QUE SIGNIFICA SOCIALISMO HOJE? REVOLUÇÃO RECUPERADORA E NECESSIDADE DE REVISÃO DE ESQUERDA Jürgen Habermas Tradução: Márcio Suzuki Por que os melhores correligionários não tiveram, em 1945, a idéia de procurar um fascismo de semblante humano? Johannes Gross, Caderno de Notas Nova série, Quarta Parte Nos jornais se fala do desencantamento do socialismo, do fracasso de uma idéia e mesmo da demorada superação do passado por parte dos intelectuais eurocidentais e alemães. Depois das questões retóricas sempre vem o refrão: as utopias e filosofias da história sempre acabam em opressão. A crítica da filosofia da história é agora coisa do passado. O História Laica e Sobrevir da Salvação (Weltgeschichte und Heilsgeschehen) de Löwith foi traduzido para o alemão em 19531. Quais são as cartas hoje? Como se deve avaliar o significado histórico das mudanças revolucionárias na Europa central e do leste? Que significa a falência do socialismo de Estado para as idéias e movimentos políticos que têm suas raízes no século XIX; que significa tal falência para a herança teórica das esquerdas eurocidentais? I As mudanças revolucionárias na área de dominação da União Soviética apresentam várias faces. No país da Revolução Bolchevique se opera um processo reformista desencadeado, de cima, pela cúpula do Partido Comunista da União Soviética. Seus resultados e, mais ainda, as conseqüências nãoplanejadas de uma tal reforma consolidam-se num desenvolvimento revolucionário, de modo que não se alteram apenas as orientações fundamentais da política social, mas também os próprios elementos do sistema de dominação (especialmente o modo de legitimação, dado o surgimento de um espaço público político, de disposições para um pluralismo político e da paulatina recusa do monopólio do poder do partido estatal). Esse processo, ainda difícil de ser conduzido, é ameaçado pelos conflitos nacionais e econômicos por ele provocados. Todas as partes reconheceram a importância do desfecho desse 43 (1) Para a relação entre ética, utopia e crítica da utopia, cf. a esclarecedora contribuição de K. - O. Apel em: W. Vosskamp (org.), Utopieforschung. Frankfurt am Main, 1985, vol. 1, pp. 325-355. QUE SIGNIFICA SOCIALISMO HOJE? processo decisivo. Foi ele que forneceu as premissas para as mudanças no leste da Europa central (incluindo os Estados bálticos, que anseiam sua independência) e na RDA. Na Polônia, as mudanças revolucionárias foram o resultado da perseverante resistência do movimento Solidariedade, que era apoiado pela Igreja católica; na Hungria, foram a conseqüência da luta pelo poder no seio das elites políticas; na RDA e Tchecoslováquia, foram realizadas como uma derrocada produzida por massas em demonstrações pacíficas; na Romênia, como revolução sangrenta e, na Bulgária, de uma maneira tenaz. Apesar da diversidade de formas em que se manifestou, a revolução nesses países pode ser lida nos acontecimentos: a revolução produz suas datas. Ela se dá a conhecer como uma revolução, por assim dizer, retrospectiva*, que abre caminho para recuperar desenvolvimentos perdidos. Por outro lado, as mudanças no país de origem da Revolução Bolchevique conservam um caráter impenetrável, para o qual ainda faltam conceitos. À revolução na União Soviética falta (até agora) o caráter indubitável de contestação. Mesmo uma volta simbólica a fevereiro de 1917 ou até à Petersburgo czarista não faria sentido algum. Na Polônia, Hungria, Tchecoslováquia, Romênia e Bulgária, países que, com a invasão do Exército Vermelho, mais receberam que alcançaram o sistema sócio-estatal de sociedade e dominação, ou seja, não o alcançaram em virtude de revoluções autóctones, mas como conseqüência da guerra, a abolição da democracia popular se efetua sob o signo da volta aos antigos símbolos nacionais e, onde quer que se apresente, como um resgate de tradições políticas e estruturas partidárias do período entre as guerras. Aqui, onde as mudanças revolucionárias se confundiram com os acontecimentos revolucionários, também se articula de modo mais nítido o desejo de encontrar um vínculo (Anschluss) político-institucional com a tradição das revoluções burguesas e um vínculo (Anschluss) político-social com as formas de relação e vida do capitalismo desenvolvido, especialmente com a Comunidade Européia. No caso da RDA, a anexação (Anschluss) ganha um sentido literal, pois para ela a RFA oferece simultaneamente as duas coisas: uma sociedade ocidental de bem-estar e de constituição democrática. Aqui, com certeza, o eleitorado não ratificará em 18 de março [de 1990] aquilo que visavam os oposicionistas que derrubaram a dominação da Stasi com a palavra-de-ordem "Nós somos o povo"; o voto dos eleitores interpretará essa derrubada como um efeito histórico — ou seja, justamente como revolução recuperadora. Quer-se recuperar aquilo que durante quatro décadas separou o lado ocidental e o lado oriental da Alemanha — o desenvolvimento politicamente mais bem sucedido e economicamente mais próspero. Na medida em que deve possibilitar o retorno ao Estado democrático de direito e o vínculo com o Ocidente capitalista desenvolvido, a revolução recuperadora se orienta por modelos que, segundo a leitura ortodoxa, já foram superados pela Revolução de 1917. Isso pode esclarecer um traço peculiar dessa revolução recuperadora: a quase completa falta de idéias inovadoras e promissoras. Isso também foi observado por Joachim Fest: "Os acontecimentos 44 (*) Em alemão, ruckspulende, cujo sentido literal é recarregar, rebobinar. Spule, de onde se forma o termo, é a bobina, por exemplo, de um projetor de cinema. NOVOS ESTUDOS Nº 30 - JULHO DE 1991 assumiram um caráter verdadeiramente desconcertante, que remete a seu âmago... em virtude justamente do fato de que não contêm aquele elemento de ênfase na revolução social predominante em praticamente todas as revoluções históricas dos tempos modernos" (Frankfurter Allgemeine Zeitung, 30 de dezembro de 1989). Esse caráter de revolução recuperadora é desconcertante, porque lembra o linguajar mais antigo, posto fora de circulação pela Revolução Francesa — lembra o sentido reformista do retorno de formas de dominção política que se seguem e substituem umas às outras como na rotação dos astros2. Assim, não é de espantar que as mudanças revolucionárias tenham recebido interpretações bastante diversas e excludentes. Pretendo tomar seis modelos de interpretação que se destacam na discussão. Os três primeiros se posicionam de modo afirmativo diante da idéia do socialismo; os três restantes, de modo crítico. Os dois grupos podem ser ordenados em série de maneira simétrica, tendo, de um lado, uma interpretação stalinista, uma leninista e uma comunista-reformista e, de outro, uma interpretação pós-modenista, uma anticomunista e uma liberal. Os defensores do status quo ante perderam, nesse meio tempo, seus porta-vozes. Eles negam o caráter revolucionário das mudanças, concebendo-as como contra-revolucionárias. Comprimem os aspectos inusitados do caráter retrospectivo e recuperador num esquema marxista que já não encaixa. Nos países do leste da Europa central e na RDA era evidente que — conforme uma conhecida formulação — aqueles que se achavam embaixo já não queriam tal situação, enquanto os de cima já não podiam mantê-la. Foi a fúria das massas (e de modo algum um punhado de provocadores clandestinos) que se voltou contra a segurança do Estado, tal como outrora se voltara contra a Bastilha. A destruição do monopólio do poder do partido estatal poderia lembrar a decapitação