Revista Cidade Nova e a promoção de um “ecumenismo de vida” segundo o pensamento e experiência do Movimento dos Focolares Luís Henrique MARQUES Professor Doutor – Universidade Paulista (Unip) São Paulo (SP) Resumo Este trabalho consiste na análise da cobertura de acontecimentos relacionados no âmbito do ecumenismo feitos pela revista Cidade Nova, vinculada ao Movimento dos Focolares, organização religiosa católica com ampla experiência nessa área. Conforme demonstrado no estudo cuja amostra consiste num corpus formado por notas, reportagens e artigos de opinião publicados em Cidade Nova durante o período de junho de 2011 a junho de 2012, além de promover o pensamento e experiência dos Focolares no que tange ao ecumenismo, a publicação é por si mesma um instrumento da ação ecumênica centrada, sobretudo, na ação cotidiana dos cristãos, com destaque para os leigos de diferentes Igrejas. A esse ecumenismo – que vai além das discussões teológicas e doutrinais – os membros do Movimento dos Focolares chamam “ecumenismo de vida”. Palavras-chave: Ecumenismo e Focolares; Revista Cidade Nova; Ecumenismo de vida Introdução Difundir a ação ecumênica do Movimento dos Focolares (Igreja Católica), sobretudo por meio de relatos jornalísticos de experiências cotidianas de cidadãos comuns e de eventos de projeção eclesial e civil no âmbito de diálogo e cooperação entre cristãos de diferentes denominações, tem sido uma das metas aplicadas de forma significativa pela revista Cidade Nova, editada por essa mesma organização religiosa. A sua concepção e prática de diálogo ecumênico tem projetado os Focolares não só no âmbito católico e cristão ao redor do mundo, como ultrapassou as fronteiras do cristianismo e alcançou pessoas de várias religiões não cristãos ou mesmo sem uma qualquer confissão religiosa. Neste trabalho, procuraremos demonstrar isso por meio de uma análise geral das edições de Cidade Nova cujo lema – Fraternidade em revista – reflete sua vocação a criar pontes de diálogo entre católicos e crentes de outras denominações cristãs, de outras culturas religiosas ou até mesmo pessoas sem um referencial religioso. Por se tratar de uma revista com mais de 50 anos de existência e, por isso, um objeto muito amplo de estudo, para fins de ilustração dos argumentos aqui apresentados, foram escolhidas doze edições para análise, o que correspondem às publicações no período de junho de 2011 a junho de 2012. Foram consideradas nessa análise textos opinativos (artigos) e informativos (notas e reportagens) que, ao longo do período selecionado, abordam direta ou indiretamente o tema do ecumenismo. Parte desses textos tem relação direta com o pensamento e prática ecumênica do Movimento dos Focolares e outros refletem esse quadro, uma vez que a própria revista Cidade Nova revela-se um instrumento de diálogo sobre o tema à medida que busca estimular uma consciência ecumênica entre seus leitores. Por fim, a análise a seguir percorrerá o seguinte itinerário: uma breve apresentação do Movimento dos Focolares e suas ideias-chave (sintetizadas no chamado carisma da Unidade); um breve relato da experiência ecumênica desta organização; uma apresentação essencial sobre a revista Cidade Nova e, finalmente, a análise propriamente dita a respeito de sua linha editorial sobre ecumenismo, tendo como referência as matérias escolhidas como objeto de avaliação deste trabalho. Os Focolares e a Unidade Com quase 70 anos de história, o Movimento dos Focolares – oficialmente reconhecido pela Igreja Católica Apostólica Romana como o título de Obra de Maria – é um movimento eclesial de espiritualidade, está presente em 182 países e conta com mais de dois milhões de aderentes e simpatizantes, dos quais 140 mil são seus animadores e estão divididos em 22 setores e distribuídos em 90 “regiões. A unidade é a palavra que sintetiza o carisma do Movimento dos Focolares e está fundamentada no chamado testamento de Jesus, proclamado por Ele quando de sua crucificação: “Pai, que todos sejam um para que o mundo creia” (Jo 17,21). Nesse sentido, o Movimento se empenha no trabalho de construção do “mundo unido”, no qual todos os seres humanos são irmãos, porque filhos do mesmo Pai. De fato, O Movimento dos Focolares, nascido de leigos, restituiu