Migração de Retorno e Escolha Ocupacional no Brasil
Palavras-chave: Migração de retorno; Mercado de Trabalho; Brasil.
Classificação no JEL: J24; J61; C35.
Área de Interesse: 15. População, migração e desenvolvimento
Autores:
Hilton Martins de Brito Ramalho
Doutor em Economia pela Universidade Federal da Pernambuco - UFPE
Professor Adjunto do Departamento de Economia - UFPB/Campus I
Endereço Postal: Curso de Mestrado em Economia, Centro de Ciências Sociais Aplicadas - UFPB,
Cidade Universitária - Campus I, João Pessoa, PB.
CEP: 58059-900. Fone: (83) 3216-7482/ (83) 8844-1020.
[email protected]
Raul da Mota Silveira Neto
Doutor pela USP
Departamento de Economia e PIMES-UFPE, pesquisador do CNPq.
[email protected]
Migração de Retorno e Escolha Ocupacional no Brasil
Resumo: Este artigo analisa a inserção produtiva do migrante retornado nos diferentes segmentos do mercado de
trabalho brasileiro, identificando quais atributos sócio-econômicos são determinantes para as chances de emprego
nos setores formal e informal. Considerando os dados da PNAD de 2007 e um modelo de múltipla escolha
ocupacional, foi possível verificar que a probabilidade de emprego do remigrante no setor formal é positivamente
correlacionada com o grau de instrução, principalmente, quando se considera o ingresso no setor público. Os
migrantes retornados do sexo feminino, de baixa escolaridade ou que não chefiam a família têm maiores chances de
empregar-se nos setores informais da economia. A experiência de migração aumenta a probabilidade de o migrante
retornado trabalhar como autônomo e/ou empregador sem contribuir para a previdência social.9999
Palavras - Chave: Migração de retorno; Mercado de trabalho; Brasil.
Classificação no JEL: J24; J61; C35.
Abstract: This paper analyzes the occupational choice of return migrants on segmented labor market in Brazil.
Using data from PNAD 2007 and a model of occupational choice, it was find that employment probability of return
migrant in formal sector is positively correlated with educational level, mostly if it take account the public sector.
The return migrants of female sex, low education or non household-head have more chances to find job in informal
sector. The migration experience, in turn, increase de propensity of return migrant is working as own account work
or entrepreneurship without contribute to social security system.
Key Words: Return migration; Labor Market; Brazil.
JEL Classification: J24; J61; C35.
1. Introdução
No contexto recente de redução das disparidades pessoais e regionais de renda no Brasil
(SILVEIRA NETO e AZZONI, 2008), a migração de retorno tem se revelado como fenômeno
relevante para dinâmica de mobilidade do trabalho no país. De fato, segundo os dados recentes da
Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios – PNAD de 2007, por exemplo, cerca de 371 mil
pessoas volveram aos seus estados de origem entre 2003 e 2007, cifra equivalente a 11% do total
das migrações interestaduais no país durante o mesmo período. Adicionalmente, considerando
apenas o critério de naturalidade, informações desta mais recente PNAD permitem evidenciar que
aproximadamente 5,4 milhões de brasileiros já registraram histórico de regresso ao seu estado de
origem, quantidade referente a 19% do total de migrantes acumulados e a 3% da população do
país.
Com efeito, após os anos noventa, a migração de retorno registrou volume expressivo
quando comparado às evidências históricas no país. Observando a dinâmica regional, Ribeiro
(1997) ressaltou que a importância dos migrantes de retorno nos movimentos imigratórios para o
Nordeste quase dobrou entre as décadas de 70 e 80. Em estudo mais detalhado e recente para o
Brasil, Siqueira (2006) usa os dados do Censo Demográfico de 2000 e mostra que, entre 19952000, 41% do total de migrantes de retorno dirigiram-se para o Nordeste. Ao traçar o perfil do
migrante de retorno brasileiro, a autora chega a evidências que favorecem a remigração às
origens como o resultado de uma frustração nas expectativas de emprego e rendimentos na região
de destino, caso oposto ao observado para outros países, onde as pessoas que regressam às suas
localidades de naturalidade são, em geral, mais velhas.
O fenômeno da remigração do trabalho no Brasil também assume outras facetas, visto que
os estudos atuais indicam um aumento dos migrantes circulares (por etapas), fruto da provável
instabilidade das condições de emprego na região de destino (CUNHA, 2002). Esse novo
processo migratório pode caracterizar algumas dinâmicas diferenciadas, como fluxos migratórios
com forte concentração regional, mas de alta mobilidade intra-regional. Nesse contexto, além da
questão do desemprego, os movimentos de migratórios poderiam estar relacionados ao aumento
1
da renda das famílias mais pobres e dos programas governamentais de transferência de renda.
Recentemente, por exemplo, Silveira Neto (2008) encontrou evidências de que o programa de
transferência de renda Bolsa Família parece atuar afetando negativamente os fluxos internos de
migração no Brasil, embora tal influência, de acordo com os resultados deste autor, pareça ser
menos efetiva no caso da migração de retorno.
