PALESTRA 20 RAIB a DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE DOENÇAS DA REPRODUÇÃO EM BOVINOS: EXPERIÊNCIA DO INSTITUTO BIOLÓGICO Claudia Del Fava, Edviges Maristela Pituco, Margareth Élide Genovez Instituto Biológico, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Animal São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected] A etiologia das doenças da reprodução é multifatorial, podendo ser de causa infecciosa e não infecciosa. Diversos agentes virais, bacterianos e parasitários causam mortalidade embrionária, fetal e natimortalidade (PITUCO & DEL FAVA, 2003). Segundo CHRISTIANSON (1992), as causas não infecciosas representam 70% ou mais dos casos de morte embrionária. A morte embrionária em vacas está estimada em torno de 20 a 40% (LÓPEZ-GATIUS et al., 1996; HANZEN et al., 1999), enquanto que a fetal tem sido estimada em 5% (LAMBERT et al., 1991). A mortalidade embrionária e fetal pode ocorrer devido a fatores não infecciosos como ambientais (alta temperatura), nutricionais, maternos (desequilíbrio hormonal), aberrações cromossômicas (VANROOSE et al., 2000) e plantas tóxicas entre outras, que exigem do técnico um conhecimento multidisciplinar para a realização do diagnóstico diferencial de enfermidades reprodutivas. Para executar essa complexa e difícil tarefa, devem-se empregar os conceitos de medicina de rebanho, cujo princípio e metodologia foram estabelecidos por vários pesquisadores e que têm sido utilizados para nortear a abordagem de rebanhos-problema e planejamento de saúde animal (RADOSTITS, 2001). O técnico deverá identificar os fatores de risco, realizar o diagnóstico e implantar boas práticas de manejo para melhorar a saúde e produção do rebanho, aumentar a competitividade e retorno financeiro da propriedade. Cada criatório, região ou país pode apresentar uma diferente situação epidemiológica, com a presença de um ou mais fatores de risco associados. A identificação deste é uma tarefa minuciosa e necessita ser realizada passo a passo, por meio de questionário com criteriosa observação e sistemática anamnese do rebanho, registro das informações e análise dos dados. O modelo do questionário a ser seguido deverá contemplar 1) identificação do proprietário e da propriedade; 2) informações específicas do rebanho: número de animais por sexo, idade, categoria zootécnica, raça ou aptidão; 3) histórico de vacinação; 4) tuberculinização e sorodiagnóstico para brucelose e outros exames sanitários; 5) informações epidemiológicas: início dos sintomas, número de animais acometidos por idade, sexo e categoria zootécnica, mortalidade, trânsito de animais na propriedade, quarentena, presença de vetores (insetos, ácaros) e animais vertebrados que podem ser reservatórios (outras espécies de animais de produção, animais silvestres, ratos, pombos, morcegos, cães e gatos); 6) informações clínicas: sinais clínicos, exames realizados (ginecológico, andrológico, sorodiagnóstico, microbiológico, parasitológico, outros); 7) manejo nutricional: formulação da ração e sal mineral, quantidade oferecida, tipo de forragem; 8) manejo zootécnico: extensivo, semi-intensivo, intensivo; 9) manejo reprodutivo: monta natural, inseminação artificial, transferência de embriões, data da cobertura ou período da estação de monta, utilização de rufião, diagnóstico de gestação, exame andrológico antes da estação de monta; 10) informações produtivas: produção de leite, pesagem e escore corporal, índices de prenhez, parição, taxa de desfrute; destino dos dejetos, produtos químicos, lixo e cadáveres; quantidade e qualidade da água. Perguntas adicionais podem e devem ser realizadas, considerando as características de cada propriedade. Após cuidadosa análise dos dados e exames clínicos, é fundamental o apoio laboratorial, pois