Índice-controle de Estudo
Unidade I Introdução à Filosofia
Aula 1 O que é Filosofia?
Aula 2 Mito e Filosofia
Aula 3 Sócrates e o nascimento da Filosofia
Unidade II Teoria do Conhecimento
Aula 4 Platão e o mundo das Ideias
Aula 5 Aristóteles e o mundo sensível
Aula 6 As ciências
1
Aula
O que é Filosofia?
Para pensar
À primeira vista, é muito fácil definir o que é
Filosofia, basta lembrar das origens gregas do termo:
philos (amigo) + sophia (sabedoria). Porém, bem mais
difícil é tentar explicar para que ela serve. De fato, a
Filosofia não visa a resultados práticos ou imediatos.
Ao contrário, ela abre espaço justamente para
perguntas como: por que todas as coisas devem ter
uma finalidade prática?
Observe a imagem:
Meret Oppenheim. Object. 1936. Xícara, pires e colher
forrados com pele.
Muitos artistas do século XX deslocaram
objetos cotidianos de seu contexto habitual,
colocando-os em outros, muitas vezes inusitados.
Com isso, conseguiram, entre outras coisas, chamar a
atenção para o fato de que existem outras realidades
além da aparente e de que nem tudo deve ser
observado somente em termos de sua utilidade
prática.
A Filosofia é um tipo de conhecimento que se
justifica por si mesmo. Por isso, não se deve cobrar
dela uma aplicação imediata. Faz parte de nossa
cultura pensar no conhecimento como um
instrumento para a realização de coisas materiais.
Porém, essa ideia nem sempre acompanhou o
homem, ela foi fruto, principalmente, das mudanças
decorrentes da Revolução Industrial, que transformou
o conhecimento em técnica, por sua vez utilizada na
produção de objetos em larga escala. Esse processo
de tal forma afetou nossa vida e mudou nossos
hábitos, que passamos a considerar a utilidade prática
como única função do conhecimento.
A Filosofia não despreza a realidade concreta,
mas também não se limita a ela: constitui-se em busca
constante por explicações e tem no seu horizonte o
desafio de levar o indivíduo ao conhecimento de si
mesmo.
Criando problemas
“Os homens começaram a filosofar movidos
pelo espanto”. Essa frase, do filósofo grego Aristóteles
(384 – 322 a.C.), resume bem o sentido da Filosofia:
ancorada em nossa capacidade de problematizar, ela
ajuda-nos a enfrentar questões fundamentais para as
quais normalmente não encontramos respostas em
nosso cotidiano. Isso inclui o questionamento sobre si
mesmo. Sócrates (470 – 399 a.C.), pensador grego,
considerado por muitos uma espécie de “pai da
Filosofia”, tinha como um de seus princípios a
máxima: “Conhece-te a ti mesmo”.
Para atestarmos a complexidade dessa tarefa,
imaginemos o seguinte: quando você acorda pela
manhã, uma de suas primeiras experiências é olhar-se
ao espelho. E, durante o dia, muitas vezes você usa a
expressão “eu”. Quando alguém pergunta “quem é
você?”, você diz seu nome. Ao mesmo tempo,
identifica seu nome com aquela imagem do espelho à
qual está acostumado. Mas o que apenas um nome e
uma imagem dizem sobre você? Certamente, existem
muitos outros atributos (virtudes e defeitos). Será que
você sabe exatamente quais são? Você alguma vez já
se surpreendeu quando alguém disse que você era
uma coisa que você nunca imaginou que fosse? Em
outras palavras: quanto de você mesmo você
conhece?
E mesmo quando alguém diz que você é
“inteligente” ou “bonito”, ou quando alguém diz
“somos amigos”, o que isso significa realmente? O
que é inteligência, beleza? O que é amizade? O
sentido dessas palavras é sempre o mesmo ou muda
de pessoa para pessoa ou mesmo ao longo do tempo?
A Filosofia não oferece respostas prontas para
esse tipo de questão, ou seja: não é um conjunto
pronto e acabado de conhecimentos que se aprende.
Ela é uma forma de encarar o mundo, uma busca e
um questionamento permanentes.
Conceito, reflexão e crítica
O conceito é a base do pensamento filosófico.
Criamos conceitos para nos referirmos mais
precisamente a objetos, ideias ou sentimentos. Para
isso, é necessário que cada coisa seja designada
naquilo que lhe é fundamental. Em outras palavras,
conceitos são abstrações, modelos abstratos que
podem ser usados sempre que tentarmos identificar
ou entender os diversos aspectos da realidade (e de
nós mesmos). Pode-se dizer que a Filosofia é
essencialmente a atividade de criar conceitos.
Outra característica do pensamento filosófico
é que ele depende de um procedimento ou método
baseado na reflexão, que deve ser entendida como
algo mais do que um simples pensamento.
Conhecemos a palavra reflexão do nosso vocabulário
de uso cotidiano ou do vocabulário da Física.
Simplificando um pouco, o reflexo é a imagem que o
espelho nos devolve. Em Filosofia, reflexão significa
um pensamento que tem a capacidade de voltar-se
contra si mesmo. Isso quer dizer que a Filosofia
procura sempre questionar aquilo que já foi pensado.
Dessa forma, não se prende a dogmas (ou seja, a
ideias indiscutíveis).
Mas, ao mesmo tempo em que rejeita o
dogmatismo (a crença inegável num sistema), o
pensamento filosófico quase sempre rejeita o
ceticismo (no sentido da impossibilidade de se chegar
a alguma certeza). Por isso se diz que a reflexão
filosófica é crítica. Na linguagem cotidiana,
costumamos ligar a palavra crítica ao ato de “falar
mal” ou “ver defeitos”: esse não é o sentido filosófico.
“Fazer a crítica” significa examinar minuciosamente e,
sobretudo, com critério e rigor, sem extremismos e
considerando a diversidade de opiniões. Se alguém diz
“Não gostei daquele filme”, estará simplesmente
emitindo uma opinião, “criticando” (no sentido vulgar
da palavra). Mas, se disser “Não gostei daquele filme
porque o roteiro não é original e os atores foram
pouco convincentes”, estará fazendo um exame mais
minucioso, a partir de critérios mais precisos. Estará,
portanto, sendo rigoroso e crítico.
Exercícios
1. Para responder à pergunta que segue, considere a
afirmação do filósofo francês Merleau Ponty (1908 –
1961):
“A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo.”
Em sua opinião, como a Arte e a Filosofia conseguem
nos fazer repensar nossa maneira de ver e entender o
mundo, as pessoas e a nós mesmos?
2. Diga qual é a explicação histórica para o fato de
buscarmos uma utilidade prática para tudo e aponte
as consequências desse tipo de postura.
3. “Pensamento e discurso são, pois, a mesma coisa,
salvo que é ao diálogo interior e silencioso da alma
consigo mesma que chamamos de pensamento.”
(Platão, Sofista.)
Como sugere Platão, o pensamento é um tipo de
discurso com características muito particulares. Com
base no texto da aula, diga quais são as principais
especificidades do pensamento filosófico.
4. Defina brevemente, com suas palavras, ceticismo e
dogmatismo e procure ilustrar, com exemplos da
realidade concreta, os perigos de uma postura
extremada.
Tarefa Mínima
O filósofo grego Sócrates foi acusado de
“corromper a juventude ateniense”, e seu julgamento
foi descrito pelo discípulo Platão, no texto Apologia de
Sócrates. No fragmento abaixo, Sócrates, após saber
de sua condenação, dirige-se aos juízes, rejeitando a
pena alternativa de expulsão da cidade e propondo o
pagamento de uma multa irrisória. Sem alternativa, os
juízes confirmaram a sentença de morte.
SÓCRATES: Algum de vós talvez pudesse
contestarme: Em silêncio e quieto, ó Sócrates, não
poderias viver após ter saído de Atenas? Isso seria
simplesmente impossível. Porque se vos dissesse que
significaria desobedecer ao deus e que, por
conseguinte, não seria possível que eu vivesse em
silêncio, não acreditaríeis e pensaríeis que estivesse
sendo sarcástico. Se vos dissesse que esse é o maior
bem para o homem, meditar todos os dias sobre a
virtude e acerca de outros assuntos que me ouviste
discutindo e examinando a mim mesmo e aos outros,
e que uma vida não examinada não é digna de ser
vivida, se vos dissesse isso, acreditar-me-iam menos
ainda. Contudo, é isto que vos digo, ó atenienses,
porém é difícil convencer-vos. Por outro lado, não
estou habituado a considerar-me merecedor de mal
algum. Se possuísse dinheiro, poderia ter-me aplicado
uma multa que conseguisse pagar, porque, assim, não
teria me infligido mal algum. Mas não possuo dinheiro
e não posso fazer isso, exceto se desejeis multar-me
de uma quantia que eu tenha possibilidade de pagar.
Poderei pagar-vos apenas uma mina de prata,
portanto multo-me em uma mina de prata.
(Platão, Apologia de Sócrates.)
De acordo com Sócrates, qual a finalidade da
Filosofia? Indique o trecho da fala de Sócrates que
justifica sua resposta.
Tarefa Complementar
Leia o trecho do texto “O Inutensílio”, do
poeta Paulo Leminski, e responda: por que o autor
afirma que as coisas inúteis são a própria finalidade da
vida?
O indispensável in-útil
As pessoas sem imaginação estão sempre
querendo que a arte sirva para alguma coisa. Servir.
Prestar. O serviço militar. Dar lucro. Não enxergam
que a arte (a poesia é arte) é a única chance que o
homem tem de vivenciar a experiência de um mundo
da liberdade, além da necessidade. As utopias, afinal
de contas, são, sobretudo, obras de arte. E obras de
arte são rebeldias.
A rebeldia é um bem absoluto. Sua
manifestação na linguagem chamamos poesia,
inestimável inutensílio.
As várias prosas do cotidiano e do(s)
sistema(s) tentam domar a megera.