Não obstante este conjunto relevante de evidências a respeito da migração de retorno no
Brasil, um aspecto fundamental permanece inexplorado na literatura: a reinserção do migrante
retornado no mercado de trabalho do seu estado de origem. A este respeito, na literatura
internacional, alguns trabalhos procuraram explicar a tendência de os retornados aos seus países
se encontrarem empregados como autônomos ou empreendedores. As principais argumentações
teóricas para tal fenômeno estariam associadas (i) à importância da repatriação da
renda/poupança oriunda do trabalho no país destino, fluxo que permitiria romper as restrições
financeiras iniciais (ILAHI, 1999; MESNARD, 2004) e (ii) ao processo de acumulação de capital
humano decorrente da experiência com a migração (DUSTMANN e KIRCHKAMP, 2002;
PIRACHA e VANDEAN, 2009). Quando se considera a migração interna entre os estados
brasileiros, muito pouco é conhecido, contudo, a respeito da inserção ocupacional dos migrantes
de retorno no Brasil. Ou seja, em que medida a experiência da migração e o nível de instrução,
por exemplo, afetam a alocação ocupacional do migrante retornado no mercado de trabalho? A
referida lacuna ganha ainda mais ênfase ao se considerarem os impactos do aumento da
informalidade no mercado de trabalho sobre a estrutura salarial e as condições de emprego ao
longo das últimas décadas (BRAGA, 2006; SOUZA, 2006).
Diante de tal panorama, esse trabalho procura evidências sobre o engajamento dos
remigrantes nas atividades econômicas do seu estado de naturalidade. Mais especificamente, o
objetivo é fazer uma análise da inserção produtiva do migrante retornado nos diferentes
segmentos do mercado de trabalho, avaliando quais atributos sócio-econômicos (sexo, raça,
experiência, experiência de emprego da região de destino, escolaridade, tempo de residência) são
determinantes para as chances de emprego nos setores formal e informal da economia.
Para tanto, incluindo essa introdução, o presente artigo está dividido em cinco partes. A
segunda parte apresenta evidências recentes sobre a migração de retorno no Brasil. A terceira
parte é reservada para a exposição dos aspectos teóricos e estratégia empírica. A quarta parte
analisa os resultados econométricos. Por fim, a última parte é reservada a considerações finais.
2. Migração de retorno no Brasil: fatos observados
2.1. As rotas regionais dos migrantes retornados
A migração de retorno no Brasil vem apresentando padrão regional caracterizado pela
importância das regiões Nordeste e Sudeste ao longo do tempo. Observado a distribuição dos
migrantes retornados aos seus estados de origem em intervalos de tempo de retorno, é possível
constatar a referida regularidade. Nesse sentido, a Figura 1, na próxima página, apresenta, para as
duas últimas décadas, a evolução das participações das regiões Nordeste e Sudeste enquanto
localidades de destino e de regresso dos migrantes, respectivamente. Tais indicadores foram
obtidos considerando aqueles migrantes que volveram aos seus estados de naturalidade em
períodos (fluxos) distintos e de curto prazo, isto é, os indivíduos que na data de pesquisa (PNAD)
afirmaram residir nos seus estados de naturalidade, mas que há cinco anos se encontravam em
2
outra unidade da federação. Logo, por se tratarem de coortes separadas por período fixo de
retorno, as participações calculadas não são afetadas pela presença de remigrantes acumulados1.
Os dados revelam que o Sudeste é o principal destino dos migrantes retornados, ao passo
que a região Nordeste, se apresenta como maior emissora dessas pessoas. Tal padrão é
consistente com aquele verificado em vários estudos sobre migração inter-regional no Brasil, os
quais reforçam que as migrações são direcionadas das regiões mais pobres para aquelas mais
ricas, onde as oportunidades de emprego seriam maiores (YAP, 1976; NETTO JÚNIOR et
al.,2003; SANTOS JÚNIOR et al., 2005; JUSTO, 2006; SANTOS e FERREIRA, 2007).
Figura 1: Distribuição dos migrantes de retorno por coortes de data fixa – participação do
Nordeste entre as regiões de destino e do Sudeste entre as regiões emissoras - % (19872007)
Fonte: Elaboração própria a partir dos microdados da PNADs de 1992, 1997, 2002 e 2007.
Nota: Resultados expandidos para a população.
As participações das referidas regiões nos fluxos remigratórios foram crescentes ao longo
da década de 90 e mantiveram-se elevadas no período mais recente. A região Sudeste, que no
inicio do período em foco, atraiu cerca de 42% dos migrantes retornados no país, passou, no
começo do novo milênio, a ser preferência de 53% desses indivíduos, fechando uma participação
de 45% na coorte 2002-2007. Já a região Nordeste, teve representação de 34% no acolhimento
dos retornados entre o período 1987-1992, taxa que alcançou 39% entre 1997-2002,
permanecendo estável até 2002-2007. Assim, é possível perceber não apenas a importância das
regiões em análise para a dinâmica da remigração às origens no Brasil, mas também que essas
participações nos fluxos de retornados guardam correlação positiva entre si, além de registrarem
crescimento expressivo durante o período 1997-2002, no qual o país registrou significativa
redução das desigualdades de renda (SILVEIRA NETO e AZZONI, 2008).
Considerando ainda o critério de identificação dos migrantes por data fixa, seria
interessante identificar a participação dos migrantes de retorno nas migrações interestaduais. A
Figura 2, a seguir, procura elucidar a indagação anterior, ao apresentar as participações das
1
Por remigrante acumulado entende-se aquele indivíduo que registrou histórico de retorno ao seu estado de origem
independente da sua data de regresso.
