CARREIRAS QUE VÊM E VÃO NA VELOCIDADE DA REDE Funções que surgiram há pouco tempo ‘bombam’ no mercado, a despeito da crise, e exigem que os profissionais se reinventem constantemente. Para quem tem menos de 30 anos, é difícil imaginar que, num passado não tão distante, era comum chegar a um escritório e encontrar dezenas de datilógrafos em suas máquinas de escrever. Crianças hoje com 10 anos, quando se tornarem adultas, dificilmente saberão qual era a função de um gestor de conexão discada ou de um técnico de telefonia especializado em provedores de internet. Com o avanço da tecnologia, as necessidades no ambiente de trabalho mudam na mesma velocidade da rede. Adaptar-se a essa dinâmica do mercado é um desafio para os profissionais, empresas e meio acadêmico, que devem levar a sério palavras como reinvenção e multidisciplinaridade. A tecnologia é um caminho sem volta e impacta diretamente o mercado de carreiras até bem pouco tempo inexistentes, que hoje competem com as tradicionais, como Direito, Medicina e Engenharia, segundo afirma o professor de Gestão Estratégica de Pessoas da Fundação Getulio Vargas, Marco Tulio Zanini. O desaparecimento de algumas profissões é um indicativo do desenvolvimento tecnológico da sociedade. E, assim como algumas desaparecem, outras surgem para responder às necessidades geradas por esse mesmo avanço. — É difícil prever quais são as profissões que estarão na mira da modernidade. As especialidades em alta hoje, por exemplo, podem ser substituídas por outras daqui a dois anos, de acordo com as novidades da tecnologia. As oportunidades de trabalho surgem da necessidade das empresas de conhecer as novidades tecnológicas e saber utilizá-las em prol de seu negócio. À PROVA DE TURBULÊNCIAS Gestor de comunidade (comunicação em redes sociais), especialista de cloud computing ( armazenagem de dados em nuvem), gerente de big data (cientista de dados) e desenvolvedores de aplicativos são exemplos de carreiras que surgiram há pouco tempo e que hoje ‘bombam’ no mercado de trabalho, a despeito da crise. Aliás, a área de tecnologia é uma das poucas que se mostram à prova das turbulências da economia brasileira: segundo pesquisa da IDC Brasil, a previsão de crescimento desse setor em 2015 é de 5%, movimentando cerca de US$ 165,6 bilhões. Nele estão diferentes especialistas digitais e de tecnologia da informação – qualificações raras de se encontrar hoje, segundo os consultores de RH. A dinâmica do mercado de tecnologia está tão acelerada atualmente, que é difícil até mesmo para o meio acadêmico acompanhar as mudanças e as demandas das empresas, afirma o diretorexecutivo da Michael Page, Ricardo Basaglia. As universidades brasileiras em geral tentam monitorar as posições criadas no ambiente de trabalho e oferecer especializações, mas o ritmo de atualizações nas salas de aulas ainda não é o ideal. E como a procura é grande e o número de profissionais capacitados ainda é pequeno, os salários tendem a ser mais altos: a remuneração de um especialista em cloud computing, por exemplo, pode ultrapassar R$ 15 mil. — Um advogado começa a carreira com pouco conhecimento agregado, e quanto mais adquire experiência, mais é valorizado. O tempo conta a seu favor. Para uma pessoa que trabalha na área tecnológica, o conhecimento adquirido tem prazo de validade. O que ele sabe hoje vai perdendo valor ao longo do tempo, à medida que novas tecnologias vão surgindo. A necessidade de se reinventar para esses profissionais é intrínseca. DEMANDAS PLURAIS A era digital e tecnológica impacta até mesmo o conceito de carreira que se conhece hoje, na avaliação do coordenador do Núcleo de Desenvolvimento de Pessoas e Liderança da Fundação Dom Cabral, Anderson Sant’anna. A pergunta ‘qual é a sua profissão?’ não faz mais muito sentido em entrevistas de emprego, em função das demandas plurais do mercado. As empresas querem saber qual é a trajetória do profissional e sua capacidade de mudança, adaptação e versatilidade em relação a competências diversas e ao aprendizado contínuo. Na opinião do analista de marketing digital da Fulllab, empresa de tecnologia com foco em soluções para e-commerce, Marcel Mouta, os profissionais que não se adaptarem ao mundo digital, certamente ficarão esquecidos no mercado e culparão o avanço tecnológico - não o comodismo. O e-commerce é outro setor que cresce a passos largos no país: segundo a E-bit, o faturamento nesse setor registrará um salto nominal de 20% neste ano, atingindo R$ 43 bilhões. — As pessoas devem se reinventar e se atualizar, de forma a participar e tirar proveito da inserção de novas tecnologias no cotidiano da sociedade. Você já ouviu falar em consultor de drones, programador de impressora 3D, curador pessoal de conteúdo, conselheiros de privacidade, terapeutas de desintoxicação tecnológica e profissionais de nanomedicina? Essas funções parecem estranhas