Mas ela sempre volta a incomodar.
Com o radical incômodo de uma coisa in-útil
num mundo onde tudo tem que dar um lucro e ter um
por quê.
Pra que por quê?
(Paulo Leminski, Anseios Crípticos, 1986.)
Leitura complementar
A Grécia e a Filosofia
A civilização grega foi talvez a primeira, na
Antiguidade, a agrupar um conjunto de características
muito peculiares, que se relacionam ao surgimento da
Filosofia. Em primeiro lugar, o desenvolvimento da
navegação no mar Mediterrâneo. Vivendo em uma
terra pobre e em contato com o mar, os gregos se
dedicaram a viagens marítimas, voltadas para o
comércio e possibilitando amplo deslocamento da
população. Nessas viagens, os gregos jamais
encontraram os deuses e as criaturas fabulosas que
existiam nas lendas e mitos, tanto as suas quanto as
de outros povos. Pelo contrário, foram percebendo
que a Natureza sempre segue as mesmas “regras”,
não importando o local onde estivessem.
Foi também o comércio com locais distantes e
povos diversos que estimulou o emprego da moeda e
a disseminação da escrita. Ao substituir a troca entre
mercadorias, a moeda ajuda a desenvolver o
raciocínio abstrato, para a elaboração de cálculos de
valor. A escrita fonética, em que cada letra representa
um som, faz com que as palavras percam seu caráter
mágico de representação de um objeto ou uma ideia
(palavra = coisa) e passem a ser apenas o seu signo
(palavra = signo), dessacralizando o uso da escrita e
estimulando o raciocínio.
A riqueza trazida pelo comércio e a utilização
em larga escala de escravos, tornou possível o ócio, o
tempo livre, que podia ser dedicado à atividade
contemplativa, estimulando o espírito de observação.
Da mesma forma, o aperfeiçoamento do calendário,
baseado na observação da Natureza (repetição das
estações do ano, das fases da lua), que deu ao tempo
um caráter natural e não divino.
Tais condições, sozinhas, não explicam por
que a Filosofia nasceu na Grécia Antiga, mas
certamente contribuíram para que isso ocorresse.
Brevemente,
cite
algumas
condições
específicas que favoreceram o desenvolvimento da
Filosofia
na
Grécia
Antiga?
2
Aula
Mito e Filosofia
Para pensar
Muitas vezes, acreditamos em algumas coisas
e não sabemos bem por quê. Em outras palavras,
acreditamos, sem questionar, naquilo em que todos
acreditam.
Você é capaz de identificar se já teve (ou tem)
alguma dessas crenças? Quem as ensinou? Essas
crenças tinham (ou têm) alguma finalidade, ou seja,
elas faziam (ou fazem) você agir de determinada
forma?
Observe a imagem:
Peter Paul Rubens e Jan Brueghel, o Velho. O jardim
do Éden e a queda do homem, 1614-15.
A cena, retratada pelos artistas Peter Paul
Rubens (1577 – 1640) e Jan Brueghel (1568 – 1625) no
início do século XVII, remonta ao mito que está na
base da cultura ocidental: o da existência de um
paraíso do qual o homem foi expulso após cometer o
pecado original.
Apesar de muitos de nós questionarmos a
existência do éden, a noção de paraíso é tão forte em
nossa cultura que até hoje ela é recorrente em nosso
cotidiano: está, por exemplo, na publicidade, no
cinema e nas canções populares, e nos referimos a ela
sem notar que, na realidade, trata-se de um mito.
Mas o que é exatamente um mito?
Origens do mito
Na aula anterior, falamos brevemente sobre
as origens gregas da Filosofia. Afirmar que a Filosofia
foi criada pelos gregos significa dizer que eles foram
os primeiros a propor que o mundo existia e as coisas
aconteciam não apenas devido à ação dos deuses. Em
outras palavras, os gregos explicaram o mundo a
partir do logos, da palavra racional. O mito, por sua
vez, é uma forma de explicação da realidade anterior
à Filosofia e que não se baseia na racionalidade.
Todas as culturas – inclusive a grega – criaram
seus mitos, associando a origem do mundo, os
fenômenos da Natureza e os grandes acontecimentos
da vida à atuação de forças exteriores à realidade
concreta. O mito se originou do medo e do espanto
do homem diante de uma Natureza potencialmente
hostil. Por isso, mais do que para explicar o mundo, o
mito serviu para acalmar a ansiedade humana em
relação aos mistérios da criação.
Características do mito
Ao contrário da Filosofia, que se funda na
racionalidade, o mito se baseia, sobretudo, na
intuição, e incorpora ao mesmo tempo imaginação e
emotividade.
Vejamos um exemplo de mito proveniente do
Egito Antigo:
Osíris
Osíris foi um antigo governante egípcio, filho
de Geb (deus da terra) e Nut (deusa do céu). Ele
ensinou aos homens a agricultura e a domesticação
dos animais. Seu irmão Set, governante do deserto e
invejoso da prosperidade e riqueza das terras de
Osíris, planejou seu assassinato: ofereceu a ele um
jantar, no qual o presenteou com um rico sarcófago,
e, auxiliado por setenta e dois conspiradores, acabou
trancando Osíris no caixão, jogando-o no rio Nilo, de
onde foi parar no mar.
Ísis, irmã e mulher de Osíris, saiu em busca de
seu amado. Encontrou-o em Biblos, porto do mar
Mediterrâneo, e resgatou seu corpo, levando-o de
volta ao Egito. Quando Set soube do retorno do corpo
de Osíris, ordenou sua apreensão e esquartejamento
em catorze pedaços, que foram espalhados por todo o
Egito. Ísis, mais uma vez, saiu em busca dos restos de
Osíris e acabou por juntá-los, o que tornou possível
sua ressurreição. Ísis e Osíris se uniram e tiveram um
filho, Hórus, que derrubou Set e tornou-se governante
de todo o Egito. Osíris passou a governar o mundo dos
mortos.
Algumas características dessa narrativa
permitem sua identificação como um mito. Em
primeiro lugar, o fato narrado ocorreu em um tempo
passado indeterminado, em que deuses habitavam a
terra, ou seja, em um tempo fundamentalmente
diferente do nosso. Em segundo lugar, a narrativa
mítica baseia-se na imaginação e na capacidade
humana de construir símbolos; por isso quase sempre
assume um caráter de exagero e de inverossimilhança
em relação à realidade concreta. Finalmente, o mito
está ligado aos fenômenos da natureza: assim como
houve a ressurreição de Osíris, haverá a
“ressurreição” da terra a cada ano, em razão do
regime de cheias do rio Nilo. Assim, o culto religioso a
Osíris era também a festa da colheita. O fenômeno da
cheia do rio é explicado, ainda que metaforicamente,
como fruto de iniciativas e intrigas dos deuses.
A Filosofia, ao contrário do mito, aborda
coisas que ocorrem em um tempo conhecido e
possível, bem como sua permanência e mudança. Ao
mesmo tempo, não admite o incompreensível,
buscando sempre explicações racionais, ao alcance de
qualquer indivíduo. Dessa forma, explica a natureza
dentro dessa mesma perspectiva: racional e acessível.
Ruptura ou continuidade?
Até que ponto a passagem do mito à Filosofia
na Grécia Antiga significou uma ruptura? A Filosofia
nascente buscou, a partir do pensamento e da
especulação racional, formular respostas para
questões que também eram abordadas pelo mito,
como a da origem do mundo. Além disso, as
propostas racionais de explicação dos filósofos muitas
vezes tinham espantosa semelhança com as
formulações míticas. Por exemplo, de acordo com o
filósofo Tales de Mileto (624? – 558? a.C.), a água é a
origem de todas as coisas. Já para a mitologia grega, o
deus Oceano originou a vida. Nesse sentido, pode-se
falar em uma continuidade entre mito e Filosofia, uma
vez que os problemas abordados continuam sendo
basicamente os mesmos. A novidade está na
abordagem, já que a Filosofia busca um princípio
racional de explicação.
Exercícios
1. Tradicionalmente, as religiões sempre se utilizaram
dos mitos. Em sua opinião, que característica do
pensamento mítico permitiu isso?
Tarefa Mínima
Aquele que ouve o mito, independente de seu
nível cultural, enquanto está ouvindo o mito, esquece
de sua situação particular e é projetado em outro
mundo, em outro universo que não é mais o seu
pequeno e humilde universo do dia a dia… Os mitos
são verdadeiros porque são sagrados, porque eles
falam sobre criaturas e eventos sagrados. Em
consequência, recitando ou ouvindo o mito, recuperase o contato entre o sagrado e o real, e assim fazendo,
supera-se a condição profana, a “situação histórica”.
Em outras palavras, pode-se ir além da condição
temporal e da autossuficiência entorpecente que é o
fardo de cada ser humano simplesmente porque cada
ser humano é “ignorante” – no sentido de que ele se
identifica, e a Realidade, com sua situação particular.
E a ignorância é, em primeiro lugar, essa falsa
identificação da Realidade em que cada um de nós
parece estar ou possuir.
(M.Eliade, Imagens e símbolos.)
A partir do fragmento de texto do filósofo
romeno Mircea Eliade (1907–1986), responda: por
que existe a crença em mitos ainda hoje? Cite
exemplos de mitos contemporâneos, que nos retiram
“do universo do dia a dia” e nos colocam em contato
com o sagrado.
Tarefa Complementar
O desenvolvimento da Filosofia e da
especulação racional em geral (por exemplo, nas
ciências da natureza), acabou por criar um novo
sentido à palavra mito: hoje, muitas vezes usamos
essa palavra para identificar uma ideia falsa ou sem
correspondência com a realidade. Em outras palavras,
muitas vezes em nosso cotidiano usamos “mito” como
sinônimo de “mentira”.
2. Quais as principais diferenças entre mito e
Filosofia?
1. Cite exemplos, extraídos do seu cotidiano, do
emprego da palavra “mito” no sentido exposto acima.