de Luis XVI. Os fatos falam de uma maneira demasiado clara para que mesmo leninistas inveterados possam fechar os olhos para eles. É assim, ao menos, que o historiador Jürgen Kuszynski emprega a expressão "revolução conservadora", concedendo às mudanças o valor relativo de uma reforma autopurgativa no interior de um processo revolucionário de longo prazo (Die Zeit, 29 de dezembro de 1989). Naturalmente, tal interpretação ainda se apóia numa história ortodoxa de lutas de classes, cujo telos parece fixado. Tal filosofia da história tem um estatuto ambíguo, mesmo do ponto de vista metodológico; afora isso, não serve para explicar aqueles tipos de movimento e conflito sociais que surgem sob as condições estruturais de sistemas sócio-estatais de dominação e sociedade, ou que são por eles provocados (como as reações nacionalistas e fundamentalistas). Ademais, nesse ínterim, as evoluções políticas nos países do leste da Europa central e na RDA passaram ao largo do diagnóstico da mera autocorreção do socialismo de Estado. Essa circunstância também constitui a objeção decisiva contra a terceira posição, assumida com tanto efeito, na praça Winzel de Praga, por Dubcek, quando regressava de seu exílio interno. Também muitos dos oposicionistas que puseram em marcha e foram os primeiros a dirigir o movikkk 45 (2) K. Griewank, Der neuzeitliche Revolutionsb eg riff Frankfurt am Main, 1973. QUE SIGNIFICA SOCIALISMO HOJE? mento revolucionário na RDA deixaram-se guiar pela meta de um socialismo democrático — a chamada terceira via entre o capitalismo sócio-estatalmente controlado e o socialismo de Estado. Enquanto os leninistas acreditam dever corrigir o errôneo desenvolvimento stalinista, os comunistas-reformistas recuam ainda mais. De acordo com muitas correntes teóricas do marxismo ocidental, partem do fato de que desde o princípio a autocompreensão leninista da Revolução Bolchevique falseou o socialismo, incentivou a estatização em lugar de uma socialização democrática dos meios de produção e, com isso, abriu flancos para uma autonomização burocrática do aparelho totalitário de dominação. A teoria da terceira via surge em diferentes variantes, dependendo da interpretação que se faz da Revolução de Outubro. Segundo uma leitura otimista (partilhada pelos expoentes da Primavera de Praga), a partir do socialismo de Estado uma nova ordem social, superior às democracias sócio-estatais de massa do Ocidente, deveria poder ser desenvolvida pela via da democratização radical. Segundo outra variante, uma terceira via entre os dois tipos de sociedade "realmente existentes" significa, no melhor dos casos, uma reforma radicalmente democrática do socialismo de Estado, reforma que, com a diferenciação de um sistema econômico adaptado a uma orientação descentralizada, representa pelo menos um equivalente ao compromisso entre sociedade e Estado encontrado, após a II Guerra Mundial, nas sociedades capitalistas desenvolvidas. Esse aprendizado de equivalência deveria levar a uma sociedade nãototalitária, concebida nas formas do Estado democrático de direito, sociedade que se relaciona com o tipo de sociedade ocidental não de maneira mimética, mas complementar, tanto no que diz respeito às vantagens específicas do sistema (segurança social e crescimento qualitativo), quanto no que diz respeito às desvantagens (desenvolvimento das forças produtivas e inovação). Essa interpretação mais fraca também conta com a capacidade de funcionamento de uma "economia de mercado socialista", como se disse recentemente. Contra essa possibilidade, alguns aduzem argumentos a priori, enquanto outros acreditam poder deixar tal linha evolutiva ao processo de tentativa e erro. Mesmo uma liberal militante como Marion Gräfin Dönhoff acha que "com um pouco de imaginação e pragmatismo o desejo existente de unificar socialismo com economia de mercado é plenamente exequível — eles podem se corrigir um ao outro" (Die Zeit, 29 de dezembro de 1989). Essa perspectiva leva em conta um comunismo reformista, de inclinação falibilista, que, diferentemente da interpretação leninista, renunciou a todas as certezas da filosofia da história. Hoje podemos abrir mão da questão de saber qual a capacidade reformista e qual o potencial de desenvolvimento democrático de um socialismo de Estado que se revoluciona por dentro. Suspeito que essa questão já não pode ser posta de maneira realista nem sequer na União Soviética, tendo em vista a herança stalinista, devastadora sob todos os aspectos (e a ameaça de desintegração do Estado multinacional). A questão de saber se a revolução na RDA poderia ter trilhado uma terceira via terá de permanecer sem resposta, mesmo que essa interpretação repouse em premissas corretas; pois a única 46 NOVOS ESTUDOS Nº 30 - JULHO DE 1991 possibilidade de examiná-la estaria na prática de uma tentativa legitimada pela vontade popular e empreendida "com um pouco de imaginação e pragmatismo". No entanto, a população se decidiu inequivocamente contra isso. Depois de quarenta anos desastrosos, podem-se compreender os motivos. Essa decisão precisa ser respeitada, principalmente por parte daqueles que não seriam pessoalmente atingidos pelas conseqüências de um desfecho provavelmente negativo. Voltemos-nos, pois, para os três modelos de interpretação críticos ao socialismo. Também desse lado a posição extrema não se articula de modo muito convincente. Do ponto de vista de uma crítica pós-modernista da razão, as transformações, que em sua maior parte ocorreram sem derramamento de sangue, se apresentam como uma revolução que põe fim à época das revoluções — como uma contrapartida à Revolução Francesa, contrapartida que, sem horrores, supera na raiz o terror nascido da razão. Os sonhos intranquilos da razão, de onde surgem há duzentos anos os demônios, chegaram ao fim. A razão não desperta — ela própria é o pesadelo que se dissolve com o despertar. Naturalmente, também aqui os fatos não se encaixam no esquema histórico, desta vez idealistamente inspirado por Nietzsche e Heidegger, segundo o qual a época moderna se encontra exclusivamente à sombra de uma subjetividade que delega poderes a si mesma. Com efeito, a revolução recuperadora tomou de empréstimo seus meios e medidas do conhecido repertório das revoluções modernas. Foi surpreendentemente a presença de massas reunidas em praças e mobilizadas em ruas que destituiu um regime armado até os dentes. Eis o tipo de ação espontânea das massas, que, embora tendo servido de modelo a tantos teóricos da revolução, já se acreditava superado. Sem dúvida, pela primeira vez essa ação espontânea das massas transcorreu no espaço não-clássico de uma arena de alcance global produzida pela constante presença dos mídias eletrônicos, cujos espectadores participaram e tomaram partido. Mas, de novo, foi das legitimações jurídico-racionais da soberania popular e dos direitos humanos que as reivindicações revolucionárias hauriram suas forças. Assim, a apressada história desmente a imagem de uma paralisada pós-história; também destrói o panorama, pintado em cores pós-modernas, de uma burocracia isenta de toda legitimação, universalmente difundida e inalteravelmente cristalizada. O que se anuncia na derrocada revolucionária do socialismo burocrático é antes um avanço da modernidade — o espírito do Ocidente alcança o Oriente, não apenas com sua civilização técnica, mas também com sua tradição democrática. Do ponto de vista anticomunista, as mudanças revolucionárias no leste significam o vitorioso término da guerra civil