Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica.
Coléteres: Estruturas secretoras em Rubiaceae
MAURA DA CUNHA – SETOR DE CITOLOGIA VEGETAL, LABORATÓRIO DE BIOLOGIA
CELULAR E TECIDUAL/UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE.
[email protected]
Os coléteres são estruturas secretoras, presentes em estípulas e outros órgãos de
plantas de 60 famílias de Angiospermae. A estrutura anatômica é determinante
para sua identificação. Estas estruturas são constituídas por células epidérmicas
colunares e secretoras, eixo central de tecido parenquimático, e em alguns casos
são encontrados feixes vasculares. De acordo com Fahn (1979), as estruturas
secretoras de plantas são muito difíceis de serem classificadas, pois muitas vezes
podem ser anatomicamente similares e secretar substâncias diferentes. Com isso
estruturas, como coléteres, possuem diversos aspectos que ainda são pouco
conhecidos, com relação à sua classificação, secreção, fisiologia, anatomia e
ultraestrutura, sendo também alvos importantes para pesquisa.
Rubiaceae
é
uma
das
maiores
famílias
de
Magnoliophyta,
contém,
majoritariamente, táxons arbóreos e possui importante representação na Floresta
Atlântica. Esta família apresenta cerca de 650 gêneros e 13.000 espécies sendo,
portanto uma das maiores famílias de Angiospermas (Robbrecht, 2004). No Brasil,
segundo Delprete (1998), a família compreende aproximadamente 118 gêneros e
1.600 espécies. Uma característica marcante dessa família é a presença de
estípulas cobrindo e protegendo o meristema apical e por vezes, as gemas axilares.
Um grande número de espécies de Rubiaceae apresenta os coléteres na base
dessas, e esses, além de proteger os ápices caulinares, possuem importância
taxonômica. As espécies analisadas por nosso grupo são representantes desta
família na Floresta Atlântica. Os coléteres estudados estão localizados nas estípulas
de ápices caulinares e foram caracterizados com o auxílio de microscopia óptica,
eletrônica de transmissão e varredura, além de metodologias bioquímicas.
Os coléteres são constituídos por um eixo central alongado, formado por
parênquima fundamental, circundado por um estrato epidérmico em paliçada (Da
Cunha & Vieira, 1997), sendo as células epidérmicas as responsáveis pela secreção
(Thomas, 1991). Como já foi descrita, a definição de coléteres não abrange
nenhum aspecto sobre a função desta estrutura, existindo apenas características
anatômicas, para descrevê-la. Contudo, alguns estudos realizados com coléteres de
diferentes espécies apontam diferentes tipos de secreção, restando a dúvida se
algum caráter funcional pode ser adicionado à definição desta estrutura. A
morfologia dos coléteres de um grande número de espécies de diferentes gêneros
de Rubiaceae já foi observada (Lersten, 1974a; 1974b; 1975; Klein et al., 2004;
Miguel, 2004; Miguel et al, submetido). Entretanto, no momento existem poucos
estudos que abrangem aspectos funcionais e celulares a respeito do
desenvolvimento dos coléteres, sendo conhecida, na maioria dos casos, apenas a
Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica.
morfologia desta estrutura para fins taxonômicos. Algumas características dessas
estruturas estão sendo analisadas para desvendar mecanismos da formação da
secreção e para fins taxonômicos.
A existência de feixes vasculares nos coléteres parece não ter importância para o
desempenho de sua função secretora. Em sua revisão, Thomas (1991) descreveu
apenas um gênero (Gardenia), dentre outros, de Rubiaceae no qual há
vascularização no coléter. Entretanto, foram encontrados feixes vasculares no eixo
central de diversos coléteres, em espécies de Simira (Klein et al., 2004), Bathysa
(Miguel et al., submetido), Rustia (Miguel et al., 2001) e Psychotria (Da cunha &
Vieira, 1997). Aliado a isso, apesar da indicação na literatura sobre a presença de
uma constrição na base do coléter, poucas observações são encontradas a respeito
desse tipo de pedicelo. Nas espécies estudadas, observamos apenas uma constrição
na base dos coléteres, cujas células não são clorofiladas. As células epidérmicas na
região da constrição, quando comparadas às células da epiderme secretora do
coléter, apresentam diferenças com relação ao formato e às características
citológicas, o que sugere diferenças funcionais.
Os coléteres estudados até o momento para os gêneros Bathysa, Simira, Rustia,
Psychotria, são classificados como cilindriforme (“standard”), devido à forma.
Quanto a sua distribuição nas estípulas, os coléteres estão dispostos em fileira(s)
na base da face adaxial das estípulas na maioria das espécies estudadas, no
entanto, em S. glaziovii e B. nicholsonii, esses estão dispostos em dois triângulos
que contornam o primórdio foliar do nó seguinte. A maioria das espécies apresenta
vascularização no eixo central do coléter, exceto S. pikia e S. rubra.Após as
observações dos coléteres em Simira (Klein et al., 2004), e a pesquisa bibliográfica
realizada, uma pergunta não pode ser deixada de lado: será que o coléter pode ser
considerado apenas como uma epiderme secretora? Uma resposta positiva a essa
pergunta justificaria a variação da presença de feixes vasculares e da presença de
pedicelo, além da variabilidade do diâmetro do eixo central, que pode ser
observada se forem comparados todos os estudos encontrados a respeito da
anatomia desta estrutura. Até o momento, não é possível determinar a função do
eixo central, entretanto, em Simira (Klein et al., 2004) o desenvolvimento da
estrutura demonstra o status de emergência, onde a projeção não só da epiderme,
mas também de camadas subepidérmicas.