3. Apesar das diferenças entre os dois tipos de
pensamento, pode-se dizer que existe alguma
semelhança entre mito e Filosofia? Justifique.
2. Explique a frase do intelectual norte-americano
Joseph Campbell (1904 – 1987): “Mitologia é o nome
que damos às religiões dos outros”.
Leitura complementar
Importância do pensamento mítico
Não devemos considerar o mito apenas uma
narrativa “inocente” e que foi definitivamente
superada pela Filosofia. Ao incluir elementos como a
intuição e a emotividade, o mito é uma forma de
conhecimento válida, porém diferente daquela que
chamamos racional.
Geralmente associa-se o mito à religião e
acredita-se que sua força advém do fato de muitas
vezes ser transmitido por um narrador que tem algum
tipo de autoridade (por exemplo, um religioso). Mas
deve-se lembrar que, embora durante muito tempo
eles tenham se confundido, o pensamento mítico
transcende o religioso. Se não fosse isso, como
explicar a força com que certos mitos emergem na
contemporaneidade? O mito do herói, por exemplo,
costuma levar multidões ao cinema.
Outra prova de que o mito não é apenas um
tipo de narrativa ou interpretação de mundo
ultrapassado é o fato de que até hoje existe a
tendência de “mitificar” os indivíduos e
acontecimentos: com a ajuda da mídia, tomamos
como verdadeiras certas características das pessoas
ou certas explicações das coisas, sem que tenhamos
exatamente uma motivação racional para isso. E os
mitos criados pela cultura pop são muitos: de cantores
de rock a celebridades instantâneas.
Diferentemente de uma simples crença, o
mito tem uma finalidade: ajuda a definir modelos de
comportamento, expressando valores comuns a uma
sociedade.
3
Aula
Sócrates e o nascimento da Filosofia
Para pensar
Vivemos numa sociedade que estimula a busca por
prazeres e a afirmação das individualidades. Porém,
será que a realização pessoal é suficiente para uma
vida feliz? Por exemplo, é possível ter prazer
saboreando um lanche se, ao lado, vemos uma pessoa
faminta? Em outras palavras: é possível ser
indiferente à situação do outro e conviver
passivamente com as injustiças?
Observe a imagem:
Jacques-Louis David. A morte de Sócrates, óleo sobre
tela, 1787.
A pintura, produzida mais de 2.000 anos após
a morte do filósofo grego, retrata a dor e o desespero
de seus amigos diante da arbitrariedade de sua
condenação. Mas a injustiça cometida contra Sócrates
não os deixou indiferentes; pelo contrário, pode-se
dizer que fortaleceu os ideais defendidos pelo filósofo
e estimulou a atividade de novos pensadores, dentre
eles Platão, cujo pensamento está na base da cultura
ocidental.
Quem foi Sócrates?
Sócrates foi um ateniense que viveu no século
V a.C., período conhecido como a “Idade de Ouro” de
Atenas. Não deixou nenhum escrito; o que sabemos
de suas ideias deve-se a citações, sobretudo daqueles
que o conheceram, como seu discípulo Platão (428 –
347 a.C.).
Desapegado de bens materiais, tinha o hábito
de caminhar pela cidade propondo diálogos aos
cidadãos. Esses diálogos giravam em torno de
assuntos aparentemente triviais, mas, a partir deles e
por meio de hábeis perguntas, Sócrates acabava por
abordar questões complexas, que costumavam deixar
seus interlocutores perplexos.
Sócrates é considerado o “pai da Filosofia”,
pois buscou atingir uma verdade a partir da prática
filosófica, do diálogo com os demais cidadãos. No
centro de sua busca pelo conhecimento verdadeiro,
estavam as questões humanas, como a amizade, o
belo e a virtude. Isso distanciou Sócrates dos filósofos
gregos anteriores a ele, que se limitaram a explicar a
natureza ou a praticar a retórica.
Método socrático
No diálogo Teeteto, de Platão, Sócrates define
a função do filósofo como sendo semelhante à de
uma parteira: seu objetivo seria dar à luz ideias.
Chama-se maiêutica o método socrático de obtenção
da verdade segundo o qual cada pessoa seria capaz de
atingi-la, cabendo ao filósofo apenas facilitar esse
encontro, por meio de perguntas. Sócrates acreditava
que o primeiro passo para se chegar a essa verdade
era o reconhecimento da própria ignorância, ideia
expressa pelo lema: “Só sei que nada sei”.
Nas conversas, ele abusava da ironia como
forma de abalar crenças constituídas e expor a
fragilidade das argumentações. Ainda no diálogo
Teeteto, Sócrates apresentou uma metáfora para
ilustrar sua luta contra a passividade e o
adormecimento intelectual da sociedade ateniense:
Atenas era uma égua preguiçosa, e ele um pequeno
mosquito, que mordia seus flancos para provocar
alguma reação.
É importante frisar que há um princípio ético
na base do pensamento de Sócrates. Uma vez que o
homem é racional, ele teria a capacidade de conhecer
a verdade, que não se encontra somente nele, mas
também na natureza. Como o homem faz parte da
natureza, pode-se dizer que participa da verdade e
pode ter acesso a ela pelo pensamento. Sócrates dizia
ouvir uma voz divina que o levava a fazer o que era
certo e, para isso, era necessário o conhecimento, ou
seja, a conexão com a verdade expressa pela natureza
– um pré-requisito para se fazer o bem.
Com o conhecimento, o homem ganha
autonomia, isto é, a capacidade de determinar sua
própria conduta e suas próprias regras. Por isso
Sócrates dava tanta importância à consciência ética:
ao determinar sua conduta, o homem deveria,
necessariamente, considerar sua relação com a
verdade.
A mais importante contribuição de Sócrates
para a nascente Filosofia foi a identificação do homem
com sua psyche, ou “alma”, caracterizada ao mesmo
tempo como centro da racionalidade, da
personalidade e da consciência ética.
Sofistas e Pré-Socráticos
Sócrates é considerado o pai da Filosofia, mas ele não
foi o primeiro filósofo grego. Antes dele, outros
tentaram explicar o mundo a partir da razão e não do
mito: os chamados pré-socráticos. Também
conhecidos como “filósofos da natureza”, sua reflexão
estava voltada, sobretudo, para a explicação da
origem do mundo físico, sua composição e suas
mudanças. Tales de Mileto, por exemplo, afirmava ser
a água a origem de todas as coisas; já Demócrito de
Abdera dizia que todas as coisas eram formadas por
átomos.
O desenvolvimento da democracia em Atenas
e a prática das discussões públicas sobre assuntos de
interesse dos cidadãos levaram ao surgimento dos
filósofos sofistas, que negavam a possibilidade de um
conhecimento verdadeiro e enfatizavam o uso da
retórica e das técnicas de persuasão: a verdade de um
discurso estaria na sua adequação a um fim desejado.
Portanto, não existiria uma verdade a ser atingida
pela razão, mas várias opiniões que poderiam
convencer ou não, dependendo da habilidade do
orador. Sócrates criticava os sofistas quando eles
aceitavam pagamento por seus ensinamentos, pois
isso era considerado perda de autonomia.
Exercícios
1. Apesar de não ser o primeiro filósofo grego,
Sócrates é considerado o pai da Filosofia. Como eram
chamados os filósofos que o precederam e qual a
novidade do pensamento socrático em relação ao
desses filósofos?
2. “Uma vida não examinada não é digna de ser
vivida.”
Sócrates
Pode-se afirmar que Sócrates lutou contra a
indiferença e a passividade dos cidadãos atenienses.
Para isso, desenvolveu um método, a maiêutica. Diga
no que consistia esse método e qual a principal arma
usada pelo filósofo para desconstruir ideias
preconcebidas.
3. Explique por que se pode afirmar que há um
princípio ético na base do pensamento socrático.
Tarefa Mínima
SÓCRATES - Acredito, e já o disse muitas
vezes, que não deve ir o sapateiro além do sapato.
Não creio em versatilidade. Recorro ao sapateiro
quando quero sapatos e não ideias. Creio que o
governo deve caber àqueles que sabem, e os outros
devem, para seu próprio bem, seguir suas
recomendações, tal como seguem as do médico.
Sua liberdade de expressão parte do
pressuposto de que as opiniões de todos os homens
têm valor e de que a maioria constitui melhor guia
que a minoria. Mas como podem jactar-se* de sua
liberdade de expressão quando desejam silenciar-me?
Como podem ouvir as opiniões do sapateiro ou do
curtidor quando discutem sobre a justiça na
assembleia, porém fazer-me silenciar quando
manifesto as minhas, embora toda minha vida tenha
sido dedicada à busca da verdade, enquanto os
senhores cuidam de seus assuntos particulares?
(Libânio – séc. IV, Apologia de Sócrates.)
* jactar-se: vangloriar-se; gabar-se.
Indique as críticas à democracia ateniense presentes
no fragmento.
Tarefa Complementar
Claudia Andujar. Sem título, da série Yanomami,
realizada entre 1982 e 1990 e exposta na XXVII Bienal
de São Paulo.
A atuação do filósofo Platão teve início com
uma reação à injustiça cometida contra Sócrates.
Como Platão, muitas pessoas se dedicam a denunciar
aquilo que consideram uma grande injustiça.
Claudia Andujar é um exemplo disso:
fotógrafa suíça radicada no Brasil, viveu muitos anos
entre os índios ianomâmis e, além de fotografá-los,
atuou de maneira efetiva na luta pelo
reconhecimento dos direitos indígenas e pela
demarcação de suas terras.
Agora é sua vez: pense em sua realidade.
Dentre as muitas injustiças que presencia, qual mais
o(a) incomoda? Procure denunciar isso.
Você poderá realizar essa tarefa de várias
formas: elaborando um cartaz, escrevendo um texto,
fazendo um desenho, uma pintura, uma colagem, ou
mesmo tirando uma foto. O importante é que você
consiga deixar clara sua indignação e tente despertar
no outro o mesmo sentimento.
