UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
MARCOS DONIZETE APARECIDO ROCHA
Desvendando Presença de Anita: uma análise do filme da Maristela
de 1951
SÃO PAULO
2012
MARCOS DONIZETE APARECIDO ROCHA
Desvendando Presença de Anita: uma análise do filme da Maristela
de 1951
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Comunicação da Universidade
Anhembi Morumbi, como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre em
Comunicação, sob a orientação do Professor
Doutor Rogério Ferraraz.
SÃO PAULO
2012
MARCOS DONIZETE APARECIDO ROCHA
Desvendando Presença de Anita: uma análise do filme da Maristela
de 1951
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Comunicação da Universidade
Anhembi Morumbi, como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre em
Comunicação, sob a orientação do Professor
Doutor Rogério Ferraraz.
Aprovada em:
_______________________________
Prof. Dr.
Universidade...
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Prof. Dr.
Universidade...
_______________________________
Prof. Dr.
Universidade...
A Deus e à minha mãe, sempre tão presentes
em minha vida.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, a Deus e a Santo Expedito por me darem força e
perseverança nos momentos difíceis e à minha mãe por sempre estar ao meu lado
quando a fraqueza e as dúvidas bateram à minha porta.
Ao meu orientador, Rogério Ferraraz, que sempre acreditou neste projeto e
me mostrou o caminho a ser percorrido, nunca deixando de me estender a mão
quando eu estava “caindo”. Agradeço também ao Doutor Afrânio Mendes Catani que
gentilmente me disponibilizou dois de seus livros sobre o tema.
Agradeço ainda às professoras Sheila Schvarzman, por ter me mostrado que
o passado deve sempre ser revisto com vários “olhares”, Laura Loguercio Cánepa,
por me ensinar a “ver” o que um filme realmente é, e à professora Maria Ignês
Carlos Magno por ter me ensinado que sabedoria, humildade e simplicidade devem
sempre caminhar juntas. Agradeço a meus grandes amigos David Carvalho e
Fernanda Duarte por me incentivarem e me aconselharem nos momentos de
dúvidas.
Por último, agradeço à minha querida amiga e professora Bernadette Lyra por
ter me recebido com delicadeza, carinho, respeito, amizade e, acima de tudo, por
me mostrar que a felicidade e a gentileza podem e devem ser cultivadas por todos
os homens.
"Fechar ao mal de amor nossa alma adormecida é dormir sem
sonhar, é viver sem ter vida. Ter, a um sonho de amor, o coração
sujeito é o mesmo que cravar uma faca no peito. Esta vida é um
punhal com dois gumes fatais: não amar é sofrer; amar é sofrer
mais." (Menotti del Picchia, trecho de Juca Mulato)
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo a análise da adaptação do romance Presença
de Anita (1948), de Mário Donato, para o longa-metragem homônimo (1951),
produzido pela Companhia Cinematográfica Maristela Ltda., sob direção de Ruggero
Jacobbi. Além de propor um resgate histórico a respeito da vida e obra de Mário
Donato, do desenvolvimento da Companhia Cinematográfica Maristela Ltda., da vida
de seu fundador Mário Boeris Audrá Júnior Marinho, esta análise pretende
demonstrar que a adaptação da obra para o cinema desconsiderou especificidades
cruciais à linguagem cinematográfica, o que resultou em um roteiro completamente
preso à estrutura narrativa literária e apelativo no que diz respeito à centralidade do
apelo erótico da personagem Anita.
Palavras-chave: Cinema brasileiro. Companhia Cinematográfica
Adaptação literária. Análise fílmica.Erotismo. Sexualidade.
Maristela.
ABSTRACT
This study aims to analyze the adaptation of the novel Anita’s Presence (1948),
written by Mário Donato, for the feature film of the same name (1951), produced by
Film Company Maristela Ltda. and directed by Ruggero Jacobbi. Besides proposing
a historical review about the life and work of Mário Donato, the development of the
Company Film Maristela Ltda., the life of its founder, Mário Boeris Júnior Audrá
Marinho, this analysis intends to demonstrate that the adaptation of a literary work to
a cinematographic work disregarded crucial specific characteristics of
cinematographic language, resulting in a screenplay stuck with the structure of the
literary narrative, and a screenplay that overemphasizes the erotic appeal of the
fictional character Anita.
Keywords: Brazilian film industry. Maristela Film Company. Literary adaptation.
Movie analysis. Eroticism. Sexuality.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Cartaz de Presença de Anita
50
Figura 2 – Presença de Anita
50
Figura 3 – Orlando Villar
51
Figura 4 – Orlando Villar e Antoinette Morineau em Presença de Anita 51
Figura 5 – Presença de Anita (dir. Ruggero Jacobbi, 1951)
52
Figura 6 – O final trágico de Presença de Anita
52
Figura 7 – Filmagens externas de Presença de Anita, com o produtor
Mário Civelli, ao centro, de camisa branca
53
Figura 8 – O diretor Alberto Cavalcanti
53
Figura 9 – Simão, o caolho (dir. Alberto Cavalcanti, 1952)
54
Figura 10 – Susana e o presidente (dir. Ruggero Jacobbi, 1951)
54
Figura 11 – Vou te contá... (dir. Alfredo Palácios, 1958)
55
Figura 12 – Ana (dir. Alex Viany, 1955)
55
Figura 13 – Arara vermelha (dir. Tom Payne, 1957)
56
Figura 14 – Casei-me com um Xavante (dir. Alfredo Palácios, 1958)
56
Figura 15 – Pagano Sobrinho cantando “Terreque, terreque”, samba de
Adoniran Barbosa, Avaré e Antônio Rago, no número musical final de
Vou te contá...
57
Figura 16 – Virgínia Lane cantando a marcha “Mão de gato”, de José
Roberto e Oldemar Magalhães, em Vou te contá...
57
Figura 17 – Ana Esmeralda em Quem matou Anabela?
58
Figura 18 – Mesquitinha era o protagonista de Simão, o caolho
58
Figura 19 – Jorge Veiga cantando o samba “Falador passa mal”, de
Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, em Vou te contá...
59
Figura 20 – A pobreza do litoral nordestino servia de cenário a O canto
do mar
59
Figura 21 – Arturo de Córdova lidera o último grupo de fugitivos ainda
não capturados pela polícia em Mãos sangrentas
60
Figura 22 – Anselmo Duarte e Odete Lara perseguidos pelos capangas
do chefe do garimpo em Arara vermelha
60
Figura 23 – Zilah Maria, Antoinette Morineau e Nair Pimentel na entrada
do mausoléu de Guida em Meu destino é pecar
61
Figura 24 – Em Quem matou Anabela?, Ana Esmeralda provoca paixões
e brigas
61
Figura 25 – Filmagens noturnas de Simão, o caolho nas ruas de São
Paulo
62
Figura 26 – A preparação do set de filmagem de O comprador de
fazendas
62
Figura 27 – Mãos sangrentas (dir. Carlos Hugo Christensen, 1954)
63
Figura 28 – Meu destino é pecar (dir. Manuel Peluffo, 1952)
63
Figura 29 – Mulher de verdade (dir. Alberto Cavalcanti, 1953)
64
Figura 30 – O canto do mar (dir. Alberto Cavalcanti, 1953)
64
Figura 31 – Procópio Ferreira acusa Hélio Souto de tê-lo enganado em O
comprador de fazendas (dir. Alberto Pieralisi, 1951)
65
Figura 32 – A pensão de D. Stela (dir. Alfredo Palácios e Ferenc Fekete,
1956)
65
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
10
1 MÁRIO DONATO E O LIVRO PRESENÇA DE ANITA
13
1.1 Uma trama engenhosa e sedutora
14
1.2 Espaços de desejo
16
2 COMPANHIA CINEMATOGRÁFICA MARISTELA E A PRODUÇÃO DO
FILME
21
2.1 Maristela, da criação ao declínio
22
2.1 Por dentro da produção de Presença de Anita
27
3 ANÁLISE FÍLMICA (PERSONAGEM ANITA)
3.1 Entre o melodrama e a tragédia
4 UM ROTEIRO PROBLEMÁTICO
31
34
38
4.1 A adaptação de Presença de Anita e o problema da
fidelidade
39
CONSIDERAÇÕES FINAIS
42
REFERÊNCIAS
44
FOTOGRAFIAS
50
10
INTRODUÇÃO
Presença de Anita, de Mário Donato, é um dos romances mais ousados da
literatura brasileira. Tal característica o colocou em evidência no ano de seu
lançamento (1948) principalmente por seu erotismo que ia de encontro aos valores
morais impostos pela sociedade da época.
O romance escandalizou a sociedade, a mesma que também o transformou
em um dos best-sellers mais vendidos da década de 1950. O sucesso do romance
foi tão grande que chamou a atenção da recém-criada Companhia Cinematográfica
Maristela Ltda. Assim, o livro foi transformado em um longa-metragem homônimo ao
livro dirigido pelo diretor Ruggero Jacobbi (1951).
Adaptações literárias para o cinema são frequentes, porém a intervenção do
roteirista e do diretor com o objetivo de trazer novos elementos para a narrativa é
fundamental. O que se pretende demonstrar com este trabalho de pesquisa é que
Presença de Anita, o filme, sustentou-se basicamente no forte apelo erótico da
personagem principal, visto não ter havido no roteiro fílmico grandes modificações
em relação ao que encontramos na estrutura do romance.
Assim, esta pesquisa propõe um resgate histórico sobre a obra e a vida de
Mário Donato, o desenvolvimento da Companhia Cinematográfica Maristela em um
momento crucial do desenvolvimento cultural do Brasil, a vida de seu fundador Mário
Boeris Audrá Júnior Marinho, e a análise do universo psicológico e erótico da
personagem Anita no longa-metragem que, como observaremos neste trabalho, foi o
sustentáculo de uma adaptação que não alcançou a qualidade que se esperava.
O cinema, como se sabe, é uma arte e uma forma de comunicação que está
em constante transformação, que progride e se adapta facilmente aos anseios da
sociedade de sua época. Em aproximadamente 115 anos de história, passamos pelo
cinema mudo, pela inovação da inserção do som nos filmes, pela evolução das
técnicas e possibilidades de integração e interação entre som e imagem. O cinema é
uma mídia fortemente presente em uma sociedade em que impera a cultura
audiovisual.
