BIOTENSOATIVOS: uma alternativa mais limpa para as indústrias de cosméticos Izabella Branco Santos de Morais1 Lucia Helena de Angelis2 RESUMO: O segmento cosmético no Brasil apresentou nos últimos anos um grande avanço, comparado à indústria brasileira em geral. Juntamente a esse crescimento também surgiu à preocupação em relação aos problemas ambientais e sociais gerados pela indústria. Os tensoativos, substâncias amplamente utilizadas na sanitização de equipamentos e como matéria-prima, são, na maioria das vezes, descartados no ambiente, interferindo de maneira prejudicial no ecossistema aquático. Os biotensoativos surgiram como alternativa menos agressiva e biodegradável aos surfactantes de origem sintética. No presente artigo de revisão são discutidos os aspectos ambientais relacionados à indústria cosmética, o impacto ambiental causado pelos tensoativos e as propriedades dos biotensoativos. PALAVRAS-CHAVE: Indústria cosmética. Tensoativos. Biotensoativos. INTRODUÇÃO que podem influenciar de modo prejudicial à vida da população. De acordo com a Resolução n°79 de 28 de agosto de 2000, A ideia de “Produção mais Limpa” vem sendo cada vez mais Cosméticos, Produtos de Higiene e Perfumes, são pre- difundida e discutida e, juntamente com ela, surgem alternativas parações constituídas por substâncias naturais ou sin- para diminuir os impactos gerados por resíduos produzidos pe- téticas, de uso externo nas diversas partes do corpo las indústrias, como é o caso dos tensoativos (ABIHPEC, 2010). humano, pele, sistema capilar, unhas, lábios, órgãos O acúmulo de tensoativos, ou surfactantes, moléculas que genitais externos, dentes e membranas mucosas da apresentam tanto uma porção apolar quanto uma porção polar, cavidade oral, com o objetivo exclusivo ou principal de provoca grandes danos ecológicos, principalmente em ambientes limpá-los, perfumá-los, alterar sua aparência e ou corri- aquáticos, prejudicando inclusive os peixes (ROMANELLI, 2004). gir odores corporais e ou protegê-los ou mantê-los em bom estado (BRASIL,2000). A fim de reduzir os impactos ambientais e gerar produtos menos agressivos e biodegradáveis, os biotensoativos surgiram como alternativa aos surfactantes de origem sintética, que são, Nesse conceito, inserem-se as emulsões para a pele, talcos, batons, perfumes, maquiagens, bloqueador solar, produtos infantis, desodorantes, soluções para enxague bucal dentre outros. No Brasil, o segmento de cosméticos é formado pelas grandes empresas em sua maioria, derivados do petróleo (NISTCHKE et al, 2002). Esses compostos são de origem microbiana, capazes de diminuir a tensão superficial entre líquidos e apresentam grande capacidade emulsionante (NISTCHKE et al, 2002). O presente artigo tem como objetivo discutir sobre o im- multinacionais e empresas nacionais de médio e pequeno pacto ambiental provocado pela indústria de cosméticos, bem porte, concentradas, em sua maioria, na região sudeste do país como os resíduos gerados por ela, e abordar a cerca dos bios- (ANGONESE et al, 2010). surfactantes. Comparado aos índices de crescimento da indústria brasileira em geral, o setor de cosméticos apresentou, nos últimos anos, um aumento cerca de cinco vezes maior e, até o início de 2010, eram estimadas cerca de 1700 empresas desse ramo no país (ABIHPEC, 2011). Em meio ao grande avanço industrial surgiu a preocupação, relativamente recente, com os problemas sociais e ambientais METODOLOGIA Para a realização desse artigo foi realizada revisão de literatura em portais consagrados, como SCIELO, PUBMED, MEDLINE, utilizando como palavras chaves: indústria de cosméticos, meio ambiente, surfactantes e biotensoativos. 