aos leigos o seu peso e a importância, ainda na época em que as estruturas eclesiais reservavam aos fiéis – jovens, casados, pais e mães de família – apenas um lugar nos bancos da missa dominical. Procurou colocar em sua mira o revigoramento da unidade entre os católicos, a busca da unidade entre os cristãos, a construção de uma rede de diálogos com fiéis de outras religiões e com o mundo ateu, tudo isso muito antes que a ânsia ecumênica viesse à tona no Concílio Vaticano II. (ZAMBONI, 1991, p. 7) Nascido durante a Segunda Guerra Mundial na cidade de Trento, no norte da Itália, o Movimento dos Focolares surgiu a partir da experiência pessoal e evangélica de Chiara Lubich e suas primeiras companheiras. É Chiara mesma quem sintetiza o significado do carisma que nasceu a partir de sua experiência e das primeiras e primeiros focolarinos: A unidade é um ponto-chave fundamental em nossa espiritualidade, porque exprime também sozinha o que o Espírito quer de nós. A unidade exige “algo mais”, porque pressupõe ao menos dois em comunhão. A unidade é uma graça que Jesus pediu ao Pai: “Pai, que sejam um como eu e tu. Eu neles e tu em mim, para que sejam um” (cf. Jo, 17,21-23). E, se é uma graça, não podemos buscá-los com os nossos esforços. Devemos apenas nos dispor a poder recebê-la, amando-nos mutuamente como Jesus nos amou. (LUBICH apud TORINO, Armando, 2011, p. 153) Ação que já cobre o mundo todo. Segundo dados recentes divulgados pelo próprio Movimento (ZAMBONI, 2004, p. 140), a Obra de Maria está presente em 182 países e conta hoje com mais de 141 mil membros. Aqueles que aderem e simpatizam com o Movimento são cerca de 2 milhões e 500 mil. São mais de 50 mil os fiéis de 350 Igrejas Comunidades Eclesiais cristãs e mais de 30 mil os fiéis de várias religiões (judeus, muçulmanos, budistas, hinduístas, taoistas e outros), além de serem cerca de 100 mil os amigos de convicções não religiosas, conforme informa o site oficial dos Focolares (acesso 02ago2012). Ainda segundo cálculos do Movimento, a irradiação de sua espiritualidade já chega a milhões de pessoas em todo o mundo. Ecumenismo e diálogo inter-religioso1 Constituído predominantemente por católicos e leigos, os Focolares, no entanto, tem um amplo trabalho ecumênico (conta com membros de 350 Igrejas cristãs), interreligioso (possui membros judeus, muçulmanos, budistas, hindus, sikhs e outros) e de diálogo com culturas sem referencial religioso. Especificamente a respeito da ação ecumênica, a jornalista Carla Cotignoli faz uma síntese da história sobre como nasceu essa experiência entre os membros do Movimento dos Focolares. Escreveu ela: Em janeiro de 1961, portanto, um ano antes da abertura do Concílio [Vaticano II], Chiara [Lubich] contou a sua experiência cristã a um grupo de religiosas luteranas na cidade de Darmastadt. Justamente na Alemanha, país em que teve início a divisão da Igreja no Ocidente. As pessoas presentes no encontro ficaram tocadas pela centralidade da vivência da Palavra de Deus na experiência de Chiara e de toda a comunidade dos Focolares, e a convidaram a levar aquele espírito de vida também às paróquias evangélicas. Com o tempo, diversos evangélicos aderiram à Espiritualidade da Unidade, nascendo, assim, um novo estilo de ecumenismo, que surgia da experiência de comunhão de vida, que envolvia cristãos – de ministros a leigos – de diversas Igrejas. Um ecumenismo que tinha como fundamento a experiência da vivência do Evangelho e a partilha dessa experiência. (COTIGNOLI, ago.2011, p. 8) Chiara Lubich e os Focolares parecem ter antecipado a experiência ecumênica que a própria Igreja Católica – pelo menos, segundo seu discurso oficial2 – pretendia iniciar a partir do Concílio Vaticano II. Em substituição a uma visão que concebia o ecumenismo como um processo de conquista do retorno dos cristãos de outras denominações para o seio da Igreja Católica, o Vaticano II deu início – ainda que timidamente e não sem conflitos internos – a uma experiência de diálogo e cooperação entre católicos e os demais cristãos. A iniciativa de Chiara foi logo encorajada pelo cardeal Agostinho Bea, considerado um dos pioneiros do ecumenismo na Igreja Católica. De modo a manter 1 Adotamos aqui a nomenclatura utilizada oficialmente pela Igreja Católica para identificar dois diferentes tipos de diálogo religioso: o ecumênico – que se refere exclusivamente à relação com cristãos de outras Igrejas e Comunidades Eclesiais – e o diálogo inter-religioso, adotado como referência para a relação com membros de religiões não cristãs. 