é a única maneira de se confirmar o diagnóstico das enfermidades reprodutivas. Deve-se associar exames diretos - pesquisa de antígeno ou de agente e exames indiretos – pesquisa de anticorpos. Isto implica, em uma primeira fase, na escolha correta da amostra clínica, forma de acondicionamento e conservação para envio ao laboratório, que geralmente disponibiliza essas orientações nos manuais de procedimentos. A amostragem de animais que serão submetidos ao diagnóstico laboratorial varia de acordo com o tamanho do rebanho e prevalência da doença suspeita, baseado em estimativas prévias ou inquéritos epidemiológicos anteriores realizados no rebanho ou região. A estratificação por categorias zootécnicas é uma estratégia importante para o reconhecimento de pontos críticos. A pesquisa de anticorpos pode ser realizada no soro sanguíneo, plasma, fluido tóraco-abdominal, leite e sêmen. A pesquisa da presença do agente infeccioso ou de seu antígeno pode ser realizada no sangue com anticoagulante, plasma, soro, liquor, secreção cervico-vaginal e prepucial, sêmen, placenta, Biológico, São Paulo, v.69, n.2, p.73-79, jul./dez., 2007 73 74 20 a RAIB líquido amniótico, conteúdo de vesículas ou epitélio e mucosa, órgãos e SNC, placenta, conteúdo abomasal, fezes, mecônio e urina. Destaca-se a necessidade de conhecimento prévio do órgão de eleição do agente suspeito, que irá determinar o tipo de material clínico a ser coletado. A análise conjunta dos dados zootécnicos, epidemiológicos, clínicos e técnicas laboratoriais sensíveis e específicas favorece o diagnóstico da situação. Na seqüência estão apresentados trabalhos desenvolvidos pelo Instituto Biológico, relacionados às doenças da reprodução. DEL F AVA et al. (2006) investigaram a influência da soropositividade para o vírus da IBR (Herpesvírus Bovino tipo 1 - BoHV-1) nos índices reprodutivos e características de desempenho em fêmeas rebanho bovino de corte (Tabela 1). O trabalho foi realizado em uma fazenda localizada no Estado de São Paulo, Brasil. Animais das raças Gir, Guzerá, Nelore e Caracu foram monitorados no início da estação de monta e a ocorrência de fêmeas reagentes ao BoHV1 pelo teste ELISA foi 54,2% (386/712). O BoHV-1 não interferiu no índice de prenhez de matrizes reagentes - 80,3% (310/386) e não reagentes - 74,5% (243/326) e nem reduziu a taxa de parição de matrizes reagentes - 97,7% (300/307) e não reagentes 93,8% (225/240). O coeficiente de natimortalidade de matrizes reagentes ao BoHV-1 - 1,3% (4/300) não diferiu da encontrada para as não reagentes - 2,2% (5/225). O índice de prenhez foi menor nas matrizes com escore corporal abaixo de 5 na entrada da estação de monta - 65,1% (28/310). O BoHV-1 não afetou a média de algumas características de desempenho de fêmeas reagentes e não reagentes, respectivamente, como ganho de peso médio diário durante a estação de monta (459,90 ± 2,82 g e 466,63 ± 2,87 g), condição corporal na entrada da estação de monta (6,89 ± 0,08 e 6,99 ± 0,08), condição corporal na saída da estação de monta (7,73 ± 0,06 e 7,71 ± 0,06) e peso à parição (419,17 ± 3,34 kg e 425,97 ± 3,22 kg). Concluiu-se que matrizes de corte infectadas pelo BoHV-1 e não vacinadas, criadas sob condições adequadas de manejo zootécnico extensivo e nutricional, como escore corporal acima de cinco e ganho de peso durante a estação de monta, apresentaram bons índices de prenhez, parição e natalidade, independente da raça, faixa etária e soroconversão. Ressalta-se que o escore corporal abaixo de cinco foi o único fator que interferiu negativamente nos índices reprodutivos, independente das matrizes estarem infectadas ou não pelo BoHV-1, ressaltando-se que a nutrição inadequada de rebanhos extensivamente manejados é um dos fatores que mais interferem negativamente