186 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 DESENVOLVIMENTO (ABIHPEC, 2011). O PERFIL DA INDÚSTRIA DE COSMÉTICOS NO BRASIL IMPACTOS AMBIENTAIS CAUSADOS PELA INDÚSTRIA A indústria de cosméticos, devido à sintetização e utilização de matérias-primas, é classificada como um segmento da indústria química. Nessa definição incluem-se os setores de perfumaria, cosméticos e higiene pessoal (MOTTA, 2008). Cosméticos, de acordo com a definição presente na Resolução n° 79 de 28 de agosto de 2000 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, são preparações que têm como finalidade limpar, proteger, manter em boas condições, mudar a aparência e corrigir odores corporais. Devido à vasta gama de produtos, o setor é dividido em três segmentos: higiene corporal, perfumaria e cosméticos. No ramo de higiene corporal estão contidos os sabonetes, desodorantes, produtos de higiene oral e capilar, produtos para barbear, fraldas descartáveis, papéis higiênicos e absorventes. Entre os produtos de perfumaria é possível citar os perfumes, colônias e loções pós-barba. Já o segmento de cosméticos é constituído por cremes e loções para a pele, maquiagens, loções depilatórias, produtos para fixação e coloração capilar e protetores solares (ABIHPEC, 2010). O setor de cosméticos no Brasil apresenta vasta diversidade empresarial. Nele estão inseridas as empresas nacionais, internacionais, diversificadas ou especializadas em uma determinada gama de produtos cosméticos e perfumaria (ABIHPEC, 2010). No país são estimadas cerca de 1700 empresas nesse segmento, sendo 20 delas de grande porte, localizadas, preferencialmente, na região sudeste. O Brasil também se destaca em relação ao comércio mundial de cosméticos, apresentando crescimento médio de 18,9%, comparando os anos de 2010 e 2011 (ABIHPEC, 2011). Apenas no ano de 2011 foi estimada a venda, em volume, de 1.767 mil toneladas de produtos cosméticos, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, ABIHPEC. O segmento apresentou crescimento acumulado de exportações nos últimos cinco anos de 165% e os produtos brasileiros já podem ser encontrados em 135 países pelo mundo (SEBRAE, 2011). O notório crescimento setorial pode ser relacionado, principalmente, ao aumento da participação da mulher no mercado de trabalho, aumento da expectativa de vida, trazendo com ele a busca pela conservação da juventude, aos constantes lançamentos de novos produtos pelas indústrias e o aumento da tecnologia, possibilitando o aumento da produtividade De acordo com o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), artigo 1° da Resolução 001, de 23 de janeiro de 1986, impacto ambiental é “qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas (...)”. Nesse contexto insere-se a indústria cosmética. O processo industrial como um todo pode ser basicamente dividido em três etapas: o consumo de recursos, o processamento e a geração de produtos e subprodutos e, cada uma dessas etapas, gera grandes consequências ao meio ambiente. Entre os insumos empregados na indústria é possível apontar a água como a principal matéria-prima utilizada no setor. Além do uso na produção dos cosméticos, ela também participa de processos como limpeza e sanitização de equipamentos e tubulações, em sistemas de resfriamento e geração de vapor (ABIHPEC, 2010). Além da água, o conjunto de matérias-primas utilizadas na produção cosmética é bastante variado. Ele é composto, dentre outros, por tensoativos, alcoóis, óleos, extratos vegetais, corantes, pigmentos, conservantes e solventes orgânicos. Também é possível identificar a produção de resíduos e o consumo de energia em todas as etapas do processo produtivo. Durante o processo de envase do produto, por exemplo, são gerados resíduos provenientes de restos de embalagens, bem como resíduos e efluentes originados durante a limpeza dos equipamentos (ABIHPEC, 2010). Já entre os produtos e subprodutos gerados durante a produção se inserem os produtos acabados e suas sobras, como as aparas de extrusão de sabonetes em barra, por exemplo. Os resíduos gerados na indústria cosmética podem ser divididos em três categorias: resíduos sólidos, gasosos e líquidos. O maior componente sólido gerado pelo setor são os resíduos de embalagem. A grande variedade de frascos, potes, caixas de papelão, tambores e latas utilizados para o acondicionamento de produtos e matérias-primas podem causar sérios danos ambientais devido ao potencial de contaminação de solos e aquíferos por eles apresentados (ABIHPEC, 2010). Entre os