11
Analisar, pois, um filme é situá-lo em um contexto histórico em suas formas
fílmicas e cinematográficas, pois não é algo isolado, ou seja, ele pode participar de
um movimento, vincular-se a uma tradição, além de estabelecer outras relações com
o contexto em que é produzido.
O cinema oferece entretenimento e conhecimento a diferentes públicos e, por
ser uma arte do tempo, cria a ilusão de reproduzir a vida tal qual ela é. O cinema
relata o sonho da massa por meio das grandes telas e, de certa forma, imortaliza
momentos e fatos históricos.
Para Walter Benjamin (1995), as transformações estéticas do início do século
XX subverteram a produção cultural, artística e política da época. Assim, ocorreram
profundas transformações nas percepções do indivíduo de forma coletiva e
individual. Nesse sentido, a arte estaria a serviço desse aprendizado, pois o filme
serve para exercitar o homem nas novas percepções e reações exigidas por um
aparelho técnico cujo papel cresce cada vez mais em sua vida cotidiana.
Segundo Rosália Duarte (2002), tanto a “leitura” de obras literárias, filosóficas
quanto a de filmes são uma prática social importante no contexto da formação
cultural e educacional. A escolha deste trabalho deu-se pensando em resgatar fatos
históricos relacionados ao longa-metragem Presença de Anita, dirigido por Ruggero
Jacobbi, em 1951, observando como seu roteiro foi adaptado a partir de uma obra
literária, o livro homônimo de Mário Donato, lançado em 1948.
Para Robert Rosenstone (2010, p. 17), os filmes são representações
fantasiosas ou ideológicas que afetam a maneira como vemos o passado, uma vez
que uma película cinematográfica (por suas características estéticas e dramáticas) é
dotada de um efeito de realidade muito intenso, geralmente mais impactante do que
o efeito provocado por um texto escrito. Nesse sentido, é importante entendermos a
importância da adaptação da obra de Mário Donato para o cinema.
Vamos buscar conhecer os elementos que fazem a conexão entre essa obra
e a construção da narrativa do filme. No fundo, vamos conhecer o universo desses
elementos, estabelecer uma interlocução entre as obras e resgatar fatos do contexto
histórico de sua empresa, a Companhia Cinematográfica Maristela. Para responder
a essa necessidade, dentro dos limites das indagações aqui propostas, este estudo
12
está divido em quatro partes que atuam como trilhas para desmistificar e
compreender a relação entre as obras.
Na primeira parte, faremos um breve estudo sobre o livro Presença de Anita
focando o contexto histórico dessa obra, seu impacto no comportamento da
sociedade, sua ascensão e a censura sofrida por ela. Ainda nessa etapa faremos
um breve relato sobre a trajetória de Mário Donato.
Na segunda parte, analisaremos a produção do longa-metragem Presença de
Anita e a trajetória de sua produtora (aspectos históricos), a Companhia
Cinematográfica Maristela. Na terceira parte desta análise do filme, focaremos o
universo psicológico de sua personagem principal, utilizaremos como referência
teórica para esse propósito a poética de David Bordwell (1985) para a compreensão
da narrativa e da ideia do espectador cinematográfico.
Por fim, na quarta e última parte, analisaremos a estrutura do roteiro e a
construção da narrativa fílmica considerando que ele, o longa-metragem, consiste na
adaptação de uma obra literária para o cinema.
13
1 MÁRIO DONATO E O LIVRO PRESENÇA DE ANITA
O jornalista, historiador e escritor Mário Donato nasceu na cidade de
Campinas (SP) no ano de 1915. Desde muito jovem, demonstrou grande talento
para a arte da escrita, fato que o levou a se tornar autor de uma vasta obra literária.
No início de sua carreira, Donato trabalhou como operário gráfico e
funcionário do Departamento dos Correios e Telégrafos de São Paulo. Alguns anos
depois, o jovem Donato iniciou sua trajetória como jornalista entrando para O Estado
de São Paulo. Em pouco tempo, conquistou um lugar no conceituado jornal Folha da
Manhã e na sequência passou rapidamente pelos veículos A Cigarra, A Gazeta e
Diário de São Paulo. Em 1949, abandonou o jornalismo e ingressou em uma
emissora de rádio como diretor de programação.
Alguns anos depois, por volta de 1952, Donato já tinha feito história e foi
nomeado vice-presidente da Rádio Nacional de São Paulo.
Após lançar-se como escritor, com os livros Terra (1938) e As cigarras
emigram (1944), Donato finalmente alcançou o sucesso com seu primeiro romance,
Presença de Anita (1948). Em 1954, lançou seu segundo romance Madrugada sem
Deus, vencedor do Prêmio Câmara Municipal de São Paulo. Em 1957, publicou
Galatéia e o fantasma, em 1959, A parábola das quatro cruzes e, em 1963, Domingo
com Cristina.
Além da literatura romântica, Mario Donato também foi muito importante para
a literatura infantil chegando a ser vencedor do prêmio Jabuti1 da Câmara Brasileira
do Livro com a obra Partidas dobradas (1978).
Donato foi o último presidente da antiga Associação Brasileira dos Escritores
e foi ele quem assinou a fusão com a Sociedade Paulista de Escritores. Sem dúvida,
sua principal obra foi o romance de 1948, Presença de Anita, obra que o imortalizou
como romancista.
1
O Prêmio Jabuti é o mais importante prêmio literário do Brasil. Lançado em 1959, foi
idealizado por Edgard Cavalheiro quando presidia a Câmara Brasileira do Livro.
14
1.1 Uma trama engenhosa e sedutora
Presença de Anita conta a história de um pacto de morte entre dois amantes:
Anita, uma ninfeta de 17 anos, linda e sardônica, despertando para os prazeres do
sexo, e Eduardo, um quarentão, casado, pai de dois filhos. É ela, Anita, quem
propõe: "[...] Então? Vamos partir?” (DONATO, 1959, p. 8).
Depois de mais uma jornada de amor, eles decidem que era chegado o
momento de consumar o fato. Anita entrega a arma a Eduardo e pede que ele atire
nela. Ele cumpre a ordem e, em seguida, leva a arma lentamente à própria fronte e
aperta o gatilho. Porém, em uma armadilha implacável do destino, nem tudo sai
como eles planejaram.
Em uma narrativa extraordinariamente vertiginosa, Mário Donato tece uma
trama engenhosa, inquietante e sedutora que prende e cativa o leitor desde o
primeiro capítulo. Donato torna-nos quase cúmplices de Eduardo e de sua obsessiva
busca pelo amor idealizado, projetado na figura de "Cíntia" — mulher criada por sua
imaginação adolescente, a qual ganha forma em seus desenhos. Eduardo procura
em cada mulher que cruza o seu caminho traços e características daquela que é a
sua razão de viver, mas se depara o tempo todo com "quase-Cíntias".
Presença de Anita é um livro a frente de seu tempo. Nele, Donato investiga
com profundidade toda a subjetividade das personagens, com ênfase à
sensualidade, à paixão e, principalmente, à tragédia pessoal do ser humano. Crime,
mistério, culpa e prazeres fundem-se na narrativa de forma que se construa uma
trama cativante e enigmática.
É importante sinalizar que no livro os conceitos de homem e mulher assumem
uma intensidade de extremos, o real deixa de existir, e a sexualidade define a vida
das personagens de forma sinistra e, ao mesmo tempo, com traços de inocência.
O quarentão Eduardo, uma das personagens centrais do livro, vive rodeado
de personagens mulheres com personalidades fortes demais para sua fragilidade de
homem. Anita é apenas uma dessas mulheres que circulam no universo de Eduardo.
Talvez Anita seja a mais sensual, porém é apenas uma delas. Prova disso é a
15
personagem Cíntia, uma mulher criada pelo imaginário de Eduardo e em que ele se
apoia a cada encontro e desencontro com as mulheres que passam por sua vida. No
fundo, Eduardo tenta, por meio desses encontros, suprir a necessidade de seu
casamento medíocre e infeliz com Lúcia.
Lúcia e as mulheres à sua volta (irmãs e mãe) são figuras que atormentam a
realidade e estimulam os devaneios de Eduardo. Essa presença feminina é o pior
dos fantasmas que assombram a sua vida miserável, fazendo-o sofrer ainda mais
com sua fragilidade e fraqueza. Os outros poucos homens que aparecem na obra de
Donato também se mostram fracos: um médico fracassado e frustrado, que não
compreende absolutamente nada dos reais problemas de Eduardo, um pobre rapaz
da mercearia, que conhece o sexo e o desejo com Anita. Ambos pequenos seres
miseráveis demais para a grandeza de mulheres como Anita.
Donato focou mulheres com personalidades fortes, loucas e más, e as tornou
as verdadeiras donas de sua obra. Anita é, sem dúvidas, uma das personagens
mais intensas da literatura em todos os sentidos.
No romance, é fácil percebermos que os elementos eróticos estão presentes
de forma muito marcante na vida da personagem principal. Em linhas gerais, o texto
valoriza a sexualidade de forma bastante estética e sutil. Existe um mistério por trás
dessa sexualidade misturando-se com elementos eróticos que aos poucos vão
definindo a personalidade e o universo psicológico das personagens de modo geral.
Em 1948 (e mesmo hoje), alguns temas provocavam pavor na sociedade.
Questões como desejo sexual por crianças eram assuntos impensáveis. Porém,
Donato aborda corajosamente não somente esse, mas diversos outros tabus ao
longo de sua obra.
A sexualidade ou erotização da personagem Anita leva-nos à desmistificação
da inocência do ponto de vista psicológico, ou seja, podemos não fazer, porém
sentimos desejos secretos. Esse tema é bastante discutido no meio psicanalítico.
16
Sigmund Freud, no livro Desejos Secretos2, mostra de forma clara que os desejos de
Sidonie Csillag (1900-2000), sua primeira paciente homossexual, sempre existiram
desde sua infância de forma explícita mesmo que apenas dentro de seu mundo.
1.2 Espaços de desejo
Em Presença de Anita, o desejo está presente em todas as personagens das
mais variadas formas. Tal fato tem ligação direta com o espaço e objetos envolvidos.
Anita tem seu mundo em torno de um quadro, Eduardo tem suas fantasias com
Cíntia por meio de uma pintura inacabada, Lúcia tem Eduardo como um objeto, e
assim por diante. O texto de Donato confere um papel de destaque a lugares e a
objetos transformando-os em parte da representação dos desejos eróticos da
realidade humana.
