leite 14 • A Lavoura - Nº 697/2013 Balde mais cheio Paula Guatimosim - especial para A Lavoura Embrapa Pecuária Sudeste Desenvolvido pela Embrapa Pecuária Sudeste para beneficiar, principalmente, a pecuária leiteira familiar, o programa Balde Cheio é fruto de esforço conjunto entre pesquisa e extensão para promover melhorias de manejo e gestão da propriedade A Lavoura - Nº 697/2013 • 15 leite O Programa de Desenvolvimento Integrado da Pecuária Leiteira Balde Cheio utiliza tecnologia inédita desenvolvida pela Embrapa Pecuária Sudeste (São Carlos/SP). Iniciado em 1999, já é adotado por todos os Estados da Federação, exceto Roraima e Distrito Federal, beneficiando mais de 13.700 produtores de leite. A meta é aumentar a produtividade e gerar mais lucro por meio da adoção de técnicas de manejo de pastagem, controle zootécnico e, principalmente, gestão da propriedade. Embrapa Pecuária Sudeste A união entre pesquisa e extensão rural oferece novos conceitos aos pecuaristas de leite, especialmente aos pe- 16 • A Lavoura - Nº 697/2013 quenos produtores com pouco acesso à assistência técnica e gerencial. Este objetivo é alcançado por meio da capacitação dos profissionais de extensão rural e produtores, da promoção da troca de informações regionais e monitoramento dos impactos ambientais, econômicos e sociais. Parcerias O estabelecimento de parcerias é uma das principais estratégias do Programa Balde Cheio. Elas são firmadas com diversos tipos de instituições públicas — como órgãos de assistência técnica e extensão rural vinculados às secretarias estaduais de Agricultura, prefeituras, instituições de ensino e pesquisa, instituições financeiras, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento — e entidades privadas, como cooperativas, laticínios, associações, federações de agricultura, Sebrae, instituições de ensino e pesquisa e profissionais autônomos. A capacitação e a troca de informações acontecem na propriedade rural, que se transforma em “sala de aula” e passa a ser uma unidade demonstrativa (UD). A programação inclui aulas teóricas, tanto para extensionistas quanto para produtores, na Embrapa Pecuária Sudeste e nas propriedades selecionadas. A partir da estruturação da propriedade, com base nas orientações do projeto, a UD passa a ser uma referência na região. Como participar do Projeto Balde Cheio 1. O produtor ou técnico interessado deve en- trar em contato com a instituição responsável pela Programa na sua região (em Minas Gerais é a Faemg, por exemplo). 2. A instituição orienta sobre os procedimentos iniciais para adesão ao Programa. 3. A entidade interessada disponibiliza, pelo menos, um técnico extensionista, que é capacitado na metodologia do Programa. 4. O técnico acompanha o coordenador técnico ou o supervisor regional do Programa em visitas na região, para conhecer suas obrigações. 5. É agendada a primeira visita do coordenador técnico ou supervisor regional ao município, com a presença de produtores, do técnico e de representantes da entidade parceira. Neste momento, são esclarecidas dúvidas e todos firmam o compromisso de trabalhar pelo bom desenvolvimento das atividades. 6. O técnico é encaminhado para “estágio” de uma semana em um projeto em funcionamento indicado pela instituição e pelo coordenador técnico. 7. Entidade, técnico e produtores escolhem a Unidade Demonstrativa do município e informam ao coordenador técnico e supervisor regional a propriedade escolhida. 8. São encaminhados ao responsável da enti- dade parceira no município, para preenchimento e assinatura, o Termo de Compromisso e Adesão ao Programa e o Cadastro do Técnico. Ele é o coordenador local do Balde Cheio e o contato da instituição no município. A ele deve ser relatado qualquer problema com o Programa. 9. O técnico é encaminhado para treinamento de nivelamento, em data previamente informada. Contato Mais informações podem ser obtidas através do telefone (16) 3411-5626 ou pelo site www.cppse.embrapa.br/sac. A Lavoura - Nº 697/2013 • 17 José Israel Abrantes - Faemg leite José Vianei Dornelas, do Rancho Esperança, produzia 70 litros de leite/dia. Dois anos mais tarde, dobrou a produção, e cinco anos depois, com as mesmas 14 vacas, produz 238 litros em área de pastagem menor, graças ao pastejo rotacionado O papel da extensão rural Em Minas Gerais, o Balde Cheio é realizado pelo Sistema Faemg/Senar. Daniel Fonseca Belo de Araújo, da Conagro Consultoria, firmou convênio com três prefeituras e supervisiona o projeto em 72 propriedades nos municípios de Senhora dos Remédios, Desterro do Melo e Alto Rio Doce, na região dos Campos das Vertentes, próxima de Barbacena; Queluzito, vizinho de Conselheiro Lafayete, e Santana do Garambéu, próximo a Andrelândia, rumo ao Sul de Minas. No município de Senhora dos Remédios são 50 propriedades assistidas pelo programa Balde Cheio. Segundo Daniel de Araújo, é fundamental que o produtor, ao aderir ao programa, siga à risca as recomendações. “Quem não assume o compromisso é cortado”, diz ele, que no primeiro ano do projeto em Senhora dos Remédios precisou subtrair 12 produtores. Por sorte havia 14 na “fila de espera”. O técnico explica que, em geral, tenta-se juntar de quatro a cinco produtores de uma mesma região para ‘ratear’ os custos, já que a visita à propriedade custa um salário mínimo. Ele explica que a adesão ao programa não é tarefa fácil, já que demanda compromisso, disponibilidade de tempo e muito interesse do produtor. “Mas basta um bom pecuarista para estimular o restante do grupo”, alega. 