LEITURA COMPLEMENTAR
O julgamento de Sócrates
No ano de 399 a.C., Sócrates foi julgado por
um tribunal de cidadãos, sob a acusação de
“corromper a juventude” ateniense e introduzir o
culto a novos deuses na cidade. Os detalhes do
episódio foram narrados por seu discípulo, Platão, em
A Apologia de Sócrates. Durante o julgamento,
Sócrates procurou convencer os acusadores do seu
equívoco e tentou, sem sucesso, extrair deles o
significado do que seria, exatamente, “corromper a
juventude”.
Na sua defesa, afirmou que seu amigo
Querofonte, ao consultar o Oráculo de Delfos, ouviu
dos deuses que “Sócrates é o mais sábio dos
homens”. Por isso mesmo teria iniciado a sua busca
por alguém mais sábio: sua atividade seria fruto dessa
“missão divina”.
Apesar de apresentar uma
argumentação sólida durante todo o julgamento,
Sócrates foi considerado culpado e condenado à
morte. Conforme a tradição, ele teria o direito de
propor uma pena alternativa, mais branda. E, como
sua condenação havia sido obtida por uma apertada
votação entre os 500 cidadãos sorteados para fazer
parte do tribunal, tudo indicava que a pena mais
branda seria de fato aceita. Mas Sócrates recusou-se a
fazê-lo. Afirmou que pedir qualquer pena, por mais
branda que fosse, seria reconhecer a culpa, algo que
para ele seria impossível. Assim, preferiu constranger
os cidadãos de Atenas e seus juízes, obrigando-os a
condená-lo à pena de morte.
A forma como a Atenas democrática executou
aquele que era talvez seu mais brilhante cidadão
chocou vários atenienses, dentre os quais o discípulo
de Sócrates, Platão. Inconformado com a morte do
mestre, Platão começou a escrever, e um de seus
primeiros escritos – que quase sempre apresentam a
forma de diálogos e nos quais Sócrates aparece como
personagem – foi justamente a Apologia de Sócrates.
Inicialmente o objetivo de Platão foi defender
a memória de seu mestre agora morto. Ele queria
“consertar” o que a seu ver foi uma injustiça e, para
isso, seus escritos deveriam conter uma
argumentação que pudesse provar a verdade sobre
Sócrates: não apenas uma opinião que pudesse ser
debatida, mas um conhecimento verdadeiro.
4
Aula
Platão e o mundo das Ideias
Para pensar
Imagine que você está sentado na sala de
aula, e uma bola entra pela janela, pula pelas
carteiras,
faz
alguns
estragos.
Quase
automaticamente, você faz uma série de operações
de pensamento: de onde veio a bola, quem pode ter
arremessado, onde ela vai parar? Essas operações são
estratégias para se chegar ao conhecimento da
situação.
Todos são capazes de conhecer. Mas qual
seria a gênese, ou seja, a origem do conhecimento?
Na
história da Filosofia, diversos pensadores tentaram
desenvolver uma Teoria do Conhecimento, buscando
indicar a fonte de um conhecimento verdadeiro e as
condições em que é possível estabelecê-lo.
Observe a imagem:
Mark Rothko, Sem título, 1953.
Como veremos a seguir, para Platão a busca
pelo conhecimento verdadeiro deve ser entendida
como a busca pela essência – aquilo que é eterno e
imutável.
Esse pensamento teve – e ainda tem – grande
alcance no Ocidente. Pintores abstratos, por exemplo,
concentraram seu trabalho na busca por aquilo que
eles pensavam ser a essência da pintura. No caso de
Mark Rothko, essa essência estaria na cor.
A importância do pensamento socrático
Já sabemos que os primeiros escritos de
Platão foram uma resposta à injusta condenação de
Sócrates. Mas a influência de Sócrates sobre seu
discípulo não se limitou a esse impulso inicial. Para
Platão, o discurso não é mera expressão de uma
opinião, devendo estar fundamentado naquilo que de
fato existe ou existiu; naquilo que é, portanto,
verdadeiro. Por isso pode-se dizer que Platão
incorporou e desenvolveu os ensinamentos
socráticos.
Na tentativa de reproduzir as conversas que
Sócrates mantinha, criou a forma do “diálogo”. Com
ele pretendia mostrar que o conhecimento verdadeiro
só pode ser atingido por meio da troca de ideias e do
debate, incluindo a maiêutica e o uso da ironia. A
palavra dialética refere-se a essa busca da verdade
pelo jogo do diálogo.
Segue trecho do livro A República, de Platão,
no qual Sócrates explica em que consistiria
exatamente a tarefa do filósofo de “amar o
espetáculo da verdade”.
(…)
SÓCRATES: Acontece a mesma coisa com o justo e o
injusto, o bom e o mau e todas as outras formas: cada
uma delas, tomada em si mesma, é uma; porém, dado
que entram em comunidade com ações, corpos e
entre si mesmas, elas se revestem de mil formas que
parecem multiplicá-las.
GLAUCO: Tens razão.
SÓCRATES: É neste sentido que eu diferencio, de um
lado, os que amam os espetáculos, as artes e são os
homens práticos; e, de outro, aqueles a quem nos
referimos no nosso discurso, os únicos a quem com
razão podemos denominar filósofos.
No trecho, a personagem Sócrates afirma que
existem o justo e o injusto, o bom e o mau, e cada
uma dessas coisas, apesar de “se revestir de mil
formas diferentes”, de fato é uma só. Em outras
palavras, existe algo a que se chama Bom, e esse algo
assume diversas características, na medida em que
“entra em comunidade” com outras coisas, quer dizer,
na medida em que caracteriza pessoas, objetos ou
ações. Dessa forma, temos o homem bom, a ação
boa, o cavalo bom. Em todos esses casos, o “bom”
sempre existe, independentemente dos diversos itens
que caracteriza. Chama-se a isso de forma: a forma
Bom é única e eterna.
Para Sócrates, algumas pessoas admiram as
artes e os espetáculos, ou seja, os diversos modos
como a realidade se apresenta, e se entretêm com
eles. O filósofo, por sua vez, busca conhecer as formas
e sua essência.
O mundo das Ideias
As formas platônicas são uma expansão da
forma socrática e se caracterizam, entre outros, pelo
fato de não se aplicarem somente a conceitos
abstratos como bom e mau, justo e injusto, mas
também a seres e objetos da realidade concreta,
como, por exemplo, as plantas e os animais.
Pensemos num cão. Nenhum cão é igual.
Apesar de existirem cães da mesma raça, da mesma
cor e até do mesmo tamanho, sempre haverá algo
que os diferencia. Além disso, cada cão individual tem
uma determinada idade e, conforme o tempo passa,
ele envelhece e se transforma, até um dia deixar de
existir. Porém, há algo em todo cão que nos permite
identificá-lo como tal. Trata-se da forma cão.
Outro exemplo: se pedirmos para quarenta
pessoas pensarem em uma rosa, certamente todas
pensarão de fato em uma rosa. Das quarenta rosas
imaginadas, talvez nenhuma seja igual: terão
diferentes cores, tamanhos, quantidades de pétalas e
folhas. Porém, apesar da diversidade, cada rosa
imaginada será uma representação individual da
forma rosa.
Existe, portanto, uma diferença entre os
objetos materiais (que se transformam, mudam) e as
formas (ao mesmo tempo eternas e imutáveis). As
coisas materiais são percebidas pelos homens através
dos órgãos dos sentidos (visão, audição, tato, etc.),
enquanto as formas só podem ser entendidas pelo
pensamento (ou pela “alma”). Em outras palavras,
existe um mundo concreto, percebido pelos sentidos,
com todas as suas imperfeições; mas além dele existe
outro, o mundo das Ideias, que contém as formas
imutáveis e perfeitas. A tarefa do filósofo seria
conhecer esse mundo.
Platão defendia a superioridade do mundo
das ideias sobre o mundo material. Isso se deve não
só ao fato de a realidade concreta estar sempre
mudando (e nunca poderemos ter um conhecimento
seguro sobre algo que hoje “é de um jeito” e amanhã
é “de outro”), mas também ao fato de nossos sentidos
nos enganarem (muitas vezes pensamos ter visto ou
ouvido uma coisa, que na verdade era outra).
O ser humano carrega essa dualidade: é ao
mesmo tempo corpo (que se transforma e acaba por
morrer) e aquilo que não é corpo e podemos chamar
de alma (considerada imortal e sede do pensamento).
Se a alma é eterna, pertence ao mundo das ideias;
portanto, sempre existiu e sempre existirá, antes e
depois daquele intervalo de tempo em que ocupou o
corpo de um indivíduo. Por possuir uma alma, cada
homem já nasce com uma vaga noção das formas.
Segundo Platão, guardamos dentro de nós a
reminiscência, isto é, a lembrança das formas
perfeitas com as quais nossa alma estava em contato
antes de se juntar a um corpo. Quando vemos um
cão, nossa alma identifica essa criatura com a forma
cão que já existe em nosso pensamento. Ou seja, as
ideias são inatas (já nascemos com elas); os que
amam o conhecimento (os filósofos) simplesmente
aproximam-se delas, aprimorando o conhecimento
que já possuem.
Quando Platão se refere a Eros – o amor ao
conhecimento e o desejo de se aproximar do imortal
(para aprofundar, leia texto da Leitura Complementar)
–, trata desse desejo da alma de alcançar o mundo
das ideias, de retornar ou de entrar em comunhão
com sua morada original. A alma desejaria se libertar
da prisão imperfeita que é o corpo.
A alegoria da caverna
No livro VII de A República, Platão relata o
mito ou a alegoria da caverna. Mais uma vez dando
voz a Sócrates, descreve o seguinte cenário: uma
caverna, no fundo da qual estão vários prisioneiros,
acorrentados, imobilizados, com as cabeças presas na
direção de uma parede. Em suas costas, desfilam
figuras, espécies de marionetes, que têm suas
sombras projetadas na direção da parede e se
movimentam com a ajuda de algumas pessoas. Os
prisioneiros, que só veem as sombras, acham que elas
são seres verdadeiros e que as vozes ouvidas são
delas.