internacional, declarada pelos bolcheviques em 1917: mais uma vez, uma revolução voltada contra sua origem. A expressão "guerra civil internacional" traduz a "luta de classes internacional" da linguagem da teoria social para a linguagem da teoria hobbesiana do poder. Carl Schmitt forneceu o arcabouço de filosofia da história a essa figura do pensamento: de acordo com esse arcabouço, a concepção de filosofia da história que alcançou a hegemonia com a Revolução Francesa, kk 47 QUE SIGNIFICA SOCIALISMO HOJE? com a carga explosiva da moral universalista, constitui a força de propulsão para uma guerra civil urdida por elites intelectuais que, abrindo-se enfim para o exterior, se projeta no cenário internacional. Na época da eclosão do conflito leste-oeste, essa postura foi ampliada a uma teoria da guerra civil internacional3. Concebida com o intuito de desmascarar o leninismo, esta permanece presa a seu original como o reverso da imagem no espelho. Todavia, mesmo nas mãos de um historiador de estudo como Ernst Nolte, que agora anuncia a tese do fim da guerra civil internacional (Frankfurter Allgemeine Zeitung, 17 de fevereiro de 1990), o material histórico resiste ao assalto ideológico. Pois a estilização dos partidos da guerra civil internacional torna necessário atribuir o mesmo peso e a mesma medida anticomunista a coisas tão heterogêneas quanto as políticas assumidas por Mussolini e Hitler, por Churchill e Roosevelt, por Kennedy e Reagan. A figura concebida pelo pensamento como guerra civil internacional apenas solidifica uma interpretação da situação, que se tomou de empréstimo à fase quente da Guerra Fria, numa descrição de estrutura impregnada pela polêmica que lança sombra sobre toda uma época. Resta a interpretação liberal, que de início apenas registra que, juntamente com o socialismo de Estado, as últimas formas de dominação totalitária começam a se dissolver na Europa. Chega ao fim uma época que começou com o fascismo. As representações liberais de organização prevalecem com o Estado democrático de direito, a economia de mercado e o pluralismo social. Com isso, parece finalmente realizada a profecia de um fim das ideologias (Daniel Bell e Ralf Dahrendorff em Die Zeit, 29 de dezembro de 1989). Não é preciso aderir à teoria sobre o totalitarismo e pode-se até assinalar com toda a ênfase as diferenças histórico-estruturais entre dominação autoritária, fascista, nacional-socialista, stalinista e pós-stalinista, a fim de reconhecer como que no espelho das democracias de massas ocidentais também os aspectos comuns das formas de dominação totalitária. Se, depois de Portugal e Espanha, essa síndrome agora também se dilui nos países europeus do socialismo burocrático, e se ao mesmo tempo se institui a diferenciação da economia de mercado em relação ao sistema político, está-se a um passo da tese de um amplo impulso modernizante que agora avança para a Europa central e do leste. A interpretação liberal não é falsa. Mas não enxerga a venda nos próprios olhos. Isso porque há variantes triunfalistas dessa interpretação que poderiam ser tiradas da primeira parte do Manifesto Comunista, onde Marx e Engels enaltecem, em forma de hino, o papel revolucionário da burguesia: "Através da rápida melhoria de todos os instrumentos de produção, através da infinita facilidade de comunicação, a burguesia arrasta todas as nações, mesmo as mais bárbaras, à civilização. Os preços módicos das mercadorias são a artilharia pesada com que põe abaixo todas as muralhas da China, fazendo capitular a mais resistente xenofobia dos bárbaros. Força todas as nações a se apropriarem dos meios de produção burgueses, caso não queiram se arruinar; força-as a introduzir a chamada civilização em seus domínios, isto é, a se tornarem burguesas. Numa palavra: cria para si 48 (3) H. Kesting, Geschichtsphilosophie und Weltbürgerkrieg. Heidelberg, 1959. NOVOS ESTUDOS Nº 30 - JULHO DE 1991 um mundo à sua imagem". — "E tal como na produção material, assim também na produção espiritual. Os produtos espirituais de uma única nação tornam-se bem comum. Tornam-se cada vez mais impossíveis a mesquinhez e estreiteza nacionais, e das muitas literaturas nacionais e locais se forma uma literatura universal"4. A disposição de ânimo encontrada nas respostas dos capitalistas ávidos de investimentos à última pesquisa do Fórum Alemão de Indústria e Comércio não poderia ser melhor caracterizada. Apenas no adjetivo restritivo de a "chamada" civilização se deixa entrever uma ressalva. Em Marx, não se trata, é claro, da ressalva alemã em prol de uma cultura supostamente superior à civilização, mas sim da profunda desconfiança se uma civilização pode se deixar enredar, como todo, no turbilhão das forças de propulsão de um de seus subsistemas — ou seja, na esteira de um sistema econômico dinâmico e, como dizemos hoje, de referenciais fechados, sistema cuja capacidade de funcionamento e auto-estabilização depende de que se armazenem e processem todas as informações relevantes unicamente na linguagem do valor econômico. Marx achava que toda civilização que se submete aos imperativos da autovalorização do capital traz consigo mesma o germe da autodestruição, pois com isso se torna cega a tudo aquilo que é relevante contra eles, a tudo aquilo que não se deixa exprimir através de preços. Hoje, o suporte da expansão que Marx tão enfaticamente estabeleceu como modelo já não é, com certeza, a burguesia de 1848, uma classe social dominante em âmbito nacional, mas um sistema econômico que se desprendeu das estruturas de classe visivelmente identificáveis, que se tornou anônimo e que opera em escala mundial. E nossas sociedades, que galgaram o "apogeu econômico" nesse sistema, já não se assemelham à Inglaterra de Manchester, cuja miséria foi tão drasticamente descrita por Engels. Isso porque, de lá para cá, tais sociedades encontraram, mediante o compromiso entre sociedade e Estado (sozialstaatlicher Kompromiss) uma resposta às duras palavras do Manifesto Comunista e às intensas lutas do movimento operário europeu. No entanto, a irônica circunstância de que ainda é Marx quem fornece as melhores citações para uma situação na qual o capital à procura de empreendimentos vai em busca dos mercados esgotados pelo socialismo de Estado, dá tanto o que pensar quanto o fato de que a desconfiança de Marx foi, por assim dizer, incorporada às estruturas das próprias sociedades capitalistas mais desenvolvidas. Significa isso que o "marxismo como crítica"5 está tão superado quanto o "socialismo real existente"? Do ponto de vista anticomunista, a tradição socialista, tanto na teoria quanto na prática, só foi capaz de causar males. Do ponto de vista dos liberais, tudo o que era aproveitável do socialismo foi realizado na era social-democrata. Com a liquidação do socialismo de Estado no leste europeu secaram também as fontes a partir das quais a esquerda da Europa ocidental extrai seus estímulos teóricos e orientações normativas? O desiludido Biermann, cujo talento para a utopia hoje virou melancolia, tem uma resposta dialética: "Passe-me a pá. Vamos enterrar de vez o pequenino cadáver do gigante. O próprio Cristo teve prik 49 (4) K. Marx, F. Engels, Werke, vol. 4, Berlim, 1959, p. 466. (5) Este é o título de um ensaio em que pela primeira vez lidei de modo sistemático com o marxismo. In.J. Habermas, Theorie und Praxis. Ed. ampliada. Frankfurt am Main, 1971, pp. 228 e segs. QUE SIGNIFICA SOCIALISMO HOJE? meiro de esperar três dias debaixo da terra até conseguir a mágica: a ressurreição!" (Die