18 • A Lavoura - Nº 697/2013 Curiosidade O programa prova que é possível aumentar substancialmente a produção sem expandir o rebanho Produção mais que triplicada Um dos seus casos de sucesso é o produtor José Vianei Dornelas, do Rancho Esperança, em Senhora dos Remédios, que aderiu ao programa assim que ele foi lançado, em 2008, ano em que produzia 70 litros de leite ao dia, e vemos um motor velho encostado num canto, sem uso, sugerimos que seja vendido para gerar receita para a compra de insumos”, conta o extensionista. As bezerras são desmamadas precocemente e apenas 35% do total de nascidas serão criadas para futuras matrizes. Os 65% restantes deverão ser vendidas para gerar recursos a serem investidos na criação daquelas 35%. “A maioria dos pecuaristas acha que manter bezerras e novilhas é como fazer uma poupança. E não é. Elas custam muito”, explica Araújo. Potencial produtivo José Israel Abrantes - Faemg Outro caso exemplar pode ser visto no Sítio Mateus, do produtor Romeu da Silva Coelho, no município de Desterro de Melo, onde o grande desafio da equipe era saber o potencial produtivo dos animais. Lá, uma vaca mestiça, quatro meses depois do parto estava produzindo sete litros de leite por dia. Após dois meses no sistema de pastejo rotacionado, a mesma vaca passou a produzir 12kg/leite/dia; e, quatro meses depois, já produzia 17 kg ao dia e entrou no cio. É preciso calcular o volumoso e o concentrado em função da produção do animal e não o contrário. com 14 vacas mestiças (3/4). Dois anos mais tarde, dobrou a produção e, hoje, cinco anos depois, sem aumentar sequer uma cabeça no rebanho, produz 238 litros diariamente. E isso reduzindo a área de pastagem de 4,5 hectares para 1,7 ha, graças ao pastejo rotacionado. Daniel Fonseca de Araújo revela que o “pulo do gato” é manter os animais por apenas um dia em cada piquete. “Assim, o gado come apenas as pontas do capim, — de melhor qualidade nutricional — , e não sobrecarrega a área com excesso de fezes”. Ele explica que o número de piquetes varia, principalmente em função do ciclo do capim. “O mais importante é o produtor ficar ‘craque’ no sistema de pastejo rotacionado. Só recomendamos a irrigação das pastagens depois que ele domina a rotação”, alega. Baixar os custos Tudo é feito para baixar os custos da produção de leite, com base na redução do volumoso e, acima de tudo, do concentrado. “Se chegamos no sítio “A matriz era uma excelente leiteira e o produtor não imaginava o seu potencial”, observou Daniel. Ele explica que é preciso calcular o volumoso e o concentrado em função da produção do animal, e não o contrário. Em sua opinião, um concentrado de relativo baixo custo é a cana-de-açúcar misturada à ureia. Uma vaca que esteja produzindo 35kg/leite/dia, o equivalente a 22% de proteína, deve consumir de 4 a 5 quilos de ração por dia. Já uma vaca que produz 10kg/dia, pode consumir apenas um quilo de ração ao dia. Outra preocupação fundamental da consultoria é a sanidade do rebanho. Assim que chegam à propriedade, os técnicos fazem exames de brucelose e tuberculose. Depois, elaboram um calendário que, além das vacinas obrigatórias contra aftosa e brucelose, incluem imunização contra raiva, clostridioses (que abrange sete doenças), IBR, BVD, leptospirose A Lavoura - Nº 697/2013 • 19 leite e campilobacteriose (essas quatro últimas também reunidas numa única vacina). A inseminação artificial também é estimulada, visando aumentar o índice de prenhês e melhorar o potencial produtivo do rebanho. Mudança de hábito Responsável pelo acompanhamento técnico de 23 propriedades que fazem parte do programa, nos municípios de Carmo do Cajuru e Bom Despacho, desde o final de 2007, Mozar Salviano Barreto diz que a tecnologia do Balde Cheio é simples, mas requer muita disciplina. “Os produtores passaram a vida inteira trabalhando da forma errada, achando que estavam certos”, ressalta ele, lembrando que, por isso, os resultados só aparecem no médio e longo prazos. A Fazenda Mato Dentro, em Carmo do Cajuru, a 15 km de Divinópolis, é um de seus exemplos de sucesso e, por isso, já recebeu mais de mil visitantes interessados nesse modelo de produção. Para viver da pecuária leiteira, o proprietário Roberto Leonardo de Souza precisava arrendar terras vizinhas e já havia decidido vender a propriedade de quatro hectares para quitar suas dívidas. Hoje, ele e a esposa Ilda cuidam sozinhos do rebanho de 23 vacas, das quais 80% a 85% em lactação, produzindo uma média 17 litros/dia. Parte da produção é usada na fabricação de queijo minas fresco, vendido na cidade por um valor agregado maior, ajudando compor a renda de R$ 4 mil mensais do casal. A irrigação só foi adotada dois anos após o início da adesão ao programa, principalmente para garantir a produção de aveia e azevém, alimentos oferecidos às vacas como suplementação durante o inverno. Assim, o produtor conseguiu reduzir a mão de obra e aumentar a produção leiteira, mesmo em uma área menor. 20 • A Lavoura - Nº 697/2013 José Israel Abrantes - Faemg Resultado exemplar Roberto Leonardo, da Fazenda Mato Dentro, virou modelo na região. 80 a 85% do rebanho da fazenda está em lactação produzindo 17 litros/dia