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7/12/2009 17:39:27
Nem todo escândalo será castigado
De cada dez ações contra autoridades públicas que tramitam no Superior Tribunal de Justiça (STJ), quatro não chegam sequer a ser concluídas. Levantamento feito pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) revela que 40% dessas ações prescrevem ou simplesmente caem no limbo do Judiciário e retornam à primeira instância porque o mandato do político expirou e o caso sequer foi apreciado. O percentual de condenações é de apenas 1%. No caso do Supremo Tribunal Federal (STF), os processos devolvidos e prescritos atingem 45,8% do total, sendo que até hoje nenhuma autoridade foi condenada pela corte.
Outro dado que demonstra como é difícil que uma autoridade seja punida no Brasil e pague pelos seus crimes foi levantado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo dados do Cadastro Nacional de Improbidade registrados até o mês passado, a Lei de Improbidade Administrativa resultou na condenação de apenas 1.605 pessoas, em 917 processos transitados sem direito a recurso, desde que foi criada há 17 anos.
O estudo da AMB analisou todos os processos que envolveram autoridades que chegaram aos tribunais superiores de Brasília entre os anos de 1988 e 2007. No STJ, chegaram 483 ações penais nesse período. Desse total, 126 (26%) foram devolvidas à instância inferior e, em 71 casos (14,7%), a punibilidade foi extinta com a prescrição dos processos, que caducaram com o tempo. O número de condenações foi pífio, cinco casos, que representam apenas 1%.
No STF, tramitaram 130 casos ao longo desses 19 anos: 46 deles (35,3%) foram mandados de volta aos tribunais de origem e 13 (10%) prescreveram. No quesito condenação, o desempenho ainda é pior que o do STJ: é zero.
Prisão para figurão no Brasil é fato muito raro. É o caso do banqueiro falido Salvatore Cacciola, acusado de crime contra o sistema financeiro, e condenado a 13 anos de cadeia em 2005. Foragido na Itália, foi pego em Mônaco, em 2007, e quase um ano depois extraditado para o Brasil, onde cumpre pena no Rio. Mesmo assim, segundo especialistas, só continua preso porque fugiu. Se tivesse ficado no Brasil e usado os recursos disponíveis para protelar a ida para a cadeia, possivelmente estaria solto ainda.
A advogada Jorgina de Freitas é outra raridade.
Ex­procuradora do INSS, ela foi condenada em 1992 por fraudar contra os cofres públicos.
Jorgina foi capturada na Costa Rica, em 1997, e extraditada para o Brasil, onde cumpriu pena no Rio.
Para o presidente da AMB, o juiz estadual Mozart Valadares, a legislação brasileira favorece políticos poderosos e empresários influentes que apostam na impunidade.
O vilão dessa história, na opinião de Mozart, é a morosidade do Judiciário e a protelação do processo permitida pela infinidade de recursos.
­ Não há a celeridade no julgamento que a população deseja. É como se essa parcela poderosa da sociedade estivesse à margem da lei. Eles apostam na convicção da impunidade. A sociedade perdeu a esperança de ver essas pessoas, ao menos, julgadas ­ disse Mozart Valadares. Para o presidente da AMB, o escândalo no governo do Distrito Federal, com o governador José Roberto Arruda (DEM) à frente, assusta e causa indignação: ­ A raiz disso é o caixa dois de campanha e essa relação promíscua entre o público e o privado. O Congresso Nacional não tem o menor interesse numa reforma que acabe com essa situação porque muitos deles sabem que, sem essas condições, não se elegem nunca mais.
A AMB enviou requerimento ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na última sexta solicitando que o órgão cobre dos tribunais prioridade nos julgamentos de processos que envolvam agentes públicos acusados de corrupção.
Para o corregedor nacional de Justiça, Gilson Dipp, do CNJ, apesar dos números pouco favoráveis, o Judiciário tem demonstrado alguma reação e está melhorando sua atuação nesses casos. Ele cita como exemplo o aumento no número de corregedorias implementadas no Judiciário.
­ Claro que há problemas, mas não podemos negar que algum avanço está ocorrendo ­ diz Gilson Dipp. O corregedor também lamentou o episódio ocorrido no Distrito Federal e afirmou que há no Brasil uma forte sensação de impunidade.
­ É altamente preocupante o que está acontecendo. Os fatos de corrupção se desenrolam um atrás do outro. Botar dinheiro em cueca, em meia, valise, nem precisa citar mais. A cada dia se nota um episódio diferente e revoltante.
Imagens e gravações que chocam. É desolador e enfraquece a democracia ­ diz Dipp, que apontou um problema específico do Judiciário no interior do país: ­ Em algumas comarcas do interior do país os fóruns funcionam em prédios cedidos pela Prefeitura e seus servidores também são funcionários emprestados do Executivo local. Muitas vezes até a água e a luz são pagas pela prefeitura. Isso dificulta a ação contra um prefeito, um vereador ou um secretário.
Não há isenção.
Cláudio Weber Abramo, diretor­executivo da ONG Transparência Brasil, aponta o alto número de cargos de confiança a serem distribuídos pelo governante como uma das causas da corrupção. Na opinião de Abramo, a aliança política é compensada na distribuição dos cargos, razão da existência da coligação: ­ Essa é a razão pela qual um partido empresta seu apoio a um candidato. E se o chefe do Executivo resolver olhar de perto e pensar em fazer algo, o apoio vai por terra.
Não se combate a corrupção com reza e dizendo que é feio. Mas com alteração na Constituição, reduzindo drasticamente o número de indicações e nomeações.
Para o diretor da Transparência Brasil, a corrupção é uma praga: ­ Há a disseminação de que corrupção no Brasil é um problema moral e que esse problema está na pessoa.
E querem transformar as pessoas.
A causa primária é institucional.
A primeira coisa que um chefe do Executivo faz é lotear os cargos e dizer aos aliados: não me encham o saco, não me fiscalizem e não me chateiem.
O juiz Marlon Reis, um dos idealizadores da campanha "Ficha Limpa" e integrante do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, atribui a dificuldade de se condenar um corrupto às dificuldades impostas pelo sistema judiciário do Brasil.
­ A Justiça é benéfica com quem pratica crime contra o patrimônio público. No Brasil, é difícil a produção de prova de corrupção. O Judiciário não reconhece facilmente uma prova. Uma imagem de alguém pegando o dinheiro, como vimos, pode ser desconhecida por um juiz.
É quase que preciso que a pessoa, além da gravação, diga que aquele recurso é pagamento de propina ­ disse Marlon Reis. A campanha "Ficha Limpa" coletou mais de um milhão de assinaturas e apresentou projeto de iniciativa popular no Congresso para proibir candidatura de político com processo na Justiça. Marlon é o presidente da Associação Brasileira dos Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais.
A Justiça é benéfica com quem pratica crime contra o patrimônio público. No Brasil, é difícil a produção de prova de corrupção. Uma imagem de alguém pegando o dinheiro, como vimos, pode ser desconhecida por um juiz. É quase que preciso a pessoa, além da gravação, dizer que aquele recurso é pagamento de propina.
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