Zeit, 2 de março de 1990). Experimentemos com um pouco menos de dialética. II Em nosso país, a esquerda não-comunista não tem motivo algum para se penitenciar, mas também não deve agir como se nada tivesse acontecido. Não deve deixar que lhe atribuam, por proximidade, a culpa pela falência de um socialismo de Estado que ela sempre criticou. Mas é preciso que se pergunte por quanto tempo uma idéia resiste à realidade. De fato, entre aqueles que criaram o esquivo pleonasmo do socialismo "real existente" também havia a obstinação do político realista: mais vale um pássaro na mão. Mas será que basta insistir que o pombo do telhado é de outra espécie — e que um dia também pousará em nossas mãos? Os ideais também precisam, replica o outro lado, de uma referência real, pois do contrário perdem sua força orientadora da ação. O que há de falso nesse diálogo, em que o idealista sempre perde, é a premissa de que tudo se passa como se o socialismo fosse uma idéia que paira abstratamente acima da realidade, idéia da qual se pode mostrar a impotência de seu dever ser (quando não as conseqüências desumanas de toda e qualquer tentativa de realizá-la). A esse conceito se liga, certamente, a intuição normativa de um convívio nãoviolento, que a auto-realização e autonomia individual tornam possível não à custa de solidariedade e justiça, mas juntamente com estas. Na tradição socialista, essa intuição não deveria ser explicada em conexão direta com uma teoria normativa, nem estabelecida como ideal diante de uma disparatada realidade; deveria, ao contrário, constituir uma perspectiva a partir da qual a realidade é criticamente observada e analisada. No decorrer da análise, a intuição normativa deveria ser tanto desenvolvida quanto corrigida, podendo, por essa via, ser também corroborada indiretamente na força com que desvenda a realidade e no teor empírico da descrição teórica. Com ajuda desse critério, desde os anos 20 operou-se no discurso do marxismo ocidental6 uma impiedosa autocrítica, que não poupou muita coisa da figura original da teoria. Enquanto a prática emitia seus juízos, também na teoria se realçava, com argumentos, a realidade (e o aspecto monstruoso do século XX). Quero lembrar apenas alguns aspectos, sob os quais se tornou patente o quanto Marx e seus seguidores imediatos permaneceram presos, a despeito de toda a crítica do primeiro socialismo, ao contexto de nascimento e ao formato reduzido do primeiro industrialismo (früher Industrialismus). (a) A análise permanecia fixada em fenômenos que se manifestavam dentro do horizonte da sociedade do trabalho. Com a escolha desse paradigma, toma a dianteira um estreito conceito de prática, de modo a caber a priori um papel inquestionavelmente emancipatório ao trabalho e ao desenvolvimento das forças técnicas produtivas. As formas de organização que se 50 (6) Um panorama é oferecido por M. Jay, Marxism and Totality. Berkeley, 1984. NOVOS ESTUDOS Nº 30 - JULHO DE 1991 desenvolvem com a concentração das forças de trabalho nas fábricas devem ao mesmo tempo constituir a infra-estrutura para os laços de solidariedade, para a conscientização e atividade revolucionária daqueles que produzem. Com essa postura produtivista, porém, a visão é de certo modo desviada das ambivalências da progressiva dominação da natureza, bem como das forças sócio-integradoras aquém e além da esfera do trabalho social. (b) A análise estava, além disso, comprometida com uma compreensão holística da sociedade: uma totalidade, ética em sua origem, é mutilada e destruída pela separação das classes e, na modernidade, pela violência reificante do processo econômico capitalista. Soletrada nos conceitos fundamentais de Hegel, a utopia da sociedade do trabalho inspira a compreensão que está por trás de uma crítica da economia política realizada com espírito científico. Por isso, é possível apresentar, no todo, o processo de auto-aproveitamento do capital como uma magia (Zauber) que, uma vez quebrada, pode ser reduzida a seu substrato objetivo, acessível ao controle racional. Dessa maneira, a teoria se torna cega para a obstinação do sistema de economia de mercado diferenciada, cujas funções diretoras não podem ser substituídas pelo planejamento administrativo sem pôr em jogo o nível de diferenciação alcançado nas sociedades modernas. (c) A análise também permanece presa a uma compreensão concretizante dos conflitos e dos agentes sociais, na medida em que opera com classes sociais e grandes sujeitos históricos como suportes do processo de produção e reprodução da sociedade. A essa apreensão escapam as sociedades complexas, nas quais não há vínculos lineares entre, de uma lado, as estruturas de superfície sociais, subculturais e regionais e, de outro, as abstratas estruturas profundas de uma economia diferenciada como sistema (que se entrelaça de maneira complementar com o poder de intervenção do Estado). Do mesmo erro nasce uma teoria do Estado que já não pode dar conta de tantas hipóteses auxiliares. (d) De maiores conseqüências práticas que as mencionadas deficiências foi a limitada compreensão funcionalista do Estado democrático de direito, que Marx viu efetivado na Terceira República, e que desdenhosamente rejeitou como "democracia vulgar". Visto que concebia a república democrática como a última forma de Estado da sociedade burguesa, em cujo solo "se decidirá definitivamente a luta de classes", Marx tinha para com as instituições dessa república uma relação puramente instrumental. Da Crítica do Programa de Gotha conclui-se, com certeza, que Marx entende a sociedade comunista como a única forma possível de realização da democracia. Ali se afirma, como já antes na crítica ao direito público de Hegel, que a liberdade consiste unicamente em "transformar o Estado, de um órgão superposto à sociedade, num órgão totalmente a ela subordinado". Contudo, não dá mais nenhuma palavra a respeito da institucionalização da liberdade: sua imaginação institucional não vai além da ditadura do proletariado prevista para o "período de transição". A ilusão saintsimonista quanto à "gestão das coisas" faz diminuir a tal ponto a esperada necessidade de uma solução democraticamente regulamentada dos conflitos, kkkk 51 QUE SIGNIFICA SOCIALISMO HOJE? que tal solução pode ser aparentemente deixada para a auto-organização espontânea de um povo rousseauniano. (e) A análise persistiu, enfim, na linha daquela estratégia teórica hegeliana, que deveria ligar a exigência cognoscitiva não-falibilística da tradição filosófica ao novo pensamento histórico. A historicização do conhecimento de essências (Wesenerkenntnis), no entanto, apenas desloca a teleologia do ser para a história. O secreto caráter normativista das hipóteses da filosofia da história também é conservado na figura naturalista das concepções evolucionistas do progresso. Tal caráter não tem conseqüências incômodas apenas para os fundamentos normativos não-explicitados pela própria teoria. Por um lado, tal teoria (independentemente de seus conteúdos específicos) oculta a margem de contingência no interior da qual se move, inevitavelmente, uma prática teoricamente orientada. Além disso, ao absorver a consciência de risco daqueles que têm de arcar com as conseqüências do agir, tal teoria encoraja a um questionável vanguardismo. Por outro lado, esse tipo de conhecimento da totalidade se permite fazer laudos clínicos sobre a qualidade alienada ou não-fracassada das formas de vida em seu conjunto. Daí se explica a tendência a conceber o socialismo como