3
migrações de retorno nas migrações interestaduais segundo as macrorregiões e por coortes de
data fixa.
De uma forma geral, constata-se a forte representação das regiões Nordeste e Sul durante
as décadas mais recentes. No inicio dos anos 90, a região Sul registrou participações de 23% e
25% do fluxo de retornados nas migrações interestaduais, respectivamente para as coortes 19871992 e 1992-1997. Esses patamares superaram aqueles registrados pela região Nordeste, 21%
entre 1987-1992 e 17% para o período 1992-1997. Todavia, a partir do novo milênio verifica-se
uma reversão nas posições dessas duas regiões, ou seja, o Nordeste assume a maior importância
na absorção dos migrantes de retorno dentro dos fluxos interestaduais, registrando uma taxa de
participação de 17% na coorte 2002-2007, contra 15% da região Sul no mesmo intervalo de
tempo.
Figura 2: Participação dos migrantes de retorno nas migrações interestaduais segundo as
macrorregiões e por coortes de data fixa - % (1987-2007)
Fonte: Elaboração própria a partir dos microdados da PNADs de 1992, 1997, 2002 e 2007.
Nota: Resultados expandidos para a população.
As regiões Sudeste, Norte e Centro-Oeste tiveram participações médias em torno de 10%,
no caso da primeira, e de 7% e 6% para a segunda e terceira seqüencialmente. Em termos
dinâmicos, apesar de os dados da PNADs revelarem redução absoluta dos fluxos migratórios no
período mais recente (2002-2007), fato que pode se relacionar com as reduções das desigualdades
de renda entre as regiões, o Nordeste manteve uma tendência estável na taxa de entrada de
retornados, ao contrário da região Sul, que desde a década de 90 apresentou maior tendência de
queda nessa participação. Tais evidências reforçam a importância do Nordeste na emissão e
absorção dos migrantes de retorno no Brasil e alertam para os potenciais rebatimentos desse
influxo de remigrantes o mercado de trabalho.
Cabe ressaltar que os dados analisados até o momento caracterizam apenas a dinâmica
regional da migração de retorno de curto prazo, isto é, indivíduos que deixaram seus estados de
origem e retornaram no prazo de até cinco anos. É bastante intuitivo que nesse caso a frustração
em relação às oportunidades de emprego e de renda na unidade federativa de destino ou ainda
características sazonais de emprego tenham exercido papel determinante no regresso dessas
pessoas. Destarte, torna-se necessário também identificar e comparar as principais rotas regionais
dos migrantes de retorno acumulados e migrantes retornados de médio prazo. Na primeira
4
tipificação, considera-se como migrante de retorno o indivíduo que na data de entrevista afirmou
residir no estado de nascimento, porém já havia morado em outro estado em algum período de
sua vida. Já no caso dos retornados de médio prazo, as informações das PNADs permitem
identificar o individuo que na data de pesquisa mantinha domicílio na unidade federativa de
naturalidade e que, durante os últimos 9 anos, já residiu em outro estado.
Tomando os critérios acima mencionados as Tabelas 1 e 2, a seguir, reportam as rotas
regionais dos migrantes de retorno no Brasil a partir dos dados mais recentes da PNAD de 2007.
Na Tabela 1 são registrados os estoques de migrantes retornados acumulados (sem controle de
tempo de regresso) segundo a macrorregião de residência anterior e por macrorregião de
nascimento (residência na data de pesquisa).
Tabela 1: Migrantes de retorno segundo a macrorregião de residência anterior e por
macrorregião de naturalidade– migrantes acumulados - 2007
Anterior\Atual
NO
NE
SE
SUL
CO
TOTAL
NO
111.942
188.842
85.615
48.852
64.226
499.477
43,3%
10,2%
4,3%
4,7%
21,7%
9,2%
NE
43.924
535.262
216.513
26.661
15.140
837.500
17,0%
28,9%
10,8%
2,6%
5,1%
15,4%
SE
41.767
918.689
1.004.654
363.284
95.547
2.423.941
16,2%
49,6%
50,2%
34,9%
32,2%
44,5%
SUL
2.961
40.565
369.646
428.139
19.732
861.043
1,1%
2,2%
18,5%
41,1%
6,7%
15,8%
CO
58.049
170.752
326.914
173.773
101.899
831.387
22,4%
9,2%
16,3%
16,7%
34,4%
15,3%
TOTAL
258.643
1.854.110
2.003.342
1.040.709
296.544
5.453.348
100%
100%
100%
100%
100%
100%
Fonte: Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD de 2007.
Nota: Resultados expandidos para a população.
Os dados mostram que mais de 5 milhões de pessoas registraram histórico de retorno ao
seu estado de origem, quantidade equivalente a 3% da população brasileira em 2007 e a 19% dos
migrantes interestaduais por naturalidade. A região Sudeste foi a que acumulou o maior estoque
de retornados (pouco mais de 2 milhões de pessoas), seguida pelo Nordeste (1,8 milhões) e Sul (
1 milhão). Do total de migrantes que volveram ao Sudeste, metade procedeu da própria região, ao
contrário da região Nordeste, onde se estima que metade dos retornados apresentou passagem
pelo Sudeste. Com efeito, entre todas as regiões em foco, apenas no Nordeste a maior parcela dos
regressos veio de fora da região. Para os retornados às regiões Sul e Centro-Oeste, o segundo
principal destino foi o Sudeste. Apenas no caso da região Norte é que se observa o Sudeste como
quarto destino dos remigrantes, perdendo preferência para os movimentos intra-regionais e interregionais - Centro-Oeste e Nordeste, respectivamente.
