Dados do Censo Agropecuário Confirmam Concentração da Atividade Leiteira no
Brasil
Ézio José Gomes
Os dados do último Censo Agropecuário do IBGE - Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, de 2006 (divulgados em 2009) demonstram uma concentração na
atividade leiteira, acusando um aumento da produção, mesmo com a redução do
número de estabelecimentos agropecuários produtores de leite. Segundo dados do
Censo, no período de 1996 - 2006 o volume de produção de leite aumentou na ordem de
19,53%, indo de 17,93 bilhões de litros para 21,43 bilhões. A Região Sudeste continua
sendo a maior produtora brasileira de leite, respondendo por 37,7% da produção
nacional. Porém, esta região apresentou uma redução de 0,18% na sua produção, caindo
de 8,08 bilhões de litros para 8,07, conforme quadro nº 02.
Quadro Nº 02: Produção Nacional de Leite Por Região Geográfica
Região
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
Nordeste
Norte
Brasil
Produção leite (mil litros)
1996
8.089.652
4.110.546
2.610.725
2.273.994
846.333
17.931.249
2006
8.075.325
6.230.777
3.024.909
2.881.848
1.220.890
21.433.748
Variação (%)
-0,18
51,58
15,86
26,73
44,26
19,53
Fonte: Censo Agropecuário - IBGE. Elaboração: Deser.
O maior aumento da produção leiteira aconteceu na Região Sul, que é a segunda
maior produtora do país, atingindo 51,58% de crescimento no período, indo de 4,11
bilhões de litros em 1996 para 6,23 bilhões de litros em 2006. Se persistir esta tendência a
Região Sul poderá ultrapassar a Região Sudeste até 2012, transformando-se, então, na
maior produtora de leite do país.
Quanto ao número de estabelecimentos produtores de leite, observou-se uma
redução de 25,91%, caindo de 1,81 milhões para 1,34 milhões de estabelecimentos no
território nacional. Isso significa 469.144 mil estabelecimentos a menos na atividade
leiteira, conforme quadro nº 03.
Quadro Nº 03: Número de Estabelecimentos Agropecuários Produtores de Leite Por
Região Geográfica
Número de estabelecimentos agropecuários produtores de
leite
Região
1996
2006
Variação (%)
Sul
605.679
412.281
-31,93
Norte
118.118
86.992
-26,35
Nordeste
540.737
408.813
-24,39
Sudeste
396.915
306.784
-22,7
Centro-Oeste
148.592
126.027
-15,18
Brasil
1.810.041
1.340.897
-25,91
Fonte: Censo Agropecuário - IBGE. Elaboração: Deser.
A maior redução do número de estabelecimentos rurais leiteiros ocorreu
justamente na Região Sul, onde, também, houve o maior aumento na produção. Nesta
região 193.398 estabelecimentos rurais deixaram a atividade leiteira significando uma
redução de 31,93%.
Comparando-se o aumento da produção leiteira com a redução do número de
estabelecimentos produtores, percebe-se uma concentração desta atividade em todas as
regiões do Brasil. No quadro nº 04 a média da produção anual por estabelecimento
passou de 9.907 para 15.985 litros por ano, sofrendo um aumento de 61,35% no período.
O maior aumento de produção por estabelecimento rural ocorreu na Região Sul do
Brasil, aumentando de 6.787 para 15.113 litros por estabelecimento ao ano, tendo uma
variação de 122,69% no período, apresentando uma maior concentração da atividade
numa quantidade menor de estabelecimentos.
Quadro Nº 04: Produção Nacional de Leite Por Estabelecimento Rural.
Região
Sul
Norte
Nordeste
Centro-Oeste
Sudeste
Brasil
Produção/ estabelecimento (litros/ ano)
1996
6.787
7.165
4.205
17.570
20.381
9.907
Fonte: Censo Agropecuário - IBGE. Elaboração: Deser.
2006
15.113
14.035
7.049
24.002
26.323
15.985
Variação (%)
122,69
95,87
67,63
36,61
29,15
61,35
A maior bacia leiteira do Brasil encontra-se na Região Sul do Brasil, trata-se da
Mesorregião Noroeste Rio-grandense, com o recolhimento de 1,853 bilhão de litros de
leite em 2007, tendo ultrapassado o Triângulo Mineiro que recolheu 1,76 bilhões
conforme dados da Pesquisa Pecuária Municipal do IBGE, apresentando um aumento
de 204% no período 1990 a 2007.
A terceira maior Mesorregião produtora de leite é o Oeste Catarinense com 1,34
bilhões de litros de leite apresentando o maior aumento percentual dentre as principais
bacias leiteiras do país, com 391% no período. O Oeste Paranaense também figura entre
as maiores Mesorregiões produtor de leite com 787 milhões de litros em 2007,
apresentando um grande crescimento da produção no período (246%).
Essas três
mesorregiões juntas concentram 53% da produção de leite da Região Sul e 15% da
produção brasileira de leite conforme quadro nº 05.
