Revista UM – Edição 33
APAGÃO 2010
O ANO EM QUE PODEMOS FICAR ÀS ESCURAS.
Falta de chuvas em algumas regiões, gasto excessivo de eletricidade e baixos investimentos do
governo no setor energético estão entre os motivos que devem levar o país a um colapso jamais
visto.
Por MARCOS ROGÉRIO LOPES
Quando a escassez de água e energia chegou a um ponto crítico, em março de 1999 e em janeiro
de 2002, deu-se o caos. Na primeira vez, dez estados e o Distrito Federal ficaram sem luz por três
horas. A segunda deixou onze estados, por quatro horas e meia, às escuras. São Paulo e Belo
Horizonte, para citar só as maiores cidades, pararam. Em 2001, houve mais dois apagões - um em
março, que atingiu parte das regiões Norte e o Centro-Oeste, e outro em abril que provocou um
blecaute de uma hora no Rio de Janeiro. O colapso da falta de eletricidade virou um trauma
nacional. Pois em 2010 esse quadro pode se repetir, afetando o país de uma maneira ainda mais
dramática. A crise de energia no começo dos anos 2000 só não aumentou por causa das chuvas
que caíram em algumas regiões. Os reservatórios cheios supriram os que não dispunham de água.
Uma das causas é, de novo, a falta de água para gerar energia. Por causa do baixo índice de
chuvas nos últimos anos, existe a possibilidade de o volume de água nos reservatórios nacionais
ficar abaixo de 10% da capacidade - o que coloca em risco o funcionamento das turbinas das
hidrelétricas e obriga a população a diminuir o consumo de energia. "Hoje os reservatórios de água
estão cheios e por isso estamos bem seguros até 2009", diz Cláudio Sales, diretor-presidente do
Acende Brasil, instituto que representa os empresários do setor de energia. "Mas, com o consumo
em alta e a baixa quantidade de chuvas, que vem ocorrendo em 2010 o risco de racionamento
sobe para 8% e chega a 14% em 2011.
O aceitável é 5%", adverte. Existem outras variantes que podem provocar um colapso geral.
Especialistas do setor de energia vêm alertando desde a década passada sobre os baixos
investimentos em novas usinas. Bastaria, segundo eles, um aceleração da economia para o
sistema atingir um déficit arriscado. Pois a economia está crescendo. Como pouco foi feito pelo
Governo Federal desde os primeiros apagões, os analistas asseguram agora que não haverá
eletricidade suficiente se o Produto Interno Bruto (PIB) ultrapassar a casa dos 4,5% - índice
esperado pelos economistas do Executivo, que elaboraram o Plano de Aceleração do crescimento
(PAC). O deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) utiliza os dados da Acende Brasil para
chegar a estes números. "Se o consumo crescer 5,4% ao ano, hipótese também considerada pelo
estudo, o risco de racionamento subirá para 23,5% em 2010 e 30% em 2011", alerta ele, em sua
página na internet. Ou seja, o programa racionamento deverá ser o mais radical já feito. O gasto
médio de eletricidade do brasileiro vem subindo 4,5% anualmente (dados do Departamento de
Engenharia Elétrica da Universidade de Brasília) e a tendência é de que esse percentual aumente.
Fernando Gabeira: se o consumo de enrgia crescer 5,4%, o racionamento vai passar limites
históricos
"Se as obras das usinas no rio madeira fossem iniciadas hoje só começaria a suprir o sistema em
2012
MEDO DE ESCURO
Como o crescimento econômico pode afetar o setor de energia no Brasil? Com a inflação menor e
mais dinheiro na economia, o brasileiro que nunca teve nem videocassete, por exemplo, comprou
um aparelho de DVD. Aproveitou e levou para casa um microondas. Seu patrão abriu outra
indústria e deu um computador para cada filho. Com exemplos assim estendidos a milhões de
brasileiros, os medidores de energia elétrica dispararam.
O consumo máximo já registrado foi o do dia 15 de março deste ano: exatamente 62.975
megawatts. Cerca de 84% da produção nacional vêm das hidrelétricas. O Brasil pode gerar hoje 99
mil MW com o atual nível dos reservatórios. Mas a sobra de eletricidade não é um alento. "Com
menos chuva nos últimos anos, diminui-se a capacidade de produção e os números de geração de
energia passam a ser bem inferiores", afirma o diretor-presidente do Centro Brasileiro de InfraEstrutura (CBIE), Adriano Pires. Estimativas do setor apontam a necessidade de 12 mil MWO
consumo máximo já registrado foi o do dia 15 de março deste ano: exatamente 62.975 megawatts.
