras rejeitadas pela Academia. Talvez, seja preciso trazer mais textos literários nesses manuais, levar os alunos a lerem e conhecerem a essência de construção que usa a palavra, como sua matéria prima. Uma maior ênfase na parte dos textos poderia até levar os alunos à tautologia que literatura é simplesmente literatura. Até aqui podemos constatar o quanto é complicado explicar e definir o que é literatura, só mesmo a imersão profunda e um estudo concentrado sobre o assunto nos ajudará a perceber as nuances do termo e suas conseqüências na sociedade e na escola. Por isso, ao buscarmos a definição na teoria literária e nos manuais didáticos não poderíamos deixar de buscar também o conceito na voz de quem dissemina a importância do literário: o professor. Assim, nosso próximo capítulo versará sobre o pensamento e o conhecimento dos professores, sobre o conceito de literatura que eles utilizam em suas salas de aulas para que possamos verificar qual a definição está sendo usada por eles ao explicarem aos seus alunos o que é literatura: será a teoria ou o manual didático o indicador e a base desse conhecimento? 38 3.COMO OS PROFESSORES CONCEITUAM A LITERATURA? Nos capítulos anteriores, discutimos as definições para a arte literária que estão sendo trabalhadas por alguns autores e por alguns livros didáticos. Agora, vamos voltar nossa discussão para os conceitos que estão sendo usados pelos professores em suas respectivas sala de aula. Para isso, foram escolhidos quatro professores que lecionam em escolas da rede estadual de Ensino e como resido na cidade de Itapororoca, fora da minha cidade e de uma cidade vizinha, Mamanguape, que os docentes foram escolhidos. Fora colhidos alguns dados sobre a vida profissional dos mesmos e uma única questão lhe fora feita: O que é Literatura? Pensar o que é literatura não é uma tarefa simples, as próprias teorias literárias não conseguiram fixar um ponto comum, onde pudesse enquadrar todos os textos que usam a escrita conotativamente. Temos variedades de obras que são rejeitadas pela crítica e a própria academia as condenam como não sendo literatura. Mas, afinal, o que é literatura? Na antiga Grécia, a esse léxico enquadravam-se as epopéias e as tragédias, obras que não só imitavam, mas que criavam situações que, mesmo vividas na realidade, encantavam seus ouvintes. Assim, mesmo que nos dias atuais pensemos na literatura como uma arte voltada para escrita, na antiguidade e na idade média, as obras eram encenadas diante das grandes multidões e os aedos cantavam suas cantigas de amor e de amigo na época, denominada trovadoresca. A arte da palavra fascinava desde as pequeninas crianças que pouco sabia do mundo e viam nas palavras ouvidas, imagens e cenários desconhecidos, porém isso não as impediam de fechar os olhos e imaginar a que se referia o que estava sendo dito, até os jovens que começavam a viver as histórias e os idosos que se extasiavam com fatos que já tinham visto e muitos casos presenciados, mas que nas sentenças do autor pareciam ganhar algo mais fascinante. Pois tal como há os que imitam muitas coisas, exprimindo-se com cores e figuras (por arte ou por costume), assim acontece nas sobreditas artes: na verdade, todas elas imitam com o ritmo, a linguagem e a harmonia, usando estes elementos separadamente ou conjuntamente. Por exemplo, só de harmonia e ritmo usam a aulética e a citarística e quaisquer outras artes congêneres, como a siríngica; com o ritmo e sem harmonia, imita a arte dos dançarinos, porque também estes, por ritmos gesticulados, imitam caracteres, afetos e ações. (ARISTÓTELES, 1993, p, 17-18) 39 Aristóteles, na sua poética, discute a mimeses presente nas artes, cada qual usa da imitação para enriquecer suas criações, uns com dança, outros com ritmo e outros com a palavra. A arte literária usa a palavra como matéria prima para suas criações, imita a vida, criando o novo. A epopéia, a tragédia, assim como a poesia ditirâmbica e a maior parte da aulética e da citarística, todas são, em geral, imitações. Diferem, porém, uma das outras, por três aspectos: ou porque imitam por meios