resíduos gasosos as substâncias odoríferas e os solventes orgânicos voláteis, como o tolueno e alcoóis, são os compostos mais comumente gerados pela PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 187 indústria cosmética. léculas tensoativas se orientam paralelamente e se distribuem Os resíduos líquidos estão relacionados, basicamente, aos na superfície da solução, sob a forma de monômeros. À medida processos de limpeza da indústria. Na composição desses que a quantidade de surfactante é aumentada, os monômeros efluentes estão os óleos, fosfatos e polifosfatos, despejos amo- vão saturando a superfície e começam a se ordenar. Em uma niacais e os tensoativos (ABIHPEC, 2010). determinada concentração ocorre a formação de uma camada Os tensoativos, ou surfactantes, são moléculas anfifílicas e resistentes à biodegradação. Devido à porção lipofílica, esses com- unidirecional, conhecida como Concentração Micelar Crítica ou CMC (MILLIOLI, 2009). postos são capazes de interagir com a membrana de bactérias, Acima da CMC os tensoativos formam agregados chama- causando o efeito bactericida, o que prejudica importantes proces- dos micelas. De acordo com a natureza do solvente podem sos biológicos associados ao equilíbrio do ecossistema aquático. ser formadas micelas diretas ou micelas inversas. As moléculas diretas se formam na presença de solventes polares, onde Tensoativos a porção apolar do surfactante fica orientada para o centro da Os tensoativos são um grupo de moléculas que apresen- estrutura enquanto que a porção polar fica em contato com o tam, na mesma estrutura, uma porção hidrofílica e uma hidrofó- solvente. Já na presença de solventes apolares, a parte interna bica (uma cauda apolar ligada a uma cabeça polar). Por apre- da estrutura micelar é composta pela porção polar do surfactan- sentar duas regiões com afinidades distintas são consideradas te, caracterizando a micela inversa (SANTANNA, 2003). moléculas anfifílicas (SILVA, 2008). A partir da micelização é possível observar alterações físico- Devido à sua estrutura molecular, os tensoativos, quando -químicas do sistema em questão, tais como o aumento da de- em água, tendem a se acumular na superfície, diminuindo a tergência, diminuição da tensão interfacial e aumento da condu- tensão superficial. Se adicionados a líquidos imiscíveis, óleo e tividade (SANTANNA, 2003). água, por exemplo, os mesmos apresentam como tendência o Os tensoativos são classificados, de acordo com a carga acúmulo na interface das duas fases, diminuindo, assim, a ten- apresentada pela sua porção polar (FIGURA 1) quando em so- são interfacial do sistema. lução aquosa, em aniônicos, catiônicos, anfóteros e não iônicos Quando em uma solução, em baixas concentrações, as mo- (SILVA, 2008). O tensoativo aniônico é a classe mais comumente utilizada. et al, 2010). Quando em solução aquosa apresenta íons carregados nega- Na indústria cosmética, os tensoativos aniônicos são fre- tivamente. A porção hidrofóbica é, geralmente, composta por quentemente utilizados em associações a outros surfactantes, uma cadeia alquila enquanto que a porção hidrofílica é compos- a fim de se obter um produto menos agressivo para a pele e ta por sulfatos, sulfonatos, fosfatos e carboxilatos (IVANKOVIC cabelos, com a viscosidade adequada e com boa formação de 188 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 espuma (GUERTECHIN, 2009). celular, tais como peptídeos e lipídeos, aumentando a perme- Tensoativos catiônicos são aqueles que apresentam carga abilidade celular. O tensoativo também promove alterações na positiva, quando em solução aquosa. Os compostos quaterná- estrutura das mitocôndrias e na fosforilação oxidativa, inibindo a rios de amônio são os maiores representantes dessa classe. síntese de DNA e modificando a permeabilidade da membrana Suas moléculas apresentam uma cadeia carbônica ligada a um ao potássio (ROMANELLI, 2004). átomo de nitrogênio carregado positivamente (IVANKOVIC et al, 2010). A espuma formada em rios pela presença dos tensoativos é um fato preocupante. Através dela, poluentes tóxicos, impurezas