Exmºs. Senhores O Colóquio que ontem e hoje teve lugar, subordinado ao tema “Procriação Medicamente Assistida: Presente e Futuro” assume a maior importância e pertinência, na medida em que permite abordar as questões inerentes às referidas práticas nos seus mais diversos contextos: desde o científico ao ético, desde o social ao político e ao próprio enquadramento legal. Reveste-se, igualmente, de uma oportunidade extraordinária, uma vez que alterações de extrema relevância estão muito próximas de serem debatidas na própria Assembleia da República. Está, pois, de parabéns o Conselho Nacional da Procriação Medicamente Assistida por ter tomado esta iniciativa e por congregar tantas e tão ilustres personalidades para debater as complexas questões da procriação artificial humana. Este colóquio surge, também, quase cinco anos depois da entrada em vigor da primeira lei que, de uma forma global, equilibrada e prudente, veio regular as técnicas de procriação medicamente assistida: refiro-me à Lei n.º 32/2006. Decorrido este período parece-nos oportuna uma reflexão aprofundada sobre a referida temática. 1 Importa, nesta oportunidade, deixar claro que qualquer reflexão sobre a PMA nunca deverá abdicar de respeitar a dignidade e a identidade do ser humano em todas as suas fases de desenvolvimento. A procriação artificial deverá estar sempre subordinada à pessoa humana no seu sentido mais elevado e integral. Não é outra, aliás, a razão que levou a nossa Constituição a consagrar o dever que o Estado tem de regular a procriação medicamente assistida “em termos que salvaguardem a dignidade da pessoa humana”. Se proclamamos os indiscutíveis benefícios que as modernas técnicas de procriação podem trazer às famílias e, através destas, à própria sociedade, não pode nunca um partido personalista e humanista como o Partido Social Democrata, que acredita e assenta no princípio da dignidade da pessoa humana, aceitar qualquer tipo de instrumentalização da vida humana em nome de uma qualquer bandeira ideológica ou de uma vã tentativa de não assunção das naturais consequências de uma opção de vida livremente escolhida. 2 Vou ser absolutamente claro: quando falamos de técnicas de procriação artificial, os interesses da criança a nascer são supremos e prevalecem sobre quaisquer outros hipotéticos direitos individuais. Daí que a coerência do espírito e da letra da lei n.º 32/2006, quando esta proclama, no número um do seu artigo 4.º, as técnicas de PMA como um “método subsidiário, e não alternativo, de procriação” A base, o pressuposto, a legitimidade do recurso à PMA deve, assim, ser a verificação de uma situação de doença que impossibilite ou torne particularmente desaconselhável a procriação natural a um casal que quer ter filhos e normalmente os poderia conceber no seu seio. Lembro a este respeito as judiciosas palavras do Professor Walter Osswald, segundo o qual “A técnica de PMA é uma terapia, um tratamento para uma doença, e quem deve ter acesso a ela são os doentes”. E justo é, também, trazer a este debate o Parecer n.º 44, do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, de 26 de Julho de 2004, documento importante e que fixou doutrina entre nós, do qual não posso deixar de ler os trechos seguintes, esperando não abusar da paciência de Vªs. Exªs. E diz o Parecer: 3 “Na fidelidade ao desígnio original das técnicas de PMA, e ao abrigo do princípio da beneficência, estas devem ser utilizadas por razões médicas, em situações de infertilidade e/ou esterilidade, percepcionadas como doença pelo casal, sendo sua finalidade a de tentar obter a concepção de um ser humano quando alterações aos mecanismos fisiológicos da reprodução o não permitem pelos meios naturais.” As técnicas de PMA não constituem, assim, procedimentos alternativos à reprodução natural, mas antes, de acordo com o princípio da subsidiariedade, métodos terapêuticos subsidiários.” Naturalmente, daqui decorrem dois importantes corolários: O primeiro é o de que a PMA só deve ser utilizada para tratar uma doença e não para contornar os naturais efeitos de uma esterilidade voluntária. O segundo é o de que a PMA só é legítima quando tenha por destinatários os membros de um casal heterossexual estavelmente constituído. Por isso, a actualidade permanece do já referido princípio geral da Lei n.º 32/2006, de que a PMA é um método subsidiário, e não alternativo, de procriação. 4 Por isso também se nos afigura que o acesso à PMA carece de sentido no caso de uniões homossexuais ou de pessoas sós, dado que em qualquer destes casos a procriação natural simplesmente nunca pode ter lugar. A não ser assim, nos casos referidos, a PMA já não teria como fundamento razões de saúde dos ‘progenitores’ – uma doença de infertilidade –, mas a simples vontade de quem, sendo fértil, optou livremente por não ter filhos de forma natural. Permita esta ilustre assistência, a este respeito, lembrar novamente as avisadas palavras do professor Walter Ossvald, quando dizia: “Na minha opinião, só pode ter acesso à PMA uma união estável entre homem e mulher, na qual se que sofra com a esterilidade - porque nem todos sofrem com isso e não querem mesmo ter filhos -, o que exclui automaticamente os homossexuais, estéreis pela sua própria condição, dado que um homem ou uma mulher não podem ter um filho sozinho”, posição que “não tem a ver com pontos de vistas morais, nem de Igreja, nem de religião, simplesmente é um ponto de vista médico”. Uma outra questão muito debatida quando se fala de procriação medicamente assistida é a que respeita à “maternidade de substituição”, vulgarmente denominada de barrigas de aluguer, actualmente proibida pela Lei n.º 32/2006. 5 Trata-se de uma matéria que suscita evidentes questões éticas, designadamente na dicotomia entre maternidade biológica e maternidade legal, pode envolver problemas complexos e melindrosos no que se refere à identidade e à determinação da filiação da criança e, não o podemos negar, não raro está associada a riscos de mercantilização da vida humana. Trata-se de uma questão fundamental, de actualidade premente, que desperta as mais variadas opiniões e paixões. Parece-me, porém, que a realidade da sociedade e a sua evolução, obriga a que o ordenamento jurídico venha a assumir uma solução. É esta discussão e este debate que estamos disponíveis para promover e para nele participar. Daí que, a admissibilidade da “maternidade de substituição” apenas deva ser considerada no âmbito de um casal que normalmente poderia procriar mas não o pode em virtude de uma situação de infertilidade que afecta o seu parceiro feminino, como é, por exemplo, o caso da ausência de útero ou outra situação grave. Nesta matéria, revemo-nos no sólido entendimento do Conselho Nacional da PMA, e posso, desde já, anunciar que o PSD desenvolve esta mesma semana a 6 concretização da sua reflexão interna nesta matéria que considera, de um modo geral, as legítimas e justificadas preocupações do Conselho. Minhas Senhoras, Meus Senhores, O PSD não trata a problemática da procriação artificial humana de forma leviana ou fracturante, instrumentalizando a própria dignidade do ser humano em função de lutas ou quimeras ideológicas. Para nós, um partido personalista e humanista, a PMA não é um fim em si mesmo, não é um conjunto de técnicas que possam ser colocadas ao serviço de todo e qualquer fim. Os fins da procriação medicamente assistida deverão servir o que nunca poderá deixar de constituir o seu próprio princípio axiomático: a dignidade da vida humana como valor supremo. É isso a que nos obriga a Constituição. É a isso que nos intima a nossa consciência. 7