diversos, ou porque imitam objetos diversos ou porque imitam por modos diversos e não da mesma maneira. (ARISTÒTELES, 1993 p. 17) A ideia de mimeses Aristotélica é uma característica dos textos literários, a imitação (criação) e a literatura como sendo concebida como a arte da palavra são conceitos vistos e ainda adotados no século XXI. A teoria que trouxe a indagação sobre o que é literatura, está cada vez mais presente nos dias atuais. Os manuais didáticos a trazem para a sala de aula, apropriam-se de dizeres já dito, porém esquece-se de explicar que o que está sendo dito, não lhes pertence e os professores seguem, muitas vezes, o que está sendo posto sem questionar de que teoria fora tirado tal conceito. Temos inúmeros livros didáticos e as grandes editoras os levam ao espaço de ensino para serem analisados e adotados pelos mestres, que o utilizarão como apoio na hora de lecionar. Temos inúmeras teorias e manuais que não foram feitos para permanecerem estáticos, adornando grandes bibliotecas ou concentrados em livrarias. As teorias literárias que surgiram no século XX, como o formalismo russo, o Círculo de praga, o new criticism anglo-americano, o manual de René Wellek e Austin Warren, Theory of Literature, dentre tantas outras, não foram escritas apenas por prazer dos seus autores, mas de certa forma, era a intenção deles explicar algo, orientar e facilitar a vida dos que necessitavam de suas justificativas. Essas explicações são necessárias para entendermos o nosso objeto de estudo e podermos passar esse conhecimento para os nossos alunos. Na sala de aula é comum que os discentes tenham curiosidade em saber o que é determinada disciplina, exemplo: de acordo com o historiador, Fernand Braudel (1902), a história é a ciência do passado e do presente, um e outro, inseparáveis. Temos uma resposta concreta para as aulas de história, porém, e quando a aula for de literatura e a mesma questão for feita, o que é literatura? Citaríamos Aguiar e Silva e responderíamos que a palavra literatura deriva da palavra latina litteratura, que fora, por sua vez, imitada do substantivo grego grammatiké; que nas 40 línguas européias modernas, termos correlatos de literatura, do latim aparecem em meados do século XV (aproximadamente 1450); ou que no intervalo de tempo entre meados desse século e meados do século XVIII, há uma literature na língua inglesa, uma littérature, em francês, uma letteratura, no italiano, e uma literatura no português. Ou, ainda, usaríamos outra modulação do mesmo autor, segundo qual o conceito de literatura é aquela operada pela associação de literatura com obras criativas ou imaginativas, em oposição aos textos de caráter objetivo ou aos da ciência. Assim, para ser literatura não bastava que o texto fosse bem escrito segundo o gosto burguês vigente, o que poderia incluir um texto de história ou de ciências, mas esse texto deveria ser, de algum modo, a expressão da criatividade humana. Ou diríamos aos nossos alunos que a complexa palavra literatura, deriva do radical littera, que viria a significar letra, e interpretaria tal informação como a literatura sendo a arte voltada para a escrita. Agora, teríamos um conceito bastante abrangente e, decerto, surgiriam mais e mais indagações, como, por que tal livro é literatura e esse outro não o é? Qual é a diferença, se ambos usam a escrita nas suas criações? Essas questões conflitantes, talvez, sejam o motivo de tantas teorias literárias virem sempre a surgir, porém também são questões que muitos professores não conseguem responder, pois nem mesmo conhecem as respostas. Quando aluna, do Ensino Médio, por vezes tinha a literatura como sendo a arte da palavra, conceito encontrado em alguns manuais didáticos; entretanto, quando cheguei à universidade, no curso de Letras, percebi que a arte da palavra estava dentro de um pequeno circulo, onde se encontrava os grandes clássicos, patrimônio da humanidade, teorias imprecisas e ditatoriais, que nem sempre permitiam uma maior democratização da literatura. Nas teorias que vem tentando definir literatura, umas que tem como foco a palavra, outras