Quadro Nº 05: Produção de Leite nas Principais Mesorregiões Produtoras de Leite do
Brasil Período - 1990 e 2007 (mil litros)
Produção de Leite (mil Litros)
Mesorregiões
1990
2007
Var.%
1
Noroeste Rio-grandense – RS
610.548
1.853.343
204
2
Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba - MG
941.388
1.766.897
88
3
Oeste Catarinense – SC
274.798
1.348.291
391
4
Sul Goiano – GO
544.618
1.301.837
139
5
Sul/Sudoeste de Minas – MG
812.158
1.234.277
52
6
Oeste Paranaense – PR
226.492
783.177
246
7
Zona da Mata – MG
525.316
728.497
39
8
Centro Goiano – GO
295.760
688.014
133
9
Leste Rondoniense – RO
147.969
631.078
327
10
Oeste de Minas – MG
350.251
604.145
73
Fonte: Pesquisa Pecuária Municipal – IBGE. Elaboração: Deser.
O aumento da produção nessas bacias leiteira da Região Sul é explicado pelos
seguintes fatores: solos férteis, clima temperado, boa disponibilidade de água, pequenas
propriedades rurais, predomínio da mão-de-obra familiar e da produção de leite a base
de pasto, além do acesso dos agricultores familiares a crédito subsidiado do Programa
de Fortalecimento da Agricultura Familiar, (Pronaf) acessado em maior quantidade
nesta região, principalmente através das cooperativas de crédito, em especial as
cooperativas do Sistema de Crédito de Interação Solidária (Cresol). Além disso, nestas
regiões a produção de leite sofre uma menor concorrência com as plantações de cana-deaçúcar para produção de etanol e também, por falta de alternativas mais rentáveis,
estáveis e permanentes que o leite.
Com o aumento da produção de leite, o Brasil hoje é auto-suficiente em produtos
láticos, abastecendo a população e exportando uma pequena quantidade (em torno de
3%). Mas o Brasil reúne todas as condições para se transformar num grande exportador
destes produtos, apresentando as seguintes características favoráveis ao crescimento da
atividade: maior área agricultável do mundo, grande área de pastagem e área não
utilizada (cerca de 330 milhões de hectares), além de ter o maior reservatório de água
doce do mundo, topografia e condições de solo e clima variados, excelente
luminosidade, predomínio da produção de leite à pasto, com baixo custo de
suplementação, 82% dos estabelecimentos rurais produtores de leite no Brasil são da
agricultura familiar (IBGE), conforme brilhante trabalho realizado por
Glauco
Rodrigues Carvalho da Embrapa Gado de Leite, conforme gráfico nº 01.
Gráfico Nº 01: Disponibilidade de Áreas Para Ampliação da Pecuária Leiteira
Fonte: Embrapa Gado de Leite.
Estas condições apontam potencialidades para o desenvolvimento da atividade
leiteira no Brasil, contando com as seguintes limitações dos principais concorrentes: a
União Européia vem controlando sua produção estabelecendo a política de cotas e a
redução dos subsídios de exportação, os Estados Unidos apresenta tendência de elevar
os custos de produção devido a destinação de grandes quantidades de milho para
produção do etanol, a índia e a China apresentam baixa produtividade e grandes
contingentes populacionais, a Oceania com freqüentes secas na Austrália e a Nova
Zelândia com limitações territoriais.
Com relação as exportações, o Brasil vem obtendo saldos na balança comercial de
produtos láticos desde 2004, exportando mais do que importa, tendo apresentado um
saldo superior a 70 mil toneladas no ano de 2008, exportando 148 mil toneladas e
importando apenas 78 mil toneladas, conforme quadro nº 01.
Quadro Nº 06: Balança Comercial de Produtos Láticos no ano de 2008
Janeiro a dezembro de
2008
Leites UHT
Leite em pó integral
Leite em pó desnatado
Leite em pó semi-desnatado
Leite evaporado
Leite condensado
Cremes de leite
Iogurtes
Volume (Kg)
Exportação
Importação
Valor (US$)
Saldo
Exportação
Importação
1.852.605
Saldo
5.857.642
3.141.385
2.716.257
10.811.127
82.642.852
22.024.250
60.618.602
376.545.685
8.958.522
421.086
7.110.925
-6.689.839
1.857.209
27.338.796
-25.481.587
50.620
936.000
4.731.402
-4.494.250
87.099.257 289.446.428
-885.380
237.152
2.721.870
-
2.721.870
4.576.447
-
4.576.447
37.797.734
-
37.797.734
69.007.686
-
69.007.686
197.700
2.142
195.558
407.575
8.225
399.350
1.870.586
159.604
1.710.982
3.129.371
777.018
2.352.353
Soro de leite
7.998
38.373.855
-38.365.857
34.117
56.307.697
-56.273.580
Manteigas
3.854.276
1.158.218
2.696.058
12.673.019
3.960.632
8.712.387
Queijos
6.924.890
4.575.150
2.349.740
29.988.405
29.518.123
470.282
142.347.254
77.481.529
64.865.725
509.267.793
5.917.790
154.295
5.763.495
30.903.785
264.160
30.639.625
297.900
650.136
-352.236
708.472
1.287.283
-578.811
6.215.690
804.431
5.411.259
31.612.257
1.551.443
30.060.814
148.562.944
78.285.960
70.276.984
540.880.050
Subtotal 1
Leite modificado
Doce de Leite
Subtotal 2
Total
211.593.755 297.674.038
213.145.198 327.734.852
Fonte: MDIC. Elaboração: Deser.