Certo dia, um dos prisioneiros consegue se
libertar. Ele dá as costas à parede para onde olhava
até então. Inicialmente, fica ofuscado pela luz, uma
vez que até então só vira sombras, mas logo vê as
marionetes sendo manipuladas e a chama que
projetava as sombras na parede.
Em seguida, o prisioneiro, agora liberto,
caminha para fora da caverna e, finalmente,
contempla o sol. A luz quase o cega, mas ele acaba
aprendendo a lidar com tanta claridade e começa a
ver as coisas verdadeiras. Ele percebe que elas são
muito mais belas e claras que as sombras no fundo da
caverna. Conclui que a luz do sol é a origem de toda
beleza que existe.
Sabendo que ainda existem várias pessoas
acorrentadas, o ex-prisioneiro decide voltar para a
caverna para libertá-las. Voltando à escuridão, tem
dificuldade de ver nas sombras (uma vez que agora já
se acostumou à luz). Mesmo assim, tenta convencer
as pessoas de que aquilo que elas veem não é a
realidade, mas uma cópia muito imperfeita dela. Os
demais prisioneiros não conseguem conceber que
exista algo além das sombras: eles riem e, caso o
prisioneiro liberto tente libertar mais alguém, correrá
o risco de ser morto.
Com a alegoria da caverna, Platão descreve a
forma como se origina o conhecimento, ou seja, a
forma como o filósofo deixa para trás o mundo das
coisas visíveis, materiais e imperfeitas, e chega até o
mundo das ideias, que brilham diante de nós até
quase nos cegar. Há no texto uma crítica aos
habitantes de Atenas, que, ao condenarem Sócrates à
morte, agiram como os prisioneiros no fundo da
caverna, que se negaram a caminhar para a luz, ou
para o conhecimento, que estava sendo apontado por
Sócrates.
Dessa alegoria ainda se depreende que o
filósofo deve ter a coragem de seguir o difícil caminho
de sair da caverna (o que pode trazer sofrimento) e,
ao mesmo tempo, tem a obrigação de apontar o
caminho do conhecimento às outras pessoas, apesar
de, com isso, correr riscos.
Exercícios
1. Por que Platão costuma ser considerado o criador
da razão ocidental?
Platão descreveu o conhecimento do divino
como algo implícito em todas as almas, embora
esquecido. A alma, imortal, sentiria o contato direto e
íntimo com as realidades anteriores ao nascimento,
mas a condição pós-nascimento do aprisionamento
corporal faria a alma esquecer a verdadeira situação.
A meta da filosofia seria libertar a alma dessa
condição ilusória na qual ela é enganada pela finita
imitação e encobrimento do eterno.
(Adaptado de R.Tarnas, A Epopeia do Pensamento
Ocidental.)
Explique a seguinte frase do segundo
parágrafo: “A meta da filosofia seria libertar a alma
dessa condição ilusória na qual ela é enganada pela
finita imitação e encobrimento do eterno”.
2. “Sócrates: Admitamos, pois – o que me servirá de
ponto de partida e de base – que existe um Belo em si
e por si, um Bem, um Grande, e assim por diante. Se
admitirmos a existência dessas coisas, se concordares
comigo, esperarei que elas me permitirão tornar-te
clara a causa que assim descobrirás, que fez com que
a alma seja imortal”.
(Platão, Fédon.)
Ao falar do Belo, do Bem e do Grande, Sócrates está
se referindo às formas. O que é forma e qual a
principal característica da forma platônica?
Tarefa Complementar
Para responder às questões, tome por base a imagem
e o comentário que seguem.
3. Platão estabeleceu a distinção entre dois mundos.
Quais são eles e como se caracterizam?
Tarefa Mínima
Para Platão, a realidade última não teria
natureza apenas racional e ética, mas também
estética: o Bem, a Verdade e o Belo estariam
realmente unidos no supremo princípio criativo,
impondo ao mesmo tempo afirmação moral,
fidelidade intelectual e rendição estética. A Beleza – a
mais acessível das Formas, atraindo o filósofo para a
visão do conhecimento do Verdadeiro e do Bom. Com
isso Platão mostrava que a visão filosófica mais
elevada só seria possível a quem tivesse o
temperamento de um amante. O filósofo deveria se
permitir ser agarrado pela mais sublime forma de
Eros: aquela paixão universal de reconstituir a
unidade anterior, de superar a separação com o
divino e tornar-se uno com ele.
Praxíteles. Hermes e o jovem Dioniso, c. 340 a.C.
A escultura de Praxíteles ilustra o quanto a
arte grega, principalmente a do período clássico (séc.
V e IV a.C.), esteve preocupada com certo ideal de
beleza. Isso se deve ao fato de que os gregos
desenvolveram uma concepção de estética ligada ao
conceito de Belo. Baseados na mimese – imitação da
natureza –, criaram um naturalismo idealista, em que
aspectos da realidade são “disfarçados”, em favor
daquilo que se considera belo.
Platão, todavia, tinha profunda desconfiança
da arte, afirmando que a obra de arte era apenas a
cópia de um objeto do mundo real que, por sua vez,
era cópia imperfeita do mundo das ideias.
1. Estabelecendo as possíveis relações entre as
concepções estéticas gregas e as ideias de Platão
sobre arte, comente a afirmação do historiador da
Arte E. H. Gombrich:
“(...) suas obras [dos gregos] nunca se parecem com
espelhos onde se refletem todos os recantos, ainda os
mais insólitos, da natureza. Elas ostentam sempre o
cunho do intelecto que as criou.”
2. Passados muitos séculos, o ideal de beleza continua
sendo
uma
preocupação
das
sociedades
contemporâneas. Seria possível afirmar que, também
nesse sentido, somos herdeiros dos gregos? Fale
sobre os perigos de uma valorização exagerada dos
padrões de beleza.
LEITURA COMPLEMENTAR
O Banquete
O Banquete é talvez o mais conhecido escrito
de Platão. Esse diálogo narra um encontro na casa do
poeta Ágathon, onde diversas pessoas se reúnem para
uma festa, um banquete. Nesse encontro, conversam
sobre Eros, o amor. Quando Sócrates toma a palavra
para falar, muitos já haviam proferido belos discursos.
“Não seria capaz de proferir um discurso tão bonito”,
afirma Sócrates. Em seguida, diz que irá buscar a
verdade sobre o amor, “sem eloquência”. É quando
cita Diotima.
Diotima fala da origem de Eros, afirmando
que ele não é um deus, nem é um homem, mas um
daimon, ou seja, um “gênio” ou um “espírito” que
torna possível a ligação entre os homens e os deuses.
Nesse sentido, eros é como logos, a palavra racional
que, segundo os gregos, também é capaz de
estabelecer essa ligação. Diotima conta qual teria sido
a origem mitológica de Eros: filho de Penia (a pobreza)
com Poros (o estratagema), nasceu no mesmo dia em
que Afrodite (a beleza). Por isso mesmo, Eros ama a
beleza, mas vive miserável, sem lar (como a mãe),
apesar de ter a argúcia e ser capaz de dizer coisas
belas (como o pai). Por meio de um mito, Diotima
ilustra seu conceito de amor.
Por não ser um deus e por não ser ingênuo,
Eros ama a sabedoria (se fosse deus, ele já a teria; se
fosse ingênuo, já se acharia sábio). Percebemos que,
ao falar dos deuses, Diotima na verdade está dando
voz aos conceitos de Platão que se aplicam ao
homem. Portanto, Eros, o Amor, desperta nos homens
o desejo pelo belo, que é ao mesmo tempo o desejo
por almas belas e por corpos belos. Aparentemente,
esses dois desejos vêm juntos, mas Platão sugere uma
hierarquia entre eles: Sócrates, ao que tudo indica,
era bem pouco belo, mas despertava paixões nas
pessoas devido à beleza de sua alma, ou seja, de sua
sabedoria.
O desejo pelos corpos belos nos leva a buscar
uma aproximação com aqueles que são proporcionais,
atraentes e harmônicos, e o resultado da atração dos
corpos é a reprodução, a perpetuação da espécie
humana. Já o desejo pelas almas belas é basicamente
o desejo pelo conhecimento, identificado por Platão
como o desejo pelo bem, uma vez que as almas belas
são justamente aquelas capazes de produzir ações
belas e pensamentos belos (como o são todos os
pensamentos verdadeiros). É nessa busca que se
encontra a virtude a que todo homem aspira.
O desejo desperto por Eros aproxima o
homem da imortalidade, seja por meio da
reprodução, seja pela obtenção do conhecimento
verdadeiro. O que Platão está afirmando, nas palavras
de Diotima, é que existe algo de perfeito e imortal na
alma humana, que se manifesta através da razão, do
logos. Esse seria o maior de todos os bens. A Filosofia
é o desejo de chegar até esse saber de que a alma
humana é capaz, portanto a Filosofia é o próprio
Amor (philos + sophia). Segundo a filósofa Marilena
Chauí, em sua Introdução à História da Filosofia, “na
contemplação da beleza-bondade – isto é, da ideia do
Bem e da Beleza – os humanos alcançam a ciência ou
o saber, por meio do qual concebem, engendram e
dão nascimento às virtudes e por meio delas se
tornam imortais”.
Agora, responda: por que Platão considera
que na Filosofia se encontra a virtude?
5
Aula
Aristóteles e o mundo sensível
Para pensar
Pense sobre o paradoxo de Zenon:
Aquiles, herói grego, decide apostar uma
corrida de 100 metros com uma tartaruga. A
velocidade de Aquiles é 10 vezes superior, portanto a
tartaruga pode começar a corrida com 80 metros de
vantagem. Após a largada, Aquiles percorre 80
metros, e a tartaruga 8. O problema é que, quando
Aquiles houver percorrido mais 8 metros, a tartaruga
terá andado mais 80 centímetros e assim
indefinidamente. Ou seja: não importa o espaço
percorrido pelo herói grego, porque a tartaruga estará
sempre à sua frente.