as construções ideológicas e assim temos mais e mais alternativas para nos guiarmos nessa busca por respostas. Na academia nos prendíamos as teorias e agora como docentes, nos guiamos pelo livro didático. Mas qual seria o melhor caminho para chegarmos a uma definição para nossos alunos? Tentando responder essa questão e para isso foram entrevistados quatro professores que lecionam literatura e a questão que buscamos mais uma vez foi, o que é literatura? Assim, veremos que explicações e conceitos são usados pelos professores para seu objeto de trabalho, de onde são tiradas essas definições? O que está sendo dito na sala de aula? 41 3.1 Professores, o que é literatura? Na sala de aula é muito mais fácil dizer o que não é literatura que falarmos o que ela é. Chega-se a ser muito fácil designar Machado, Camões, Castro Alves como autores de obras literárias; fácil expormos os estilos literários e citarmos as características de cada época. É mais cômodo mantermos um diálogo com o cinema, com a música, com as artes plásticas, que discutirmos a teoria literária com nossos discentes. Talvez, venha desses problemas, que lecionar literatura é algo tão difícil no Ensino médio; temos um objeto abstrato e de difícil definição, como falar de algo que nem mesmo conhecemos? Para tentarmos buscar quais as representações e definições para o termo literatura que estão sendo trabalhados nas escolas, entrevistamos quatro professores de língua portuguesa e que lecionam Literatura na rede estadual de ensino da Paraíba. Todos os professores trabalham nos municípios de Itapororoca e Mamanguape; a escolha desses locais se deve ao fato de ser o endereço de minha residência e também local onde realizei meus estudos no nível básico. Para eles fora feita a seguinte pergunta: o que é literatura? O primeiro professor a ser entrevistado será denominado de professor “A”. Residente na cidade de Itapororoca, litoral norte paraibano, leciona Língua portuguesa no Ensino médio há mais de vinte e cinco anos num colégio pertencente a rede estadual, na mesma cidade onde reside. Formado em Português pela Universidade Federal da Paraíba, só constando em seu currículo a licenciatura; concursado pelo estado e que se encontra próximo de alcançar a aposentadoria. Vejamos a resposta que ele nos dá: Bem (pausa) eu acho que a literatura são, são(pausa) eu acho que são os grandes clássicos, né? (pausa) você ler Machado de Assim e ver como aquelas palavras fazem(pausa), elas fazem sentido, é algo diferente, uma linguagem brilhante, né? O professor “B” é recém formado em Letras pela Universidade Estadual da Paraíba. Há um ano e meio leciona nas turmas do nono ano e Ensino médio em um colégio estadual, na cidade de Mamanguape e está inscrito num curso de formação continuada 42 proposto pelo governo como uma forma de atualizar seus conhecimentos e lhe dar acesso a novas teorias que vão sempre surgindo. Vejamos qual sua definição de literatura. (Risos) literatura é algo difícil de explicar (pausa) você passa quatro anos na universidade, vendo teorias e ainda assim não consegue dizer, realmente o que é literatura. Bem, o livro didático que uso é o de Cereja e eu gosto da definição e a levo nas minhas aulas (pausa) eu acho que a literatura é sim a arte da palavra. O professor “C” é formado há quinze anos em Letras pela universidade Federal da Paraíba, tem pós-graduação em lingüística pela mesma universidade, há dez anos leciona língua portuguesa numa escola estadual, na cidade de Itapororoca, porém só nos últimos quatro anos vem abrindo espaço nas suas aulas de língua para a literatura. Vejamos a definição que ela usa para o termo: Sabe, eu gosto de ler ( pausa) adoro Machado, adoro Clarice, acho que a leitura é importante, né? Mas, eu acho difícil levar para minhas turmas esses autores. Eles sempre perguntam pra que serve e porque aquilo que eu levo é literatura (risos) aí começam a perguntar o que é literatura? Por que só esses livros são literatura? Ai eu falo né, literatura são obras consagradas que carregam em suas páginas a história de uma época, suas tradições e costumes e