As células epidérmicas apresentam alongamento radial (forma colunar) e exibem o
comportamento de estrutura secretora. Com isso, podem ser observadas, em um
curto período de tempo, mudanças citológicas, como o acúmulo de bolsas de
secreção neste tecido. Estudos mostram que o complexo de Golgi e o retículo
endoplasmático são as organelas mais importantes na produção de mucilagem
(Dexheimer & Guenin, 1981). Nas células secretoras dos coléteres de Simira e
Bathysa observamos a presença de retículo endoplasmático e complexo de Golgi,
além de organelas como mitocôndrias e plastídios. Entretanto, não foi possível
avaliar o sítio de produção da secreção, sendo necessário estudos citológicos com
Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica.
marcadores imunológicos para a detecção da via de secreção do exsudato destas
espécies. As células epidérmicas, durante a atividade secretora, apresentam um
citoplasma denso, núcleo, pequenos vacúolos, retículo endoplasmático e grande
número de complexo de Golgi, mitocôndrias e “bolsões extraplasmáticos”. Em
estágios do desenvolvimento de S. glaziovii e B. nicholsonii foram encontradas
inclusões lipídicas. As células epidérmicas de S. rubra foram às únicas a exibir
plasmodesmas. Enquanto em S. pikia foram encontrados plastídios e os “bolsões
extraplasmáticos” repletos de secreção.
A parede periclinal externa dos coléteres exibe arborescência e cutícula delgada,
mostrando-se diferente do padrão lamelar encontrado nas estípulas. Em B.
nicholsonii é possível detectar “cavidades” na parede celular como as descritas por
Kim e Mahlberg (1995) para tricomas glandulares de Cannabis e glândulas
petalares de Humullus lupulus (Kim e Mahlberg, 2000), sugerindo que essas
estejam envolvidas no mecanismo de saída da secreção. A presença das
“cavidades” secretoras em B. nicholsonii sugere que o mecanismo de passagem da
secreção pela parede periclinal externa pode ser diferenciado entre as espécies.
Fricke et al. (2000) reportam que o esvaziamento de vesículas, em células
vegetais, é feito pelo descarregamento da mesma através de um poro que é
formado na membrana plasmática. Após o descarregamento, a vesícula fica murcha
e é reciclada, voltando para o retículo endoplasmático. As vesículas observadas em
B. gymnocarpa, aparentemente, não retornam ao mesmo ponto de ancoramento da
membrana.
A interação de seus domínios aéreos e subterrâneos com o meio ambiente torna as
plantas suscetíveis a parasitas e patógenos (Bowler, 1990). No caso das espécies
estudadas, a presença de estípulas serve como uma primeira linha de defesa,
protegendo de forma física o meristema apical caulinar, os primórdios foliares e as
demais gemas. Com relação aos produtos secretados pelos coléteres, a
variabilidade encontrada aponta para a hipótese de que para muitas espécies esses
servem para a proteção da planta do ataque por organismos patógenos e do
ressecamento (Thomas e Dave, 1989; Thomas, 1991). Para outras plantas, onde
não pode ser evidenciada a função dos coléteres, sugere-se que estas estruturas
existam apenas como resquícios de uma ancestralidade. O ambiente encontrado
em regiões de Floresta Atlântica é bastante úmido, sendo propício para o
desenvolvimento de diversos microrganismos patógenos de plantas, como, por
exemplo, alguns fungos. Na secreção presente no ápice caulinar vegetativo de
espécies de Simira e Bathysa estudadas foram encontrados microrganismos,
mostrando a existência de uma interação entre estes e as plantas em questão. No
entanto, não foi possível verificar o tipo de interação que ocorre entre eles.
Estudos envolvendo a relação desses microrganismos com as plantas em questão
serão necessários para elucidar os mecanismos de interação, bem como a resposta
desses vegetais aos patógenos no ambiente em que vivem. Nos gêneros onde
podem ser observados nódulos de bactérias, especula-se que o exsudato do
coléter tenha grande papel na relação das bactérias com as células vegetais
Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica.
(Horner & Lersten, 1968; Lersten, 1975). Muitos autores concordam com esta
teoria, mas até o momento apenas B. nicholsonii teve sua ação anti-fúngica
comprovada. Lersten (1975) que especulou sobre as possíveis propriedades do
exsudato na relação de espécies de Rubiaceae com bactérias, concluiu que
aspectos como este só podem ser comprovados mediante análises químicas e
estudos de crescimento das bactérias/células vegetais in vitro.