Para Borges Filho (2007, p. 17), tanto os objetos e suas relações como o
recipiente, isto é, a localização desses objetos, podem definir características da
personagem e disseminar o erotismo ou até mesmo se deixarem influenciar por ele.
Donato faz uso constante desse processo de conexão entre espaço e objetos com o
objetivo de complementar suas personagens dentro da trama de seu romance.
É importante termos em mente também que, em um romance em que o leitor
está exposto aos desejos do autor em relação às percepções que se desejam,
erotismo é um elemento extremamente forte na produção de emoções e sensações.
O erotismo é de fácil disseminação, estimulando tanto o leitor quanto os
personagens à busca pelo sexo e pelo prazer. Donato é extremante sutil em seu
erotismo, alinhando-o sempre com o ambiente em que a cena decorre e, dessa
forma, afastando todo e qualquer (por menor que seja) indício de vulgaridade.
2
O livro Desejos Secretos (RIEDER et al, 2008) retrata a história de Sidonie Csillag (19002000), filha de uma família burguesa de origem judaica, cujo nome verdadeiro era
Margarethe Csonka-Trautenegg. Sidonie Csilag seria uma jovem como qualquer outra de
sua classe social na Viena do início do século XX, não fosse a sua paixão avassaladora por
uma baronesa mais velha e de moral duvidosa. Preocupados com o comportamento da filha,
os pais de Sidonie procuram ninguém menos do que Freud para tratar da garota. As
sessões com o “pai” da psicanálise são retratadas nesse livro por trechos dos escritos de
Freud sobre a “jovem homossexual”. Ele mal sabia que presenciava o início do relato de
uma vida incomum, que se estenderia até o final do século XX.
17
A descrição feita pelo autor dos mínimos detalhes do ambiente onde estão
seus personagens não possui valor apenas por ser detalhista, mas também por ser
um recurso rico na construção de uma realidade imaginária em que o objetivo é
despertar prazer em todos os envolvidos, leitor, personagem e autor.
Devemos entender que em Presença de Anita o espaço temático está ligado
à eroticidade. Tal fato foi fundamental para a construção dessa trama literária. Fazse necessário lembrar que para a construção de tais conexões é imprescindível que
se faça uso da psicanálise para que se alcance a união desejada entre objetos,
percepção sensorial e personagens inseridos no espaço.
A espacialidade pode ser considerada um conjunto de objetos homogêneos
(de fenômenos, de estados, de funções, de figuras, de significações alteráveis etc.),
entre os quais existem relações, semelhantes às habituais relações espaciais
(LOTMAN, 1978, p. 360).
Em Presença de Anita, Donato também faz uso de forma brilhante da escrita
como especialidade incentivadora do desejo por meio da descrição dos objetos
atribuídos aos seus personagens. Um bom exemplo disso é quando o autor nos
descreve o quadro que se encontra na casa de Anita, Nessa ocasião, rapidamente
cria-se uma atmosfera de mistério e erotismo em torno do objeto. Tal atmosfera dá
vida ao objeto e infiltra-se na vida das personagens direcionando a narrativa de
forma sistemática para despertar desejo e erotismo.
[Anita:] [...] – Aqui está o quadro. – Levou-o para junto da janela e
soergueu o trapo de seda que encobria a tela. – Disseram-me que
estava sendo pintada por um moço que morreu de tubérculo,
parece...
A tela representava uma charneca. Uma casinhola de cabreiro em
primeiro plano e, ao fundo, estabelecendo-se contra a linha do
horizonte a estrela matutina em plena ascensão. De fato, estava
inacabado. Aqui e ali, faltavam-lhe as derradeiras pinceladas. O tom
cru da tela entrevisto sob as tintas impedia o surto livre da
imaginação.
As raízes contorcidas e expostas dum tronco que brotava dos
interstícios da pedra davam ao quadro um ar de desprezo feroz e
obstinado, como uma praga abafada, uma maldição continuamente
mastigada. A névoa se desprendia do chão, borrando as coisas e
aumentando o clima de abandono da charneca sob a luz fria e
distante da estrela nascente.
18
[Eduardo:] – Devia ser um solitário – afirmou ele. Sentia toda uma
tragédia atrás daquelas pinceladas espontâneas e aflitas. – Não era
um gênio, decerto, mas uma criatura que valia a pena conhecer.
Anita perturbou-se.
[Anita:] – Sim, é o que parece. É a primeira vez que uma pessoa
sente a mesma impressão que eu. E olhou-o intensamente, para
além dos olhos, mais fundos do que as suas pupilas mostravam,
devassando-o naquele instante, urgentemente, como procurando
dispensar todas as palavras que seriam necessárias para aproximálos um do outro.
Eduardo teve a intuição de que aquele pintor a amara até à loucura e
que morrera por ela. Nunca tocaria no assunto: via-se que a fazia
sofrer. E ela lhe foi grata por deter-se diante do silêncio que poderia
forçar, compreendia que o desconhecido chegara ao limiar do seu
segredo e respeitosamente recuava.
[Eduardo:] – Não imaginava que aqui em cima pudesse existir um
recanto tão acolhedor. E cobriu a tela com o trapo de seda. “Veja,
não insisto sobre o assunto. Todos nós temos o direito de guardar
nossos segredos” (DONATO, 1948, p. 11).
Algumas páginas à frente, o quadro retorna à vida das personagens, criando
um clima ainda maior de suspense e estimulando a imaginação tanto da
personagem Eduardo quanto do leitor. Na sequência, Donato aproveita o gancho
para reapresentar o trapo de seda e lhe dar um novo sentido (nesse momento,
passa a ter um sentido de lembrança, o que “sobrou” e não apenas proteção), além
de apresentar “folhas de jornal” no ambiente, o que sugere restos mortais cobertos
(do pintor), um fim.
[Anita:] [...] – Sobe, Eduardo!
Ele abriu a porta e galgou as escadas rapidamente. Chegou diante
dela ofegante, a testa úmida, um grande riso adensar-se sobre a
queixa por não tê-la encontrado de manhã.
[Eduardo:] – Vim logo cedinho... Ontem não pude.
[Anita:] – Foi bom. Precisei fazer uma visita.
Sobre o ombro dela viu que a tela desaparecera do cavalete. O trapo
de seda estava no chão, ao lado dos restos de jornais que tinham
servido para embrulhar o quadro. Anita acompanhou-lhe o olhar e
adivinhou a pergunta que ia fazer-lhe:
[Anita:] – Vendi o quadro a um Belchior. Era tão sombrio, tão
deprimente... – E voltando-se para ele, ansiosa, os seios crescendo
sob o “negligé”, na iminência de se atirar em seus braços: – E tu és o
meu sol, Eduardo, a alegria que chega! (ibidem, p. 14).
19
Contudo, algumas páginas à frente, o mesmo quadro é protagonista de um
jogo psicológico de intriga e ciúmes que leva as personagens principais ao extremo
descontrole emocional:
[...] Uma noite, de volta do baile, irritado com o desplante dela, que
recebia sorrindo os olhares cobiçosos dos homens, Eduardo
anunciou-lhe, de cara amarrada, que não voltaria mais e que ela
“fosse para seu pintor, o seu troca-tintas.” Com surpresa, viu que
Anita de súbito reagia furiosamente e se revelava.
[Anita:] – Era melhor que tu. E me amava, ouviu? Fulminou com os
olhos profundos na cólera, tomada duma raiva que o fez recuar em
direção do cavalete (ibidem, p. 20).
É importante observarmos que, mesmo o quadro não sendo citado
diretamente, tudo leva o leitor e as personagens a mantê-lo sempre em mente e em
primeiro plano, é constante sua lembrança na passagem:
[Eduardo:] [...] Ah. Então você confessa, finalmente!
[Anita:] – Não confesso coisa nenhuma. Ele me amava, e é só!
Morreu por mim.
Abandonou tudo por mim. Era um pobre velho! Ele me fez mal, mas
porque me amava. E tu te agarras àquela tua nojenta mulher como
se eu não valesse nada para ti. – E batendo os punhos no
travesseiro, as lágrimas lhe saltando grossas dos olhos.
[Anita:] – Não era nenhum troca-tintas: era um grande artista! E
abandonou tudo por minha causa!
Eduardo, ainda irritado, mas já amolecendo:
[Eduardo:] – Minha mulher não é nenhuma criatura nojenta!
Compreendeu logo o ridículo da situação: ambos se digladiando, ela
pelo pintor morto, ele pela mulher que abandonava. E sorriu, com
pena do pintor que morrera.
E também dela, que decerto não o amava em vida tanto como agora
queira fazer crer. E a lembrança de Lúcia, Lúcia fria, Lúcia maior que
ele, tornava-o pequeno e humilhado.
[Eduardo:] – E onde está o quadro? Onde você o escondeu?
[Anita:] – Não é da tua conta. Vendi, pronto. Vendi num Belchior.
(ibidem, p. 20).
A trama continua a ser tecida dentro desses moldes onde escrita e relações
espaciais vão despertando o erotismo e dando vida ao cotidiano das personagens.
20
A obra de Mário Donato vivenciou dias de glória, mas também de muita
polêmica por questões ligadas a valores impostos pela sociedade de seu tempo.
Aclamado pela crítica como inovador, ousado e erótico, o livro provocou a ira da
Igreja que ameaçou excomungar o autor da cidade de Campinas. Padres e beatas
mobilizaram o povo que fez manifestações contra obra e autor. Presença de Anita
era vista como obra imprópria e vulgar por denegrir a imagem da “boa” família
brasileira.
O livro foi radicalmente censurado, chegando a ser proibido em alguns
estados, além de receber a tarja de “romance proibido”, a qual indicava se tratar de
literatura apenas para o público adulto. Infelizmente, esta obra não foi a primeira e
nem a última da história a ser vista como “literatura proibida” e ser punida por isso.
Em meio à terceira geração do modernismo3 (1945-1978), Donato certamente
não previa tantos escândalos. Presença de Anita superou as críticas e não se
conteve apenas dentro das páginas do livro, o impacto causado pela obra levou a
narrativa a ser adaptada poucos anos depois para o cinema4.
3
Modernismo é o conjunto de movimentos culturais, escolas e estilos que permearam as
artes e o design da primeira metade do século XX. Apesar de ser possível encontrar pontos
de convergência entre os vários movimentos, eles em geral se diferenciam e até mesmo se
antagonizam.