A Tabela 2, a seguir, apresenta os estoques de migrantes retornados de médio prazo
segundo a macrorregião de residência anterior e por macrorregião de naturalidade, ou seja, as
pessoas que regressaram ao seu estado de origem entre 1997-2007.
Constata-se que cerca de 1,7 milhões de indivíduos volveram às unidades federativas de
origem nos últimos dez anos, número que representa 31% dos retornados acumulados. Em geral,
os dados mostram regularidades com aqueles observados na tabela anterior, destacando a região
Sudeste como principal pólo de atração dos migrantes de retorno oriundos do Nordeste (50%) e
como segunda rota para os remigrantes naturais das regiões Sul (38%) e Centro-Oeste (22%).
5
Nesse contexto, a região Nordeste foi aquela que mais emitiu migrantes retornados durante o
período em foco, isto é, cerca de 634 mil, seguida pelo Sudeste com 502 mil e Sul com 340 mil.
Tabela 2: Migrantes de retorno segundo a macrorregião de residência anterior e por
macrorregião de naturalidade – período de retorno (1997-2007)
Anterior\Atual
NO
NE
SE
SUL
CO
TOTAL
NO
51.514
65.429
25.301
13.626
24.573
180.443
42,8%
10,3%
5,0%
4,0%
22,5%
10,6%
NE
19.123
164.794
57.179
12.460
5.541
259.097
15,9%
26,0%
11,4%
3,7%
5,1%
15,2%
SE
16.904
317.395
285.498
129.672
23.787
773.256
14,0%
50,1%
56,8%
38,1%
21,8%
45,3%
SUL
1.355
12.532
63.404
132.495
9.528
219.314
1,1%
2,0%
12,6%
38,9%
8,7%
12,9%
CO
31.497
74.004
71.348
52.489
45.890
275.228
26,2%
11,7%
14,2%
15,4%
42,0%
16,1%
TOTAL
120.393
634.154
502.730
340.742
109.319
1.707.338
100%
100%
100%
100%
100%
100%
Fonte: Elaboração própria a partir dos microdados da PNAD de 2007.
Notas: Apenas retornados com tempo de residência no estado menor ou igual a 9 anos. Resultados expandidos para a
população.
Ao se comparar as evidências apresentadas nas tabelas anteriores percebe-se que a
principal rota inter-regional da migração de retorno no Brasil ocorre no sentido NE-SE-NE e que
a importância da região Nordeste enquanto emissora de remigrantes tem aumentado no período
recente, visto que possui o maior estoque de retornados de médio prazo. Outras rotas interregionais também aparecem em segundo plano: SUL-SE-SUL, NO-CO-NO e CO-SE-CO, porém
cada uma representa menos da metade daquela observada entre as regiões Nordeste e Sudeste.
Por outro lado, ao focar os migrantes de médio prazo também se verifica importantes rotas intraregionais, como no caso das regiões Sudeste, Norte, Centro-Oeste e Sul, respectivamente, com
57%, 43%, 42% e 39% dos seus estoques de retornados procedentes de suas próprias fronteiras
geográficas. Esses padrões intra e inter-regionais ressaltam a necessidade de se avaliar os
impactos da remigração no mercado de trabalho dos estados de naturalidade, ou seja, identificar
como a experiência da migração e/ou acumulação de capital humano pode influenciar a alocação
dos trabalhadores nos setores de atividades formal e informal.
2.2. Perfil e Características de Ocupação dos Migrantes de Retorno
A migração de retorno pode prover aos trabalhadores a oportunidade de acumular
experiências ou habilidades adquiridas durante suas atividades produtivas na região de destino.
Evidentemente, esse diferencial torna-se mais provável quando o regresso às origens não foi
motivado pelo insucesso na busca por emprego ou melhores rendimentos, mas por um
planejamento ao longo do ciclo de vida. Siqueira (2006), usando dados do Censo Demográfico de
2000 mostra que a maior parte dos migrantes retornados no Brasil tem entre 30 e 39 anos, perfil
diferente do observado para outros países, onde se verifica a presença de pessoas mais velhas nos
fluxos remigratórios. Por outro lado, conforme já mencionado, a região Sudeste tem sido o
destino da maior parte dos migrantes de retorno no país. Logo, por se tratar de uma região com
forte concentração de pessoas, conhecimentos e atividades econômicas, a experiência da
migração pode facilitar o engajamento em determinadas funções ocupacionais ou permitir o
influxo de valores que viabilizem o trabalho autônomo (investimentos em pequenos e médios
6
negócios) no seu estado de origem (STARK et al., 1986; TAYLOR e MARTIN, 2002;
DUSTMAN, 2003).
De fato, pouco se sabe, para o caso brasileiro, sobre a re-integração dos migrantes
retornados no mercado de trabalho, embora existam várias evidências na literatura internacional.
