A febre que vem do carrapato
Amblyomma cajennense:
Uma proposta de controle
Romário Cerqueira Leite, Paulo Roberto de Oliveira,
Cristina Marques Lisboa Lopes e Carolina Maria Vianna de Freiras*
A febre maculosa, cujo agente
etiológico é a “Rickettsia rickettsii”
e tem como vetor o carrapato
(Amblyomma cajennense), é uma
doença que vem recrudescendo em
diversos municípios brasileiros
sendo um motivo de intensa
ocupação por parte das autoridades
em saúde uma vez que a faze inicial
da doença se assemelha a um estado
gripal que pode culminar com a
morte. Além disso, em nosso país
existe uma grande deficiência de
laboratórios
especializados
no
diagnóstico, bem como de equipes
profissionais
estruturadas
e
preparadas para o atendimento. O
principal motivo do aumento do
número de casos de febre maculosa
no
meio
urbano
ocorre
principalmente do empobrecimento
da população que é forçada a sair do
campo e quando se encontra na
cidade a oferta de trabalho é escassa.
Com isso, há um aumento no
número de carroceiros que, em
função da realidade econômica, não
dispõem de recursos financeiros
suficientes para controlar os
carrapatos
nos
eqüinos
que
aumentam cada vez mais nestes
animais e contaminam outros
animais domésticos até chegar ao
homem.
Amblyomma cajennense, o carrapato do
corpo dos cavalos, conhecido no Brasil
como carrapato “Rodoleiro” na sua fase
adulta; “vermelhinho” na fase ninfal e
“micuim” na fase larval, tem sido
considerado como uma praga de
importância emergente nas áreas de
produção animal, como espoliador dos
rebanhos eqüinos e bovinos, e de saúde
pública como transmissor da Febre
Maculosa.
Com o objetivo de organizar as
informações
disponíveis
sobre
A.
cajannense, de forma a proporcionar a
veterinários e criadores um instrumental
técnico que permita ordenar ações de seu
controle, serão descritos alguns aspectos de
sua biologia, suas relações com os
hospedeiros e meio ambiente que se
aplicados em conjunto permitirão, ainda
que provisoriamente, adoção de mediadas
relacionalizadas para seu controle enquanto
surgem
pesquisas
que
adicionem
conhecimentos e corrijam os rumos das
medidas de controle até então propostas,
como as que surgirão neste texto.
O agente
Amblyomma cajennense é um carrapato
trioxeno, ou seja, necessita de três
hospedeiros para completar seu ciclo de
vida. Dentre as características mais
relevantes de sua biologia serão destacadas
algumas cujo conhecimento será de
fundamental
importância
para
o
estabelecimento de uma medida de
controle. Os dados aqui relatados são
extraídos dos trabalhos de diversos autores
(Rohr,1909; U.S.D.A.,1976; Falce,1992;
Olivieri & Serra Freire,1984 a e b; Moreno,
1984; Olivieri & Serra Freire,1985; Serra
Freire & Cunha, 1987; Olivieri & Serra
Freire,1992) e apresentam as principais
informações da dinâmica populacional das
fases de vida parasitária e vida livre,
respectivamente.
A primeira fase inicia-se com a queda de
uma fêmea ingurgitada, teleógina, que
busca esconderijo no solo para iniciar um
novo ciclo de vida. No solo, após cerca do
12 dias, inicia-se a postura com duração
média de 25 dias e aproximadamente 5.000
ovos (Figura 1) que incubam por um
período variável de 60 a 70 dias. Eclodem
desta postura aproximadamente 95% de
larvas viáveis que permanecem em jejum
até o encontro do primeiro hospedeiro por
um período de até 6 meses, subindo e
descendo das folhas das plantas em função
das condições ambientais diárias e
ocorrência de estímulo de busca de
hospedeiros, tais como vibrações do solo e
eliminação de CO2 pelos hospedeiros.
Nestes, as larvas iniciam um repasto de
linfa e/ou sangue e tecidos digeridos,
durando esta fase alimentar em torno de
cinco dias, quando se desprendem do
hospedeiro e buscam abrigo no solo para
realizar uma muda para o estado ninfal, que
ocorre em um período médio de 25 dias.
Neste estágio a ninfa pode aguardar em
jejum por um período estimado de até um
ano e seu período máximo de atividade é
observado principalmente durante os meses
de julho a outubro. Encontrando e segundo
hospedeiro, esta ninfa fixa-se em sua pele e
inicia um período de alimentação de,
aproximadamente, 5 a 7 dias. Quando
completamente ingurgitada, solta-se e cai
ao chão para realizar a segunda muda de um
nicho protegido no solo.
Após 25 dias aproximadamente,
emergem machos e fêmeas jovens (Figuras
2 e 3) que dentro de 7 dias encontram-se
aptos a realizarem seu terceiro estágio
parasitário. Neste ambiente, podem
permanecer em jejum por um período de até
24 meses, aguardando o hospedeiro e
demonstrando enorme resistência física aos
fatores
ambientais.