4
O livro Presença de Anita foi adaptado também para outros produtos audiovisuais: a
telenovela brasileira A outra face de Anita, produzida pela Rede Excelsior e apresentada às
19h, no período entre 28 de julho a 25 de setembro de 1964, foi escrita por Ivani Ribeiro e
dirigida por Dionísio Azevedo. Por sua vez, a minissérie Presença de Anita, exibida pela
Rede Globo, de 7 de agosto a 31 de agosto de 2001, foi escrita por Manoel Carlos, baseada
no livro homônimo de Mário Donato, sendo dirigida por Edgard Miranda, Ricardo
Waddington e Alexandre Avancini.
21
2 COMPANHIA CINEMATOGRÁFICA MARISTELA E A PRODUÇÃO DO FILME
Em primeiro lugar, faz-se necessário afirmar que não podemos tratar da
Companhia Cinematográfica Maristela Ltda. sem antes considerarmos a vida de
Audrá Júnior Marinho, seu idealizador. Mário Boeris Audrá Júnior Marinho foi o
responsável direto pela fundação da Maristela, além, é claro, de ser o responsável
pela entrada da família Audrá no ramo cinematográfico.
Mário Audrá era paulistano, descendente de uma família de imigrantes
italianos que vieram para o Brasil como tantos outras para começar uma nova
história. Filho de Mário Audrá, Júnior nasceu em 1921, já abastado visto o pai, um
empreendedor nato, ser proprietário de uma fábrica especializada em ensacar café.
Mário Audrá em poucos anos expandiu seus negócios. Da área de juta de
café, foi para a área têxtil, logo em seguida para transportes e, em poucos anos,
consolidou seu império. No início do negócio da juta de café, Mario Audrá comprou
uma fazenda na Serra da Mantiqueira: era o começo de uma longa história e era
também o surgimento do nome Maristela. A fazenda foi batizada como Maristela em
homenagem ao nome do navio a bordo do qual a família viera para o Brasil alguns
anos atrás (Stela Maris).
Em um curto espaço de tempo, o nome Maristela começa a figurar em muitos
negócios de Mário Audrá, negócios de sucesso, visto a família ser muito bem
relacionada e manter fortes ligações com o governo de Getúlio Vargas. Tais ligações
políticas da família Audrá eram tão consolidadas que Artur Audrá, irmão de Mário,
chegou a ser eleito deputado federal pelo PTB com o apoio de Vargas.
Nesse ambiente de dinheiro e poder, Marinho, depois de uma temporada na
Itália, regressa a São Paulo e encontra a cidade em plena ascensão cultural:
museus, pinacotecas, exposições, o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) encenando
clássicos do teatro universal, e a Vera Cruz acenando com a possibilidade de um
"cinema de nível" no Brasil.
22
2.1 Maristela, da criação ao declínio
Assim, em agosto de 1950, nasceu na cidade de São Paulo a Companhia
Cinematográfica Maristela Ltda. que, até o fim de suas atividades, oito anos depois,
produziu e coproduziu mais de duas dezenas de longas-metragens.
Vale lembrar que, um ano antes, em 1949, havia nascido o projeto mais
ambicioso do cinema brasileiro: a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, do
produtor do TBC, Franco Zampari, e do empresário Ciccillo Matarazzo, além do
cineasta Alberto Cavalcanti.
Nesse momento, a Vera Cruz contrata muito rapidamente técnicos ingleses,
diretores e roteiristas italianos. O resultado foi a produção de 22 longas em quatro
anos de existência. Grandes produções foram realizadas, entre elas, O Cangaceiro,
de Lima Barreto, vencedor de melhor filme de aventura e de melhor trilha sonora no
Festival Internacional de Cannes5 do ano de 1953. Nesse cenário, a Maristela entra
para a história como mera coadjuvante do que se convencionou chamar “cinema
industrial paulista dos anos de 1950”, cuja principal protagonista teria sido sem
qualquer dúvida a Companhia Cinematográfica Vera Cruz.
Porém, nem a Vera Cruz nem outra companhia qualquer intimidaram o jovem
capitalista Marinho que foi buscar apoio no teatro brasileiro, convidando o diretor
teatral e crítico cinematográfico Ruggero Jacobbi, representante de uma dissidência
no seio do TBC, para juntar-se a ele no novo projeto da família Audrá. Jacobbi,
depois de certa resistência, aceitou o convite, colocando, porém, a vinda do
cunhado, Mário Civelli, como “parte do pacote”.
Marinho, membro de uma família muito rica, não alterou em momento algum
seu instinto capitalista. Dessa forma, o objetivo foi desde o início criar uma produtora
financeiramente viável, o que automaticamente o tornaria um produtor conceituado.
Marinho acreditava de tal forma em seus projetos e sonhos que em pouco tempo
5
Festival de Cannes é um festival de cinema criado em 1946, conforme concepção de Jean
Zay, e até 2002 foi chamado Festival International du Film. É um dos mais prestigiados e
famosos festivais de cinema do mundo. Acontece todos os anos, no mês de maio, na cidade
francesa de Cannes. O "Mercado do Filme" (Marché du Film) acontece paralelamente ao
festival.
23
convenceu seu irmão Alberto (executivo principal da família) de que o negócio era
uma oportunidade única naquele momento.
Assim, em 1951, foi rodado o primeiro filme da Cinematográfica Maristela:
Presença de Anita. O estúdio firmava naquele momento sua vocação para
produções modestas, possivelmente resultado da admiração de Audrá pelo cinema
neorrealista italiano6, mas também movido pela questão financeira. De certa forma,
houve na Maristela um crescimento desenfreado e pouco sustentável. Marinho,
coadunado com interesses imobiliários e vendo uma oportunidade de compra de
uma extensa área para ampliação do estúdio, acabou se endividando com a compra
de um terreno no bairro do Jaçanã.
Ao mesmo tempo em que lança seus primeiros filmes7, a Maristela faz novas
contratações e juntam-se ao quadro de profissionais os críticos Alex Viany, Carlos
Ortiz e o consultor jurídico José Ortiz Monteiro. Com o intuito de reorganizar a
Maristela, o crítico e amigo de Marinho, Marco Marguliés (junto aos contratados),
apresenta um relatório descrevendo a situação interna da Maristela, o qual propunha
ações para organizar o estúdio e tentar salvar a companhia da falência.
O conteúdo desse relatório sobre a Companhia Cinematográfica Maristela
alertava para o fato de que a empresa não deveria mais insistir em filmes de
6
O neorrealismo foi uma corrente artística de meados do século XX (marcadamente dos
anos de 1930 aos de 1950) que teve ramificações em várias formas de arte (literatura,
pintura, música), mas que atingiu o seu expoente máximo no cinema neorrealista, sobretudo
no realismo poético francês (realismo poético francês é um movimento de cinema surgido no
cinema francês a partir da metade da década de 1930) e no neorrealismo italiano (o
neorrealismo italiano foi um movimento cultural surgido na Itália ao final da Segunda Guerra
Mundial).
7
Susana e o Presidente (1951), direção de Ruggero Jacobbi com produção de Mário Civelli:
o filme retrata a história de uma jovem interiorana, recém-chegada à cidade grande que se
apaixona por um jogador de futebol, sem saber que ele é dono da empresa onde trabalha.
Susana e o Presidente foi baseado em uma comédia italiana a partir de sugestão do
produtor Mário Civelli. A produção trazia o mesmo casal de protagonistas de Presença de
Anita (Orlando Villar e Vera Nunes), mas, dessa vez, em uma comédia; O comprador de
fazendas (1951), direção de Alberto Pieralisi e produção de Mário Civelli: o filme retrata a
história de um fazendeiro que, ao tentar vender sua fazenda já decadente, hospeda um
possível comprador, realizando inúmeras despesas com ele, o qual acaba por descobrir ser
apenas um pintor de paredes que se faz passar por milionário para usufruir de bons
momentos. Porém, quando o fazendeiro descobre a verdade, passando a ser motivo de
chacota na cidade, acontece uma surpresa. O diretor de fotografia desse filme foi o
premiado fotógrafo Aldo Tonti, responsável pela fotografia de clássicos do neorrealismo
italiano, tendo, inclusive, vindo ao Brasil especialmente para trabalhar nesse filme (BANCO
DO BRASIL, 2011).
24
conteúdo puramente comercial, ou seja, era preciso ter filmes de melhor conteúdo e
principalmente com temas que fizessem conexão com o povo brasileiro. Havia
naquele momento uma necessidade de se criar uma conexão com o espectador.
O relatório apresentava ainda uma análise detalhada de todos os problemas
de gestão, controle, deficiências de organização, pressa na elaboração dos
argumentos, roteiros, e a falta de um plano comum e geral de redação e tratamento
técnico. O relatório gerou também um documento que listava diversas sugestões
práticas para resolver esses problemas, embora grande parte delas girasse em torno
de questões relacionadas à elaboração intelectual e artística das obras (sobretudo
dos argumentos e roteiros), e da adoção de melhores condições de trabalho para os
funcionários, bem como de medidas voltadas para facilitar o relacionamento interno
entre profissionais brasileiros e estrangeiros. Chegou-se até mesmo a pensar em
adotar apenas a língua portuguesa como padrão para o vocabulário.
Passado pouco mais de um mês da elaboração desse relatório, Marinho
pediu para os franceses Mathieu Adolphe Bonfati e Paul Alphonse Duvergé (seus
prestadores de serviços da Companhia Industrial Cinematográfica) um novo dossiê
sobre as instalações do estúdio da Maristela no terreno de Jaçanã.
A Companhia Industrial Cinematográfica tinha alugado duas câmeras para a
Maristela e realizado os serviços de som e laboratório para Presença de Anita. O
relatório de Bonfati e Duvergé foi muito mais objetivo e mais detalhado tecnicamente
do que o dos críticos brasileiros. A Companhia Industrial Cinematográfica criticava
severamente toda a infraestrutura precária, além, é claro, da distância, falta de
status do bairro do Jaçanã e dos custos elevados para se conseguir manter o
mínimo de qualidade de imagem e principalmente de som, visto que, por conta do
barulho, todas as cenas eram dubladas mais de uma dúzia de vezes elevando
brutalmente todos os custos de produção.
Relatórios feitos, e nenhuma medida para contenção de gastos e muito
menos adequações foram colocadas em prática, pelo contrário: os custos fixos
aumentavam e a desorganização generalizava-se dentro da vida da jovem Maristela.