Ilahi (1999), por exemplo, em estudo sobre a migração de retorno no Paquistão, mostra que a é
alta a probabilidade de os retornados mais instruídos encontrarem emprego assalariado,
comparado a ocupação autônoma. A principal argumentação levantada pelo autor é que o
trabalho autônomo não exigiria habilidades específicas às ocupações assalariadas no mercado de
trabalho, facilitando a inserção dos remigrantes com menor instrução na referida ocupação.
Dustmann e Kirchkamp (2002) encontraram, para o caso da Turquia, forte correlação
positiva entre escolaridade e propensão de o retornado encontrar-se empregado por conta-própria,
sobretudo, como empregadores. Em estudo mais recente, Piracha e Vadean (2009) mostram que
na Albania, os migrantes de retorno com baixa escolaridade têm maior probabilidade de trabalhar
como autônomos, enquanto os mais escolarizados tenderiam a empregadores. Também revelam,
através de uma analise contrafactual, que se os não-migrantes tivessem optado pela migração de
retorno seriam mais predispostos ao empreendedorismo.
Para traçar o perfil sócio-econômico (características pessoais e de ocupação) do migrante
de retorno no Brasil, doravante, nas próximas tabelas, são feitas comparações entre os atributos
dos não-migrantes e remigrantes. Foram considerados os migrantes retornados de médio prazo,
provendo assim, evidências sobre as características dos trabalhadores que volveram aos seus
estados no período mais recente 1997-2007. Já os não-migrantes são aqueles indivíduos que
responderam nunca ter morado fora do seu estado de nascimento.
A Tabela 3, a seguir, apresenta a distribuição dos não-migrantes e migrantes retornados
segundo sexo, raça e residência setorial, assim como, as médias de anos de estudo, idade, horas
de trabalho semanal (trabalho principal) e renda domiciliar per capita. Apenas foram inclusos os
trabalhadores economicamente ativos na semana de referência. Por tratar-se de dados amostrais,
também foram realizados testes de diferença entre proporções e entre médias dos dois grupos em
destaque.
Observando inicialmente a distribuição dos trabalhadores por sexo, percebe-se que entre
os não-migrantes e remigrantes, a presença de homens é maior. Embora a tabela não considere as
taxas de atividade, existem evidências sobre o aumento da participação feminina no mercado de
trabalho brasileiro (SCORZAFAVE e MENEZES-FILHO, 2001; GUEDES e ALVES, 2004), e,
portanto, a diferença entre homens e mulheres remigrantes pode refletir uma maior freqüência
dos primeiros na tomada de decisão migratória2. Já em relação à raça declarada, não se constata
diferença estatística entre não-migrantes e retornados, entretanto, é possível observar maior
presença de trabalhadores não-brancos em cada grupo.
A concentração de trabalhadores retornados no meio urbano é próxima a registrada para
os não-migrantes, isto é, cerca de 87% desses indivíduos vive na zona urbana contra 13% no
meio rural. Tal característica sugere que após a etapa inicial de migração, a maioria dos
retornados procuraram novas oportunidades de emprego nas cidades, onde se verifica maior
concentração de atividades econômicas e serviços, oferta de infra-estrutura e bens públicos em
relação às áreas rurais. Nesse sentido é possível inferir que os rebatimentos da remigração podem
ser mais intensos no mercado de trabalho das cidades brasileiras.
2
Como os dados em foco exprimem apenas a conjuntura do mercado de trabalho no ano de 2007, não é possível
fazer uma comparação entre as taxas de participação das mulheres no tempo.
7
Tabela 3: Brasil - Perfil dos trabalhadores não-migrantes e migrantes retornados - 2007
sexo
feminino
masculino
raça
não-branco
branco
setor
rural
urbano
não-migrantes %
retornados %
estatística z
45,4
54,6
43,7
56,3
-1,66*
53,1
46,9
54,3
45,7
1,14
13,4
86,6
12,8
87,2
-0,85
não-migrantes (média)
retornados (média)
estatística t
anos de estudo
7,4
8,0
-6,52***
idade
38,4
34,8
12,66***
rendimento do trabalho principal (R$)
779,8
955,5
-5,74***
horas de trabalho
37,1
37,8
-1,94*
renda domiciliar per capita (R$)
567,8
683,5
-6,11***
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados das PNAD de 2007.
Notas: Apenas indivíduos economicamente ativos na semana de referência. Migrantes retornados com tempo de
residência no estado menor ou igual a 9 anos.*** Diferença estatisticamente significativa a 1%. ** Diferença
estatisticamente significativa a 5%. * Diferença estatisticamente significativa a 10%.
Conforme prediz a teoria do capital humano, a escolaridade é uma das variáveis mais
importantes na análise da propensão a migrar (SCHULTZ, 1961; SJAASTAD, 1962; KOCHAR,
2004). Os dados da Tabela 3 mostram que a média de anos de estudo nos migrantes retornados é
superior a verificada para os não-migrantes, sugerindo que o primeiro grupo poderia
antecipar/prever melhor o fluxo de rendimentos provenientes da migração por etapas.
A média de idade também apresenta forte diferença estatística para as duas categorias de
trabalhadores em foco. Enquanto o não-migrante típico possui 38 anos de idade em média, o
retornado registra 35 anos. Tal fato é consistente com os achados de Siqueira (2006), e revela que
o migrante de retorno no Brasil volta ao seu estado de origem ainda na fase jovem/adulta,
caracterizando uma possível instabilidade ou erro de previsão das condições de emprego e renda
provenientes da etapa inicial de arbitragem.