Encontrando
o
hospedeiro, machos e fêmeas fixam-se,
fazem um repasse tissular e sangüíneo,
cruzam-se e a fêmea fertilizada inicia um
processo de ingurgitamento que finda num
prazo aproximado de 10 dias. Após este
período a fêmea solta-se da pele e vai ao
solo. No solo inicia uma nova geração. Esta
fase, observada durante os meses de
outubro a março no sudeste brasileiro,
completa o ciclo biológico da espécie e
caracteriza sua dinâmica populacional e
indica a ocorrência de uma geração anual da
espécie.
O Hospedeiro
A
análise
dos
principais
fatores
epidemiológicos ligados aos hospedeiros no
tocante às infestações por A. cajennense
indica que independentemente da espécie
animal, os animais domésticos e ampla
diversidade das espécies silvestres,
mamíferos e aves, podem albergar algum
estágio parasitário deste carrapato. Também
parece não haver influência da idade do
hospedeiro
neste
parasitismo.
Sua
proximidade com eqüinos leva a crer que o
principal hospedeiro com que co-evoluiu
possa ter sido alguma espécie de solípede
ancestral que desapareceu nos tempos e A.
cajennense adaptou-se abrindo o leque de
preferência por alguma espécie, o que se
pode
observar
na
inespecificidade
parasitária, particularmente dos estádios
larval e ninfal descritos por diversos autores
(Rohr, 1909; Lopes et al., 1998).
A atividade humana amparada pela
exploração dos animais domésticos, eqüinos
e bovinos em particular, tem ofertado ao A.
cajennense a fonte de alimentação
necessária para a manutenção e o
crescimento das populações da espécie em
todo o território de sua distribuição. Este
fato, ainda não devidamente avaliado, induz
nos pesquisadores a sensação que a
sensação que as populações de A.
cajennense vêm aumentando, inclusive em
algumas circunstâncias deslocando as
populações de B. microplus em infestações
concorrentes nos bovinos. Este crescimento
populacional da espécie pode estar
garantindo a participação deste carrapato na
transmissão da Rickettsia rickettisii,
causadora da febre maculosa no homem e
nos animais, ao invadir o ecossistema
silvestre desta doença, que deve ciclar em
nosso meio ambiente entre a espécie de
coelho silvestre Silvilagus brasiliensis e o
ixodídeo Haemaphysalis leporispalustris.
O Meio Ambiente
A influência dos fatores ambientais na
ocorrência de determinada praga ou doença
é enorme e variada. O meio ambiente físico
e climático regula em grande parte a
dinâmica das populações. No caso de A.
cajennense é bem marcada a presença dos
estádios larval e ninfal, de ocorrêencia
predominante no outono e inverno
respectivamente e a fase adulta que
predomina na primavera e verão. Este
fenômeno é de extrema importância pois
permite ao pesquisador determinar um
momento definido de intervenção, visando
a quebra do ciclo parasitário, podendo
escolher a fase parasitária e o período
climático adequado aos tratamentos.
O meio ambiente cultural é determinante
no entendimento das características
biológicas do agente nas modalidades de
seu controle. No passado, as propriedades
mantinham um “pasto de éguas” que a cada
ano, na época do “micuim” e do
“vermelhinho”, realizavam-se queimadas
para, entre outros objetivos, eliminar os
carrapatos. Neste período, correspondente à
estação seca e fria , e na ausência de
carrapaticidas apropriados realizava-se o
grande controle dos carrapatos dos cavalos
no meio ambiente. Esta prática, perdura até
hoje em largas áreas do território brasileiro
e as razões de sua aplicação não são
totalmente entendidas nos dias atuais.
Aspectos ainda importantes de se ter em
conta estão ligados ao meio ambiente sócioeconômico. Ao analisar-se a evolução da
população brasileira, comparativamente à
evolução dos planteis eqüinos e bovinos,
nota-se uma relação de crescimento
constante entre elas. Este fato permite
inferir que o crescimento das populações
potencialmente
parasitáveis
tem
proporcionado ao A. cajennense uma
crescente fonte de recursos alimentares que
resulta inexoravelmente no aumento de sua
população, tornando-o visível aos técnicos e
produtores e com isto aumentando a sua
importância relativa no rol das suas
preocupações.
Além do incremento das populações
bovinas e eqüinas, a busca do aumento da
produção e produtividade tem levado a um
aumento substancial das densidades bovinas
médias, de 0,4 cabeças/ha/ano na década de
1940 para 0,8 cabeças/ha/ano na década de
1990 no sudeste brasileiro (Leite, 1988). A
soma do crescimento populacional dos
hospedeiros e o aumento da densidade
populacional absoluta e relativa nos pastos
dos eqüinos e bovinos têm possibilitado o
crescimento das populações de A.
cajennense.