no desempenho reprodutivo dos animais. DEL FA V A et al. (2007) avaliaram os índices reprodutivos e características de desempenho de vacas bovinas de corte, soro-reatoras para Neospora caninum, criadas em manejo extensivo, com monta natural, em fazenda da região norte do Estado de São Paulo, Brasil. Os animais das raças Guzerá e Nelore tiveram um ciclo reprodutivo completo avaliado desde a cobertura até a parição. Somente foram utilizados touros aprovados em exame andrológico. A estação de monta foi realizada no verão e teve três meses de duração. O diagnóstico de gestação foi realizado por palpação retal, 60 dias após o término da estação de monta. O sorodiagnóstico do N. caninum (teste ELISA) foi executado no final da estação de monta e após a estação de nascimentos. A condição corporal e peso das vacas foram avaliados no final da estação de monta. A sororeatividade para N. caninum não apresentou associação com os índices de prenhez de reagentes (83,3%) e não reagentes (73,9%) (p > 0,05) e tampouco nas taxas de parição de reagentes (85,0%) e não reagentes (83,3%) (p > 0,05). A condição corporal e o peso de vacas prenhas ou vazias e paridas ou não paridas (p>0,05) não sofreram interferência do N. caninum. Concluiu-se que no rebanho estudado, nas condições climáticas e de manejo adotadas, que os índices de prenhez e parição, bem como as características de desempenho não apresentaram associação com a sororeatividade para N. caninum. Tabela 1 - Características de desempenho reprodutivo e peso à parição de matrizes bovinas de corte durante a estação de monta, segundo a soropositividade para IBR pelo teste ELISA (DEL FAVA et al., 2006). Variável Índice prenhez Índice parição Coeficiente de natimortalidade Ganho de peso médio diário (g) Condição corporal entrada estação de monta Condição corporal saída estação de monta Peso da matriz à parição (kg) Reagente Não reagente 80,3% a 97,7% a 1,3% a 469,90 ± 2,82 a 6,89 ± 0,08 a 7,73 ± 0,06 a 419,17 ± 3,34 a 74,5% a 93,8% b 2,2% a 466,63 ± 2,87 a 6,95 ± 0,08 a 7,71 ± 0,06 a 425,97 ± 3,22 a *qui-quadrado e análise de variância, onde letras diferentes significam significância estatística entre colunas. P > 0,05. Biológico, São Paulo, v.69, n.2, p.73-79, jul./dez., 2007 75 20 a RAIB Outro exemplo demonstra a avaliação da soropositividade para Leptospira spp. sorovar dominante Hardjo (Tabela 2) sobre índices produtivos e reprodutivos de matrizes de corte extensivamente manejadas em uma propriedade no Noroeste do Estado de São Paulo (DEL FAVA et al., 2004). Animais das raças Gir, Guzerá, Nelore e Caracu foram monitorados no início da estação de monta e a ocorrência de fêmeas reagentes, com título maior ou igual a 100 pelo teste de soroaglutinação foi 48,3% (344/712), com sorovar dominante mais provável hardjo (49,7%). A soropositividade para Leptospira spp. não interferiu no índice de prenhez de matrizes reagentes - 77,0% (265/344) e não reagentes - 78,3% (288/368) e nem na taxa de parição de matrizes reagentes - 95,8% (251/ 262) e não reagentes - 96,1% (274/285). O coeficiente de natimortalidade de matrizes reagentes - 1,6% (4/ 251) não diferiu da encontrada para as não reagentes - 1,8% (5/274). O índice de prenhez foi menor nas matrizes com escore corporal abaixo de cinco na entrada da estação de monta – 56,3% (18/32). A soropositividade para Leptospira spp. não afetou a média de algumas características de desempenho de fêmeas reagentes e não reagentes, respectivamente, como ganho de peso médio diário durante a estação de monta (464,32 ± 2,66 g e 461,38 ± 2,84 g), condição corporal na entrada da estação de monta (6,95 ± 0,07 e 6,92 ± 0,08), condição corporal na saída da estação de monta (7,74 ± 0,05 e 7,68 ± 0,06) e peso do bezerro ao nascer (29,19 ± 0,32 kg e 29,25 ± 0,33 kg). Concluiuse que matrizes de corte sororeagentes paraLeptospira spp. e não vacinadas contra Leptospirose, criadas sob condições adequadas de manejo zootécnico extensivo e nutricional, como escore corporal acima de cinco e ganho de peso durante a estação de monta, apresentaram bons índices de prenhez, parição e natalidade, independente da raça, grupo genético e faixa etária. Alguns estudos realizados demonstraram que, mesmo diante de soroconversão, ou seja, animal sorologicamente negativo que se torna reagente nem sempre apresenta sintomatologia clínica. GENOVEZ et al. (2006a) avaliaram o efeito da infecção pela Leptospira spp. sorovar Hardjo sobre as taxas de prenhez e parição de dois rebanhos de corte de base Nelore (A e B) que apresentavam abortos esporádicos, usualmente entre 5-6 meses de gestação, com alguns natimortos. Ambos os rebanhos eram livres de brucelose e mostravam diferentes condições sorológicas para leptospirose no momento do estudo: A) fase de introdução do agente e disseminação da infecção e B) com leptospirose endêmica, elevada soroprevalência. Os rebanhos foram monitorados sorologicamente pela reação de soroaglutinação microscópica durante três anos, e avaliadas as taxas reprodutivas referentes ao segundo ano experimental, empregando-se palpação retal e ultrasonografia, encontrando-se a seguinte soroprevalência nos três anos: A)15/160 (9,4%), 101/160 (63,1%), 127/160 (79%) e B) 120/192 (62,5%), 106/137 (77,4%), 91/123 (74%); taxas de prenhez e parição para animais que soroconverteram: A) 73/83 (88%) e 70/73 (95,9%) e para os animais que se mantiveram não reagentes 26/31 (83,9%) e 26/26(100%); o mesmo respectivamente para o rebanho B: 28/33 (84,8%) e 22/28 (78,6%); 16/21 (76,2%) e 13/16 (81,3%). No rebanho A, não houve diferença entre as taxas reprodutivas dos recém infectados e não infectados (p = 0,547 e p = 0,564), como também no rebanho B (p = 0,485 e p = 1,00). Porém, quando as taxas de prenhez e de parição foram comparadas entre rebanhos, observou-se diferença significante entre reagentes (p = 0,012) e entre não reagentes p = 0,048. Concluíram que o efeito observado seria devido a outras causas diferentes da leptospirose. PITUCO et al. (2002) observaram em um rebanho Nelore extensivamente manejado elevados índices de soroconversão para IBR, sem que os índices de prenhez, parição e intervalo entre partos fossem afetados. Comparando os índices de prenhez em matrizes que soroconverteram para o BoHV-1 durante o surto - 89,9% (80/89), com aquelas que Tabela 2 - Características de desempenho reprodutivo e peso à parição de matrizes bovinas de corte durante a estação de monta, segundo a soropositividade para Leptospira spp. serovar Hardjo pela soroaglutinação microscópica. Variável Reagente Não reagente Índice prenhez Índice parição Coeficiente de natimortalidade Ganho de peso médio diário (g) Condição corporal entrada estação de monta Condição corporal saída estação de monta Peso bezerro ao nascer (kg) 77,0% a 95,8% a 1,6% a 464,32 ± 2,66 a 6,95 ± 0,07 a 7,74 ± 0,05 a 29,19 ± 0,32 a 78,3% a 96,1% a 1,8% a 461,38 ± 2,84 a 6,92 ± 0,08 a 7,68 ± 0,06 a 29,25 ± 0,33 a *qui-quadrado e análise de variância, onde letras diferentes significam significância estatística entre colunas. P > 0,05 Biológico, São Paulo, v.69, n.2, p.73-79, jul./dez., 2007 76 20 a RAIB continuaram negativas durante todo o período de estação de monta - 86,2% (94/109), não foi observada diferença estatisticamente significativa (p > 0,05). Quando a variável intervalo entre partos foi analisada (ponto de corte < 85 dias), também não houve diferença entre as matrizes que soroconverteram durante o surto - 21,6% (14/65), com aquelas que continuaram negativas durante todo o período 25,6% (23/90); o mesmo ocorreu entre os