25
Na sequência de medidas “questionáveis” de Marinho, foram contratados
técnicos argentinos, entre os quais o diretor de fotografia Mário Pagés, o câmera
Juan Carlos Landini e o montador José “Pepe” Cañizares.
Diante de todos esses problemas, logo nos primeiros meses de existência da
Maristela, um fator atenuante foi que a imagem apresentada pelos jornais era das
melhores. Aparentemente, o estúdio caminhava de vento em popa. Essa extrema
boa vontade da imprensa para com a Maristela poderia ser explicada pela
contratação de alguns críticos para o departamento de roteiros, pelo “suborno” dos
jornalistas com viagens, jantares e hospedagem em hotéis luxuosos, ou
simplesmente pelo fato de Marinho ser generoso com os “amigos”.
Entretanto, pouco tempo depois do lançamento de Presença de Anita, os
problemas voltaram com força total e a crise se instalou definitivamente dentro da
tão sonhada Maristela. Uma das primeiras medidas tomadas por Marinho foi a
demissão de vários profissionais, até mesmo de cargos de direção.
Tal medida gerou um clima de tensão e desconforto dentro da Maristela,
inclusive denegrindo sua imagem institucional junto à Associação Paulista de
Cinema (APC), que, por sua vez, tomou partido dos colaboradores.
A confusão tornou-se ainda mais insustentável quando Benjamin Finneberg
(interventor da Maristela) foi acusado de privilegiar a equipe de profissionais
estrangeiros em relação à equipe nacional. Como se não bastassem a confusão e a
deterioração da imagem da empresa pela imprensa, funcionários fizeram um abaixoassinado em que o logotipo da campanha era “Cinema do Brasil deve ser feito por
brasileiros”, e assim por diante.
Com tanta confusão, Marinho é afastado da administração, e Finneberg, que
havia feito carreira em distribuidores de Hollywood, assume a direção da empresa e,
na sequência, afasta Mário Civelli. Diante de tal cenário, a imprensa, que a essa
altura já não via Marinho com bons olhos, começou a apontar versões do motivo do
fracasso do negocio da família Audrá. A causa mais apontada era sem dúvida o ego
e a mania de grandeza dos produtores paulistas.
26
Em meio a todos esses problemas, e principalmente com a situação
financeira publicamente comentada, a Maristela continuou com a produção dos
contratos fechados. Naquele momento, rodavam a película de Meu destino é pecar,
dirigida por Manuel Peluffo. Nessa altura, O comprador de fazendas (1951), dirigido
por Alberto Pieralisi, foi um êxito: o filme havia se tornado um grande sucesso
popular, além de agradar à crítica e a entendidos do assunto. Nascia naquele
momento uma esperança de que dias melhores viriam, sonhava-se que a bilheteria
do filme pudesse ser a salvação financeira da Maristela.
As coisas aparentemente haviam melhorado. Porém, entre o final de 1951 e
meados de 1952, a Maristela trabalhava com estúdio e equipamentos alugados,
realizando pequenas produções independentes. Nesse período, sua produção foi
bastante pequena, e seu único filme de maior expressão foi Simão, o caolho (1952)
que, por sorte do destino, tinha como diretor o cineasta e ex-funcionário da Vera
Cruz, Alberto Cavalcanti, mas o sucesso do filme não foi o suficiente para sanar
todas as dividas da Maristela.
O fim da Maristela já era certo. Esse fato inclusive levou Marinho a se desligar
definitivamente da empresa, indo viver na Europa com a desculpa de que o
verdadeiro intuito da viagem seria para aperfeiçoamento de seu aprendizado sobre a
arte cinematográfica. No final do ano de 1952, o mercado de cinema brasileiro já
considerava a tão sonhada Companhia Cinematográfica de Marinho Audrá apenas
história.
O nome tão forte e por diversas vezes homenageado passava todos seus
ativos para a nova razão social Kino Filmes8, a qual tinha como diretor geral Alberto
Cavalcanti. Cavalcanti, depois de ter dirigido seu primeiro filme no Brasil, Simão, o
caolho, adquiriu a Maristela e tentou produzir e dirigir seus próprios filmes, pela Kino
Filmes (no final de 1952). Porém, a exemplo da Maristela, não obteve grande
sucesso financeiro.
O ano de 1953 de forma geral não foi promissor para a arte cinematográfica.
Grandes estúdios passavam por dificuldades financeiras, inclusive a “irmã rica” da
8
A Kino Filmes operou entre 1953 e 1954 com produções modestas e de baixa
rentabilidade. Como consequência, não conseguiu pagar as prestações de compra das
dívidas da Maristela e um ano depois o estúdio retornou aos seus antigos proprietários.
27
Maristela, a Vera Cruz. Nesse mesmo ano, os estúdios da Atlântida, com sede na
capital carioca, haviam sofrido um incêndio gerando inclusive diversos boatos sobre
a sua origem.
O tempo passou e em 1954 a Maristela vivia um novo momento. De volta ao
Brasil, Marinho retoma (em todos os sentidos) a direção da empresa realizando
coproduções nacionais e internacionais, firmando até mesmo um contrato de
distribuição com a poderosa Columbia. Em 1954, ainda foram produzidos filmes
importantes para a bilheteria da Maristela. Um desses filmes foi Mãos sangrentas.
Tudo parecia correr bem para o grande público, porém, nos bastidores, as coisas
eram bem diferentes. Assim, a partir de meados do ano de 1957, a empresa
começou a se preparar para encerrar suas atividades.
Como tudo na vida, a Maristela chegava a seu fim. Carlos Ortiz, no começo
dos anos de 1950, havia dito “a criança nasce grande demais, sofre de elefantíase e
morre seis meses depois” (ORTIZ, 1952, p. 185). Talvez essa tenha sido a “doença”
da tão amada cinemateca de Audrá Marinho. O sonho havia chegado ao fim, porém
não se pode deixar de mencionar que, analisando de forma geral, os filmes da
Maristela eram bem feitos para os padrões da época.
2.2 Por dentro da produção de Anita
Presença de Anita9, seu primeiro filme, custou tanto quanto algumas grandes
produções da Vera Cruz, gerando inclusive, logo de início, prejuízos para Marinho10.
O longa-metragem teve uma bilheteria líquida em torno de Cr$ 900 mil, o que não
era tão ruim, levando-se em conta que, segundo dados da Comissão Municipal de
Cinema de São Paulo de 1955, a produtora era a que tinha o menor custo médio de
produção: Cr$ 2,9 milhões, contra Cr$ 3,6 milhões da Multifilmes, e Cr$ 5,2 milhões
da Vera Cruz11.
9
Produção: Mário Civelli. Roteiro: Mário Donato, Maria Civelli, Ruggero Jacobbi. Direção de
fotografia: Mário Pagés. Edição: Carla Civelli. Cenografia: Luciano Gregory. Elenco: Antoinette
Morineau,Vera Nunes, Orlando Villar, Ana Luz, Guido Lazzarini, Henriette Morineau (BANCO DO
BRASIL, 2011).
10
11
Cf. Audrá Jr., 1997, pp. 14-17.
Cf. Catani apud Lima, 1954.
28
Segundo o próprio Marinho, os custos de produção eram baixos, e todos os
filmes, desde Presença de Anita, pagavam-se. O problema surgia quando se
somavam os custos fixos que eram absurdamente altos. Muitos foram os filmes
produzidos pela Maristela. Presença de Anita, como dito anteriormente, foi a
primeira produção, e tal escolha se deveu principalmente ao momento que o cinema
brasileiro vivia.
Os anos de 1940 presenciaram a ascensão dos melodramas com
personagens sombrios, mulheres obsessivas ou perseguidas como as de Rebecca:
a mulher inesquecível12 (direção de Alfred Hitchcock, 1940). Assim, não foi surpresa
que a primeira produção da Maristela tenha sido um melodrama adaptado da
polêmica obra de Mário Donato, um dos livros mais comentados daquele momento,
considerado escandaloso e obsceno pela sociedade. Era, portanto, uma escolha
propícia, uma vez que, além de parecer uma boa trama, seria possível que se
impusesse uma produção nos moldes do neorrealismo italiano conforme queria
Marinho.
Logo do início da produção, algumas decisões foram tomadas de forma
equivocada. A Maristela repetia em Presença de Anita alguns procedimentos dos
estúdios Vera Cruz, como considerar que profissionais do teatro poderiam também
fazer filmes. Tal fato é que leva Marinho a convidar para diretor da película Ruggero
Jacobi, que, como dito anteriormente, nem ao menos desejava fazer filmes.
A obra foi produzida por Mário Civelli e contava com um elenco discreto,
pouco conhecido do grande público até então, em que se destacavam para os
papéis principais: Tônia Carrero, uma das atrizes mais belas da época, e Orlando
Villar, que havia protagonizado o filme Quando a noite acaba (1950), de Fernando
Barros.
Nas primeiras semanas de produção, problemas inesperados colocaram em
risco o projeto da Maristela. A atriz principal, Tônia Carrero, deixou o elenco. Tônia
havia sido contratada pela “irmã rica” da Maristela, a Vera Cruz. Rapidamente, a
12
Uma jovem de origem humilde (Joan Fontaine) casa-se com um riquíssimo nobre inglês
(Laurence Olivier), que ainda vive atormentado por lembranças de sua falecida esposa. Após o
casamento e já morando na mansão do marido, ela vai gradativamente descobrindo
surpreendentes segredos sobre o passado dele. Esse foi o primeiro filme de Hitchcock feito em
Hollywood e o único que ganhou o Oscar de Melhor Filme.
29
direção do filme buscou uma substituta, escolhendo Antonieta Morineau, uma linda
jovem que parecia perfeita para o papel por ter características físicas mais
aproximadas às da personagem de Donato, porém com pouca experiência e idade
(dezessete anos).
Em um curto espaço de tempo, Antonieta Morineau mostrou-se inadequada
para o papel. Ruggero Jacobbi demorou na preparação do roteiro, sendo substituído
pelo próprio Civelli que, por sua vez, pediu ajuda ao próprio Mário Donato.
Resultado: um roteiro mal-acabado e com forte tendência à cópia do romance.
Como Antonieta Morineau havia sido escalada anteriormente para o segundo papel,
com sua escolha para a protagonista, seu lugar anterior foi ocupado pela atriz Vera
Nunes. Maus tempos estavam por vir para a Maristela. A equipe de técnicos
envolvida na produção também era composta por profissionais desconhecidos
(Giorgi, Lesgards, Pagés, Altschuler, Tkazensko, Laurelli, entre outros).