outras coisas mais né? Mas eles sempre insistem nas perguntas e eu brinco (risos) literatura é literatura e ponto final. O último professor entrevistado, denominado professor “D”, é formado em Letras há cinco anos pela universidade Estadual da Paraíba, há quatro anos é professor da rede estadual de ensino, lecionando na cidade de Itapororoca, nas turmas do Ensino médio; ele participa dos cursos de formação continuada oferecidos pelo estado e como os demais docentes, ele leciona língua e literatura. Segundo as palavras do professor, literatura é: Eu acho que literatura não deveria ser só um tipo de escrita, que privilegiam os clássicos, bem eu acho que, em minha opinião, acho é preciso abrir espaço para todo tipo de leitura e acho que o importante é meus alunos lerem, só assim poderão se expressar melhor, bem eu acho que a literatura são os romances, as poesias, a música, o cinema, eu acho que é isso a literatura. 43 Desse modo, apresentamos quatro definições dadas por professores para nossa discussão, as quais são utilizadas pelos docentes em suas aulas de literatura. Vale lembrar, que temos professores bem antigos e outros que estão começando sua vida no magistério há bem pouco tempo, uns que participam dos cursos de formação continuada, oferecidos pelo estado, outros que só constam no currículo a licenciatura. Professores formados pela Universidade Federal da Paraíba e pela Universidade Estadual da Paraíba. Docentes formados em Letras/Português, que oscilam em suas aulas, ora língua, ora literatura, tendo a última menos tempo da sua carga horária. Percebe-se nas respostas dos professores uma falta de clareza e certeza acerca do termo literatura, alguns optam por conceitos abrangentes, outros se fecham nos clássicos, recorrem ao cânone, se prendem ao livro didático. Os docentes com muito tempo de sala de aula parecem mais limitados ao desgaste do tempo, reproduzindo conceitos fechados, enquanto que os docentes recentes parecem perdidos, o que nos faz pensar que o que é literatura é uma questão que parece distanciar-se mais e mais da nossa realidade escolar, as teorias literárias, os manuais didáticos e os professores parecem trilhar caminhos distintos. Nas entrevistas foi possível perceber alguns pontos que precisam ser analisados. Primeiro, a teoria aristotélica encontra-se cada vez mais presente na sala de aula. Ora porque os professores recorrem ao conceito de mimeses, ora pela arte da palavra, ideias trazidas aos professores pelos manuais didáticos, porém que são apresentados como sendo conceitos trabalhados pelos autores e não por Aristóteles, na antiga Grécia. Os livros didáticos o apresentam como se fosse algo seu e não trazem referencia para suas postulações. O próprio autor William Cereja menciona a definição e não faz à referência a fonte que lhe deu aquele conceito. O segundo fato está relacionado ao próprio autoritarismo. Os docentes dizem que Machado de Assis é literatura, mas quando questionado sobre o porquê desse autor o ser, eles não explicam o que há nas obras que as fazem ser literatura, usar tautologias do tipo, “literatura é porque é literatura” não resolverá ou elucidará as duvidas dos alunos. Se o cânone é um conjunto de obras que não deixa dúvidas sobre seu valor cultural, textos que os estudantes devem conhecer, porém a literatura não pode se resumir apenas a esses textos. Literatura não pode ser um espaço fechado, tão autoritário, porém há limites que 44 precisam ser revistos, trabalhados e a melhor forma para isso é levar paras aulas os textos para serem conhecidos pelos discentes. Uma terceira questão está relacionada à interdisciplinaridade da literatura. Não condenemos que há uma necessidade muito grande em fazer uma interligação com todas as áreas, os saberes não podem ser isolados, essa interligação torna as aulas mais ricas, entretanto, o problema está quando a aula de literatura tem em toda disciplina a história, a gramática, a produção de texto, a interpretação e a leitura, menos a leitura da literatura na sua integralidade. Contudo, isso é o que acontece na maioria das vezes, os professores