O rendimento médio do trabalho é maior para os retornados, registrando considerável
diferença. No mesmo sentido, também se observa que os que os remigrantes tendem a trabalhar
mais que os não-migrantes, embora o hiato entre as horas semanais trabalhadas não seja
expressivo. A priori, essas desigualdades poderiam ser explicadas por distintas dotações de
habilidades não-observadas em favor do grupo de retornados, em alguns casos, habilidades
adquiridas com a experiência inicial de migração (BORJAS, 1987; BORJAS e BRATSBERG,
1989; DUSTMANN e KIRCHKAMP, 2002).
A renda domiciliar per capita dos não-migrantes é estatisticamente inferior a observada
para os retornados, evidência que sugere melhores condições de vida para as famílias que
possuem trabalhadores com alguma experiência de remigração. Essa diferença permite especular
uma possível influência positiva do envio de rendimentos por parte do migrante, quando de suas
atividades na região de destino, na abertura de pequenos e médios negócios, ou ainda, por outro
8
lado, um melhor suporte familiar ao retorno dos trabalhadores (efeito atrativo das redes sociais)
(STARK et al., 1986; YAMAUCHI e TANABE, 2003)3.
A Tabela 4, a seguir, registra atividade econômica, emprego e ocupação dos nãomigrantes e migrantes de retorno por sexo. Com o intuito de verificar possíveis particularidades
entre os grupos, foram realizados testes de diferenças de proporções por sexo.
Com respeito à condição de atividade econômica, os dados mostram que entre os
trabalhadores homens as taxas de inatividade são bem inferiores àquelas observadas para as
mulheres, não obstante à experiência de remigração. Comparando os retornados com os nãomigrantes, percebe-se que, tanto entre as mulheres, como entre os homens, a taxa de atividade é
maior para o primeiro grupo. Isso indica que o regresso às origens não coincide com o retiro das
tarefas laborais, ao contrário, visto que o migrante volve ainda na fase adulta, essa decisão pode
ter sido motivada pelo desemprego ou instabilidade na região de destino.
Tabela 4: Brasil – Características de atividade, emprego e ocupação dos trabalhadores nãomigrantes e migrantes de retorno por sexo – 2007- %
Condição
não-migrante
feminino
masculino
retornado
feminino
masculino
estatística z
feminino
masculino
Atividade
Economicamente não-ativo
50,2
29,5
42,5
24,7
-6,49***
-4,38***
Economicamente ativo
49,8
70,5
57,5
75,3
Emprego
Desempregado
10,0
5,5
13,0
5,1
3,25***
-0,57
Empregado
90,0
94,5
87,0
94,9
Ocupação
Empregado com carteira
25,9
39,0
23,7
39,8
1,52
-0,57
Funcionário público ou militar
9,2
5,4
5,3
5,5
3,97***
-0,21
Empregado sem carteira
12,4
18,8
16,6
19,5
-3,77***
-0,58
Doméstico com carteira
5,6
0,4
4,0
0,5
1,99*
-0,27
Doméstico sem carteira
13,9
0,6
14,4
0,6
-0,40
-0,15
Conta-própria
18,5
26,0
23,6
25,3
-3,89***
0,55
Empregador
2,2
4,9
2,4
4,6
-0,29
0,57
Produção/Próprio consumo
5,8
2,2
4,7
1,6
1,45
1,55
Construção/Próprio uso
0,1
0,2
0,2
0,3
-1,06
-0,79
Não-remunerado
6,4
2,6
5,1
2,5
1,61
0,18
Total
100
100
100
100
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados das PNAD de 2007.
Notas: Apenas indivíduos economicamente ativos na semana de referência. Migrantes retornados com tempo de
residência no estado menor ou igual a 9 anos.*** Diferença estatisticamente significativa a 1%. ** Diferença
estatisticamente significativa a 5%. * Diferença estatisticamente significativa a 10%.
Observando as condições de emprego para os trabalhadores economicamente ativos, notase que o desemprego é, em geral, menor entre os homens. As mulheres retornadas têm maior
dificuldade de encontrar que os homens remigrantes, e quando comparadas as mulheres nãomigrantes, também se verifica essa mesma característica. Uma provável explicação para esse fato
pode ser em razão da migração familiar, na qual as mulheres acompanham seus cônjuges
enquanto agregadas, e quando restritas exclusivamente às atividades domésticas, não
3
Uma melhor explanação sobre essa questão poderia ser feita avaliando a estrutura de ocupação dos familiares nos
domicílios dos retornados, todavia, foge ao escopo do presente trabalho.
9
aproveitariam as oportunidades de experiência na região de destino, dificultando sua inserção no
mercado de trabalho após o regresso (MINCER, 1978).