2 Com efeito, “é o que afirmam vários dos documentos recentes da Instituição que „preconizam o diálogo com outras religiões e expressam a não reivindicação do monopólio religioso católico‟: Unitatis Redintegratio (A reintegração da Unidade), Nostra Aetate (Em nossa época), Eclesium Suam (Sua Igreja), Ad Gentes (Às Nações) e Lumem Gentium (Luz dos Povos)” (MARQUES, 2001, p. 46). vivo o empenho de diálogo com os outros cristãos, Chiara fundou o Centro Uno cuja coordenação, na oportunidade, foi confiada a Igino Giordani (1894-1980), co-fundador do Movimento. Tendo sido político, jornalista e escritor de renome na Itália, sobre Giordani está em andamento um processo de beatificação junto ao Vaticano. Mais tarde, na mesma Alemanha onde começara essa experiência ecumênica, com a aprovação do então presidente da Federação dos Luteranos, Dr. Dietzfelbinger e o bispo católico de Augsburgo, foi projetado e nasceu um centro de convivência entre católicos e luteranos em Ottmaring, nas proximidades da cidade de Augsburgo, “justamente lá onde, no século XVI, se cristalizara a divisão entre Católicos e Luteranos”, afirmara Chiara Lubich em uma de suas várias entrevistas (CIDADE NOVA, 1983, p. 61). Com o passar do tempo, a Espiritualidade da Unidade foi reconhecida como ecumênica também por anglicanos, ortodoxos e por representantes de outras confissões cristãs, “porque gera um novo estilo de vida ecumênico”, conforme afirmara, em 1982, Philp Potter, então secretário-geral do Conselho Mundial das Igrejas, o maior organismo ecumênico do mundo, lembra Carla Cotignoli (Ibid, p. 41). A jornalista italiana, ao escrever para Cidade Nova, assim descreve, de forma essencial, a experiência ecumênica dos Focolares: “trata-se de um diálogo que – antes de estabelecer-se entre as diversas tradições cristãs – se realiza entre as pessoas: um diálogo de vida, que faz com que nos encontremos, que nos torna capazes de nos descobrir reciprocamente, de encontrarmos pontos de unidade em nossas tradições, e de vivê-los juntos” (COTIGNOLI, ago.2011, p. 41). De fato, a própria fundadora dos Focolares e sua primeira protagonista do diálogo ecumênico sempre fez questão de ressaltar que essa experiência deveria ir muito além das discussões teológicas e doutrinais entre líderes e especialistas, tendo em vista a aproximação das Igrejas. Embora Lubich tenha tido a possibilidade de manter-se em intenso contato com diferentes personalidades do universo cristão (como o patriarca de Istambul, Atenágoras I; o primaz da Igreja Anglicana, Dr. Runcie e Roger Schutz, prior da comunidade de Taizé – de caráter ecumênico – e uma das autoridades de destaque que integraram o Conselho Mundial das Igrejas), ela fazia questão de ressaltar o papel dos leigos (os não ministros) na construção do ecumenismo. Afirmara Chiara Lubich (CIDADE NOVA, 1983, p. 69): Antes de mais nada os leigos podem rezar – quando se fala de ecumenismo a oração é mais que necessária – pois a empresa é árdua. Trata-se de remediar séculos de separação, de indiferença, etc., e por essa razão precisamos da ajuda do céu. Além disso, para que o ecumenismo tenha êxito, realmente, para que se consiga resultados duradouros, é necessário o consenso do povo e o povo é formado principalmente de leigos. Sabemos como outras iniciativas ecumênicas, no curso da história, falharam, porque faltou esse consenso. O consenso do povo é essencial para que haja unidade. Os leigos podem fazer muito para que haja esse consenso, para que a Igreja sempre se sinta uma, mesmo após a unificação das Igrejas. É preciso haver uma educação para a unidade. Os leigos podem fomentar essa educação, por exemplo, promovendo e difundindo uma grande corrente de amor recíproco entre os cristãos que antes estavam separados. Para sentir-se um, de fato, é necessário compreender-se e para compreender-se é necessário amar-se. Temos – e também no futuro teremos, por causa do diálogo teológico – documentos redigidos