falam de tudo, trabalham tudo, mas não conseguem chegar à arte literária. Nos manuais didáticos isso é muito freqüente e mais uma vez percebemos como o professor é refém desse livro. A literatura, bem como outras artes e ciências, independe da escola pra sobreviver. Apesar disso, dada sua importância para a língua e a cultura de um país, bem como para a formação de jovens leitores, transformou-se em disciplina escolar em várias partes do mundo. Na escola, há diferentes possibilidades de abordar e sistematizar o estuda da literatura: por épocas, por temas, por gêneros, por comparações, etc. No Brasil, no último século, a abordagem histórica da literatura, isto é, o estudo da produção literária dos principais escritores e suas obras no transcorrer do tempo, tem sido a mais comum. Nesta coleção, você vai aprender literatura de uma forma hibrida: a abordagem histórica se mistura a atividades que comparam textos de épocas distintas, que relacionam a literatura com as artes plásticas da época, com o contexto histórico-social e com produções artísticas (músicas, literatura, cinema) do mundo em que vivemos. (CEREJA E MAGALHÃES, 2010, p.27) Os autores do livro, Português linguagens, nos apresenta o dialogo que as artes terão na sua obra e percebemos que dessa forma de trabalhar, o professor criou um conceito que literatura é cinema, é música, é artes plásticas, não que os autores tenham dito isso, mas se a disciplina que o livro estava se propondo a trabalhar se chamasse artes, seria muito mais simples, porém temos a arte literária como disciplina e é nela que deveria existir um foco maior, quem sabe assim, a definição de literatura fosse algo mais fácil de trabalhar pelos docentes. No conceito dado pelo professor “D”, percebe-se que ele enquadra as artes dentro da literatura, quando na verdade não é assim, literatura não é cinema e cinema não é literatura. São artes, enquadram-se nesse conjunto. Com o que está sendo posto, percebemos a ausência das teorias literárias na hora da reflexão dos professores. Suas falas não contemplam algumas definições que seriam de 45 suma importância se trabalhadas em sala de aula. Distinguir a linguagem literária da linguagem cotidiana e científica como propõe Warren e Wellek na sua teoria da literatura pode ser algo interessante de ser trabalhado, buscar a construção ideológica que a palavra literatura carrega consigo seria muito mais produtivo que nos voltarmos totalmente para os cânones, se dizermos que uma obra e um autor é literatura, teríamos que ter uma forma de explicar porque eles o são e não usarmos do radicalismo para impor o que vem sendo dito pela academia e sim dar ferramentas para nossos discentes entenderem o porquê de tais textos serem literários em oposição a outros. Segundo Reis (1992), o estudo da literatura seria melhor equacionado considerando-o dentro da dinâmica das práticas sociais: a escrita e a leitura estão sujeitas a variadas formas de controle e têm sido utilizados como instrumento de dominação social. Nos dias atuais, a instituição mais empenhada nesta tarefa é a universidade (onde se ensina a ler as “grandes obras”, chancelando, desta maneira, o Cânon literário), que se presta a reproduzir a estratificada estrutura social. Ainda, de acordo com o autor, o conceito de literatura seria entendido como uma prática discursiva, entre outras, dentro da ordem do discurso. Dessa forma, percebemos que os professores reproduzem o que vivenciam nas aulas de literatura na universidade nas suas salas de aulas. Seria muito mais produtivo que os alunos lessem e tentassem entender a importância daqueles textos, confrontando-os com os que eles já tinha tido contatos, isso daria maior embasamento para os discentes compreenderem de que arte Aristóteles falava na antiga Grécia e que na atualidade ainda são estudados e vistos como riquezas culturais. As teorias literárias, os manuais didáticos e os professores têm um interesse em comum, suas análises, suas leituras estão buscando alternativas para definir a literatura; conceituar o objeto que estará presente durante três anos na vida dos discentes e