Agora, observe a gravura A cascata, do artista
holandês Maurits C. Escher (1898 –1972). Na imagem,
a água está subindo ou descendo?
Em sua opinião, o que a imagem e o paradoxo têm em
comum?
Maurits C. Escher. A cascata, 1961.
A sensação de estranhamento que
experimentamos ao ler o paradoxo e ao observar a
imagem certamente se deve ao fato de que ambos
parecem nos enganar, constituindo-se em verdadeiros
desafios à razão e aos sentidos.
Fugir do engano, do erro foi a principal meta
dos filósofos gregos, que em geral valorizaram muito
o papel da razão para conseguir isso. Platão, por
exemplo, associou o mundo sensível ao engano,
propondo a superação desse mundo em favor de
outro – o mundo das Ideias perfeitas e imutáveis. Mas
o pensamento platônico, embora muito difundido,
encontrou a resistência de um discípulo de Platão que
também teve profunda e duradoura influência sobre o
Ocidente: Aristóteles.
Quem foi Aristóteles?
Aristóteles (384 – 322 a.C.) foi um pensador
originário
de
Estagira,
cidade
macedônica
intensamente helenizada (isto é, influenciada pela
cultura grega). Antes dos 20 anos, mudou-se para
Atenas e ingressou na Academia de Platão. Seu pai era
médico, o que parece ter influenciado Aristóteles,
principalmente no que diz respeito à sua capacidade
de observação e de tentar obter informações ou
desenvolver modelos teóricos a partir dos “sintomas”
que se apresentam diante dos sentidos.
Por ser um meteco (estrangeiro vivendo em
Atenas), Aristóteles não possuía os direitos políticos
dos cidadãos atenienses. Dessa forma, sua relação
com a democracia grega se limitou à especulação
teórica. Mas isso não diminuiu sua importância
política, já que, devido à sua origem e à proximidade
entre sua família e os governantes da Macedônia,
Aristóteles foi escolhido para ser preceptor do jovem
príncipe Alexandre, que mais tarde iria conquistar um
vasto império e o governaria com o título de
Alexandre, o Grande (356 – 323 a.C.).
Em Atenas fundou uma escola chamada Liceu,
que rivalizaria com a Academia de Platão. Por essa
época, seus discípulos eram chamados de
peripatéticos (que significa “os que passeiam”),
devido ao hábito de realizar debates enquanto
caminhavam.
Foi autor de extensa obra, e muitos dos seus
escritos chegaram até nós, seja de forma fragmentada
ou integral. Dentre eles, destacam-se o Organon (que
inclui os textos sobre Lógica); Ética a Nicômaco (sobre
Ética e Política); Política; Física (sobre o mundo
natural); e Poética (que inclui suas ideias sobre
Estética).
A oposição a Platão
O pensamento de Aristóteles se opõe ao de
Platão em diversos aspectos. O principal deles
certamente é a importância dada aos sentidos (visão,
olfato, tato, etc.) para se alcançar o conhecimento.
Platão afirmava a superioridade do mundo das ideias
sobre o mundo das coisas: o que vemos à nossa volta
seria reflexo das formas eternas e imutáveis que
podem ser conhecidas porque também existem em
nossa alma. Para Aristóteles, dá-se exatamente o
contrário: as imagens que formamos em nosso
pensamento surgem a partir de um contato prévio
com as coisas materiais, que são captadas pelos
órgãos dos sentidos.
Além disso, Platão dizia que as ideias eram
inatas. Para Aristóteles, a razão era inata: todos os
homens nascem com a razão, que lhes dá a
capacidade de ordenar e classificar todas as coisas do
mundo conforme são percebidas pelos sentidos.
Portanto, Aristóteles preocupava-se, sobretudo, com
a natureza, com a sua observação e com a
classificação de seus fenômenos.
De acordo com Aristóteles, as coisas
apresentam diversos modos de ser. Um touro, por
exemplo, é ao mesmo tempo: forte, preto, bravo,
touro. Ou seja, ele pode ser caracterizado por diversas
categorias. Dessas, a mais substancial é o touro em si,
pois é da sua existência ou da sua individualidade que
derivam as demais. Nesse caso, o touro é uma
substância (uma categoria), sua cor preta é uma
qualidade (outra categoria), sua força é uma
quantidade (outra categoria). Aristóteles definiu dez
categorias, ou seja, dez formas de se caracterizar a
substância (o sujeito individual): substância,
quantidade, qualidade, relação, tempo, lugar,
situação, ação, paixão e possessão.
Dessa forma, o mundo seria composto de
substâncias distintas, mas que são caracterizadas por
categorias comuns a outras substâncias. Segundo
Platão, essas qualidades comuns derivavam de uma
Ideia transcendente (por exemplo, a ideia de Belo, a
ideia de Branco); já para Aristóteles, essas qualidades
eram apenas categorias universais percebidas pela
razão no mundo concreto.
O mundo material
Segundo
Aristóteles,
as
substâncias
apresentam certas peculiaridades. Uma substância
não é apenas certa quantidade de matéria; ela
também apresenta uma forma. A matéria é um
suporte passivo que precisa de uma forma para
tornar-se uma coisa; já a forma é algo que pode ser
percebido pela razão a partir da observação. A
substância touro só é percebida como tal porque
conhecemos a forma touro.
Mas a forma é também um princípio de
funcionamento, que faz com que as coisas estejam
sempre mudando e se aperfeiçoando. Assim, a forma
árvore está contida na semente, o adulto está contido
na criança. Nesses exemplos, a árvore e o adulto
representam a essência de uma forma. Todas as
coisas existem em potência e em ato: enquanto uma
coisa em potência é uma coisa que tende a ser outra
(semente), a coisa em ato é algo que já está realizado
(árvore). Nesse sentido, cada forma específica contém
uma dinâmica interior, um movimento que faz com
que ela passe da potencialidade à realidade.
Mas de onde viria essa dinâmica interior ou
movimento? Ora, cada potencialidade surgiu
necessariamente de uma causa externa, ou seja, de
uma forma já desenvolvida: a semente surgiu de uma
árvore; a criança surgiu de um casal de adultos. A
causa é tudo aquilo que contribui para que um ser se
torne real. Aristóteles distinguiu:
• causa material: o material de que algo é feito
(madeira, mármore, carne e osso);
• causa formal: referente à forma (árvore, homem,
touro);
• causa eficiente (ou motora): responsável por
realizar a potencialidade de uma matéria;
• causa final: objetivo ou finalidade do
desenvolvimento de uma forma.
Essa divisão ficou conhecida como a teoria
das quatro causas. O movimento da potencialidade à
realidade ocorre tanto na natureza quanto nas ações
humanas. Aristóteles ilustra isso com o exemplo de
um escultor (causa eficiente) de uma estátua de
mármore (causa material), que representa o deus
Hermes (causa formal) com a intenção de criar uma
forma bela (causa final).
No que se refere à natureza, surge a questão
de qual seria a causa eficiente e qual seria a causa
final dos movimentos observados no universo. É nesse
ponto que se chega ao conceito de Deus – a Causa
Primeira de tudo o que existe (para aprofundar, leia
texto da Leitura Complementar).
Exercícios
1. Com base no trecho que segue, diga qual a
importância da razão e dos sentidos para Aristóteles.
“Todos os homens, por natureza, desejam conhecer
Sinal disso é o prazer que nos proporcionam os nossos
sentidos; pois, ainda que não levemos em conta sua
utilidade, são estimados por si mesmos; e, acima de
todos, o sentido da visão. (…) Por outro lado, não
identificamos nenhum dos sentidos com a sabedoria,
se bem que eles nos proporcionem o conhecimento
mais fidedigno do particular. Não nos dizem, contudo,
o porquê de coisa alguma.”
(Aristóteles, Metafísica.)
2. “Na definição de cada ser está contida sua
substância.”
(Aristóteles, Metafísica.)
Como você conceituaria substância e qual a diferença
entre ela e as demais categorias definidas por
Aristóteles?
3. Aristóteles resolveu muito satisfatoriamente uma
questão que preocupou muito os filósofos anteriores
a ele: a da mudança. Afirmou que um objeto pode
mudar e continuar “sendo” e apontou quatro causas
para o movimento interior que resulta nas
transformações da matéria. Quais seriam essas
causas? Dê um exemplo de cada uma delas.
Tarefa Mínima
Que diferenças entre os pensamentos de
Platão e Aristóteles são apontadas pelo texto que
segue?
Essa compreensão foi obtida através da ideia
aristotélica de “potencialidade” – ideia essa
excepcionalmente capaz de proporcionar uma base
conceitual para a mutação e para a continuidade, ao
mesmo tempo. Parmênides não permitira a
possibilidade racional de mudança real, porque algo
que “é” não pode se transformar em algo que não é,
porque “não é” não pode existir, por definição. Platão,
também atento ao ensinamento de Heráclito de que o
mundo natural está em fluxo constante, havia, por
conseguinte, localizado a realidade nas Formas
imutáveis que transcendiam o mundo empírico [isto é,
o mundo percebido pela experiência]. Mostrou, no
entanto, uma distinção verbal que lançou luz no
problema de Parmênides. Este não fazia distinção
entre dois significados claramente diferentes da
palavra “é” – de um lado pode-se dizer que uma coisa
“é” no sentido de que ela existe, enquanto que do
outro pode-se dizer que “é quente” ou “é um
homem” no sentido afirmável de um predicado.
Baseado nessa importante distinção, Aristóteles
afirmou que uma coisa pode mudar e tornar-se outra
se houver uma substância sucessora que sofra a
mudança de um estado real, determinado pela forma
inerente a essa substância. Desse modo, Aristóteles
movia-se para a reconciliação com as Formas
platônicas através de fatos empíricos de processos
dinâmicos naturais e sublinhava mais profundamente
a capacidade do intelecto humano em reconhecer
esses padrões formais no mundo sensível.