uma figura historicamente privilegiada da moralidade concreta, ainda que, na melhor das hipóteses, uma teoria possa indicar as condições necessárias para formas emancipadas de vida, cuja configuração concreta teria de ser primeiramente decidida pelos próprios envolvidos. (f) Se se têm presentes tais deficiências e equívocos, mais ou menos marcantes na tradição teórica de Marx e Engels a Kautsky, então se entende melhor como o marxismo pôde se degradar a ideologia de legitimação de uma prática absolutamente inumana — "esse grande experimento que teve seres humanos como cobaias" (Biermann) — na figura codificada por Stalin. Decerto, não se pode justificar a transição da doutrina marxista ao marxismo soviético, transição que Lênin operou na teoria e desencadeou na prática7; contudo, os pontos fracos que discutimos de (a) a (e) contribuem de qualquer modo para as condições (certamente nem necessárias nem suficientes) de um desvio e mesmo da completa inversão de sua intenção original. Em oposição a isso, já relativamente cedo o reformismo social-democrata, que também recebeu importantes impulsos de austro-marxistas como Karl Renner e Otto Bauer, livrou-se de um entendimento holístico da sociedade e da perplexidade diante da obstinação do sistema de mercado; livrouse de uma compreensão dogmática da estrutura e da luta de classes, de um falso posicionamento em relação ao teor normativo do Estado democrático de direito e de hipóteses de fundo evolucionista. Até bem recentemente, a autocompreensão do dia-a-dia político certamente permaneceu marcada pelo paradigma produtivista. Tornando-se pragmáticos e desatrelando-se das teorias os partidos reformistas obtiveram, depois da II Guerra Mundial, êxitos inquestionáveis na execução de um compromisso entre sociedade e Estado que penetrou nas estruturas da sociedade. A profundidade dessa intervenção sempre foi minimizada pela esquerda radical. 52 (7) H. Marcuse, Die Gesellschaftslebre des sowjetischen Marxismus. In: Schriften, vol. 6. Frankfurt am Main, 1989. NOVOS ESTUDOS Nº 30 - JULHO DE 1991 Sem dúvida, a social-democracia foi surpreendida pela obstinação do sistema de poder estatal, do qual acreditou poder servir-se como um instrumento neutro, a fim de impor uma universalização sócio-estatal dos direitos civis. Não foi o Estado social que se revelou uma ilusão, mas a expectativa de poder realizar formas emancipadas de vida através de meios administrativos. De resto, ao empreender a pacificação social mediante intervenções estatais, os próprios partidos são mais ou menos absorvidos pelo aparelho estatal em expansão. Com a estatização dos partidos, no entanto, a formação democrática de vontade é transferida para um sistema político que se programa amplamente a si próprio — o que os cidadãos da RDA, libertos da Stasi e da dominação de partido único, acabam de perceber, com surpresa, na recente campanha eleitoral regida por managers de eleições (Wahlmanager). A democracia de massas de feitio ocidental é marcada por traços de processo de legitimação dirigido. Assim, a social-democracia paga um duplo preço por seus êxitos. Renuncia à democracia radical e aprende a viver com as conseqüências normativas indesejáveis do crescimento capitalista — e também com os riscos do mercado de trabalho, riscos que, específicos do sistema (systemspezifich), podem ser social e politicamente "amortecidos", mas não afastados. Na Europa Ocidental, foi esse preço que manteve viva uma esquerda não-comunista, à esquerda da social-democracia. Ela se apresenta em muitas variantes e mantém desperta a lembrança de que um dia socialismo já significou mais do que política social através do Estado. Todavia, como mostra a manutenção de um programa de socialismo de autonomia administrativa, para essa esquerda é difícil desvencilhar-se do conceito holístico de sociedade e renunciar à idéia de um processo de produção que passa de mercado a democracia. Nesse aspecto, o vínculo entre teoria e prática permaneceu tanto mais intacto. E tanto mais a teoria se tornou ortodoxa e a prática, sectária. Assim como a prática política, também a tradição teórica foi há muito tempo abrangida pela diferenciação institucional. Ao lado de outras tradições de investigação, também a marxista, mais ou menos marginal, tornou-se parte integrante do ofício acadêmico. Essa academicização levou às indispensáveis revisões e à mescla com outras posturas teóricas. Já durante o período de Weimar, a profícua constelação de Marx e Max Weber determinou a discussão sociológica. Desde então, a autocrítica do marxismo ocidental se deu extensamente no interior das universidades, produzindo um pluralismo filtrado pela argumentação científica. Posturas de investigação interessantes e contrárias, tais como a de P. Bourdieu, C. Castoriadis ou A. Touraine, J. Elster ou A. Giddens, C. Offe ou U. Preuss, revelam algo da força do potencial sugestivo que ainda representa a tradição que parte de Marx. Ela foi dotada de uma lente estereoscópica que nem permanece presa apenas à superfície do processo de modernização, nem se volta somente para o verso do espelho da razão instrumental, mas se torna sensível para as ambivalências do processo de racionalização que sulca a sociedade. Sulcos destroem a cobertura natural e, ao mesmo tempo, amolecem o solo. Muitos, cada qual à sua maneira, aprenderam com Marx como a dialética do Iluminismo de Hegel pode ser traduzida 53 QUE SIGNIFICA SOCIALISMO HOJE? num programa de investigação. Nesse ponto, as objeções críticas que arrolei de (a) até (e) constituem a plataforma a partir da qual hoje ainda se podem colher estímulos na tradição marxista. Se isso caracteriza em poucos traços a situação em que a esquerda não-comunista podia se perceber a si própria quando Gorbachev anunciou o início do fim do socialismo real existente — como os dramáticos acontecimentos do outono passado mudaram essa cena? Será que as esquerdas devem se recolher num ponto de vista moral e continuar a cultivar o socialismo apenas como idéia? Ernst Nolte lhes reconhece esse "socialismo ideal" como "conceito-limite, corretivo e orientador", e mesmo como "irrecusável", naturalmente não sem acrescentar: "Quem quiser realizar esse conceito-limite correrá o perigo de reincidir ou de cair no 'socialismo real' de funesta lembrança, ainda que se ponha em ação com nobres palavras contra o stalinismo" (Frankfurter Allgemeine Zeitung, 19 de fevereiro de 1990). Caso se queira seguir esse conselho de amigo, o socialismo se desativaria numa idéia reguladora, entendida de maneira privativa, que indica que o lugar da moral é fora da prática política. Mais conseqüente do que essa manipulação do conceito de socialismo é renunciar a ele. Será que é preciso dizer, com Biermman, que "o socialismo já não é a meta"? Certamente que sim, se é entendido de maneira romântico-especulativa, no sentido dos Manuscritos de Paris segundo o qual a supressão da propriedade privada dos meios de produção significa o "enigma decifrado da história", isto é, o estabelecimento de relações de vida solidárias, em meio às quais o homem já não seja alienado do produto de seu trabalho, de seus semelhantes (Mitmenschen) e de si mesmo. Para o socialismo romântico, a supressão da propriedade privada significa a total emancipação de todas as disposições e qualidades humanas — a verdadeira ressurreição da natureza e a realização do naturalismo do homem, a eliminação do conflito entre reificação e atividade própria, entre liberdade e necessidade, entre indivíduo e gênero. No entanto, não