A secreção dos coléteres de algumas espécies foi coletada e analisada para
detecção da presença de proteínas através de análise eletroforética. A presença de
diferentes proteínas com massas moleculares variadas foi observada na secreção
de B. nicholsonii (Miguel, 2004) e S. glaziovii (Klein et al., 2004). Nestes estudos
foi observada a presença de proteínas na secreção sobre as estípulas. Em S.
glaziovii, foi detectada e purificada a partir da secreção uma β-1,3-glucanase, que
foi submetida a vários processos cromatográficos, tendo a análise do perfil protéico
acompanhado de SDS-PAGE. (Vieira et al., submetido). Desta forma o estudo da
composição e da presença de proteínas na secreção torna-se muito importante para
elucidar a função desta secreção para a planta bem como o mecanismo de
transporte e saída dessa das células epidérmicas secretoras. Estudos mais refinados
sobre a composição da secreção, assim como estudos complementares de biologia
celular, devem ser realizados em trabalhos posteriores para a melhor compreensão
do funcionamento dessa estrutura.
Referências Bibliográficas
Bowler, D. J., 1990. Defense-related proteins in higher plants. Annu. Rev. Biochem. 59:
873 – 907.
Da Cunha, M., Vieira, R.C., 1997. Anatomia foliar de P. velloziana Benth. (Rubiaceae).
Rodrigusia. 49: 39 - 50.
Dexheimer, J., Guenin, F., 1981. Étude de la sécrétion de mucilage par le trichomes
stipulaires de Psychotria bacteriophila (Rubiaceae). Cytologia. 46: 731 – 747.
Delprete, P.G., 1998. Sinopse dos gêneros de Rubiaceae do Brasil. 49° Cong Nacional de
Botânica, Salvador 85-86
Fahn, A., 1979. Secretory tissues in plants. Academic Press- London.
Fricke, W., Jarvis, C. M., Brett, C. T., 2000. Turgor pressure, membrane tension and the
control of exocytosis in higher plants. Plant, Cell and Env. 23: 999-1003.
Horner, H. T., Lersten, N. R., 1968. Development, structure and function of secretory
trichomes in Psychotria bacteriophila (Rubiaceae). Amer. J. Bot. 55 (9): 1089 - 1099.
Kim,E.S., Mahlberg,P.G., 1995. Glandular cuticle formation in Cannabis (Cannabaceae).
Am. J Bot. 82:1207-1214.
Kim, E. S., Mahlberg, P.G., 2000. Early development of the secretory cavity of peltate
glands in Humullus lupulus L. (Cannabaceae). Mol. Cells. 10: 487-492.
Klein, D. E., Gomes, V. M., Silva-Neto, S. J., Da Cunha, M., 2004. The structure of colleters
in several species of Simira (Rubiaceae). Annals of Botany 94: 733 - 740.
Lersten, N. R., 1974a. Morphology and distribution of colleters and crystals in relation to
the taxonomy and bacterial leaf nodules in Psychotria (Rubiaceae). Amer. J. Bot. 61
(9): 973 - 981.
Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica.
Lersten, N. R., 1974b. Colleter morphology in Pavetta, Neorosea and Tricalysia (Rubiaceae)
and its relationship to the bacterial leaf nodule symbiosis. Bot J. Linn. Soc. 69: 125 136.
Lersten, N.R., 1975. Colleter types in Rubiaceae, especially in relation to the bacterial leaf
nodule symbiosis. Bot. J. Linn. Soc., 71: 311 - 319.
Miguel, E. C., 2004. Anatomia e ultraestrutura dos coléteres de espécies de Bathysa C.
Presl. (Rubiaceae) da Reserva Biológica de Tinguá, Rio de Janeiro. Monografia- Ciências
Biológicas/UENF
Miguel, E. C., Klein, D.E., Silva Neto, S.J., Da Cunha, M., 2001. Micromorphology and
anatomy of leaves from Rustia formosa (Chan & Schtd. EX DC) Klotzsch (Rubiaceae).
Acta Microsc. (SuplC): 3-4.
Miguel, E.C., Oliveira, M. A., Klein, D. E., Da Cunha, M., 2005 (submetido). Anatomy and
ultrastructure of colleters in Bathysa gymnocarpa and B. stipulata (Rubiaceae).
International Journal of Plant Sciences
Robbrecht, E., 2004. Monographic and systematic studies in Rubiaceae. Disponível internet
via http://www.br.fgov.be/RESEARCH/PROJECTS/rubiaceae.html. Arquivo capturado em
27/09/2004.
Thomas, V., 1991. Structural, functional and phylogenetic aspects of the colleter. Ann. Bot.
68: 287 - 305.
Thomas,V., Dave,Y., 1989. Histochemistry and senescence of colleters of A. cathartica.
Ann. Bot. 64: 201 – 203.
Vieira, F.A.; Da Cunha, M.; Klein, D.E.; Carvalho, A.O, Gomes.,VM., 2005(submetido).
Purification and characterization of β-1,3-glucanase from colleters secretion of the
Simira glaziovii (Rubiaceae). Braz. Arq. Biol. Tecnol.
Download

Resumo - Sociedade Botânica do Brasil