ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
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A CULPA É DO
TEMPO?
Porque o clima já não é o que era e os desastres naturais se sucedem com maior
frequência e severidade, muitos deles
agravados pela mão humana, a
indústria de seguros e resseguros
debate-se com a necessidade de
introduzir alterações profundas ao seu
modelo de negócio para riscos
catastróficos. Mudanças que também
se exigem nas empresas, nos governos
e em toda a sociedade
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84.000.000.000,00€
O
itenta e quatro mil milhões de euros.
Foi este o valor desembolsado em 2011 pela indústria seguradora para suportar
indemnizações relacionadas com catástrofes naturais, de acordo com o mais recente
relatório da resseguradora Swiss Re. O
número é avassalador e, quando somado
aos 4,6 mil milhões de euros de
prejuízos decorrentes de catástrofes
provocadas pelo Homem, faz de 2011 o
segundo ano mais caro de sempre na
história da indústra seguradora. Os
terramotos na Turquia, Nova Zelânida e
Japão juntam-se às inundações na
Austrália para justificar um negro quadro de prejuízos materiais e perdas de vidas humanas.
No total, os prejuízos totais provocados por todas as catástrofes de 2011 somam 283 mil
milhões de euros (370 mil milhões de dólares), onde 57% deste valor diz respeito ao
terramoto do Japão e todas as suas devastadoras consequências.
Ainda assim, nota a Swiss Re, as coberturas de seguros contra terramotos no Japão tinham
ainda uma baixa penetração antes de 2011, o que levou a indústria seguradora a ser
chamada para indemnizar apenas 17% dos prejuízos contabilizados. Se o nível de proteção
contra sismos através de apólices de seguro fosse mais elevado no Japão aquando da
ocorrência do abalo de 8,9 graus na escla de Richter, 2011 teria obviamente ficado na
história da indústria seguradora como o ano mais caro de sempre.
Já na Nova Zelândia, onde a proteção contra sismos por via do seguro é mais elevada,
sobretudo nas propriedades residenciais, os prejuízos suportados pelas (res)seguradoras na
sequência do terramoto ocorrido em fevereiro do ano passado corresponderam a 80% dos 9
mil milhões de euros de perdas totais sofridas.
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As inundações na Austrália conquistaram rapidamente o epíteto de pior desastre natural de
sempre daquele país em matéria de prejuízos. Mas, bem vistas as contas, as inundações da
Austrália registaram pedidos de indemnizações à indústra seguradora no valor de 1,5 mil
milhões de euros, quando as cheias na Tailândia ultrapassaram os 9 mil milhões de euros
em indemnizações pagas pelos seguros. E aos terramotos e cheias juntam-se ainda os
tornados que devastaram vários estados norte-americanos, gerando pedidos de
indemnização à indústria seguradora na ordem dos 20 mil milhões de euros que, ainda
assim, estão longe das perdas geradas em 2005 pelos furacões Katrina, Wilma e Rita (94
mil milhões de euros).
REFLEXÃO URGENTE
Podendo ser cientificamente discutível se o número de catástrofes naturais está a aumentar,
se a sua frequência se está a intensificar, se os
prejuízos gerados são cada vez mais avultados ou
se a divulgação mediática de cada caso é que
amplifica a sua dimensão, o certo é que a
indústria seguradora tem registado um volume
crescente de indemnizações pagas na sequência
de desastres naturais em todo o mundo.
“Infelizmente, todos os indicadores demonstram
que tal realidade ‘veio para ficar’ e manifestará sempre um forte potencial de agravamento,
em função do constante acelerar das alterações climáticas em curso no nosso planeta, pelo
que existe atualmente uma preocupação e focalização generalizada dos principais
operadores do setor a nível internacional com este tipo de risco”, constata Nuno Rodrigues,
diretor técnico dos Ramos Patrimoniais da Generali.
Aliás, este especialista da multinacional italiana explica inclusive que algumas linhas de
negócio, como as patrimoniais, “que eram tecnicamente e estatisticamente vistas como
riscos independentes, começam finalmente e
corretamente a ser analisadas como riscos
dependentes, dada a expressiva dispersão
geográfica e efeito de cúmulo que um evento do
presente tipo tendencialmente apresenta, sob
pena de existirem erros ou estimativas
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desadequadas no cálculo das reais exposições a eventos naturais e consequente
insuficiência de reservas de capitais intrínsecos, o que poderá contribuir, em última
instância, para a falência técnica de parte do setor perante a ocorrência de novos e mais
violentos eventos naturais”.
Por estas razões, a indústria seguradora e resseguradora deverá estar atenta e objetivar cada
vez mais o custo da proteção destes riscos, alega Lurdes Póvoas, directora do Serviço de
Estudos Técnicos, Resseguro e Desenvolvimento de Produtos da MAPFRE. “Quanto mais
desenvolvidos estiverem os países atingidos por um fenómeno da natureza de grande
magnitude maior será o prejuízo económico e menores serão as perdas humanas. O mesmo
é dizer que eventos catastróficos que atinjam países como EUA, Japão, países nórdicos ou
Alemanha têm a probabilidade de ter um custo muitíssimo superior a catástrofes
semelhantes que ocorram em África ou em países como o Brasil e a Tailândia”, refere a
responsável da MAPFRE.