Aliado a estes fatos o mau uso dos
carrapaticidas disponíveis, seja quanto à sua
aplicação em período inadequado, seja
quanto ao volume e a concentração
aplicados de forma insuficiente, assim
como a inobservação do intervalo correto
entre as aplicações, tem gerado insucessos
freqüentes no controle desta parasitose.
Uma proposta de controle de
Amblyomma cajennense
Considerando os fatores epidemiológicos levantados (Souza, 1990; Oliveira,
trabalho em andamento) e suas possíveis
interações, mesmo na ausência de estudos
que confirmem a dinâmica populacional
proposta neste texto, a demanda por ações
concretas no sentido de melhor controlar as
infestações de A. cajennense obriga-nos a
propor um modelo operacional que possa
ser utilizado de imediato enquanto aguardase conhecimentos científicos aprofundados
que definam uma técnica de controle mais
eficiente.
Desta maneira, algumas providências
imediatas devem ser tomadas em um plantel
infestado. Em primeiro lugar, faz-se
necessário a prática de separação de pastos
destinados aos eqüinos e aos bovinos, uma
vez que os intervalos entre tratamentos para
carrapatos de cavalos e para carrapatos de
bovinos diferem profundamente. Isso
equivale a dizer que bovinos e eqüinos
demandam programas diferentes de
controles de carrapatos no que diz respeito à
época do ano, concentração dos produtos
utilizados, tipos de produtos carrapaticidas
e fundamentalmente, aos intervalos de
tratameno.
Para A. cajennense recomenda-se
baterias de tratamentos a cada sete a dez
dias durante o período larval e ninfal. O
número de tratamentos em cada bateria
varia com o nível de infestação na
propriedade, o que obrigatoriamente exige a
vistoria do médico veterinário para cada
programa instalado. Além disto, o programa
deverá prever tratamento de todos os
eqüinos da propriedade num intervalo
máximo de 3 dias para todo o plantel. É
fundamental
que os animais sejam
retornados ao posto de origem. Isto porque
espera-se que cada animal torne-se uma
“armadilha viva” durante o intervalo entre
tratamentos. A repetição dos tratamentos
acaricidas nos períodos larval e ninfal e o
retorno dos animais ao pasto promoverão
uma intensa limpeza das pastagens
reduzindo desta forma o número de
carrapatos que tornar-se-ão adultos. Desta
forma, espera-se grande redução dos
carrapatos adultos durante as estações da
primavera e verão como conseqüência da
redução dos estádios larval e ninfal.
Uma questão intrigante para veterinários
e pesquisadores reside no que fazer para
controlar as populações adultas de A.
cajennense. Além da fase adulta necessitar
de um produto com uma concentração 1,8
vezes superior à concentração indicada para
controle dos carrapatos em bovinos, na
época do tratamento (primavera e verão) há
grande quantidade de éguas em segundo e
terceiros estágios de gestação. O uso
intensivo e indiscriminado de carrapaticida
neste período pode ocasionar intoxicações e
abortos absolutamente indesejáveis nestes
animais.
Para controlar estes problemas em
rebanhos pequenos indica-se que no período
da primavera e verão todas as fêmeas
ingurgitadas (teleóginas) sejam diariamente
retiradas dos animais, uma vez que para
cada fêmea repleta retirada estarão sendo
retiradas do campo 5000 prováveis larvas
que irão compor a gestação do ano seguinte.
Em segundo lugar e se o controle das
fases larval e ninfal forem bem feitos,
reduz-se drasticamente a necessidade de
banhos carrapaticidas neste período. Em
terceiro lugar, a manipulação diária destes
animais produzirá um comportamento dócil
altamente desejável nos animais do
rebanho.
Para rebanhos grandes as possibilidades
de adoção do método proposto para fase
adulta em rebanhos pequenos, tornam-se
muitas vezes inviáveis técnica e
operacionalmente. Neste caso, cuidados
redobrados devem ser implementados por
ocasião dos controles das fazes larval e
ninfal, intensificando-se o número de
tratamentos e avaliações sistemáticas do
programa e, considerando-se que a duração
total do ciclo de A. cajennense pode chegar
a 3,5 anos, garantir a execução integral do
programa na propriedade por pelo menos
igual período de tempo.
Por outro lado, cuidadosas prescrições
devem ser observadas na recomendação de
carrapaticidas de bases fosforadas ou
misturas piretróides + fosforados. Seu uso
intensivo pode resultar em quadros de
intoxicações em animais e operadoes. Por
isso, na atualidade, recomenda-se que os
programas de tratamento intensivos das
fazes larval e ninfal sejam realizados com
produtos das bases piretróides puras na
forma de concentrados emulsionáveis para
banhos da aspersão ou imersão. Produtos de
base diamidida, como o Amitraz, são
terminantemente proibidos, pois resultam
em intoxicações fatais dos eqüinos
(Pinheiro, 1987; Leite et al, 1987).
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A febre que vem do carrapato