(Adaptado de R.Tarnas, A Epopeia do Pensamento
Ocidental.)
as causas formais e finais. Essa afirmação nos faz
pensar sobre a importância de uma atuação
consciente no mundo, já que o homem é também um
criador de formas e deveria refletir sobre a finalidade
e adequação de suas criações.
Tendo isso em vista, observe as imagens da
artista ítalo-brasileira Anna Maria Maiolino em ação e
leia trecho que trata de seu trabalho escultórico.
“Todos esses objetos têm a marca da mão. É a
mão que faz, modela, compacta, aperta, amassa,
estica. A mão faz, é o molde. Em geral, tudo que a
mão realiza no dia a dia tende a desaparecer sem nos
darmos conta. Até mesmo no próprio momento em
que agimos. Ela age e nos esquecemos daquilo que
ela toca, apanha, pega, puxa, entre tantas outras
ações. (…)
Na sociedade industrial moderna, a repetição
está associada à divisão social do trabalho e à
alienação. O trabalho repetitivo domina os indivíduos
sem que eles sejam capazes de totalizar o seu sentido.
Suas ações permanecem sempre um fragmento
desarticulado. Esta situação universal também tende
a impregnar o cotidiano, tornando-o cada vez mais
mecânico e programado. Daí, frequentemente, não
nos darmos conta das mãos e das ações. Elas parecem
ter adquirido uma independência que as coloca, em
última instância, além da consciência. Tornam-se
meros instrumentos operativos e especializados.”
(Paulo Venâncio Filho, “A mão que faz”, texto que
integra o catálogo da mostra itinerante lnside the
Visible, Kanaal Art Foundation, Kortrijk, Bélgica.)
Agora, reflita: em sua opinião, qual a importância do
“fazer” para o homem e quais as possíveis
consequências de uma atuação pouco consciente
sobre a realidade?
Leitura complementar
Tarefa Complementar
A valorização do mundo material foi uma
grande contribuição do pensamento aristotélico.
Segundo Aristóteles, para se obter o conhecimento do
universo, deve-se estudar as causas materiais das
coisas e, a partir delas, buscar uma aproximação entre
O Deus Aristotélico
Aristóteles dividiu o universo físico em duas
partes: a região sublunar e a região supralunar. A
região sublunar é constituída de quatro elementos:
terra, água, ar e fogo, e cada um deles tem seu lugar
natural. Assim, terra e água, que são corpos pesados,
têm seu lugar natural embaixo: uma vez jogados,
tendem a cair. Já o fogo e o ar são leves; seu lugar
natural é em cima. Cada coisa tende a permanecer em
um lugar estático no universo, em repouso, e só é
retirada desse lugar por meio de um movimento
violento. Para que esse movimento se realize, é
necessário que um motor se una ao objeto que é
retirado do repouso. Esse motor pode ser entendido
como o cavalo que puxa uma carroça ou como a mão
que arremessa a pedra.
Já a região supralunar é constituída pelo éter
e se caracteriza pelos movimentos circulares e
contínuos (ao contrário da região sublunar, onde
predomina o movimento retilíneo e descontínuo). Daí
a perfeição da região, uma vez que o círculo, que dá
forma ao movimento dos corpos celestes, é a figura
mais perfeita. O mundo supralunar seria constituído
de uma sucessão de esferas, cada qual funcionando
como motor da esfera que está abaixo. Ao final dessa
sucessão de esferas se encontraria o primeiro motor,
um Ato Puro movimentando o universo como sua
causa final. Aristóteles chama o primeiro motor de
Deus. Trata-se de um Ser eterno e imóvel, uma Forma
perfeitamente realizada e sem existência física: dotálo de existência física seria colocá-lo no fluxo de
mudanças, limitando, portanto, sua perfeição. Sem
participar do processo de transformações e
realizações, o Deus de Aristóteles é pensamento
autocontemplativo, “um pensamento que se pensa a
si mesmo”.
Ao se referir ao mundo supralunar, Aristóteles
acabou por abordar um objeto que estava além do
mundo material, ou seja, além da física. Nesse
sentido, surgiu a expressão “metafísica”, que se refere
a tudo aquilo que está além da experiência dos
sentidos (por exemplo, a ideia de “deus”).
6
Aula
As ciências
Para pensar
“Saber é poder”, afirmou o pensador Francis
Bacon no século XVI. Com isso, ele quis dizer que o
conhecimento científico da natureza permite “domála”, ou seja, utilizá-la em benefício do homem. A
Filosofia, uma ciência humana, distingue-se das
ciências da natureza por não estar voltada
exatamente para o domínio dos recursos naturais.
Em sua opinião, a afirmação de Bacon de que
“saber é poder” também se aplicaria às ciências
humanas (por exemplo, à História e à Geografia)?
Observe a imagem:
Leonardo da Vinci. Homem vitruviano, 1492.
O Homem no centro do Universo pode ser
considerado o pilar da nova mentalidade que se
inaugura no período histórico conhecido como
Renascimento. É também o tema do desenho de
Leonardo da Vinci, baseado no tratado de Vitruvio –
arquiteto romano do século I a.C. Por apresentar um
cânone das proporções do corpo humano com base
num raciocínio matemático e na divina proporção, o
trabalho é considerado por muitos o símbolo do
espírito renascentista, e seu autor, misto de artista e
cientista, o arquétipo do homem do Renascimento.
Renascimento cultural e nascimento das ciências
Já falamos sobre a importância das
concepções de Platão e Aristóteles para o
desenvolvimento do pensamento ocidental. Porém, a
partir do século IV, o triunfo do cristianismo no
Ocidente resultou em um deslocamento das
perspectivas sobre o saber, não cabendo mais à
Filosofia a busca de um conhecimento verdadeiro,
que, nesse novo contexto, passou a ser dado pela
Sagrada Escritura. As correntes de pensamento
dominantes no período conhecido no Ocidente como
Idade Média (séculos V a XV) subordinaram a
especulação filosófica à religião e tinham como foco a
questão da salvação da alma.
Com o Renascimento, a partir do século XIV,
originaram-se novas formas de saber independentes
da Igreja e do pensamento teocêntrico. Desse
processo de renovação cultural e intelectual resultou
o desenvolvimento de uma nova forma de explicação
da natureza, separada da religião, que passou a ser
conhecida como ciência.
Uma consequência do Renascimento e do
estabelecimento do método científico foi a definição
de um campo de saber específico chamado de ciência
moderna, cujo desenvolvimento deixou de estar
necessariamente vinculado à Filosofia. Por exemplo, a
Física, assim como outras ciências, tem seu objeto de
estudo claramente delimitado e métodos específicos
para lidar com ele. Nesse sentido, apresenta duas
características da ciência moderna: é particular, pois
estuda apenas seu objeto; mas é também geral, pois o
conhecimento que produz trata de fenômenos que se
repetem a natureza, podendo caracterizar-se como
leis.
Galileu Galilei e o método científico
Um dos mais importantes pensadores do
Renascimento ligados ao desenvolvimento do
conhecimento científico foi Galileu Galilei (1564 –
1642). Viveu na Itália e foi influenciado por Nicolau
Copérnico (1473 – 1543), defensor do heliocentrismo
– concepção segundo a qual a Terra gira em torno do
Sol. Ao desenvolver o telescópio, Galileu ampliou o
alcance das observações de Copérnico, validando suas
conclusões. Dessa forma, contrariou a Igreja católica,
que defendia o geocentrismo. Galileu foi julgado pelo
tribunal da Inquisição em 1533 e foi obrigado a
desmentir suas teorias.
Além de ter realizado descobertas específicas
no campo da Física e da Matemática, foi responsável
pelo desenvolvimento de um novo olhar sobre a
realidade, de uma nova forma de abordar os
fenômenos do mundo natural. Esse novo olhar pode
ser resumido pelos três princípios de seu método
científico:
1) observação rigorosa dos fenômenos, livre da
influência de ideias preestabelecidas e tidas como
verdadeiras.
2) experimentação, por meio da qual fenômenos
podem ser reproduzidos para serem mais bem
observados. A experimentação deve servir como
“prova”, legitimando certa teoria.
3) regularidade matemática observável na repetição
dos fenômenos que, dessa forma, podem ser
expressos por meio de equações.
“Ao investigar um fenômeno da natureza,
primeiro concebo com a mente”, escreveu Galileu.
Essa afirmação refere-se àquela que talvez seja a
etapa mais árdua da investigação científica, o
estabelecimento de uma hipótese – uma explicação
dos fenômenos concebida com base na reflexão e a
partir da qual se fará a observação, visando à sua
verificação.
Nesse contexto, a experimentação só tem
sentido quando subordinada à razão. Em outras
palavras, a teoria (sob a forma de modelos
matemáticos), orienta a maneira como o mundo
natural será questionado e como as respostas serão
interpretadas.
Ciência ou fé?
O físico inglês Isaac Newton (1642 – 1727)
deu um importante passo na explicação do mundo
natural, ao conceber a Lei da Gravitação Universal e
apresentar os fundamentos da chamada mecânica
clássica. As leis formuladas por Newton se aplicam a
todo o universo, servindo, inclusive, para explicar os
movimentos dos planetas e das estrelas.
As teorias de Newton abalaram fortemente a
visão da Igreja católica, baseada na separação entre
“céu” e “terra”. Porém, o próprio Newton afirmou
que suas descobertas haviam reforçado sua fé, pois
somente um Deus seria capaz de criar leis tão
perfeitas. Nesse contexto, nasceu a concepção de
Deus como “relojoeiro universal”, capaz de criar um
universo complexo, bem como as leis que o mantêm
em funcionamento, sem a necessidade de intervenção
na vida terrena dos homens.