para isso será preciso muito mais que só os livros didáticos, os professores necessitarão de embasamento teórico que possas enriquecer seus conhecimentos e assim conseguirem passar uma ideia mais concreta em sua sala de aula. Buscar uma interação com outras teorias conhecê-las, estudá-las, levá-las consigo na hora de lecionar poderiam ser de grande utilidade. Um posicionamento mais analítico, esquecer as fórmulas prontas e ousarem mais para conseguirem adotar uma posição, um referencial que possa ser discutido e trabalhado, fugindo desse espaço fechado e resumido dos livros didáticos, que na maioria das vezes seu maior interesse está em levar a arte em geral para as aulas que a própria literatura. 46 Manuais que estão mais preocupados em contemplar a história que a teoria literária, sua ênfase maior está voltada para os estilos de épocas, páginas e mais páginas vem sempre contemplando e caracterizando cada escola literária, os costumes e o contexto social. Se a aula que está sendo proposta é de literatura, nos foquemos mais nos textos, façamos como os formalistas que buscavam as respostas nas sentenças. Levemos mais leituras, familiarizando nossos alunos com essa forma conotativa que fascina os que a ela tem acesso. A metodologia de começar dizendo o que não é literatura seria proveitosa se pudéssemos dizer logo em seguida o que é literatura. Apontar Machado, Camões, Clarice como literatura e dizer que Paulo Coelho não é literatura é um pouco conflitante, se não temos meios que possam justificar esse posicionamento adotado, se na nossa resumida aula trazemos mais músicas e filmes e a passamos aos nossos discente como sendo pertencentes a arte literária. Como vimos, no primeiro capítulo discutimos o conceito de literatura posto pelas teorias literárias, as discussões e informações que estavam sendo postuladas em suas obras. Vimos a literatura como estética, como mimeses, como arte da palavra, como letras de forma e no final literatura como sendo literatura. No segundo capítulo, as definições que foram buscadas foram as dos manuais didáticos e percebemos nele a menção a Aristóteles, tendo a literatura ora como a arte da palavra, ora como mimeses, ora como algo indefinido e ora contemplando a teoria da recepção, cuja definição para literatura teria que buscar levar em conta o público leitor. Em seguida vimos as definições usadas pelos professores nas suas aulas e percebemos que é dos livros didáticos, muitas vezes interpretado, erroneamente, que vem seu conceitos. Mas o que é literatura, afinal? Que arte é essa que continuamos a buscar uma vez mais uma definição? A tautologia, literatura é literatura não é algo inútil para ser trabalhado, é nesse último conceito que encontramos o conjunto, onde as demais definições estão inseridas. A literatura é uma arte ampla que privilegia a linguagem, porém que também, como cultura, ela está presente nas construções sociais e em cada tempo a forma de classificar um texto como sendo ou não literário vai sempre se modificando. Temos obras que foram imortalizadas e obras que futuramente poderão ser vistas como literatura e levada a sala de aula para ser trabalhadas. Caberá ao professor tentar passar para seus alunos essa flexibilidade que tal arte apresenta, saber o que literatura não é o mesmo que definir história, definir o que é matemática, o que é biologia, conceituar o que é literatura é antes 47 entender a complexidade que esse léxico carrega em si, não só a arte da palavra, mas construções que fazem parte de um conjunto muito maior. Infelizmente, não há uma fórmula pronta para a literatura, não há uma modelo que possa ser seguido para podermos definir o que é e o que não é literatura. Bem, sabemos que a forma de linguagem utilizada nas construções dos textos é rica em subjetividade, palavras que tornam a escrita conotativa, sabemos também que a mimeses de Aristóteles é uma forma de definir a literatura, como um tipo de escrita imaginativa que cria situações e recria a vida. A literatura pode não ter um conceito como a história, a biologia, porém sua definição não carecerá de objetividade, sua definição virá das leituras de suas obras. Vivenciar a literatura é a única forma para os alunos poderem compreender essa disciplina, caberá ao professor entender essa necessidade que não deverá se resumir as obras que deverão ser vistas para as provas do vestibular, mas estender essa necessidade a variedades de textos, assim os próprios docentes poderão ter sua própria definição do que é literatura, da experiência literária dos seus alunos. 