No ano de 2008 foram exportados US$ 540 milhões contra a importação de US$
213 milhões, apresentando um saldo de US$ 327 milhões de dólares. O produto mais
exportado foi o leite em pó integral com 60 mil toneladas, totalizando US$ 376 milhões.
Embora neste ano de 2009, a balança comercial de produtos láticos esteja apresentando
um déficit até o momento, tudo indica que esta situação irá se reverter nos próximos
meses, pois os preços internacionais estão melhorando, tornando os produtos láticos
brasileiros novamente atrativos no mercado externo, apesar do dólar estar muito baixo.
Os leilões da cooperativa neozelandesa FONTERRA (maior exportadora de
produtos láticos do mundo), em seu último leilão realizado em 06 de outubro de 2009,
obteve preço médio para o leite em pó de US$ 3.022 (antes do embarque). Este valor é
5,7% superior ao do leilão anterior realizado em 1º de setembro de 2009, conforme
gráfico nº 01 segundo dados apresentados no boletim eletrônico do Milk Point.
Gráfico Nº 02: Evolução dos Preços do Leite em Pó Integral Nos Leilões da Fonterra
Segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), os
preços de exportação de produtos lácteos, entre 21 de setembro e 02 de outubro,
apresentaram alta para todos os produtos no Oeste da Europa e na Oceania quando
comparados à quinzena anterior. No Oeste da Europa, o aumento do preço médio do
leite em pó integral foi de 6,2%, sendo cotado a US$ 3.200 por tonelada (Milk Point).
Para reduzir as importações de produtos láticos oriundos de países do Mercosul,
o Governo Brasileiro impôs restrições, limitando em 3 mil toneladas por mês para os
produtos láticos oriundos da Argentina e 10 mil toneladas, no segundo semestre do ano,
para as importações do Paraguai. Alem disso, os produtos deverão vir com preços
superiores aqueles praticados na Oceania. Esta medida foi uma resposta ao aumento das
importações oriundas desses paises, suspeitando que esteja havendo uma triangulação,
com a compra de produtos láticos mais baratos de outros países e exportação para o
Brasil por preços inferiores aos praticados no mercado interno configurando, assim, a
prática do dumping.
Com o aumento de oferta de leite observado no mês de setembro, o estudo do
CEPEA mostra que as indústrias de laticínios já reduziram o preço do leite pago ao
produtor na ordem de 5,9%, equivalendo a quase 4,5 centavos por litro em outubro
(referente à produção entregue em setembro). Neste mês, a média do preço do leite ao
produtor ficou em R$ 0,69 por litro (valor bruto) conforme gráfico nº 03.
Gráfico Nº 03: Série Histórica do Preço Médio do Leite Pago ao Produtor
Fonte: CEPEA
O gráfico apresenta uma série histórica do preço do leite pago ao produtor
observando-se oscilações que nem sempre ocorreram em razão dos volumes de oferta
de leite no mercado. Nos anos de 2007 e 2008 por exemplo, os aumentos de preço do
leite ao produtor se deram muito devido ao acirramento da concorrência entre as
grandes indústrias, em busca de garantir matéria-prima para suas novas plantas, que
aumentaram em capacidade de processamento devido a construções,aquisições,
ampliações e reformas de indústrias. Somente na Região Sul do Brasil, nos últimos três
anos, foram implantadas 14 novas fábricas de laticínios, aumentando a capacidade de
processamento em 10,66 milhões de litros de leite por dia.
Logo, a cadeia produtiva do leite encontra-se numa encruzilhada, apresentando
um aumento constante da produção, devido aos investimentos realizados pelos
agricultores nos fatores de produção (melhoramento de pastagem, melhoramento
genético, ordenhadeiras mecânicas, estábulos, resfriadores). Esta situação está
promovendo um aumento de oferta superior a demanda, que inevitavelmente
ocasionará a redução dos preços pagos ao produtor nos próximos anos. É o momento de
o Governo agir, enxugando este excesso de leite do mercado interno, incentivando o
consumo, criando estoques reguladores e ou desenvolvendo políticas de apoio as
exportações.
Curitiba, 30 de novembro de 2009.
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Dados do Censo Agropecuário Confirmam Concentração