Ciência e realidade
O crescente conhecimento científico da
natureza possibilitou a exploração cada vez mais
ampla e intensa dos recursos naturais. A Revolução
Industrial, a partir do final do século XVIII, acentuou o
desenvolvimento da tecnologia, isto é, a aplicação do
conhecimento científico à produção em geral. Por
meio dela, o mundo transformou-se rapidamente.
Prova dessa transformação é a quantidade de objetos
tecnológicos que empregamos no cotidiano
(automóveis, televisão, microcomputador, livros
impressos por meios mecânicos, roupas produzidas
por máquinas, etc.).
Mas, apesar dos muitos benefícios gerados
pelo desenvolvimento tecnológico, a aplicação do
conhecimento científico coloca em cheque a
neutralidade da ciência. Se esse tipo de
conhecimento é obtido por meio de métodos
universais e chega a leis também universais, deveria
ser neutro, não cabendo a ele nenhum sentido
econômico ou político. Mas isso não é o que se
observa na realidade.
Vejamos um exemplo: a física pura do átomo
não pode ser considerada neutra, uma vez que está
inevitavelmente ligada à possibilidade de seu
emprego tecnológico. Esse emprego inclui o
desenvolvimento, entre outros, de armas nucleares,
tornando-se primordial a questão política da posse
desse conhecimento. Nesse sentido, não existe ciência
neutra. Por isso a importância da reflexão sobre a
finalidade da pesquisa científica e se ela beneficiará a
todos.
As ciências humanas
Os progressos da explicação racional da
natureza, sobretudo após o impacto das descobertas
de Newton, influenciaram a reflexão sobre os fatos
humanos. Em consequência disso, no final do século
XVIII e, principalmente, durante o século XIX,
perguntava-se se haveria uma teoria geral do homem,
assim como um método adequado para o seu
desenvolvimento.
Com a obra A Riqueza das Nações, de autoria
de1 ‘Adam Smith (1723 – 1790), nasceu a primeira das
ciências humanas: a Economia. No século XIX,
desenvolveram-se a Sociologia e a História (para além
da mera narração de fatos passados), tendo havido
algumas tentativas de se estabelecer um método
preciso e adequado às suas finalidades. Num primeiro
momento, essas disciplinas copiaram métodos das
ciências naturais (Física, Química e Biologia) ou das
ciências formais (Matemática e Lógica): tratava-se de
uma maneira de garantir o estatuto de “científico”.
Porém, as ciências humanas têm certas
peculiaridades que as afastam das ciências da
natureza. A principal delas é o fato de o objeto de
pesquisa se confundir com o seu sujeito (o próprio
pesquisador), o que impossibilitaria a objetividade e o
distanciamento fundamentais para a atividade de
pesquisa. Outra diferença é a complexidade dos
fenômenos humanos, bem como a dificuldade (ou
mesmo impossibilidade) de uma formalização nos
moldes de ciências mais “exatas”. Além disso, há
restrições no que se refere à prática da
experimentação: não é possível (com raras exceções)
reproduzir o comportamento humano em laboratório,
por exemplo.
Tarefa Complementar
Exercícios
1. Levando-se em consideração a afirmação de Bacon
de que “saber é poder” (veja a Leitura
Complementar), pode-se afirmar que o Renascimento
se caracteriza como um momento histórico de
“retomada do poder” pelo homem? Justifique sua
resposta.
2. Em sua opinião, quais as vantagens e os perigos do
intenso desenvolvimento tecnológico em meio ao
qual vivemos?
(Leonardo da Vinci, Estudos de embriões, 1509-1514.)
3. Você acha que as ciências humanas podem
contribuir na discussão das questões geradas pela
tecnologia? Dê exemplos.
Tarefa Mínima
Depois de ler o fragmento, responda: qual a
importância do conhecimento matemático para
Galileu?
Parece-me também perceber em Sarsi sólida
crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se
nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que
o nosso raciocínio, quando não concordasse com as
demonstrações de outro, tivesse de permanecer
estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como
um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e
Orlando Furioso, livros em que a coisa menos
importante é a verdade daquilo que apresentam
escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia
encontra-se escrita neste grande livro que
continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o
universo), que não se pode compreender antes de
entender a língua e os caracteres com os quais está
escrito. Ele está escrito em língua matemática. O livro
da natureza está escrito em língua matemática, os
caracteres
são triângulos, circunferências e outras figuras
geométricas, sem cujos meios é impossível entender
humanamente as palavras; sem eles nós vagamos
perdidos dentro de um obscuro labirinto.
(Galileu Galilei, O Ensaiador.)
Leonardo da Vinci costuma ser considerado
um homem à frente de seu tempo. Muitos séculos
antes de ser possível captar imagens do interior do
útero materno, fez desenhos de fetos que
demonstravam seu profundo conhecimento sobre a
anatomia humana. Para chegar a esse conhecimento,
Leonardo participou de várias dissecações de corpos e
realizou diversos estudos anatômicos, apesar do risco
de ser acusado de heresia pela Igreja, que condenava
essa prática, hoje aceita desde que realizada dentro
de certos parâmetros.
Assim
como
Leonardo,
cientistas
frequentemente se colocam à frente de seus
contemporâneos, o que costuma gerar intensos
debates, uma vez que as mudanças propostas pela
ciência muitas vezes se chocam com a visão de mundo
estabelecida. Daí muitos defenderem a necessidade
de um amplo debate ético não só sobre as
descobertas científicas e sua aplicação, mas também
sobre os métodos científicos. Faça uma pesquisa
sobre alguma descoberta que tenha provocado
discussões desse tipo. Tente identificar as diversas
opiniões sobre o assunto e, depois, posicione-se:
afinal, a pesquisa científica deve ou não estar pautada
por princípios éticos?
Leitura complementar
Francis Bacon (1561 – 1626)
O inglês Francis Bacon não propôs um sistema
filosófico abrangente, tendo se preocupado,
sobretudo, com a questão do método. O ponto de
partida de seu pensamento é a crítica ao pensamento
aristotélico, visto por Bacon como capaz de grandes
construções intelectuais desprovidas de finalidade. Ou
seja, todo pensamento filosófico até então, por mais
sofisticado que fosse, não havia apresentado nenhum
resultado prático para a vida dos homens. “Saber é
poder”, dizia Bacon, fazendo referência ao que ele
considerava ser a finalidade do conhecimento: sua
utilização para a melhoria da qualidade de vida do
homem. Nesse sentido, Bacon é considerado um dos
precursores do utilitarismo.
A crítica à tradição aristotélica – e à Filosofia
anterior como um todo – também incluía a rejeição ao
conhecimento obtido apenas através da especulação
racional e de proposições lógicas: para Bacon, era
fundamental a experiência prática, o empirismo. A
partir daí, propôs um método fundado na teoria da
indução. Bacon defendia a análise atenta da natureza,
seja por meio de observações ocasionais, seja por
meio da realização de experimentos. Os dados
coletados deveriam ser submetidos a uma série de
procedimentos
experimentais,
conforme
minuciosamente detalhados nas “tábuas de
investigação” que Bacon apresenta em sua obra
Novum Organum.
Bacon foi um dos principais ideólogos da
futura Revolução Industrial e do desenvolvimento
tecnológico, uma vez que exaltava não só o emprego
prático da ciência, como a dominação da natureza e
sua utilização em benefício do homem. Para Bacon, a
ciência era capaz de desvendar todos os segredos do
universo, não restando nenhum “mistério” a ser
resolvido e nenhum fenômeno inexplicado. O
movimento intelectual chamado Iluminismo, a partir
do século XVIII, compartilhava diversos aspectos do
pensamento de Bacon, notadamente a ideia de que o
conhecimento científico iria emancipar o homem. No
seu livro inacabado Nova Atlântida, Bacon descreveu
uma sociedade ideal, baseada em princípios
científicos, onde predominavam a harmonia e a
felicidade entre os homens.
Agora, leia o fragmento que segue para
responder à questão:
Qual a ideia dos autores sobre o pensamento
de Bacon e sobre a neutralidade da ciência?
Apesar de seu alheamento à matemática, Bacon
capturou bem a mentalidade da ciência que se fez
depois dele. O casamento feliz entre o entendimento
humano e a natureza das coisas que ele tem em
mente é patriarcal: o entendimento que vence a
superstição deve imperar sobre a natureza
desencantada. O saber que é poder não conhece
nenhuma barreira, nem na escravização da criatura,
nem na complacência em face dos senhores do
mundo. Do mesmo modo que está a serviço de todos
os fins da economia burguesa na fábrica e no campo
de batalha, assim também está à disposição dos
empresários, não importa sua origem. Os reis não
controlam a técnica mais diretamente do que os
comerciantes: ela é tão democrática quanto o sistema
econômico com o qual se desenvolve. A técnica é a
essência desse saber, que não visa conceitos e
imagens, nem o prazer do discernimento, mas o
método, a utilização do trabalho dos outros, o capital
(…) O que os homens querem aprender da natureza é
como empregá-la para dominar completamente a ela
e a outros homens. Nada mais importa. Sem a menor
consideração consigo mesmo, o esclarecimento
eliminou com seu cautério o último resto de sua
autoconsciência. (…) Poder e conhecimento são
sinônimos. Para Bacon, como para Lutero, o estéril
prazer que o conhecimento proporciona não passa de
uma espécie de lascívia. O que importa não é aquela
satisfação que, para os homens, se chama “verdade”,
mas a “operation”, o procedimento eficaz. Pois não é
nos “discursos plausíveis, capazes de proporcionar
deleite, de inspirar respeito ou de impressionar de
uma maneira qualquer, nem em quaisquer
argumentos verossímeis, mas em obrar e trabalhar e
na
descoberta
de
particularidades
antes
desconhecidas, para melhor prover e auxiliar a vida”
[Bacon] que reside o verdadeiro objetivo e função da
ciência. Não deve haver nenhum mistério, mas
tampouco o desejo de sua revelação.
(Theodor Adorno e Max Horkheimer, Dialética do
Esclarecimento.)
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