Em relação à posição ocupada no trabalho, a distribuição dos homens nas categorias
consideradas apresenta algumas diferenças quando comparada à observada para as mulheres,
independente da condição de não-migrante/retornado. Nesse aspecto destacam-se a forte
predominância dos homens nos trabalhos remunerados com carteira assinada e das mulheres no
emprego doméstico, sobretudo, naqueles sem carteira assinada. Ao se comparar os não-migrantes
com os retornados, é possível verificar que as mulheres retornadas têm maior propensão ao
trabalho por conta-própria ou sem carteira assinada que aquelas não-migrantes. Já entre os
homens, não se constatam diferenças estatisticamente válidas, embora também se observe
importância dos empregos por conta-própria ou sem carteira assinada. A ocupação de
empregador é mais comum entre os homens, e no caso dos remigrantes, menos de 5% dos
ocupados eram empregadores, categoria que quando comparada ao trabalho por conta-própria,
gera maior impacto na economia local devido ao seu efeito multiplicador sobre os postos de
trabalho.
3. Migração de Retorno e Escolha ocupacional: Estratégia Empírica
O modelo empírico a seguir procura identificar os determinantes da escolha ocupacional
dos remigrantes no mercado de trabalho. Para tanto, baseia-se no instrumental e na estratégia de
estimação desenvolvidos por Lee (1983) e aplicados em diversos estudos empíricos sobre oferta
de trabalho (BANERJEE, 1987; MENG, 2001; PIRACHA e VADEAN, 2009).
Considerando um mercado de trabalho segmentado em
setores, a decisão de ofertar
trabalho será condicionada pelo confronto multilateral das potenciais utilidades
obtidas pelo
migrante no conjunto de oportunidades disponíveis. Destarte, o remigrante alocará seu trabalho
no setor se, e somente se, este oferecer o maior benefício líquido em relação aos demais, ou
seja,
, com a variável binária assumindo o valor:
e
caso contrário.
Assumindo que o termo de erro da função de utilidade anterior segue uma distribuição de
valor extremo, Maddala (1983) mostra que a probabilidade de o migrante retornado ser absorvido
pelo setor
pode ser estimada a partir de um logit multinomial:
(1)
Onde: é um vetor de parâmetros;
é um vetor de
características pessoais
que influenciam a procura por trabalho.
O logit multinomial requer uma normalização arbitrária para uma categoria de referência,
pois precisa fornecer
parâmetros com apenas
equações. Nesse sentido, a
interpretação deve ser feita tomando-se uma das categorias de escolha como referência
(GREENE, 2002, p.721).
Um problema bastante comum ao se utilizar amostras de trabalhadores migrantes e nãomigrantes refere-se ao viés de seleção da amostra. A dificuldade pode ocorrer se algum grupo de
indivíduos é distribuído de forma não-aleatória, isto é, devido à presença de características
produtivas não-observadas como: maior motivação, agressividade, menor aversão ao risco etc,
geralmente atribuídas aos migrantes (CHISWICK, 1999). Borjas (1987), por exemplo, mostra
10
que a seletividade do fluxo migratório depende do grau de dispersão relativa das rendas entre as
regiões de origem e destino, enquanto a intensidade e sentido das migrações seguem os
diferenciais de rendimento médio oferecidos aos trabalhadores em cada localidade. Borjas e
Bratsberg (1996), por sua vez, expandem o modelo do primeiro autor permitindo a opção pela
migração de retorno, seja em um ambiente de informação perfeita ou imperfeita. Os autores
mostram diferentes possibilidades de auto-seleção entre os remigrantes dependo da migração
inicial. Caso o fluxo de migrantes seja positivamente selecionado, os retornados fazem parte dos
menos habilidosos dentro do grupo de partida, isto é, são negativamente selecionados. Por outro
lado, se os migrantes iniciais forem negativamente selecionados, os migrantes de retorno seriam
aqueles relativamente mais habilidosos.
Conforme ressaltam Piracha e Vadean (2009), na presença de viés de seleção, a equação
(1) precisaria ser estimada separadamente para cada categoria de trabalhadores, pois os efeitos
dos atributos individuais sobre as probabilidades de emprego seriam diferentes para migrantes e
não-migrantes, caso contrário, os estimadores seriam tendenciosos.
Para testar a hipótese de seletividade entre os trabalhadores idosos, segue-se a estratégia
proposta por Gourieroux et al. (1987). O método consiste em duas etapas. Primeiro, estima-se a
equação de seleção por probit univariado:
(2)
Onde: é uma variável binária que assume o valor 1 se o trabalhador é migrante de retorno e 0
caso seja não-migrante;
é um vetor de variáveis exógenas que influenciam a decisão de
remigração; é um vetor de parâmetros e um termo estocástico.
A partir da estimativa da equação (2) é possível computar os chamados resíduos
generalizados ou conhecidas taxas inversas de Mill:
(3)
Onde:
é a predição linear de (3); é a função de densidade normal padrão e a função
normal de densidade acumulada.
Na segunda etapa, e a variável binária são introduzidas como regressores adicionais
na equação (3), que, por sua vez, deve ser estimada para toda amostra de trabalhadores. Caso o
coeficiente associado à variável (5) seja estatisticamente significativo, fica constatada a presença
de viés de seleção na amostra (PIRACHA e VADEAN, 2009).
Em caso de estimativas separadas para cada categoria, o efeito da experiência de
migração sobre as probabilidade de ocupação pode ser calculado a partir de um exercício
contrafactual. No caso dos migrantes de retorno, esse efeito é dado pela diferença entre a
probabilidade de escolha da ocupação
e a mesma probabilidade caso o trabalhador não
houvesse migrado. Formalmente:
(4)
Onde: o primeiro termo da equação (4) fornece a probabilidade factual e o segundo a
probabilidade contrafactual. Esta última probabilidade pode ser obtida imputando os coeficientes
obtidos com a estimação de (1) para uma amostra de não-migrantes
sobre as características
observadas para os retornados
.