por comissões mistas que dizem respeito a problemas de fé. É preciso que estes documentos sejam conhecidos para que nos conheçamos melhor. Mas, às vezes, são de difícil leitura, e neste caso os leigos podem oferecer-se para ajudar a explicá-los ao povo. É um trabalho de base, um trabalho capilar, porém muito sério e do qual não se pode prescindir. (LUBICH In: CIDADE NOVA, 1983, p. 69) Dentro dessa linha de um ecumenismo vivenciado no cotidiano, cabe salientar o que afirma o teólogo católico Enrique Cambón, também membro do Movimento dos Focolares. Para ele (1994, p. 64) – segundo o qual o ecumenismo é “uma exigência evangélica e uma urgência histórica” –, a ação ecumênica não deve estar pauta no eclesiocentrismo (“nenhuma Igreja ou Comunidade pode se sentir „no centro‟), uma vez que é a fé no Cristo que deve ser o “centro” das relações entre os cristãos (cristocentrismo). “Que Igreja ou Comunidade poderia afirmar não só que conservou tudo o que Cristo legou aos seus e à humanidade, mas também que o atualizou e desenvolveu através da história, sem defeitos e de modo completo?”, questiona Cambón (Ibid, p. 85). Além das relações pessoais e comunitárias, o “ecumenismo de vida” – segundo a visão focolarina – se manifesta na ação social conjunta de católicos e evangélicos em favor de uma comunidade social e/ou economicamente carente, na busca da solução de problemas ou desenvolvimento de áreas específicas de interesse de grupos, comunidades ou sociedades. Nesse sentido, dirigida e produzida por leigos, a revista Cidade Nova se constitui uma dessas iniciativas tipicamente leiga de construção de um ecumenismo de base, um ecumenismo de vida. A revista Cidade Nova Nascida no seio da comunidade do Movimento dos Focolares e, portanto, sob inspiração do carisma da Unidade, com o passar dos seus pouco mais de 50 anos de existência (a data de sua fundação é 15 de janeiro de 1958), a revista Cidade Nova assumiu como linha editorial a revisão dos acontecimentos e temas da atualidade brasileira e mundial, nas mais diversas áreas da atividade e do pensamento humano, à luz de conceitos como fraternidade e diálogo, conforme as ideias-força desse mesmo carisma. Em sua descrição sobre Cidade Nova, Virgínia Aparecida dos Santos (2011, p. 21) escreveu: A revista Cidade Nova é vinculada ao Movimento dos Focolares, mas não tem por objetivo representá-lo enquanto instituição. O seu objetivo é divulgar ideias e iniciativas, provenientes de qualquer setor da sociedade que visam à tutela e à difusão de valores universais como o respeito à dignidade humana, o diálogo e a compreensão entre todos. Cidade Nova é publicada mensalmente (12 edições em cada ano, portanto) e conta, atualmente, com aproximadamente 23 mil assinantes, distribuídos em todos os Estados do Brasil e presentes em outros países (ela não é vendida em banca). A publicação integra uma rede de 24 edições similares e independentes entre si, editadas em 27 línguas. Na pauta de suas notas, notícias, reportagens e artigos de opinião figuram temas diversos de interesse público: política, temas sócias, economia, saúde, psicologia, educação, arte e espetáculos, cultura, espiritualidade e religião, entre outros, distribuídos em 50 páginas. A revista – locada na Editora que tem o mesmo nome cuja sede fica na cidade de Vargem Grande Paulista (SP) – conta, atualmente, com uma pequena equipe de repórteres/redatores, um Conselho Editorial (que se reúne mensalmente para avaliar as edições, discutir pautas e tratar outros temas de interesse da publicação) e uma rede de colaboradores (jornalistas e especialistas de diferentes áreas) que escrevem matérias e artigos opiniões. Entre esses colaboradores free-lancers, está o autor deste trabalho, que assina a coluna Mídia em pauta, produz reportagens periodicamente e participa do Conselho Editorial. De acordo com Santos (2011, p. 26), na atualidade, o público de Cidade Nova é constituído de 64% de mulheres e 36% de homens cuja faixa etária predominante está acima dos 45 anos (60%), seguida pelos leitores com 31 a 45 anos (26%) e até 30 anos (14%). Trata-se, pois, de uma revista destinada prioritariamente a adultos. “Devido à universalidade dos conteúdos da revista – que cobre os diversos âmbitos da realidade humana -, os seus leitores são muito diversificados e representativos de todas as classes sociais, com predominância nas classes B e C” (SANTOS, Ibid, p. 26). Além disso, segundo pesquisa de Virgínia Santos (Ibid, p. 26), outra característica importante dos leitores de Cidade Nova é o fato de serem formadores de opinião. “A mensagem da revista – diretamente ligada ao campo da cultura e do comportamento – faz com que ela se interesse particularmente com as lideranças nos âmbitos religioso, cultural, acadêmico e social”. Considerada pelos seus produtores uma “revista de opinião”, além de buscar revisitar acontecimentos e temas diversos à luz do conceito de fraternidade, Cidade Nova procura dar espaço a pautas pouco ou nada exploradas pela mídia convencional. O ecumenismo está entre essas pautas, conforme demonstraremos a seguir por meio da amostra analisada das edições publicadas entre o período de junho de 2011 a junho de 2012. Ecumenismo em pauta É visível ao se folhar as páginas de Cidade Nova, um traço que marca a linha editorial da revista: para além das ideias e argumentos teóricos, a publicação aposta nos relatos de experiências concretas como recurso para abordar temas por vezes complexos como é o ecumenismo. Associado a essa postura, é igualmente evidente em Cidade Nova a iniciativa pela difusão de fatos positivos, boa parte dos quais negligenciados por boa parte da grande imprensa. Nesse sentido, é preciso salientar que a mídia em geral não costuma dedicar uma cobertura mais cuidada aos fatos e temas religiosos, limitando-se, muitas vezes e nesse caso, a abordagens de eventos espetaculares ou exóticos. Sem deixar de admitir os limites que o diálogo ecumênico e inter-religioso implica historicamente, Cidade Nova busca noticiar acontecimentos que revelam um empenho positivo em favor da unidade entre os cristãos de diferentes denominações e destes com representantes de religiões não cristãs. Alguns desses fatos são tipicamente religiosos como demonstram as notas Católicos e anglicanos cantam juntos e Cristãos dedicam semana a orações e diálogos, publicadas na edição de maio de 2012 (respectivamente, páginas 10 e 11). No primeiro caso, o texto se refere ao evento que reuniu coros tradicionais, católico e anglicano, em apresentação durante a celebração da festa dos apóstolos Pedro e Paulo e, no segundo, a nota trata da realização da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, celebrada no Hemisfério Sul e, em particular, no Brasil, sob a promoção do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs (CONIC). Ambas as notas pertencem à seção Notas do mundo unido. Outros dois exemplos nesse sentido, estão presente nessa mesma seção. Na edição de outubro de 2011, encontramos a nota 25 anos de diálogo inter-religioso (p. 10) na qual é lembrado o histórico evento realizado na cidade de Assis (Itália), em 1986, em que líderes das grandes religiões se reuniram para um dia de reflexão, diálogo e oração. Com relação esse mesmo acontecimento histórico, a edição de setembro de 2011 (p. 34-37) trouxe um artigo assinado pela atual presidente do Movimento dos Focolares, Maria Emmaus Voce, sobre o então anúncio do papa Bento XVI a respeito do próximo encontro de oração pela paz, programado para outubro. Nesse artigo – intitulado Encontro marcado com as surpresas do Espírito e publicado originalmente no L’Osservatore Romano, jornal do Vaticano – Emmaus Voce escreve, evidenciando a unidade entre os povos (para além de multiplicidade cultural, étnica e religiosa) como uma vocação da humanidade: Essa é a grande visão do desígnio de Deus para o gênero humano, ilustrada pelo Concílio Vaticano II, desenhada desde as primeiras linhas da Nostra Aetate: “Vários povos”, mas “uma única comunidade” espalhada em toda a face da Terra, que se tornou visível em Assis. O bem-aventurado João Paulo II aprofundou essa visão no seu denso discurso. É uma “unidade radical” – afirma ele – “que se fundamenta no mistério da criação divina e pertence à própria identidade do ser humano”. “Todos os homens” – prossegue o papa, utilizando os textos conciliares – “são chamados à unidade do povo de Deus que prefigura e promove a paz universal”. (VOCE, set. 2011, p. 35) Já na nota Proteção recíproca em vista dos