Diante dessa realidade, Presença de Anita ainda se faz importante por toda
sua história. O filme, ao mesmo tempo em que se articula em torno de uma estrutura
narrativa semelhante à do padrão clássico13, dialoga também com o chamado
cinema moderno14, um sonho de Marinho.
Era um período de transição, tanto nos aspectos cinematográficos quanto
sociais e culturais, por volta dos anos de 1950, o cinema passou por grandes
mudanças, com a evolução das técnicas e as influências recebidas de outras artes.
Notamos que a intenção dos produtores era de que o filme dialogasse o com
o cinema moderno, pois apresentava características que fogem ao padrão
tradicional, com personagens muitas vezes em crise (crises de casais, psicológicas)
e pouco dado a cenas de ação. Essa, pelo menos, era a intenção de Marinho Audrá.
Marinho sonhava em ser o realizador dessa mudança no cinema brasileiro. Por outro
13
Cinema clássico: tem como principais características estéticas, sequências ligadas por
figuras de marcação nítidas, mobilidade e flexibilidade do ponto de vista da câmera, raccord,
flashback, insert, close-up, movimentos de câmera, divisão do cinema em gêneros, cada um
com uma linguagem própria, o cinema vira espetáculo.
14
Cinema moderno: foge ao padrão tradicional com narrativas mais frouxas, menos ligadas
organicamente, menos dramatizadas, comportando momentos de vazio, lacunas, questões
não resolvidas, finais às vezes abertos ou ambíguos.
30
lado, o filme também apresentava características do cinema clássico americano,
pois as personagens são bem definidas e as marcações bastante claras.
Por ser uma adaptação feita com troca de roteirista e às pressas, Presença
de Anita, não ousou no cinema como Donato havia ousado alguns anos atrás no
campo literário, tal fato se tornou um claro problema da produção.
Em Presença de Anita, é nítida a falta de intervenções do roteirista e do
diretor com o objetivo de efetuar adequações de época. Mesmo sendo curto o
espaço de tempo entre a publicação do romance e a estreia do filme, o espectador
poderia ter percepções, emoções e reações diferentes. O ser humano está exposto
diariamente a transformações impostas pelo meio social e cultural em que vive, logo
a percepção de “ontem” jamais será a mesma do “hoje”, e muito menos a do
“amanhã”. Tais características são mostradas de forma bem clara pela própria
personagem Anita durante todo o filme. Anita tem diferentes percepções de tudo que
está a sua volta, muda de opinião e altera seu comportamento de um momento para
o outro. O mundo muda a cada segundo, o que nos leva a lamentar que Marinho e
sua equipe de produção não tenham se atentado a esse fato.
31
3 ANÁLISE FÍLMICA (PERSONAGEM ANITA)
Ao analisar o longa-metragem Presença de Anita, buscamos bases na análise
psicológica de David Bordwell, partindo da ideia do espectador cinematográfico,
definindo os parâmetros iniciais que constituíram a narrativa do filme. Seu ponto de
partida é o que se intitula uma teoria cognitivista da atividade psicológica do
espectador.
Para Bordwell (1985, p. 31), analisamos e pensamos nos processos ativos e
orientados por metas “[...] Estímulos sensoriais, sozinhos, são incapazes de
determinar a percepção, pois são incompletos e ambíguos. O organismo constrói um
julgamento perceptivo com base em inferências inconscientes”. A partir dessa
concepção, o indivíduo terá sempre o papel ativo na percepção e compreensão do
mundo à sua volta. Esse papel do sujeito dar-se-á na forma de um diálogo
constante, nos mais diferentes níveis (dos mais inconscientes aos mais conscientes)
entre o indivíduo e ambiente que o cerca.
A teoria de Bordwell descreve como o espectador deve assistir a um filme de
forma que possa perceber passo a passo, verificar e comparar detalhe por detalhe o
que é mostrado na tela.
Para compreender a narrativa de um filme, o espectador deve utilizar
suas experiências anteriores, entender uma narrativa requer dar a
ela uma coerência. Em nível mais especifico, o espectador precisa
entender as relações entre os personagens, linhas de diálogo,
relações entre planos etc. Numa maneira mais ampla, ele precisa
testar a consciência das informações fornecidas pelas narrativas
(1985, p. 34).
O longa-metragem Presença de Anita é um melodrama com estrutura que
transita entre a clássica e a moderna, as personagens tornam-se o centro da trama,
são simples, bem-definidas e delineadas, porém com diversos distúrbios
psicológicos. Esse tipo de personificação faz-se presente em todas as peças desse
gênero. Os filmes de melodrama retratam valores como: inocência, imoralidade,
moralidade e culto à virtude. Tais valores fazem com que os espectadores reflitam
sobre aqueles que carregam consigo e possíveis mudanças em seu modo de vida.
Em Presença de Anita, notamos tais características durante todo o filme.
32
Em uma das cenas da película, a personagem principal aparece como uma
criança brincando de “casinha”, permitindo colocar em prática todas as suas
fantasias, desejos e angústias. No fundo, tudo o que Anita devia ter experimentado
em sua infância (e não o fizera) vem à tona agora quando adulta. No decorrer da
trama, envolve-se com um homem mais velho (Eduardo), o que de certa forma
substitui o pai ausente de sua vida. O fator espaço-tempo é fundamental para situar
o espectador na trama transportando-o para um universo que oscila entre a infância,
a vida adulta e o erotismo.
Para Freud (1976, pp. 28-29), as brincadeiras repetem tudo que nos causa
uma grande impressão na vida real, e assim reagimos à intensidade da impressão,
dominando tais situações. As brincadeiras são influenciadas por um desejo que as
domina o tempo todo: o desejo de crescer e poder fazer tudo o que desejar,
misturando a vida real com a fantasia, desejos imagéticos, sonhos, realidade,
mentiras sem se preocupar com as causas de suas ações no espaço “atual”. Uma
cena entre as personagens Eduardo (Orlando Villar) e Armando (Guido Lazzarini)
mostra-nos de forma muito clara que até as demais personagens têm essa
percepção em relação à personalidade de Anita:
[Eduardo:] – Mas o pintor deste quadro não era um moço de vinte
que morreu de tuberculose?
[Armando:] – Haaa! Foi isto que Anita lhe contou. Sossegue. Para
mim, quando a conheci, ela contou que era filha de um príncipe
polonês fugido de lá com uma cigana. Anita é assim mesmo.
[Eduardo:] – Para mim, certa vez disse que estava grávida, cheguei a
marcar encontro com o médico. Na hora de sairmos para a consulta,
quis ir ao cinema: era tudo mentira.
[Armando:] – Vejo que Anita não mudou nada nestes dez anos.
[Eduardo:] – O senhor a conhece há tanto tempo?
[Armando:] – Sim... Há uns dez ou onze anos, era uma menininha
descalça com aqueles cabelos louros esparramados pelos ombros,
entrou no meu atelier porque estava assustada com uma briga entre
os pais.
[Eduardo:] – Ela nunca me falou na família.
[Armando:] – O pai era um verdadeiro louco. Anita entrou, viu alguns
retratos de mulheres nuas que eu tinha lá no atelier e começou a
exigir que eu a pintasse daquele jeito.
33
[Eduardo:] – Curioso, ela nunca me falou nada.
[Armando:] – Anita não gosta da realidade, só ama seus sonhos, e
quando a realidade não está de acordo com eles, fica triste
deprimida e logo começa a falar na morte. Todos esses anos ela me
escreveu de vez em quando, é sempre a mesma ideia fixa.
[Eduardo:] – É, é difícil a gente se livrar da tirania dos sonhos.
[Armando:] – Ela defende com todas as forças suas fantasias, suas
mentiras.
Além das mentiras, sonhos e fantasias, Anita brinca de sedução com
Eduardo. Isso apresenta características de um jogo que por meio de um fenômeno
fisiológico e psicológico ultrapassa os limites da atividade física ou biológica.
Apresenta uma função significante de determinado sentido de “sedução”. Nesse
jogo, existe alguma coisa que transcende as necessidades da vida e confere um
sentido à ação do erotismo presente na busca do parceiro pelo sexo em suas
fantasias, desejos, prazeres, medos e angústias. Em conclusão, tudo se mistura
transformando-se em sedução causando no espectador dúvidas sobre o que é real
ou imaginário na vida da personagem.
Nesse jogo de sedução não se tem começo, meio e fim predeterminados. Os
fatos acontecem de forma desordenada, despertando incertezas e tensão até
mesmo na própria personagem, ou seja, o despertar de tais sensações no público é
mera consequência. O filme apresenta características com funções sociais e
psíquicas pelos personagens Eduardo e Anita. Eduardo vem de uma família de
poder e status, em que muitas vezes age como um adolescente inconsequente,
imaturo e apaixonado. Anita é uma personagem que não possui identidade própria.
Quem é, afinal, Anita? A personagem vive uma ilusão, uma mistura de sonho e
realidade proporcionada por uma louca, devastadora e inconsequente paixão por
Eduardo.
Segundo Bordwell (2005, p. 31), essa unidade entre imaginário e real,
retomando as ideias de Lacan, é obtida pela conformação dos registros psíquicos: o
imaginário em que o sujeito encontra a representação visual de sua própria unidade
e integridade corpórea da ação do inconsciente. O “real” vem de um processo que
sustenta a ação consciente na vida real. A personagem Anita apresenta o desejo
pela satisfação das pulsões em uma identidade alienada e perturbadora.
34
Vejamos, o filme Presença de Anita aborda o romance de um homem casado
com uma jovem linda e sensual. Seu lado “criança carente” acaba atraindo um
quarentão na chamada “crise do lobo”. A trama coloca em xeque valores sociais que
acabam abalando toda a cidade. Anita é uma personagem perturbadora. A
personagem acreditava que seus sonhos poderiam ser realizados apesar de todos
os obstáculos. O fato de Eduardo já ter uma esposa e família faz com que ela sinta
mais prazer em criar um jogo de sedução que estimula sua autoconfiança e gera
uma busca desenfreada por viver essa paixão proibida. Anita leva esse
relacionamento amoroso ao extremo. Tais discussões abordadas no filme provocam
desconforto na vida cotidiana da personagem que é discriminada pela sociedade,
discriminação essa que é condenada no pós-modernismo.