48 CONSIDERAÇÕES FINAIS O que é literatura não pode ser definido objetivamente. O que fora posto mostra que não há um conceito fixo, porém é percebível que está na linguagem usada, nas escritas o foco para tal investigação. A arte da palavra, mimeses, cânones, estética, teoria da recepção voltam-se todo o tempo para a ideia proposta pelos formalistas russos sobre a literariedade, classificando a desfamiliarização e o estranhamento como elementos que podem auxiliar na hora de identificar uma obra como sendo literatura ou não. A forma para podermos conceituar a arte da escrita pode ter diferentes momentos; em épocas distintas podem apresentar-se mais fechadas, circundadas por um espaço restrito, cujos grandes escritores serão os representantes e a base para o julgamento de futuras obras ou tão abrangentes que o conceito para o lexema tornar-se-ia, erroneamente, a arte que incluiria no seu sistema todas as demais artes. Nas teorias literárias não há um consenso sobre o objeto analisado, há algumas semelhanças entre elas, muitas vezes falam quase a mesma coisa, utilizando-se de outros dizeres. Nos manuais didáticos voltados para a disciplina Literatura, o que é percebível é interdisciplinaridade com todas as formas de artes, o que acaba, em alguns casos, anulando a arte literária e lhe dedicando muito pouco espaço. Quanto aos conceitos que foram vistos, os três livros estão focados na poética de Aristóteles, usam suas definições e o fazem sem ao menos contextualizar e explicar de onde foram tiradas. Há um mínimo de discussão sobre isso, o que ainda continua sendo de suma importância e continua sendo bem enfatizados são os estilos literários predominantes em cada época. Aos docentes entrevistados não houve muitas surpresas, a sua enorme dependência ao livro didático já é algo de conhecimento público, transformam o material que seria uma forma de auxilio em algo que supre todas as dúvidas e que contém explicações necessárias para seus alunos. Interpretam erroneamente os manuais e vêem como literatura, desde as músicas até o cinema e o teatro. Outros estão presos ao cânone e conceituam a literatura como sendo Machado de Assis, dentre tantos outros grandes autores da nossa arte literária, evidenciando que não estão seguros a respeito do conceito de literatura, e, consequentemente, do que ensinam a seus alunos. 49 Não há o conceito para a arte literária, porém sabemos que vivê-la será a melhor forma de podermos compreender sua essência, suas peculiaridades, sua forma de mimetizar as emoções humanas. Talvez, percebamos futuramente que haverá um momento de falarmos em literaturas e não literatura. O momento de percebermos que Literatura é realmente a arte da palavra que causa não só estranhamento na linguagem que utiliza para suas criações, como estranhamento aos que entram em contato com tal arte. 50 REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. Poética. 2.ed. Bilíngüe grego-português. Trad. Eudoro de Sousa. São Paulo: Ars Poetica, 1993. ARISTÓTELES; HORÁCIO; LONGINO. A Poética Clássica. Introdução por Roberto de Oliveira Brandão; Tradução de Jaime Bruna.7.ed. São Paulo: Cutrix:1997. CAMPEDELLI, Samira Yousseff; SOUZA, Jésus Barbosa. Literaturas: brasileira e portuguesa. Volume único. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 8 ed. São Paulo: T.A. Queiroz Editor, 2000. CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português linguagens 1. volume 1. 7. ed. Reform.—São Paulo: Saraiva,2010. COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria. Trad. Cleonice P.B.Mourão. Belo Horizonte:EdUFMG, 1999. CULLER, Jonathan. 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