locais de culto religioso (junho de 2011, p. 10), é relatada a iniciativa do Conselho Inter-Religioso da Bósnia-Hersegovina na defesa de locais de culto religioso daquele país. Nestes e nos exemplos anteriores, é possível perceber a iniciativa da publicação em abrir espaço para os fatos identificados (ou, pelo menos, uma leitura dos fatos) com uma ação construtiva em favor do ecumenismo institucional. Na reportagem especial Paz, uma meta para todos (matéria de capa da edição de dezembro de 2011, p. 18-22), Cidade Nova faz uma leitura otimista da capacidade que a celebração do Natal tem de unir fiéis de diferentes religiões (cristãs e não cristãs) por lembrar a “universalidade do amor”. “Um amor que supera barreiras e diferenças por meio de gestos concretos como quando, num recente encontro de líderes religiosos realizado em Assis, na Itália, o patriarca Bartolomeu I, da Igreja ortodoxa, se inclinou para pegar e entregar o livro de orações que o primaz da Igreja Anglicana, dr. Rowan Willians, deixara cair no chão”, diz o texto. Essa passagem revela o exercício de um “olhar clínico”, que valoriza os detalhes – como preconizam os cânones do bom jornalismo -, mas que está inclinado a valorizar o positivo, desde “as pequenas coisas”, para usar uma linguagem evangélica. Para Cidade Nova, o “ecumenismo da vida” nasce da relação das pessoas, bem mais do que das instituições e deve almejar “grandes coisas” ou o “mundo unido”, conforme expressão típica dos Focolares para identificar a concretização do carisma da Unidade ou do “Reino de Deus”, para utilizar uma expressão comum aos cristãos. “Tudo isso só é possível quando as religiões evitam absolutizar-se”, declara a matéria em questão. Especificamente sobre um ecumenismo aplicado – ou, para usar uma linguagem religiosa, “encarnado” – é comum encontrar em Cidade Nova relatos de experiências concretas em que cristãos de diferentes denominações se unem numa ação social em favor de um bem comum. É o caso, por exemplo, da matéria intitulada Fomento ao diálogo e aos direitos humanos (junho de 2012, p. 12-14). O texto apresenta a atuação da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese) na capitação de recursos para apoiar projetos sociais no Brasil e no diálogo entre diferentes credos religiosos. Sobre a experiência desse organismo, diz a matéria: (...) em 1973, a Cese foi fundada oficialmente como um serviço ecumênico – ou diaconia (serviço ao próximo) – para ajudar as igrejas a trabalhar por essas necessidades [de transformação social]. “A constituição da Cese e a constituição de um fundo de apoio a pequenos projetos voltados para a defesa dos direitos uniu, no Brasil, as igrejas em torno de um objetivo comum”, destaca Antônio Dimas Galvão, coordenador de projetos e formação. (WOLFE, jun. 2012, p. 13) Seja por meio sob a coordenação da hierarquia de Igrejas cristãs, seja por meio da ação direta e autônoma de organizações leigas de inspiração cristã e ecumênica, o “ecumenismo da vida” – conforme apregoado pelo Movimento dos Focolares – é demonstrado também por uma leitura cristã de acontecimentos sociais e políticos. Na matéria intitulada Unir forças para reconstruir (maio de 2012, p. 28-29), o texto traz um relato sobre o evento “Juntos pela Europa”, iniciativa que reuniu comunidades e movimentos cristãos em prol da construção do Velho Continente sobre bases solidárias, inclusivas e fraternas. De acordo com o texto, a ação das comunidades e movimentos eclesiais tem o objetivo de resgatar as raízes cristãs da Europa, em parte sufocadas pelo secularismo que se desenvolveu por todo o continente no último século. Dentro dessa mesma temática – o papel cristão na construção da cultura da solidariedade na Europa – a edição de dezembro de 2011 de Cidade Nova (p. 29) reproduz a síntese de uma reflexão feita pelo presidente da União Europeia, Herman Van Rompuy, sobre a importância da presença cristã na construção de sociedades democráticas, cujo discurso foi proferido em uma reunião com líderes religiosos cristãos ortodoxos e católicos, judeus, muçulmanos e budistas, em Bruxelas (Bélgica). Ao defender a unidade “na diversidade” (o que inclui a diversidade religiosa), Van Rompuy afirma que “a Europa precisa de pessoas que, com atitudes