No entanto, não podemos nos esquecer de que, além do lado psicológico,
existem outros aspectos que devemos considerar na personagem de Anita, afinal,
como vimos, analisar uma obra é situá-la em um contexto histórico a partir de suas
formas fílmicas e cinematográficas, pois o filme não é algo isolado.
3.1 Entre o melodrama e a tragédia
Como observado anteriormente, o cinema oferece entretenimento e
conhecimento a diferentes públicos e, por ser uma arte temporal, cria a ilusão de
reproduzir a vida tal qual ela é. O cinema relata o sonho da massa por meio das
grandes telas. Em Presença de Anita, a falta de elementos que façam parte da vida
da grande massa também pode ter comprometido seu desempenho. Se
observarmos o roteiro, claramente existe a falta de novos elementos que façam
conexões diretas com a grande “massa”, a fidelidade ao romance do qual se
originou comprometeu a narrativa, transformando-a em um mero jogo de palavras
sem expressão e emoção. Esse pode ser um dos motivos pelos quais o filme passa
a ser sustentado pela sexualidade da personagem Anita. Infelizmente, o sexo
sempre é uma excelente receita para substituir argumentos de maior valia em uma
narrativa.
No entanto, é possível analisar a construção dramatúrgica e narrativa do filme
a partir dessa ligação com a estrutura do melodrama. Para observarmos isso,
partiremos da descrição de um diálogo retirado de uma cena logo no início do filme:
35
[Zelador:] – Vocês ouviram?
[Mulher:] – Foi um tiro, não foi? Vamos!
[Zelador:] –O que foi?
[Mulher:] – Outro tiro... É no apartamento da dona Anita!
[Zelador:] – Será que o Sr. Eduardo estava lá?
[Homem:] – Vamos subir. Sim, vamos depressa!
[Mulher:] – Dona Anita! Pelo amor de Deus, Dona Anita, Dona
Anita!...
[Homem:] – Precisamos arrombar a porta!
[Zelador:] – Não, é melhor chamar a polícia!
[Mulher:] – O senhor como zelador do prédio pode arrombar a porta!
[Homem:] – Sim, não podemos perder tempo!
[Mulher:] – Haaa!
[Homem:] – Coitada, está morta...
[Zelador:] – Este ainda vive. Um médico, depressa!
[Mulher:] – Vamos telefonar! Dona Adélia, Dona Adélia!...
A cena descrita mostra uma personagem, o zelador, que estava subindo
pelas escadas do sobrado quando ouviu um tiro. Uma mulher observa: “Foi um tiro,
não foi?”. Subiram correndo as escadas em direção ao quarto de Anita, a mulher diz:
“Outro tiro...”. Quando arrombaram a porta, Eduardo estava caído no chão, e Anita,
ensanguentada, morta na cama. Eduardo é levado para o hospital. Acamado, tem
devaneios com a imagem de Anita. As enfermeiras comentam a respeito do caso
amoroso de Eduardo fora do casamento.
Analisando essa cena, vemos o trágico final de um romance que termina com
o pacto de morte entre Anita e Eduardo. Essa cena trágica retrata o gênero do
melodrama, pois possui características fundamentais por tocar em pontos de fácil
apelo ao grande público, como os sentimentos imediatamente impactantes,
notadamente os relativos a dramas familiares e afetivos. Existe uma prevalência de
foco das motivações das personagens serem mais pessoais do que sociais. Um bom
exemplo é o impacto traduzido em frases de efeito conjugadas a um pacto de amor
e de morte entre Anita e Eduardo. A persistência nessa paixão levou a destinos
36
trágicos das personagens ou de entes amados envolvendo familiares. Tal fato faz
com que o gênero seja considerado trágico e melodramático com falas e cenas de
apelos emocionais conflituosos.
Cena trágica partindo de valores morais de estrutura melodramática a partir
da apresentação do Bem e do Mal. A mocinha, vilã de uma inocência perturbadora,
apresentada muitas vezes em estado de desequilíbrio emocional pela atuação do
Mal, chega ao ponto de se propor a acabar com a própria vida se não conseguir o
amante para sempre. O Mal ataca, oprime e manipula o Bem, cuja reação é limitada
pela obediência a preceitos éticos ou pelo respeito reverencial. A manipulação
perpetrada pelo Mal imobiliza e faz com que Anita dê fim à sua própria vida. Por
outra análise, foi uma heroína persistente e lutando por seu amor, um ato de
lealdade a esses sentimentos, a seus convictos preceitos de uma paixão
incontrolável.
Para Barbero (1993, p. 175), o melodrama centra-se em quatro sentimentos
básicos: medo, entusiasmo, dor e riso, todos ligados a sensações terríveis,
excitantes, ternas – representadas aqui por personagens como Eduardo, o marido
traidor, amante e covarde, e Anita, a personificação da luxúria, que é transformada
em vítima nos últimos momentos do filme.
Para Virginia Rodrigues (2006, p. 91), no cinema, a partir de 1950, não há
demarcações rígidas entre vilões e mocinhos, mas sim conflitos de interesses entre
personagens no chamado melodrama familiar. O papel da família é central, e temas
polêmicos como aborto, problemas sexuais, abuso de álcool e drogas, sexo antes do
casamento, divórcios, crimes e assassinatos, que até então ficavam de fora do
escopo da narrativa melodramática, passam a figurar cada vez mais em filmes do
gênero.
O melodrama15 é um gênero que nasceu no teatro durante a Revolução
Francesa. A definição de seus parâmetros está intimamente ligada ao processo
15
É impossível falar do melodrama no cinema e não destacar o nome do cineasta Douglas
Sirk, conhecido mundialmente como o “rei do melodrama”. É um cineasta que constrói filmes
com enredos enrolados e exagerados, características essenciais do melodrama. Seus filmes
são repletos de cores e trilhas sonoras melosas que visam a maximizar as reações e
emoções dos espectadores. Os temas abordados por ele também são bastante polêmicos,
principalmente na década de 1950, como racismo, homossexualismo e repressão sexual.
37
revolucionário que culminou na derrocada dos valores morais. As artes incorporaram
esse espírito e também seguiram a tendência social que abraçava a modernidade e
renegava a monarquia e a Igreja.
A exploração do sentimentalismo e das situações comoventes possibilitou
uma identificação muito rápida com o público brasileiro, tratando de temas inerentes
à nova estrutura de família que se formava rompendo barreiras de valores.
38
4 UM ROTEIRO PROBLEMÁTICO
A arte de narrar é uma necessidade que existe desde tempos antigos e vem
acompanhando o homem por toda sua existência. A preocupação com a escrita veio
com a necessidade de transpor para um suporte físico os acontecimentos do
cotidiano. Tal fato permitiu à espécie humana sua evolução e desenvolvimento, além
de imortalizar momentos históricos de diferentes povos do mundo.
Narrar é um processo de comunicação, um ato social que recorre à linguagem
para atender às necessidades humanas de representação e troca de informações.
Podemos narrar contos, prosas, versos, histórias, filmes, novelas, peças de teatro,
desenhos e games.
O mundo globalizado permite-nos inúmeras formas diferentes de linguagens,
as quais, por sua vez, nos proporcionam diferentes leituras. O cinema é a arte da
imagem em movimento, a qual imortaliza cenas.
Quando vamos analisar o roteiro de um filme como Presença de Anita, é
extremamente importante observarmos se houve originalidade no roteiro. Tal
aspecto se torna relevante tendo em vista que ele consiste em uma adaptação de
uma obra literária. Essa análise é importante, pois, quando o roteiro do filme é feito a
partir de uma ideia “nova”, é extremamente diferente do que quando ele é feito a
partir da adaptação de uma obra literária.
Quando falamos em adaptações, temos de ter em mente que uma adaptação
literária não deve ser simplesmente encarada como uma simples tentativa de
tradução textual para as telas de cinema. Literatura e cinema são linguagens
totalmente distintas e cada uma tem a sua particularidade. No roteiro, existem vários
aspectos importantes que estão escondidos por trás de uma cena, como sua força
de causar impacto emocional, persuadir e vender sua mensagem por meio de
cenas, diálogos, trilhas, personagens e narrador. O roteiro é a etapa-chave em que
se organizam as ideias, é uma ferramenta importantíssima na construção da
narrativa das cenas de um filme. Tudo que está no filme deve ser detalhado no
roteiro, um ponto mágico que irá transformar um objeto escrito em uma cena. Surge,
39
dessa forma, a necessidade de haver certos cuidados quando se vão jogar as linhas
de um livro na tela do cinema.
Ao lermos o romance Presença de Anita, temos contato exclusivamente com
a linguagem verbal para estruturar sua narrativa. Já no cinema, temos várias outras
linguagens, por exemplo, linguagem visual, sonora e musical. O roteiro é um
instrumento que contém a descrição dos ambientes, o nome dos ambientes,
personagens, diálogos e indicações para as personagens, e, por último, a indicação
de efeitos para transição de cenas, ou seja, é bem diferente de um livro.
O filme e consequentemente o roteiro distanciam-se do livro por conta de
vários fatores, um deles é a época em que está sendo produzida a adaptação. Essa
distância é que assegura novas percepções diante do tema retratado. Assim,
podemos dizer que as adaptações podem e devem ser tratadas como um diálogo
entre ambas as obras.
É através do roteiro que os espectadores vão pensar, imaginar, se
surpreender, se emocionar, se divertir e ter a sua atenção presa ao filme. Roteirizar
significa recortar, selecionar e estruturar eventos dentro de uma ordem que
necessariamente encontrará seu começo, meio e fim. O processo de seleção iniciase já na escolha do tema; no caso de adaptação, com a escolha da obra. O passo
seguinte será a investigação e o trabalho para se transformar o texto na forma de
um filme. Continua-se com a definição das personagens e das vozes que darão
corpo a essa investigação. Incluem-se ainda a escolha de locações e cenários,
definição de cenas, sequências, até chegar a uma prévia elaboração dos planos de
filmagem, enquadramentos, trabalho de câmera e detalhes técnicos que podem
contribuir para a qualidade do filme.
4.1 A adaptação de Presença de Anita e o problema da fidelidade
No filme Presença de Anita (1951), produzido por Mário Civelli, com direção
de Ruggero, podemos notar claramente que a falta de novos elementos e a
fidelidade exagerada ao romance comprometeram o roteiro. Um roteiro bem
elaborado faz com que o cineasta possa perceber se seu projeto está sendo bem
executado. Cada modelo de roteiro tem uma diagramação e varia conforme a mídia
40
a que ele se destina e contém informações preliminares adequadas à sua
linguagem, como cinema: época, local, locações, personagens (principais,
secundários, periféricos, extras e figurantes), apresentador, locutor ou narrador.
