E A VERGONHA QUE ERA POUCA SE ACABOU!
Gilberto Barbosa de Figueiredo
Em 16 de maio de 2011
Poucas vezes na história da república brasileira houve um desapontamento tão grave como o acontecido em relação ao PT, pouco tempo
após ter assumido o poder, em 2003. Nos anos anteriores, praticando uma
oposição vigorosa, não poupou os adversários então no governo e se apresentava como o partido da ética e da moralidade na política. Tal discurso
provocou uma onda de esperança, até mesmo em quem desconfiava da
capacidade do PT, em face da pobreza técnica de seus quadros, em sair-se
bem no governo da república. Chegou-se a pensar que pelo menos iríamos
melhorar as práticas políticas. Triste ilusão! Não foram necessários mais
do que alguns meses para se apresentar outra realidade.
O primeiro impacto foi, em 2005, o do mensalão, maneira como
ficou conhecido um dos maiores esquemas de corrupção que o Brasil
conheceu. Um sistema de transferência de propinas para parlamentares da
base aliada em troca de garantia de apoio nas votações em plenário. O expresidente Lula inicialmente alegou ter sido traído e afirmou que desconhecia o esquema, mesmo tendo sua urdidura acontecido na antessala de
seu gabinete. Hoje, tenta minimizar o escândalo, alegando que tudo não
passou de caixa 2 de campanha política, o que já é uma confissão de crime.
A verdade, no entanto, é que a denúncia abalou o governo e fez
com que José Dirceu, então ministro da Casa Civil, fosse exonerado do
cargo. O petista, àquela época, homem forte de Lula, foi apontado como o
chefe do esquema da mesada. Em 2006, a Procuradoria Geral da República
apresentou ao STF (Supremo Tribunal Federal) denúncia contra quarenta
pessoas, entre deputados, ex-ministros, executivos e empresários. No ano
seguinte, o STF aceitou a denúncia e converteu o processo em ação penal.
Dos quarenta denunciados, o STF deve julgar trinta e oito, pois o deputado
José Jannene (PR-PR) faleceu e o ex-secretário-geral do PT, Silvio Pereira,
fez acordo e foi excluído da ação em troca de pena alternativa.
A partir do mensalão, foi uma sucessão interminável de escândalos e, fato curioso, parecia que a vergonha pelos mal feitos diminuía passo
a passo até desaparecer completamente nos dias de hoje. Sem querer citar a
todos – que seria cansativo – e sem preocupação com a ordem cronológica,
vale relembrar alguns dos escândalos da era Lula: o caso de Furnas; os
dólares na cueca; o negócio da Gamecorp-Telemar; a quebra do sigilo bancário do caseiro de Antônio Palocci; os aloprados, compradores de dossiês;
as alianças com políticos de passado duvidoso – Renan Calheiros, Collor,
etc; o dossiê da Casa Civil; os superfaturamentos em obras do PAC, denunciados pelo TCU; a expropriação de ativos da Petrobras na Bolívia; os gastos fora de controle com cartões corporativos.
Este último aconteceu no ano de 2008 e foi competentemente abafado por elementos da equipe de governo. Mas serviu para mostrar a maneira
tortuosa de raciocinar e de agir do antigo presidente, além de sua extrema
dificuldade em separar o público do privado. Os cartões corporativos foram
criados com o objetivo de dar transparência aos gastos públicos e evitar
abusos. Em tese, deveriam ser usados apenas para pagar gastos decorrentes
do exercício funcional. Lamentavelmente, não foi o que ocorreu. Ministros
gastaram, sem nenhum controle, com aluguéis de carros, resorts, bares, até
em free shops. Isso sem falar nos gastos, também abafados, do próprio
palácio presidencial, sob a alegação de tratar-se de problema de segurança
nacional. A farra tamanha pode ser compreendida em números: em 2003,
ano em que Lula assumiu o governo, os dispêndios com cartões corporativos foi de 8,7 milhões de reais; em 2007, ano anterior à revelação do escândalo, subiram para 78 milhões de reais.
Sabe-se que mentir é próprio de pessoas que encontram obstáculo
ao lidar com questões éticas. É comportamento condenável, principalmente,
quando o mentiroso busca tirar proveito próprio da mentira. É característico
naqueles que não têm pejo em ser apontados como faltos de vergonha. Pois
bem, a mentira foi uma constante nos oito anos da era Lula. Mentiu quando
alegou desconhecer completamente o esquema do mensalão; mentiu quando
apresentou, como coisa, sua diversos empreendimentos do governo anterior
a que somente deu continuidade; mentiu ao maquiar números visando a
apresentar-se como o melhor presidente da história do País; mentiu, particularmente, quando se dispôs a eleger sua sucessora a qualquer custo. São
exemplos as promessas, em palanques, de entrega de obras do PAC que
nunca se concretizaram nos prazos prometidos, como a ferrovia transnordestina e o trecho da BR 101 em Santa Catarina.
Outra mentira repetida à exaustão diz respeito à herança maldita
que teria recebido de seu antecessor. Tudo o que não conseguia fazer ou
por incompetência própria ou de seus “companheiros” ou, ainda, por falta
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de vontade mesmo, era atribuído a problemas recebidos da gestão anterior.
Na verdade, herança maldita foi a que legou para Dilma. No afã de vencer
a eleição custe o que custar, elevou irresponsavelmente os gastos públicos,
gerando pesadas dificuldades para o início do atual governo. Aqui, constata-se um curioso paradoxo. Lula, que alega ter recebido uma herança
maldita, seguiu, em linhas gerais, a política econômica do antecessor. Dilma,
que afirma ter recebido uma herança bendita, viu-se na contingência de tudo
mudar.
Causa espanto, da mesma forma, a absoluta ausência de desconforto,
da parte dos integrantes do governo, em face das constantes acusações de
corrupção praticadas nas mais diversas esferas. Estranha, também, é a
completa falta de constrangimento pelas regalias concedidas a amigos,
apaniguados e sindicalistas, sem nenhum critério de mérito envolvido.
Nos últimos dias, a vergonha de nossos homens públicos parece que
foi embora de vez. São fatos emblemáticos o perdão concedido a Delúbio
Soares – sabe-se lá o que poderia revelar – réu no processo do mensalão,
ainda não julgado pelo STF, e a negativa de filhos e netos de Lula de devolver
os passaportes diplomáticos a que, legalmente, não têm direito. Tais foram
evidências que me levaram a apelar a uma paráfrase de antiga cantiga de
roda: e a vergonha que era pouca se acabou!
Observações:
1) O autor é General de Exército, antigo membro do Alto Comando do Exército
e Ex-Presidente do Clube Militar;
2) As matérias assinadas são de responsabilidade de seus autores e não representam, necessariamente, o pensamento da Academia Brasileira de Defesa.
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e a vergonha que era pouca se acabou!