positivas, construam algo juntamente, sem ver o outro como inimigo”. E continua: “Por isso a democracia precisa de uma base espiritual e moral e, nessa perspectiva, os cristãos têm uma função essencial”. Ainda nessa mesma linha, segue o texto da seção Notas do mundo unido intitulada Cristãos da Eslovênia afirmam valores comuns que fundam o país (agosto de 2011, p. 10) o qual é relatada a iniciativa de líderes cristãos e mulçumanos eslovenos em assinarem uma declaração conjunta pela qual afirmam que a sociedade daquele país “está sedimentada sobre três alicerces importantes: a dignidade dos seres humanos, a vida familiar e a liberdade religiosa”. Por fim, duas notas sinalizam para o empenho das comunidades religiosas (particularmente as Igrejas cristãs) no que tange ao empenho de construir o “Reino de Deus” como uma realidade presente neste mundo. Nesse sentido, a despeito de críticas que, por vezes, recebem ao se envolver com temas não religiosos, muitas dessas organizações religiosas têm engrossado ou até mesmo liderado movimentos sobre questões que fogem ao seu âmbito de ação específico. É que revelam as notas Religiões se unem para discutir mudanças climáticas (p. 10) e Testemunho cristão pelas causas ambientais (p. 50), ambas publicadas na edição de janeiro de 2012. No primeiro caso, é apresentado um breve relato sobre um encontro de representantes de diferentes religiões em Durban (África do Sul) para discutir alternativas para a mudança climática que tem afetado o globo. O segundo texto é, na realidade, uma pequena entrevista no estilo “pingue-pongue” (pergunta e resposta) com Barbara Vischer-Schmidt, de 82 anos, da Igreja Reformada na Suíça, sobre seu trabalho de conscientização ambiental. Por meio dessa pequena “radiografia” de Cidade Nova, não é difícil constatar que, de fato e talvez contrariando certo discurso comum entre profissionais de imprensa, a publicação opta, claramente, por ser uma “revista de opinião” no sentido que toma parte de uma posição claramente favorável ao ecumenismo, buscando demonstrar com suas notas, reportagens e artigos que este é um projeto viável, a despeito das dificuldades históricas que há séculos separam os cristãos. Com efeito, pela amostragem analisada, não se percebe a problematização ou polemização típica da imprensa a respeito da questão do ecumenismo e diálogo interreligioso. Parece, afinal, que Cidade Nova justifica na negação ou negligência da grande imprensa sobre a viabilidade de um projeto ecumênico capaz de unir cristãos de diferentes Igrejas e na sua transparente identidade com o carisma do Movimento dos Focolares, a defesa da bandeira do ecumenismo e do diálogo inter-religioso. Considerações finais Embora Cidade Nova esteja sujeita a críticas por sua leitura demasiadamente otimista dos fatos que compõem o atual universo da experiência ecumênica, não é possível negar a contribuição da revista para a construção de “pontes” entre fiéis, grupos, comunidades e Igrejas cristãs. Sua honestidade em assumir a bandeira em favor do diálogo ecumênico e inter-religioso coloca em discussão a clássica perspectiva da isenção que se espera dos jornalistas e veículos de imprensa na cobertura de temas e acontecimentos. Naturalmente, isso implica, nesse caso, deixar de lado os artigos de opinião, textos assinados em que o autor (jornalista ou não) tece comentários sobre um assunto a partir de seu ponto de vista pessoal. No entanto, chama a atenção o compromisso e empenho da revista em cobrir uma lacuna não preenchida pela grande imprensa no Brasil, seja por razões ideológicas, mercadológicas ou por uma simples questão de competência. A propósito, vale reforçar o argumento já citado neste trabalho: a imprensa brasileira costuma tratar temas religiosos de forma tendenciosamente espetacular, deixando de lado, muitas vezes, pautas mais criativas e de interesse público. E nesse caso específico, há uma convenção comumente adotada: a divisão e o conflito costumam “vender mais jornal” do que as iniciativas – em geral, pequenas e isoladas – que testemunham a exigência histórica dos próprios cristãos à unidade. Referências CAMBÓN, E. Fazendo ecumenismo: uma exigência evangélica e uma urgência histórica. 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