Podem-se incluir observações sobre a trilha sonora, iluminação, dados referentes à
produção e à sinopse do filme.
Em Presença de Anita, não se percebe que houve um trabalho bem feito de
roteiro. Tudo é apenas uma transposição dos diálogos do livro para o filme, e as
cenas são igualmente parecidas com as descrições de Mário Donato. Desse modo,
inúmeros exemplos de similaridade extrema entre o livro e o roteiro podem ser
observados, como os que vemos nos trechos a seguir.
O primeiro, extraído, do romance (DONATO, 1959, pp. 31-32):
[Anita:] – Desculpe o meu desalinho... Estava arrumando a touca.
[Eduardo:] – Voltarei em outra ocasião, numa hora menos imprópria.
[Anita:] – Que nada, Sr. Eduardo! Entre, entre! – insistiu.
[Anita:] – Entre, vivo sempre tão só!
[...]
[Anita:] – Aqui está o quadro – levou-o para junto da janela e
soergueu o trapo de seda que cobria a tela. – Disseram-me que
estava sendo pintada por um moço que morreu de tuberculose,
parece...
[Eduardo:] – Devia ser um solitário – afirmou ele. Sentia toda
tragédia atrás daquelas pinceladas espontâneas e aflitas. – Não era
um gênio, decerto, mas uma criatura que valia a pena conhecer.
Anita perturbou-se.
[Anita:] – Sim é o que me parece. É a primeira vez que uma pessoa
sente a mesma impressão que eu.
O segundo, extraído do filme (1951):
[Anita:] – Desculpe o meu desalinho... Estava arrumando a touca.
[Eduardo:] – Eu poderei voltar em outra ocasião, numa outra ocasião
menos imprópria.
[Anita:] – Que nada, que nada! Entre, Sr Eduardo, entre!
[Anita:] – Vivo sempre tão só!
41
[...]
[Anita:] – Eis o quadro. – Disseram-me que estava sendo pintado por
um moço que morreu tuberculoso.
[Eduardo:] – Devia ser um solitário. Eu não digo que fosse um gênio,
mas uma pessoa que valia a pena conhecer.
[Anita:] – É a primeira vez que uma pessoa sente a mesma
impressão do que eu.
Quando se pensa a questão da transposição de uma narrativa literária para o
cinema, automaticamente nos deparamos com a questão da autoria. Existe um
“problema” em relação à fidelidade da adaptação de livro para roteiro no sentido da
preservação de ideologias e valores propostos pelo autor, fato que pode ter
prejudicado a nova produção.
Para Randal Johnson (2003, p. 42):
a insistência na “fidelidade” – que deriva das expectativas que o
espectador traz ao filme, baseadas na sua própria leitura do original
– é um falso problema porque ignora diferenças essenciais entre os
dois meios, porque geralmente ignora a dinâmica dos campos de
produção cultural nos quais os dois meios estão inseridos.
Assim, as figuras do diretor e do roteirista têm o papel de garantir que a
adaptação traga novas perspectivas da obra, reinventar e improvisar recursos que
possibilitem trazer soluções audiovisuais equivalentes aos recursos estilísticos
presentes em uma obra literária, fato que não acontece em Presença de Anita.
Preservou-se muito a "autoria" de Donato e não se permitiu a liberdade de inserção
de novos elementos e narrativas ligadas à realidade da época.
O roteiro de Ruggero não passa de uma narrativa sem vida, uma "cópia fiel"
do romance em que não notamos qualquer adaptação relevante.
42
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em conclusão, é possível afirmar que, dos trechos analisados, tanto do livro
como da película, são fortes os elementos para a erotização do espaço, bem como
um meio de interação entre personagem e demais elementos em torno dos objetos.
É importante ainda termos consciência de que de todos os sentidos sensoriais, os
mais explorados pela arte são os sentidos da visão, do tato e da audição, logo o
diretor do filme teria esses sentidos a seu favor para ter transformado o romance de
Mário Donato em uma produção bem-sucedida e lucrativa conforme desejava
Marinho Audrá.
Desses três sentidos, um dos mais fáceis de ser utilizado pelo cinema é o da
visão. Torna-se fácil despertarmos todos os demais sentidos quando podemos ver.
Tal fato mais uma vez facilitaria visualmente a erotização do espaço no filme ao
contrário do livro, em que o espaço é criado na imaginação do leitor exclusivamente
por meio de estímulos vinculados à escrita e à imaginação de um terceiro, neste
caso o autor.
A audição por sua vez complementa a visão. Se vemos e não ouvimos, temos
a sensação incompleta quando se trata de erotismo. Vale observar que no livro não
ouvimos, porém nossa imaginação substitui o som por referenciais que criamos de
acordo com nossos desejos “secretos”. A leitura tem a capacidade de prolongar a
sensação de prazer, pois podemos determinar o tempo que quisermos em nossa
imaginação, sendo que tal fato de se prolongar o prazer é uma capacidade humana
desde os primórdios.
Para Freud (2010, p. 160), o erotismo é concebido como a capacidade
humana de prolongar a intensidade do desejo por meio da imaginação, trata-se de
multiplicar a imagem carnal. Nesse sentido, Presença de Anita passou a contrariar
os valores morais tradicionais, a personagem mostra que a imaginação de
elementos eróticos desperta o prazer, além de ser perfeitamente possível separar o
sexo do amor e o prazer da culpa.
O livro de Donato foi um sonho bem-sucedido, nele Anita fertilizou muitas
mentes e se transformou em muitas mulheres. O filme de Marinho, por sua vez,
43
transformou Anita em “quase-Cíntias”, empobrecendo a riqueza alcançada na
composição da obra literária por se prender de forma exagerada à narrativa
direcionada a um público leitor e não a um público espectador de cinema.
Ironicamente, entretanto, em que pese o insucesso em termos técnicos no
que diz respeito à adaptação da obra à linguagem cinematográfica, Anita, a
personagem, sempre envolvida em situações de paixões avassaladoras que
levaram, em última instância, à destruição completa da vida daqueles que com ela
se envolveram, torna-se parte também da ascensão e queda de um sonho: a criação
e manutenção de um polo cinematográfico brasileiro de relevância e lucratividade
expressivas.
44
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50
ANEXO – CADERNO DE IMAGENS DO CATÁLOGO DA CINEMATOGRÁFICA
MARISTELA
Figura 1 – Cartaz de Presença de Anita. Fonte:
<http://www.historiadocinemabrasileiro.com.br/wp-content/uploads/2012/09/POSTERPresenca-de-Anita.jpg>. Acesso em: 10 nov. 2012.
Figura 2 – Presença de Anita. Fonte:
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>. Acesso em: 10 nov. 2012.
51
Figura 3 – Orlando Villar. Fonte:
<http://farm7.static.flickr.com/6012/5956154889_e6d0982c05.jpg>. Acesso em: 10 nov.
2012.
Figura 4 – Orlando Villar e Antoinette Morineau em Presença de Anita. Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
52
Figura 5 – Presença de Anita (dir. Ruggero Jacobbi, 1951). Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
Figura 6 – O final trágico de Presença de Anita. Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
53
Figura 7 – Filmagens externas de Presença de Anita, com o produtor Mário Civelli, ao
centro, de camisa branca. Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
Figura 8 – O diretor Alberto Cavalcanti. Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
54
Figura 9 – Simão, o caolho (dir. Alberto Cavalcanti, 1952). Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
Figura 10 – Susana e o presidente (dir. Ruggero Jacobbi, 1951). Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
55
Figura 11 – Vou te contá... (dir. Alfredo Palácios, 1958). Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
Figura 12 – Ana (dir. Alex Viany, 1955). Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
56
Figura 13 – Arara vermelha (dir. Tom Payne, 1957). Fonte:
<http://www.historiadocinemabrasileiro.com.br/arara-vermelha/foto-arara-vermelha-01/>.
Acesso em: 10 nov. 2012.
Figura 14 – Casei-me com um Xavante (dir. Alfredo Palácios, 1958). Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
57
Figura 15 – Pagano Sobrinho cantando “Terreque, terreque”, samba de Adoniran Barbosa,
Avaré e Antônio Rago, no número musical final de Vou te contá...
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
Figura 16 – Virgínia Lane cantando a marcha “Mão de gato”, de José Roberto e Oldemar
Magalhães, em Vou te contá... Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
58
Figura 17 – Ana Esmeralda em Quem matou Anabela? Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
Figura 18 – Mesquitinha era o protagonista de Simão, o caolho. Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
59
Figura 19 – Jorge Veiga cantando o samba “Falador passa mal”, de Haroldo Lobo e Milton
de Oliveira, em Vou te contá... Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
Figura 20 – A pobreza do litoral nordestino servia de cenário a O canto do mar. Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
60
Figura 21 – Arturo de Córdova lidera o último grupo de fugitivos ainda não capturados pela
polícia em Mãos sangrentas. Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
Figura 22 – Anselmo Duarte e Odete Lara perseguidos pelos capangas do chefe do garimpo
em Arara vermelha. Fonte: <http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>.
Acesso em: 10 nov. 2012.
61
Figura 23 – Zilah Maria, Antoinette Morineau e Nair Pimentel na entrada do mausoléu de
Guida em Meu destino é pecar. Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
Figura 24 – Em Quem matou Anabela?, Ana Esmeralda provoca paixões e brigas. Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
62
Figura 25 – Filmagens noturnas de Simão, o caolho nas ruas de São Paulo. Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
Figura 26 – A preparação do set de filmagem de O comprador de fazendas. Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>.
63
Figura 27 – Mãos sangrentas (dir. Carlos Hugo Christensen, 1954). Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
Figura 28 – Meu destino é pecar (dir. Manuel Peluffo, 1952). Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
64
Figura 29 – Mulher de verdade (dir. Alberto Cavalcanti, 1953). Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
Figura 30 – O canto do mar (dir. Alberto Cavalcanti, 1953). Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
65
Figura 31 – Procópio Ferreira acusa Hélio Souto de tê-lo enganado em O comprador de
fazendas (dir. Alberto Pieralisi, 1951). Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
Figura 32 – A pensão de D. Stela (dir. Alfredo Palácios e Ferenc Fekete, 1956). Fonte:
<http://www.bb.com.br/docs/pub/inst/dwn/catalogoMaristela.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2012.
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