à primeira vista, mas especialistas preveem que, daqui a alguns anos, as pessoas que optarem por elas terão trabalho garantido. Algumas pesquisas indicam que mais da metade dos universitários hoje terão no futuro empregos que ainda são desconhecidos ou simplesmente não existem. São carreiras que surgem a partir das novas tecnologias, que, em contrapartida, eliminam outras, principalmente aquelas que não exigem habilidades criativas, sociais e percepção espacial – funções que ainda nenhuma máquina faz tão bem quanto o cérebro humano. Atividades em áreas como vendas, produção industrial, suporte administrativo, transporte e construção civil são as mais fadadas à informatização. Em 2014, os pesquisadores Carl Benedikt Frey e Michael A. Osborne, ambos da Universidade de Oxford, na Inglaterra, elaboraram o levantamento ‘O futuro do emprego’, em que analisaram as perspectivas de 702 profissões. Cargos nas áreas de educação, saúde, arte, mídia, gestão, negócios e finanças são os que têm maior probabilidade de sobreviver aos avanços da tecnologia, segundo conclusões do estudo. EXPERIÊNCIA INTUITIVA O desenvolvimento tecnológico exclui alguns postos de trabalho, antes ocupados por pessoas e hoje, por máquinas, mas também traz muitas oportunidades, na opinião de Bruno Memoria, sóciodiretor do portal Eugosto.de. Ele encara com otimismo os avanços da tecnologia e diz que cada vez mais observa o surgimento de novas profissões na área digital. Uma delas é designer de usabilidade, responsável por entender o fluxo de comportamento do usuário de um site e tornar a experiência dele cada vez mais intuitiva. — Outro exemplo interessante é a sinergia entre áreas de conhecimento, como a de programadores e matemáticos, que podem analisar dados e criar algoritmos que mapeiam o comportamento e o perfil de usuários — acrescenta Memoria. A necessidade de as profissões tradicionais se adequarem aos novos tempos também é algo que chama a atenção do diretor de graduação do Instituto de Inovação e Tecnologia de São Paulo, José Marques Póvoa. Ele acredita que a nanomedicina, que utiliza meios microscópicos para ajudar a diagnosticar problemas de saúde, é o futuro da medicina contemporânea. É uma tecnologia promissora e que precisa de profissionais capacitados. — Acredito que, da forma como são hoje, todas as carreiras deixarão de existir. Para sobreviver elas terão que se adaptar ou se reinventar. É o datilografo que aprendeu a trabalhar com o computador, é o desenhista que aprendeu a trabalhar com CAD (Desenho Assistido por Computador), torneiro mecânico que aprendeu a operar tornos programáveis etc. O mercado de tecnologia não só cresce como atrai e absorve os profissionais mais jovens, dizem os consultores de RH. A intensa relação e a familiaridade deles com a tecnologia – muitos não fazem ideia de como era o mundo analógico – são características bem-vista pelas empresas. Pedro Freitas, diretor da Asap Recruiters no Rio de Janeiro, que realiza recrutamento e seleção nas áreas de TI, Telecom e Mídia há nove anos, afirma que esse setor nunca esteve em baixa e que cerca de 90% dos contratados têm entre 20 e 35 anos. A juventude está presente em peso nos setores digitais, concorda Jacqueline Resch, diretora da Resch Consultoria, mas a idade não é considerada um pré-requisito nos processos seletivos, segundo ela. — As profissões ligadas à tecnologia exigem, antes de tudo, capacidade de aprendizado rápido, o que não necessariamente é uma característica presente somente entre os mais jovens. DESAFIO DIGITAL Há quase dois anos, o publicitário Marcelo Carvalho, de 31 anos, antes especializado em projetos de conteúdo off-line, decidiu encarar o desafio de ingressar no mundo digital: hoje é coordenador de conteúdo de uma startup de tecnologia. Assuntos como indexação e práticas de SEO (Search Engine Optimization), posicionamento na internet e ferramentas digitais de monitoramento passaram a fazer parte do seu dia a dia. Para superar as dificuldades do início, foi preciso se reinventar profissionalmente. — O conteúdo na internet segue uma dinâmica própria, que também muda em função do canal. Se no impresso posso inventar, ser criativo e utilizar palavras e expressões diferentes, no conteúdo digital preciso levar em consideração o ‘momento zero’ na cabeça do consumidor, a forma como ele faria buscas para encontrar a informação que precisa. Bruno Maia, de 33 anos, criou há sete anos a própria agência de conteúdo para diversas plataformas (websites, redes sociais, streaming etc.) e afirma que a grande demanda nessa área é por estrategistas, curadores do mundo digital, ou seja, aqueles que sabem aliar conhecimentos específicos deste universo e geração de negócios atrativos. — É preciso perceber as mudanças antes que elas efetivamente aconteçam. Estar um passo à frente é fundamental para se sustentar nesse segmento. (O Globo)