é a mais recente crítica ao falso pensamento da totalidade da filosofia reconciliadora, não é Soljenitsin que nos ensinará algo melhor. Há muito tempo estão descobertas as raízes lançadas pelo socialismo no contexto de surgimento do primeiro industrialismo. Desde o início, a idéia de uma livre associação daqueles que produzem estava impregnada de saudosas imagens de coletivizações familiares, bairristas e corporativas do mundo de camponeses e artesãos, que então se destruiu com a imergente violência da sociedade de concorrência, e cuja perda também se fez sentir durante o processo de dissolução. Desde os primórdios, a idéia de conservação dessas sociedades solidárias que foram extintas esteve ligada ao "socialismo": em meio às condições de trabalho e sob as novas formas de relações do primeiro industrialismo, as forças sócio-integradoras do mundo que submergia deveriam ser transformadas e salvas. A cabeça de Jano do socialismo, a respeito de cujo teor normativo Marx posteriormente manteve silêncio, remonta tanto a um passado idealizado quanto a um futuro dominado pelo trabalho industrial. Nessa leitura concretizante, por certo, o socialismo já não é meta e jamais foi uma meta concreta. Diante de sociedades complexas, é preciso que 54 NOVOS ESTUDOS Nº 30 - JULHO DE 1991 submetamos tais conotações normativas, marcadas pelo cunho conceitual do século XIX, a uma radical abstração. Ainda que se conserve a crítica à dominação natural ilegítima e à velada violência social, o ponto central são aquelas condições de comunicação sob as quais se pode estabelecer uma justificada confiança nas instituições de auto-organização de uma sociedade de cidadãos livres e iguais. Por certo, a solidariedade pode ser experimentada concretamente apenas no contexto de formas de vida herdadas ou criticamente apropriadas e, portanto, espontaneamente escolhidas, mas sempre particulares. No âmbito de uma vasta sociedade politicamente integrada, e mesmo no horizonte de uma rede de comunicação de alcance global, a convivência solidária, porém, só pode ser alcançada, segundo sua própria idéia, de forma abstrata, ou seja, na figura de uma justificada expectativa intersubjetivamente partilhada. Todos deveriam poder esperar dos procedimentos institucionalizados de uma abrangente (inklusiv) formação democrática de opinião e vontade que tais processos de comunicação pública impliquem a suposição fundamentada de racionalidade e eficiência. A suposição de racionalidade (Vermutung der Vernünftigkeit) se apóia no sentido normativo de procedimentos democráticos que devem assegurar que todas as questões socialmente relevantes possam ser tematizadas, tratadas com fundamentos e com riqueza de idéias, e elaboradas como soluções de problemas que — em igual respeito pela integridade de todos os indivíduos e de todas as formas de vida — são, em igual medida, do interesse de todos. A suposição de eficiência (Vermutung der Wirksamkeit) toca a principal questão materialista de saber em que sentido uma sociedade diferenciada em sistemas, sem extremo nem centro, ainda pode em geral ser organizada, desde que já não é mais possível representar o que é "próprio" dessa organização própria como incorporado por macro-sujeitos, ou seja, por classes sociais da teoria de classes ou pelo povo da soberania popular. O ponto central de uma compreensão abstrata de relações solidárias reside em separar da moralidade concreta de laços de interação naturais, em generalizar nas formas reflexivas de entendimento e compromisso, bem como assegurar por meio de institucionalização justa, aquelas simetrais de reconhecimento recíproco pressupostas no agir comunicativo, que tornam primeiramente possível a autonomia e a individuação dos sujeitos sociabilizados. Aquilo que é "próprio" dessas sociedades que se organizam a si próprias desaparece então naquelas formas de comunicação sem sujeito (subjektlos) que devem regular o fluxo de formação de opinião e vontade marcada discursivamente, de tal modo que seus resultados falíveis tenham a seu lado a suposição da razão. Tal soberania popular, que se tornou anônima e se dissolveu de modo intersubjetivo, se abriga nos procedimentos democráticos e nos pressupostos comunicativos requeridos em sua implementação8. Ela tem seu lugar sem lugar (ortloser Ort) nas interações entre a formação de vontade institucionalizada no direito público e os espaços públicos culturalmente mobilizados. Se de fato sociedades complexas poderão ser algum dia recobertas pela membrana de uma tal soberania popular em procedimento, ou se a rede de mundos de vida intersubjetivamente partilhados e estruturados de maneikk 55 (8) J. Habermas, Volkssouveränität als Verfahren. In: Forum für Philoso p h ie. Die Id een vo n 1789. Frankfurt am Main, 1989, pp. 7-16. QUE SIGNIFICA SOCIALISMO HOJE? ra comunicativa está definitivamente rompida, de modo que a economia que se tornou um sistema autônomo e, com ela, uma administração estatal que se programa a si mesma já não possam ser alcançadas no horizonte do mundo da vida, nem mesmo através das vias mais indiretas de comando —, eis uma questão que não pode ser suficientemente respondida de modo teórico e tem, por isso, de ser convertida numa questão de ordem prático-política. De resto, esta era também a principal questão de um materialismo histórico que não concebia sua hipótese sobre a relação entre base e superestrutura como afirmação ontológica sobre o ser social, mas como pista para um lacre que tem de ser rompido, caso as formas de relacionamento humano já não devam ser por mais tempo fetichizadas por uma sociedade alienada, que descamba em violência. III Ora, no que diz respeito à compreensão dessa intenção, as mudanças revolucionárias que se efetuam sob nossos olhos contêm um ensinamento inequívoco: sociedades complexas não podem se reproduzir se não deixam intacta a lógica de auto-orientação de uma economia regulada pelos mercados. Sociedades modernas diferenciam um sistema econômico orientado através do meio dinheiro, colocando-o no mesmo plano que o sistema administrativo — por mais complementarmente que suas distintas funções sejam referidas umas às outras; nenhum desses sistemas pode ser subordinado ao outro9. Se não ocorrer nada de muito imprevisível na União Soviética, já não será possível sabermos se as relações de produção do socialismo de Estado poderiam se adaptar a essa condição através da terceira via de democratização. Mas mesmo o realinhamento sob as condições do mercado capitalista internacional não significa certamente um retorno àquelas relações de produção, para cuja superação os movimentos socialistas outrora se puseram em ação. Isso seria um menosprezo pelas mudanças de forma das sociedades capitalistas, principalmente depois do fim da II Guerra Mundial. Hoje, um compromisso entre sociedade e Estado, estabelecido sobre as estruturas sociais, constitui o fundamento do qual qualquer política tem de partir em nossos domínios. Isso é expresso num consenso sobre as metas sócio-políticas, que C. Offe comenta com palavras irônicas: "Quanto mais triste e sem saída parece a imagem do socialismo real existente, tanto mais todos nós nos tornamos 'comunistas', na medida em que não podemos de modo algum deixar que nos seja comprada a preocupação com as questões públicas e com o horror de possíveis equívocos catastróficos no desenvolvimento da sociedade em seu conjunto" (Die Zeit, 8 de dezembro de 1989). Com efeito, não se deve pensar que a queda do Muro foi apenas a superação de um de nossos