índices de prenhez das matrizes reagentes - 64,4% (29/45) com as não-reagentes durante todo o período da estação de monta - 57,9% (22/38). Concluiu-se que a soroconversão para o BoHV-1 não afetou os índices reprodutivos neste rebanho. Em outra situação epidemiológica, o agente infeccioso demonstra sua patogenicidade, afetando de forma significativa a reprodução dos animais. GENOVEZ et al. (2006b) diagnosticaram um surto de abortamento em rebanho bovino leiteiro causado pela infecção por Leptospira interrogans sorovar Canicola. A partir dos órgãos e conteúdo abomasal dos fetos abortados que foram submetidos ao diagnóstico diferencial entre agentes causadores de abortamento diagnosticou-se leptospirose. Para o diagnóstico da Leptospira foram empregados cultivo bacteriológico, pesquisa de DNA (PCR) e pesquisa de anticorpos por meio da reação de soroaglutinação microscópica que atingiu o título 51.200. Os autores estabeleceram tratamento com dihidro-estreptomicina e vacinação imediata cessando os abortamentos, porém, os efeito sobre os índices reprodutivos se estenderam por período de aproximadamente um ano. Muitos animais mostraram-se reagentes por até 200 dias do início dos sintomas, mesmo após tratamento, o que enfatiza a necessidade de amostras sorológicas pareadas para o estabelecimento do diagnóstico, pois a presença de reação sorológica pode representar infecção pregressa (Fig. 1). Fig. 1 – media geométrica dos títulos de soroaglutinação microscópica para Leptospira spp. sorovar Canicola. (GENOVEZ et al., 2006b). O grande desafio da equipe do Instituto Biológico tem sido demonstrar os efeitos das infecções sobre os índices reprodutivos em rebanhos endemicamente infectados. Um estado de equilíbrio aparente pode ser rompido em condições adversas como seca, escassez de alimento, doenças intercorrentes, doenças carenciais e metabólicas, entre outras. Por este motivo deve-se identificar e corrigir os fatores que rompem o equilíbrio entre hospedeiro, agente e ambiente. Necropsia fetal O feto abortado consiste no principal material clínico para o diagnóstico de enfermidades infecciosas e parasitárias da reprodução. A infecção fetal pode ser constatada pela presença de anticorpos ou de antígeno no feto. Para pesquisa de anticorpos, o material indicado é soro ou fluido tóraco-abdominal, principalmente em idade superior a quatro meses, incluindo-se natimortos. Procede-se a necropsia e colheita dos órgãos, sistema nervoso central, anexos e fluídos fetais (soro, conteúdo abomasal e mecônio) o mais rápido possível, pois geralmente o abortamento ocorre vários dias após a morte e o feto pode encontrarse em autólise. Parte do material deve ser remetido para isolamento e identificação de agentes infecciosos e para detecção de DNA (PCR) ou RNA (RT-PCR) e outra parte conservada em formol 10% para exame histopatológico ou realização de provas imunoistoquímicas. Fluídos e órgãos fetais podem ser mantidos e enviados refrigerados ou congelados para isolamento bacteriano e viral, preferencialmente refrigerados (gelo reciclável), embalados em sacos plásticos e colocados em caixas isotérmicas. Na suspeita de abortamento por N. caninum, o material deve ser refrigerado, porque o congelamento destrói o parasita e inviabiliza o isolamento. Na impossibilidade de realização de necropsia a campo, o feto inteiro ou parcialmente esquartejado (retirados os membros anteriores e posteriores) pode ser enviado para o laboratório. PITUCO et al. (2006) publicaram recentemente a casuística dos fetos bovinos abortados no Brasil no período de 1999 a 2005 devido a infecção pelo Herpesvírus Bovino tipo 1 (BoHV-1) e vírus da Diarréia Viral Bovina (BVDV). Quatro tipos de macerados foram utilizados no diagnóstico diferencial: a) cérebro; b) pool de vísceras (pulmão, baço, fígado e rim); c) linfonodos; d) placenta. As amostras foram submetidas a isolamento viral em monocamada de células MDBK. Nested PCR foi utilizada para diferenciação dos genótipos de BoHV-1 e 5 e também para BVDV-1 e 2. No período de estudo, 833 fetos foram analisados para BoHV-1 e 804 para BVDV. O BoHV-1 foi detectado em 2,04% (17/833) e BVDV-1 em 2,98% (24/804) rebanhos e os resultados obtidos foram semelhantes aos descritos por outros autores. Biológico, São Paulo, v.69, n.2, p.73-79, jul./dez., 2007 77 20 a RAIB CAMARGO (2006) avaliou a freqüência de transmissão transplacentária do BVDV em novilhas zebuínas, abatidas no período de maio a dezembro de 2003 em frigorífico da região Oeste do Estado de São Paulo. Foram analisados 518 fetos em diferentes fases da gestação, placentas e soro fetal, bem como o soro materno. Nos tecidos e soros fetais foi pesquisado o antígeno por meio da RT-PCR e ELISA. Nos soros maternos e fetais foram quantificados anticorpos antiBVDV por meio de ELISA e vírus-neutralização. Para caracterização molecular dos vírus foram utilizados primers específicos para BVDV 1a e 1b e 2. O resultado obtido na análise dos tecidos por RT-PCR foi 2,9% (15/518) amostras positivas para BVDV, sendo 16,7% (3/18) do genótipo 1a, 22,2% (4/18) do genótipo 1b e 16,7% (3/15) do genótipo 2. Na pesquisa de antígeno no soro fetal por ELISA obteve-se 2,5% (13/518). A porcentagem de fetos portadores de anticorpos pelo ELISA foi 1,35% (7/518). A presença de anticorpo no soro materno detectada por vírus-neutralização foi 61,5% (319/518). MONTANARI et al. (2006) realizaram a pesquisa de Neospora caninum pela técnica da hemi-nested PCR em fetos bovinos abortados, recebidos para diagnóstico diferencial de causas infecciosas de abortamento, no período de janeiro de 2005 a julho de 2006. Foram analisados 124 fetos bovinos acompanhados ou não de placenta, procedentes de diversos Estados brasileiros (São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Pernambuco), sendo que 50% das amostras eram de São Paulo. As amostras fetais de cérebro, coração e fígado foram submetidas à técnica hemi-nested PCR para detecção do DNA de N. caninum. A freqüência de infecção transplacentária diagnosticada pela heminested PCR foi de 2,5% (3/124), 2 fetos positivos com idade entre 4 a 6 meses, de rebanhos leiteiros e uma placenta de vaca de corte, com 4 meses de gestação. Com relação à distribuição da positividade por Estado, todas as amostras - 4,48% (3/62) eram provenientes de São Paulo. A idade fetal variou entre 4 a 6 meses, semelhante aos achados da literatura. No entanto a freqüência de fetos infectados observada foi inferior à verificada por outros autores. Os índices de infecção fetal por N. caninum no Brasil são muito variáveis em função do tipo de exploração zootécnica, método diagnóstico empregado, higiene ambiental. Constatou-se baixa freqüência de N. caninum pela técnica de hemi-nested PCR em fetos abortados na população estudada. Durante o período de 1985-2005 foram submetidas a exames bacteriológicos amostras de conteúdo abomasal, órgãos e/ou anexos fetais de 1.259 fetos bovinos abortados provenientes de rebanhos bovinos leiteiros e de corte de diversos Estados brasileiros: São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Goiânia e Pernambuco (GENOVEZ et al., 2006c). Foram pesquisadas bactérias aeróbias e microaerófilas causadoras de abortamento (Leptospira spp., Arcobacter cryaerophilus, enterobactérias e cocos gram-positivos) e microaerófilas (Campylobacter spp., Brucella spp, Mycoplasma spp., Ureaplasma diversum, Histophilus somni (ex-Haemophilus somnus), Listeria monocytogenes, Mycoplasma spp. e Ureaplasma diversum) segundo a metodologia descrita por GENOVEZ et al. (1993), CARDOSO & G RASSO (1998) e SCARCELLI et al. (2004) considerando-se como possíveis causas de abortamento os microrganismos isolados em cultura pura ou preponderante. Pelo menos uma causa bacteriana relacionada com distúrbio reprodutivo pôde ser identificada em 413/1.259 (32,8%) fetos abortados, sendo 175 (13,9%) devido a bactérias abortivas específicas (Tabela 3) e 238 (18,9%) referentes a agentes potencialmente abortivas ou oportunistas (Tabela 4). A Brucella abortus continua sendo o agente predominante nas causas específicas e, entre as bactérias oportunistas, a associação Streptococcus spp. e/ou E. coli foi a mais freqüente. De 846/1.259 (67,2%) fetos, outros agentes não bacterianos poderiam ser a causa, entre estes vírus, fungos, parasitas e ainda causas não infecciosas. Uma vez que foram processados de forma pareada líquido abomasal e órgãos, eventualmente placenta, de cada feto, 90% dos casos onde o diagnóstico bacteriológico pode ser concluído, este adveio do conteúdo abomasal, se constituindo, portanto no material de escolha para o isolamento de bactérias, contra apenas 10% dos órgãos analisados. Tabela 3 - Freqüência e porcentagem de bactérias abortivas detectadas pelo isolamento e identificação em fetos bovinos. GENOVEZ et al. (2006c). Bactérias abortivas Brucella abortus Staphylococcus aureus Campylobacter fetus subsp venerealis /fetus Leptospira spp. Arcanobacterium pyogenes Salmonella spp. Listeria monocytogenes Histophilus somni Ureaplasma diversum Mycoplasma spp. Campylobacter jejuni Rhodococcus equi Total *17 por IFI e um isolamento Biológico, São Paulo, v.69, n.2, p.73-79, jul./dez., 2007 Freqüência % 70 36 23 40 20,6 13,1 18* 10 9 2 2 2 1 1 1 10,3 5,7 5,1 1,1 1,1 1,1 0,6 0,6 0,6 175 13,9 78 20 a RAIB Tabela 4 - Freqüência e porcentagem de bactérias potencialmente causadoras de abortamento ou oportunistas detectadas pelo isolamento e identificação em fetos bovinos. GENOVEZ et al. (2006c). Bactérias oportunistas Freqüência % Streptococcus spp. Escherichia coli Streptococcus spp. + E. coli Bacillus spp. + E. coli E. coli + Staphylococcus spp. Staphylococcus spp. Pseudomonas aeruginosa Enterobacter aerogenes Acinetobacter spp. Alcaligenes faecalis Arcobacter cryaerophilus Bacillus spp. Citrobacter diversus Proteus spp. Corynebacterium spp. Aeromonas spp. Clostridium spp. Serratia marcescens Leveduras 069 64 19 13 12 11 10 7 7 6 3 3 3 2 2 2 2 2 1 29 26,9 8 5,5 5,0 4,6 4,2 2,9 2,9 2,5 1,3 1,3 1,3 0,8 0,8 0,8 0,8 0,8 0,3 Total 238 18,9 Total Bacteriano 413 32,8 Outras causas 846 67,2 Uma vez identificado o agente causal do abortamento, medidas deverão ser adotadas para minimizar o impacto negativo dessas doenças: isolamento, sacrifício, vacinação, aplicação de medicamentos, interdição da propriedade, quarentena entre outras. Boas práticas de produção devem ser implantadas simultaneamente. O insucesso na resolução dos problemas sanitários geralmente ocorre devido à adoção de medidas isoladas frente a problemas multifatoriais, havendo necessidade de intervenção sistêmica. Com relação às estratégias de combate de enfermidades que são endêmicas nos rebanhos bovinos de cria e recria brasileiros e que não existem normas ou programas de combate como a IBR, BVD, Língua Azul, Leucose Enzoótica Bovina, Leptospirose, Campilobacteriose e Micoplasmose deve-se levar em consideração a interferência dos agentes na produção e segurança alimentar. No caso da leptospirose, há de se lembrar do risco de transmissão animal - homem e da contaminação ambiental com disseminação entre diversas espécies animais. REFERÊNCIAS C AMARGO, C.N. Infecção transplacentária com vírus da diarréia viral bovina (BVDV) em fetos bovinos oriundos de abatedouro da região de Presidente Prudente-SP. 2007, 66f. 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