Os surfactantes catiônicos apresentam propriedades condi- e vírus são disseminados pelo vento a grandes distâncias. Além cionantes e antibacterianas, por isso são largamente utilizados disso, ocorre a formação de uma película isolante na superfície em produtos destinados aos cabelos (GUERTECHIN, 2009). da água, diminuindo a troca gasosa com a atmosfera e inter- Anfóteros são tensoativos que apresentam, na mesma molécula, um sítio carregado positivamente e um sítio de carga ferindo na qualidade da água (PENTEADO et al, 2006; ROMANELLI, 2004). negativa. A carga desse surfactante varia em função do pH do Considerando os efeitos prejudiciais ao ambiente causados meio: em meios com o pH abaixo de 4, atuam como tensoativos pelos tensoativos, vem surgindo a tendência de substituição dos catiônicos, em pH entre 4 e 9, como tensoativos não iônicos e surfactantes de origem sintética pelos surfactantes de origem quando adicionados a meios com pH entre 9 e 10 assumem natural. Os biotensoativos, como são chamados, são de origem característica de tensoativos aniônicos (SILVA, 2008). microbiana, facilmente biodegradados e não causam danos às Os surfactantes não iônicos não dissociam em íons quando em solução aquosa. Devido à ausência de cargas, essa classe plantas e animais, o que os tornam adequados para a utilização em diferentes ambientes(NISTCHKE et al, 2002; CARA, 2009). de tensoativos é compatível com a classe dos catiônicos e aniônicos (IVANKOVIC et al, 2010). Devido à baixa irritabilidade ocular e cutânea os tensoativos não iônicos são geralmente associados aos aniônicos e destinados ao uso infantil e para peles sensíveis Biotensoativos Na busca de substâncias menos tóxicas e biodegradáveis, vem crescendo a tendência da substituição dos tensoativos de origem petroquímica, que representam 70 - 75% do consumo (GUERTECHIN, 2009). Na indústria cosmética, os surfactantes também podem ser divididos de acordo com suas propriedades: agentes de limpeza, agentes emulsificantes, formadores de espuma, agentes solubilizantes e agente de suspensão (TAMURA, 2009). em países industrializados, por tensoativos de origem microbiana, os biotensoativos (NISTCHKE et al, 2002). Os biossurfactantes, como também são chamados, apresentam propriedades tensoativas, isto é, são capazes de reduzir a tensão superficial e interfacial e ainda apresentam capacidade emulsionante (COSTA et al, 2008). Esses compostos podem ser produzidos através de bio- Impacto ambiental provocado pelos tensoativos Devido às suas propriedades, a produção de tensoativos, transformações de hidrocarbonetos de petróleo ou a partir de bem como o seu uso residencial e industrial, vem aumentan- substratos renováveis, como resíduos de processamento vege- do expressivamente. O Brasil é apontado, de acordo com a tal, glicerol, óleos dentre outros (CARA, 2009). Associação Brasileira da Indústria de Limpeza e Afins, como o De maneira geral, os biossurfactantes apresentam uma por- responsável por cerca de metade das vendas de produtos de ção hidrofílica, constituída principalmente por peptídeos, amino- limpeza da América Latina (PENTEADO et al, 2006). ácidos e sacarídeos (moni, di e polissacarídeos) e uma porção Atualmente, a maior parte dos tensoativos utilizados tem lipofílica formada por ácidos graxos saturados ou insaturados. origem sintética, derivados do petróleo, e após o uso esses sur- Em sua maioria, são compostos neutros ou aniônicos (BUENO, factantes são na maioria das vezes descartados na superfície da 2008). água. O acúmulo dessa matéria prima no ambiente afeta seria- Os biotensoativos são classificados de acordo com suas mente o ecossistema, causando inclusive toxicidade aos mamí- características químicas e origem microbiológica (QUADRO 1) feros e bactérias (IVANKOVIC et al, 2010; NISTCHKE et al, 2002). e subdivididos em: glicolipídeos, lipopeptídeos, ácidos graxos, Os surfactantes apresentam marcante atividade biológica. biotensoativos particulados e biotensoativos poliméricos (LOU- Eles são capazes de interagir com componentes da membrana RITH et al, 2009). PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 189 Os glicolipídeos (FIGURA 2) são os biotensoativos mais com a fonte de carbono disponível para o crescimento microbia- amplamente conhecidos. Eles são constituídos por carboidratos no os glicolipídeos podem ser classificados em ramnolipídeo, combinados a ácidos alifáticos ou hidroxialifáticos. De acordo soforolipídeo e trehalolipídeo (CARA, 2009; DESAI et al, 1997). 