problemas específicos gerados pelo sistema. Entre nós, tanto quanto anteriormente, a insensibilidade do sistema econômico de mercado em relação aos seus custos externos sobre o meio ambiente social e natural não en56 (9) Isso não é uma "concessão de política realista", como muitos de meus críticos de esquerda acreditam, mas a conseqüência de uma postura teórica sobre a sociedade que supera concepções holísticas. NOVOS ESTUDOS Nº 30 - JULHO DE 1991 xerga que se trata de uma via de crescimento econômico em crise, com as conhecidas disparidades e marginalizações no plano interno, com os atrasos e involuções econômicas, ou seja, com as condições bárbaras de vida, com as expropriações culturais e catástrofes de fome no Terceiro Mundo, e não menos com os riscos de alcance mundial de uma intensa utilização da natureza. O controle (Bändigung) social e ecológico da economia de mercado é a fórmula comum a todos, na qual a meta social-democrata de controle do capitalismo se generalizou com exigência de consenso. Também a literatura dinâmica da reconstrução ecológica e social da sociedade industrial tem consenso para além da esfera dos verdes e social-democratas. Trata-se da operacionalização, do horizonte temporal e dos meios para a realização de metas comuns, embora reforçadas de modo retórico. Também há consenso acerca do modo político de como exercer uma influência indireta, partindo de fora, sobre os mecanismos de auto-orientação de um sistema, cuja obstinação não pode ser contida por meio de ataque direto. Com isso, a luta pelas formas de propriedade perde seu sentido dogmático. Contudo, o deslocamento da luta do plano dos objetivos político-sociais para o plano de sua operacionalização, para o plano da escolha de políticas adequadas e de sua realização não lhe retira o caráter de uma polêmica de princípios. Tanto quanto antes, há agora um grave conflito entre aqueles que, a partir dos imperativos do sistema econômico, planejam sanções contra todas as reivindicações que vão além do status quo, e aqueles que pretendem manter o nome socialismo até que seja eliminada a deformação congênita do capitalismo, isto é, a atribuição dos custos sociais das desigualdades do sistema ao destino privado dos desempregados10, até que seja concretamente alcançada a igualdade pelas mulheres e até que cesse a dinâmica de destruição do mundo da vida e da natureza. Do ponto de vista desse reformismo radical, o sistema econômico parece menos uma freguesia (Tempelbezirk) do que um campo de testes. Também o Estado social que leva em conta o caráter peculiar da mercadoria força de trabalho surgiu da tentativa de examinar os encargos do sistema econômico, em favor das carências sociais em relação às quais a racionalidade das decisões de investimentos econômicos pelas empresas é insensível. Sem dúvida, nesse meio tempo o projeto de Estado social tornou-se reflexivo: as conseqüências secundárias da jurisdição e burocratização tiraram a inocência do meio aparentemente neutro do poder administrativo, com o qual a sociedade pretendia atuar sobre si mesma". Agora também o Estado intervencionista tem de ser "socialmente controlado". Aquela combinação de poder e de inteligente autodomínio, que caracteriza o modo político do disciplinamento protetor e da orientação indireta do crescimento capitalista, ainda precisa ser introduzida por trás das linhas do planejamento administrativo. A solução para esse problema só se encontra numa mudança de relação entre os espaços públicos autônomos, de um lado, e, de outro, os setores comerciais orientados pelo dinheiro e pelo poder administrativo. O potencial de reflexão exigido se encontra naquela soberania que se adensa de modo comunicativo e que, fazendo-se ouvir nos temas, fundamentos e propostas 57 (10) Para conceitos de uma garantia não mais centrada no salário, cf. G. Vobruba (org.), Strukturwandel der Sozialpolitik. Frankfurt am Main, 1990. (11) J. Habermas, Die Kritik des Wohlfahrtsstaates. In: Die Neue Unübersichtlichkeit. Frankfurt am Main, 1985, pp. 141166. QUE SIGNIFICA SOCIALISMO HOJE? para soluções de problemas e fluindo livremente em comunicação pública, tem, no entanto, de tomar uma figura consistente nas decisões de instituições democraticamente concebidas, pois a responsabilidade por decisões de conseqüências práticas exige uma clara justificação institucional. O poder gerado de modo comunicativo pode atuar, sem intuito de conquista, sobre as premissas dos processos de valorização e decisão da administração pública, a fim de fazer valer suas exigências normativas na única linguagem que a citadela sitiada entende: ele elabora o pool de fundamentos que o poder administrativo, ainda que lide com eles de modo instrumental, não pode ignorar, se é concebido conforme o Estado de direito. As sociedades modernas satisfazem sua necessidade de encontrar medidas orientadoras a partir de três fontes: dinheiro, poder e solidariedade. Um reformismo radical já não deve ser reconhecido nas exigências de soluções concretas, mas na intenção, orientada por procedimentos, de promover uma nova divisão dos poderes: através do amplo leque de espaços públicos e de instituições democráticas, o poder sócio-integrador da solidariedade deve ser capaz de se afirmar sobre os dois outros poderes, dinheiro e poder administrativo. O que há de "socialista" nisso é a expectativa de que as estruturas reivindicatórias de reconhecimento recíproco, que conhecemos das relações de vida concretas, se transfiram para as relações sociais mediadas jurídica e administrativamente, através dos pressupostos comunicativos dos processos abrangentes de formação democrática de opinião e vontade. Esferas do mundo da vida, especializadas em dar continuidade a valores tradicionais e ao saber cultural, em integrar grupos e sociabilizar jovens, sempre dependem da solidariedade. Das mesmas fontes do agir comunicativo é preciso extrair também uma formação radicalmente democrática de opinião e vontade, que deve exercer sua influência sobre a delimitação e a troca entre, de um lado, as esferas de vida estruturadas comunicativamente e, de outro, o Estado e a economia. Naturalmente, saber se conceitos para uma democracia radical12 ainda terão futuro também dependerá do modo como percebemos e definimos os problemas, dependerá de que tipo de visão dos problemas sociais se impõe politicamente. Se nas arenas públicas das sociedades desenvolvidas se apresentam como problemas urgentes apenas os desarranjos que atrapalham os imperativos do sistema quanto à auto-estabilização da economia e da administração; se essas esferas de problema dão as diretrizes nas descrições teóricas do sistema, as reivindicações do mundo da vida, formuladas em linguagem normativa, só aparecem ainda como variáveis dependentes. Com isso, as questões políticas e jurídicas perderiam sua substância normativa. Essa luta por uma amoralização dos conflitos públicos está em pleno curso. Hoje ela já não está sob o signo de uma autocompreensão tecnocrática da política e da sociedade: onde a complexidade social aparece como caixa escura, o procedimento sistêmico oportunista parece oferecer uma chance de orientação. Na verdade, porém, os grandes problemas com os quais as sociedades desenvolvidas se vêem confrontadas dificilmente são de tal natureza que possam ser solucionados sem uma percepção normativa sensibilizada, sem moralização (Moralisierung) dos temas públicos. 