Cerca de 84% da produção nacional vêm das hidrelétricas. O Brasil pode gerar hoje 99 mil MW
com o atual nível dos reservatórios. Mas a sobra de eletricidade não é um alento. "Com menos
chuva nos últimos anos, diminui-se a capacidade de produção e os números de geração de
energia passam a ser bem inferiores", afirma o diretor-presidente do Centro Brasileiro de InfraEstrutura (CBIE), Adriano Pires. Estimativas do setor apontam a necessidade de 12 mil MW
Mas hoje os principais projetos de geração de energia do governo sequer saíram do papel. As
hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, por exemplo, com capacidade
de 6,4 mil megawats, vêm sendo barradas pelo Ibama desde 2005. O instituto vê problemas
técnicos e ambientais na construção - como o possível acúmulo de detritos nas margens da usina
e o risco de impedir a passagem de ovas e larvas de peixe rio abaixo. Mesmo se as obras forem
iniciadas hoje, as usinas só começariam a suprir o sistema em 2012, com modestos 500 MW. A de
Estreito, em Tocantins (1.087 MW), passou pelo crivo do Ibama, só que foi bloqueada pelo
Ministério Público Federal. O órgão pediu mais detalhes sobre o impacto ambiental da usina.O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou agilidade para a construção das usinas. "Ou fazemos
as hidrelétricas ou vamos entrar na era da energia nuclear", ameaçou. E cumpriu. No final de
junho, o governo aprovou a retomada das obras da usina de Angra 3, paradas desde 1986. Custo
da retomada: R$ 7,8 bilhões de reais. Mas o término da usina, com capacidade de gerar 1.350
MW, só ocorre em 2013. Angra 3 ainda precisa ter licença ambiental, prevista para outubro. O
Greenpeace já anunciou que considera a obra um "retrocesso".
A tecnologia eólica pode ser uma alternativa de energia. Mas, dizem analistas, ela pouco
contribuiria para a produção nacional
O Ministério das Minas e Energia preparou ainda o Plano Decenal de Expansão de Energia
Elétrica (PDEE). O documento aponta as obras prioritárias até 2015 para evitar a reedição de
blecautes. Entre elas está a da usina mais polêmica do país: a de Belo Monte, no Rio Xingu, no
Pará. A construção, de acordo com o PDEE, geraria 5.500 MW. Ela é contestada, no entanto, por
ecologistas, índios da região e técnicos. Argumentam que não está comprovada a real capacidade
de produção da usina.
CANA E ETANOL
Como o brasil extrai pouco gás natural, depende de evo morales. da bolívia, que aumentou o preço
do produto
Ambientalistas apontam outras soluções para diversificar a matriz energética. "A eólica (pelo vento)
e solar podem ser instaladas rapidamente, por etapas", argumenta o coordenador da Campanha
de Energias Renováveis do Greenpeace, Ricardo Baitelo. Mas Adriano Pires, do CBIE, coloca em
dúvida a eficiência dessas opções. "Esse tipo de geração de energia produz pouco." Ele aconselha
o estímulo ao uso do bagaço de cana e do etanol nas termoelétricas, uma aposta tecnológica do
país que é dono de enormes plantações de cana-de-açúcar.
"O país deve diversificar, sem abrir mão de sua vocação hidrelétrica", acredita o professor de
Engenharia da Universidade Mackenzie, Luiz Henrique Alves Pazzini,. "Pode-se obter ganho maior
nos atuais estoques se o Brasil substituir as atuais turbinas por outras mais modernas."
Seja qual for a alternativa encontrada, quem pagará a conta será, de novo, o consumidor.
"Qualquer nova forma de eletricidade sairá mais cara", observa Claudio Sales. Diante de tanta
incerteza, já tem empresário desistindo de seus negócios. Foi o que anunciou o presidente da
Companhia Vale do Rio Doce, Roger Agnelli. Com medo de faltar energia, cancelou projetos da
empresa a partir de 2011. O fantasma do caos energético permanece. E falta pouco para o país
ficar de novo às escuras.
ERROS E MAIS ERROS DESDE OS ANOS 90
O possível apagão de 2010 começou a ser escrito bem antes de 2001, quando os brasileiros
tiveram de economizar 20% na conta de luz para não ficarem às escuras. Com o sistema elétrico
praticamente falido na década de 90 após sucessivos governos que reduziam as tarifas para
controlar a inflação, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso privatizou as empresas do setor.
Mas geração e transmissão, ficaram em segundo plano. Faltou investimento em novas usinas.
Para piorar, o governo Lula não conseguiu atrair a iniciativa privada para as termoelétricas a gás.
Energias alternativas, como eólica e solar, continuam apenas como promessas.
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O ano em que podemos ficar as escuras