190 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 Entre os componentes citados, os ramnolipídeos são mais comumente estudados. A produção de ramnolipídeos por Pseudomonas aeruginosa foi relatada, primeiramente, em 1949 por Jarvis e Johnson. Esses são formados por uma ou duas molécula de ramnose ligadas a uma a duas moléculas de ácido β-hidroxidecanóico (KRONEMBERGER, 2007). Os soforolipideos são formados por um carboidrato dimérico da soforose ligado a uma cadeia longa de ácido hidroxicarboxílico. Esses compostos são capazes de diminuírem as tensões superficial e interfacial, no entanto não são bons agentes emulsionantes (DESAI et al, 1997). Já os trehalolipídeos são constituídos por dissacarídeo trealose ligado ao carbono C6 ou C6’ do ácido micolico. Esses compostos são gerados a partir de Mycobacterium sp e Rhodococcus erythropolis (DESAI et al, 1997). A classe do lipopeptídeos se caracteriza pela presença de peptídeos ligados a ácidos graxos. A porção polar da molécula pode apresentar carga negativa ou neutra. A surfactina Os biotensoativos também podem ser divididos de acordo (FIGURA 3), produzida a partir do Bacillus subtilis, é um re- com a sua massa molecular: biossurfactantes de alta massa presentante dessa classe e apresenta grande capacidade de molecular e de baixa massa molecular. Os biossurfactantes de reduzir a tensão superficial e interfacial (BARROS et al, 2007). alta massa molecular são constituídos pelos biotensoativos particulados e poliméricos. Enquanto que o segundo grupo inclui os glicolipídeos, lipopeptídeos e ácidos graxos. Os de alta massa molecular auxiliam na formação de emulsão enquanto que os de baixo peso molecular são capazes de reduzir a tensão interfacial (BUENO, 2008). Propriedades e aplicações dos biotensoativos As classes de biossurfactantes apresentam características Os ácidos graxos são obtidos a partir do crescimento de diversas espécies de bactérias e leveduras sobre n-alcanos, como o óleo de oliva, e são proteínas hidrofóbicas, como o ácido corinomicólico e o ácido ustilágico (DESAI et al, 1997). Algumas células bacterianas, por si só, são bastante hidrofóbicas em sua superfície. A produção de vesículas com capacidade de captação de alcanos para a célula, observada em bactérias do gênero Acinetobacter sp., também são consideradas biossurfactantes. Essas células e vesículas com capacidade tensoativa são classificadas em biotensoativos particulados (NETA, 2007). Biotensoativos poliméricos, como o Emulsan (FIGURA 4) e Liposan, são constituídos por grupos químicos diferentes. Devido à diversidade estrutural, esses compostos apresentam eficiência equivalente ou superior aos tensoativos sintéticos. Além disso, a possibilidade de modificação dessas estruturas permite o desenvolvimento de substâncias para necessidades específicas (NISTCHKE et al, 2002). específicas, no entanto algumas propriedades são comuns a todos os biotensoativos, são elas: aumento da solubilidade de compostos hidrofóbicos, aumento da área de contato de compostos insolúveis na água e influência na adesão de micro-organismos em superfícies, sendo que a adesão permite que o micro-organismo se fixe ou se desligue de um determinado local de acordo com suas necessidades, visando sua multiplicação (BARROS et al, 2007; NETA, 2007). Devido à anfifilicidade da molécula, os biotensoativos são capazes de reduzir a tensão superficial e interfacial de soluções e sistemas, permitindo a solubilização de substâncias orgânicas em solventes polares, a emulsificação e a detergência. Em relação às propriedades específicas é possível apontar a marcante atividade antibiótica dos lipopeptídeos. Apesar de não apresentarem mecanismos de