58 (12) U. Rödel, G. Frankenberg, H. Dubiel, Die demokratische Frage. Frankfurt am Main, 1989. NOVOS ESTUDOS Nº 30 - JULHO DE 1991 Tendo como pano de fundo a situação dos interesses de capital e trabalho, o clássico conflito distributivo da sociedade do trabalho foi estruturado de tal modo que ambas as partes dispõem de potencial intimidatório. Também do lado estruturalmente desfavorecido restou, como ultima ratio, a greve, ou seja, a retirada organizada da força de trabalho e, com ela, a interrupção do processo produtivo. Hoje é diferente. Nos conflitos distributivos institucionalizados das sociedades de bem-estar, uma ampla maioria de detentores de postos de trabalho se encontra diante de uma minoria de grupos marginais heterogêneos, que não dispõem de nenhum potencial de sanção adequado. Quando não se resignam e elaboram seus agravos de modo destrutivo, com doenças, criminalidade ou revoltas cegas, os marginalizados e subprivilegiados têm, na melhor das hipóteses, apenas o voto de protesto dos eleitores para fazer valer os seus direitos. Sem o voto da maioria dos cidadãos, que se perguntam e se deixam perguntar se querem viver numa sociedade segmentada, onde têm de fechar os olhos para os desamparados e mendigos, para bairros em forma de guetos e regiões abandonadas, faltará a tal problema a força propulsora, nem que seja para uma tematização pública de amplo alcance. Uma dinâmica da autocorreção não entra em curso sem moralização, sem uma generalização dos interesses operada sob pontos de vista normativos. O modelo assimétrico não é repetido apenas nos conflitos que se acendem em meio aos exilados e minorias de uma sociedade multicultural. A mesma assimetria também determina a relação das sociedades industriais desenvolvidas com os países em desenvolvimento e com o meio ambiente natural. Os continentes subdesenvolvidos poderiam, no máximo, ameaçar com gigantescas correntes imigratórias, com o jogo de azar da pressão atômica ou com a destruição, de efeito mundial, do equilíbrio ecológico, enquanto as sanções da natureza só podem ser ouvidas no leve tique-taque de bombasrelógio. Esse modelo de impotência favorece a permanência, em estado latente, de uma pressão que há muito tempo se refreia e também o adiamento da solução dos problemas, até que seja tarde demais. Esses problemas só podem ser realçados pelo viés de uma moralização dos temas, por uma generalização dos interesses operada de modo mais ou menos discursivo em espaços públicos não-obstruídos de culturas políticas liberais. Estamos prontos para pagar pela desativação da obsoleta usina atômica de Greifswald, tão logo reconhecemos os riscos para todos. A percepção do entrelaçamento dos próprios interesses com os interesses dos outros é de muito préstimo. A forma de percepção moral ou ética, além disso, aguça o olhar para aqueles vínculos mais abrangentes, a um só tempo mais modestos e frágeis, que ligam o destino de um indivíduo ao de qualquer outro — e que ainda transformam aquele que nos é mais distante num próximo. Sob um outro prisma, os grandes problemas de hoje lembram o clássico conflito distributivo: como este, exigem o modo peculiar de uma política disciplinadora, mas também protetora. A atual revolução, como observou H.M. Enzensberger, parece dramatizar esse modo político. Antes de o solo de legitimação se fender sob o socialismo de Estado, operou-se na massa da 59 QUE SIGNIFICA SOCIALISMO HOJE? população uma latente mudança de posicionamento; depois do desabamento, o sistema ali permanece, em ruínas que têm de ser postas abaixo ou reconstruídas. Como ônus da revolução alcançada, surge uma política de desarmamento e realinhamento que se volta para si mesma em busca de auxílio. Durante os anos 80, no âmbito de onde essa metáfora do desarmamento e realinhamento foi emprestada, ocorreu algo semelhante na República Federal da Alemanha. Sentida como imposição, a instalação de mísseis de médio alcance fez com que o barril pudesse derramar, convencendo uma maioria populacional a respeito da perigosa falta de sentido de uma espiral armamentista autodestrutiva. Com a conferência de cúpula em Reykjavik começa a mudança (sem que eu queira sugerir um encadeamento linear) para uma política de desarmamento. Sem dúvida, entre nós a mudança deslegitimadora de orientações de valores culturais não se efetuou apenas de maneira subcutânea, como nos nichos privados do socialismo de Estado, mas em todo o espaço público e mesmo enfim de uma maneira aberta nas maiores demonstrações de massa já vistas na RFA. Esse exemplo ilustra um processo circular no qual uma latente mudança de valores devida a fatores atuais se conecta a processos de comunicação pública, a mudanças nos parâmetros da formação de vontade democraticamente concebida e nos impulsos a novas políticas de desarmamento e realinhamento, que, por sua vez, tornam a agir sobre as orientações dos valores modificados. Dependendo do tipo e da ordem de grandeza das sociedades ocidentais, os desafios do século XXI exigirão respostas que dificilmente podem ser encontradas e implementadas sem uma formação de opinião e vontade que generalize os interesses e seja radicalmente democrática. Nesta arena, a esquerda socialista encontra seu lugar e seu papel político. Ela pode constituir o fermento para comunicações políticas que conservem e drenem o terreno institucional do Estado democrático de direito. A esquerda não-comunista não tem motivo algum para a depressão. Pode ser que alguns intelectuais da RDA tenham primeiramente de se adaptar a uma situação em que a esquerda da Europa ocidental se encontra há décadas — ter de transformar as idéias socialistas em autocrítica radicalmente reformista de uma sociedade capitalista que, juntamente com suas fraquezas, desenvolveu suas forças nas formas de uma democracia de massas do Estado social e democrático de direito. Depois da falência do socialismo de Estado, essa crítica é o único buraco de agulha por que tudo tem de passar. Este socialismo só desaparecerá com o objeto de sua crítica — talvez no dia em que a sociedade criticada tiver modificado sua identidade a ponto de poder perceber e levar a sério tudo aquilo que não é possível exprimir em termos de preço. A esperança de uma emancipação dos seres humanos de uma minoridade, pela qual eles próprios são culpados, e das humilhantes condições de vida ainda não perdeu sua força, mas foi depurada pela consciência da falibilidade e pela experiência histórica de que já se teria alcançado muita coisa se se pudesse manter um suportável equilíbrio em relação aos poucos beneficiados — e sobretudo se se pudesse estabelecer esse equilíbrio nos continentes devastados. 60 Jürgen Habermas é professor de filosofia na Universidade Wolfgang Goethe de Frankfurt. Já publicou nesta revista "Soberania Popular como Procedimento" (Nº 26). Novos Estudos CEBRAP Nº 30, julho de 1991 pp.43-61 NOVOS ESTUDOS Nº 30 - JULHO DE 1991 RESUMO As mudanças no Leste europeu tornaram ainda mais urgente a reflexão sobre o socialismo e suas relações com as complexas sociedades contemporâneas. Neste ensaio, o Autor analisa seis diferentes modelos de interpretação dos acontecimentos que produziram tão profundas transformações no socialismo real: as interpretações stalinista, lenista e comunista-reformista, por um lado; e, por outro, as interpretações pós-modernista, anticomunista e liberal. Habermas aponta os limites dessas concepções e, apoiado em sua teoria do agir comunicativo, procura estabelecer as condições para que o potencial de solidariedade gerado pela prática comunicativa se transfira para as soluções mediadas jurídica e administrativamente. 61