E além das mudanças culturais aqui implicitamente e equacionadas, nomeadamente no que
diz respeito ao incremento do grau de proteção dos bens e serviços através de seguros, há
que rever necessariamente todo o contexto tarifários destes riscos. “De facto, quer os
seguradores, quer os resseguradores têm vindo a debruçar-se, há já algum tempo, sobre os
riscos climáticos, desde a ameaça crescente de aumento de danos em propriedade, que se
têm agravado muitíssimo nos últimos anos, até a potenciais reclamações por
responsabilidade civil decorrente dessas alterações (por exemplo, emissões de gases de
estufa, com graves danos para o ambiente e para a saúde humana). Sendo, tradicionalmente
estes riscos considerados de severidade, esta crescente frequência faz com que tenham de
ser encarados também nesta perspetiva, o que certamente levará a mudanças, quer em
termos de condições quer de pricing do risco”, antevê.
A LIÇÃO DA MADEIRA
Foi com a tempestada ocorrida na Madeira, a 20 de fevereiro de 2010, que Portugal se viu,
mais recentemente, confrontado com os efeitos devastadores de um desastre natural. E as
lições começaram a surgir. Pelo menos o mercado
segurador nacional tomou consciência da
necessidade de elaboração de mapas de risco, que
estudem as zonas geográficas do território
nacional com uma maior propensão/exposição a
eventos naturais consequentes de alterações
climáticas.
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“Tais mapas de risco permitirão às seguradoras conhecer melhor as suas atuais e futuras
exposições desta índole, calculando o que poderão ser as suas responsabilidades máximas
em caso de futuros eventos”, explica Nuno Rodrigues, da Generali, para quem “tal passo,
atualmente em curso, é vital para que o mercado nacional possa recorrer aos convencionais
métodos de transferência de responsabilidade (resseguro) de um modo mais eficiente,
zelando e acautelando assertivamente pelos seus interesses e, consequentemente, os dos
seus clientes”, argumenta o responsável da Generali.
Lurdes Póvoas, na MAPFRE, admite desconfiar muito do grau de preparação das empresas
portuguesas para enfrentar riscos catastróficos. Ainda mais quando os portugueses tendem a
associar o conceito de catástrofes somente a terramotos, ainda querem para esses
evidenciem grande sensibilidade para a sua proteção. Lurdes Póvoas critica esta posição tão
comum ao povo luso. “Comentamos fervorosamente o terramoto de 1755 sem nos
lembrarmos, ou desconhecendo, a importância, pela sua magnitude, do sismo de Lisboa de
1531, e esquecendo, pois raramente mencionamos, o sismo de 1969, quando a terra voltou a
tremer”, recorda.
Mas os críticas dos operadores vão muito além do tecido empresarial. “Também o Estado
português, ao longo destes anos, não apresentou, e muito menos conseguiu, implementar
um plano nacional que, de forma organizada e com afetação de recursos próprios, tivesse
como objetivo fazer frente aos prejuízos em consequência de uma catástrofe”, acusa Lurdes
Póvoas.
“Nem conseguimos seguir o exemplo do nosso país vizinho, que há mais de 40 anos tem
institucionalizado um consórcio para fazer frente aos referidos prejuízos, sejam eles de que
espécie forem”, compara a responsável da multinacional espanhola.
Na Generali, Nuno Rodrigues centra a sua reflexão no custo do resseguro associado a este
tipo de eventos e conclui ser expectável um aumento desse mesmo custo em Portugal nos
próximos anos, não só pela dimensão das perdas registadas pelos principais operadores
mundiais de resseguro, mas também pela consequente necessidade de reequilíbrio dos seus
resultados técnicos. “Tal aumento de custos de resseguro dificilmente poderá ser transposto
aos clientes em si, dado o difícil ambiente económico que caracteriza actualmente a
economia nacional e europeia, e ainda a acérrima competitividade do mercado nacional em
termos de preços de apólices de seguro, o que irá pressionar ainda mais os resultados
técnicos em múltiplas linhas de negócio e rentabilidade das companhias”, prevê Nuno
Rodrigues.
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De uma forma geral, conclui ainda Lurdes Póvoas, a
possível ocorrência de uma catástrofe é tratada por
todos
– Estado, sociedade civil e companhias (res)seguradoras
– com “extrema benevolência e pouca objectividade e
seriedade”.
Lamentando a falta de rigor na avaliação dos bens
seguros, que considera ser prática generalizada, Lurdes
Póvoas diz mesmo que, “pior que a falta de rigor, talvez
seja a falta de consciência da necessidade de segurar,
sendo o próprio Estado um mau exemplo dessa prática,
pois assume, em muitos momentos, a prática do auto-seguro e estamos em crer que, na
ocorrência de uma catástrofe, se verá a braços com prejuízos que nunca serão minimamente
recuperados”.
Fonte: Revista OJE
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