ação totalmente elucidados, essas substâncias podem atu- PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 l 191 ar como agentes antivirais, antibióticas e inibidores de enzimas e toxinas (BARROS et al, 2007). Os biossurfactantes são mais comumente utilizados na indústria petroquímica, devido às suas propriedades físico-quími- Na indústria alimentícia, os biossurfactantes são empregados como agentes emulsionantes durante o processamento de matérias-primas, atuando na formação e textura de alimentos bem como na incorporação de aromas. cas. Os derramamentos de óleo em águas e no solo tem se Esses compostos, devido à compatibilidade com a pele, tornado numerosos e causam grandes problemas ecológicos e também são aplicados na indústria cosmética, agindo como sociais. Nesse contexto, os biotensoativos podem ser usados agentes emulsionantes, solubilizantes, detergentes e agentes para solubilizar e emulsificar os contaminantes hidrofóbicos, au- de espuma (NISTCHKE et al, 2002). mentando a degradação destes contaminantes no ambiente e Além dessas aplicações, os biotensoativos podem ser uti- promovendo a biorremediação dos solos e águas (NISTCHKE lizados em diversos ramos industriais (QUADRO 2), como na et al, 2002). mineração e na indústria de tintas. Tensoativos x Biotensoativos cando grandes impactos ecológicos. Apesar do relativo custo elevado para a produção, compa- Nesse contexto inserem-se os tensoativos. Utilizados lar- rados aos tensoativos convencionais, os biotensoativos apre- gamente na sanitização de equipamentos e como insumos sentam as seguintes vantagens: a capacidade de diminuir a ten- em indústrias cosméticas, essas substâncias com proprieda- são superficial e interfacial a partir de menores concentrações, des emulsionantes são, geralmente, descartadas na superfície maior estabilidade frente à variação de pH, de temperatura e de das águas, diminuindo a qualidade da mesma e interferindo no salinidade, maior capacidade espumante, facilidade na biode- ecossistema aquático. gradação no solo e na água e menor toxicidade (NISTCHKE et al, 2002; BUENO, 2008). Além disso, essas substâncias podem ser produzidas a A fim de minimizar os impactos ambientais gerados pelos tensoativos sintéticos, o uso dos surfactantes de origem microbiológica, os biossurfactantes, vem sendo cada vez mais difundido. partir de substratos renováveis e apresentam grande varieda- Apesar da grande vantagem em relação aos surfactantes de de química, o que permite aplicações específicas em diversas origem petroquímica, os biotensoativos ainda apresentam eleva- áreas, como na indústria petroquímica, alimentícia, cosmética e do custo de produção. farmacêutica (BUENO, 2008). No entanto, o uso de substratos de menor custo e o investimento em novas técnicas de síntese, associados à biodegra- CONSIDERAÇÕES FINAIS dabilidade e à baixa toxicidade, podem tornar os biotensoativos O setor de cosméticos no Brasil apresenta grande diver- em compostos mais comumente utilizados nas indústrias em um sidade empresarial e vem crescendo a cada ano. No entanto, futuro próximo. juntamente ao aumento econômico do segmento, também vem crescendo os problemas ambientais relacionados a ele. Os resíduos originados durante o processo industrial são, em grande parte dos casos, descartados no ambiente, provo- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABIHPEC. Associação Brasileira de Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. Guia Técnico Ambiental da Indústria de Higie- 192 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 2012/2 - EDIÇÃO 6 - ISSN 2176 7785 ne Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. São Paulo: 2010. Disponível em: <http://www.crq4.org.br/downloads/higiene.pdf>. Acesso em 20 de março de 2012. ABIHPEC. Associação Brasileira de Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. Panorama do setor, 2011. Disponível em: <http://www.abihpec.org.br/wp-content/uploads/2012/04/Panorama-do-setor-2011-2012-17-ABR-2012.pdf>. Acesso em 24 de março 2012. ANGONESE, R.; SILVA, C.L.M. 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