11
Por fim, no caso dos não-migrantes o efeito da experiência de migração sobre as
probabilidades de ocupação é dado por:
(5)
Onde: a primeira parcela de (5) estima a probabilidade factual (probabilidade de ocupação dado
que o trabalhador não migrou) e a segunda a probabilidade contrafactual, ou seja, a probabilidade
de ocupação no setor caso o trabalhador tivesse migrado e retornado. Assim, a probabilidade
contrafactual é obtida imputando o vetor de coeficientes obtidos com a regressão de (1) na
amostra de retornados (
sobre as características observadas dos não-migrantes
.
3.1. Base de Dados e Tratamentos
Os dados utilizados na análise empírica são oriundos da PNAD de 2007, tratando-se da
pesquisa mais recente por amostra de domicílios feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Os dados das PNADs permitem identificar o migrante de retorno de acordo
com vários critérios (CUNHA, 2002). Todavia, a classificação do retornado adotada nesse estudo
segue o cruzamento das informações sobre o estado de residência, estado de naturalidade,
experiência de migração interestadual e tempo de residência. Portanto, caracterizou-se como
migrante de médio prazo o indivíduo que na data da entrevista afirmou residir no seu estado de
nascimento, porém, nos últimos nove anos manteve residência permanente em outra unidade
federativa. Já o não-migrante foi identificado como o individuo que na data de entrevista relatou
que jamais havia mantido residência fora do seu estado de naturalidade.
Cabe ressaltar que essa metodologia mostrou-se mais atrativa que por duas razões: (i) a
identificação do migrante retornado de curto prazo - indivíduo que morava no seu estado de
naturalidade, mas que há cinco anos da data de pesquisa estava fora do mesmo - embora
permitisse o controle do tempo de residência, poderia fornecer resultados tendenciosos, visto que
o período entre a migração e o retorno seria muito curto, inviabilizando um possível efeito da
experiência de arbitragem nas escolhas de ocupação; (ii) a utilização do conceito de migrante de
retorno acumulado – individuo que na data de pesquisa residia no seu estado de origem e já
registrou residência fora desse estado em algum período de sua vida – forneceria uma amostra
maior, contudo, não permitiria uma análise de mobilidade inter-setorial após o regresso, dada a
ausência de controle sobre o tempo de residência.
Após separar a amostra entre não-migrantes e migrantes retornados de médio prazo que
possuíam ocupação na semana de referência, empregou-se outro recorte a partir da faixa etária.
Em todas as regressões foram considerados apenas aqueles trabalhadores com idade entre 18 e 70
anos e, no caso dos remigrantes, descontando o tempo de residência no estado, aqueles que na
data de migração se encontravam nessa mesma faixa. O corte de idade é um procedimento
comum na literatura e busca excluir da amostra aquelas pessoas que não teriam condições de
arbitrar, isto é, os chamados migrantes agregados (FIESS e VERNER, 2003; SANTOS JÚNIOR
et al., 2005). Feita essas restrições, totalizou-se uma amostra de 46.726 trabalhadores, sendo
44.722 não-migrantes e 1.954 migrantes retornados de médio prazo.
Seguindo a metodologia adotada em outros estudos sobre migração e escolha ocupacional
(BANERJEE, 1983, MENG, 2001), tornou-se possível construir a variável de resposta do modelo
de múltipla escolha setorial – equação (1). Tal variável indica o setor de ocupação do indivíduo e
foi agrupada em quatro categorias: (i) trabalhadores empregados no setor formal-privado, (ii)
ocupados no setor informal-assalariado, (iii) empregados no setor informal-autônomo e (iv)
12
trabalhadores do setor formal-público. A seguir discutem-se os critérios usados para o
agrupamento dos trabalhadores em cada um dos segmentos anteriores.
A classificação do setor informal foi dividida em dois grupos: (a) setor informal
assalariado (INFAS) - composto por empregados sem carteira de trabalho assinada que não
contribuíam para a previdência social, trabalhadores não-remunerados e (b) setor informal
autônomo (INFAE) - formado pelos ocupados por conta-própria ou empregadores que não
contribuíam para a previdência social, assim como, aqueles que se achavam trabalhando para o
próprio consumo ou uso4. Duas hipóteses são assumidas nesse agrupamento: (i) a inserção desses
trabalhadores no setor informal pode requerer habilidades específicas a depender do tipo de
ocupação. No caso do trabalho por conta-própria, por exemplo, o alto nível de instrução parece
não ser determinante, porém, outras habilidades podem ser demandadas e (ii) a não-contribuição
para a previdência social é uma característica peculiar do trabalho informal.
Também foi possível separar o setor formal em duas categorias: (a) setor formal privado
(FPRIV) e setor formal público (FPUB). No primeiro setor situam-se os empregados com carteira
assinada, empregadores, trabalhadores sem carteira e trabalhadores por contra-própria que
contribuíam para previdência social. Por sua vez, no setor público foram inseridos os servidores
públicos e militares. A subdivisão do setor formal entre privado e público tornou-se relevante
porque, embora ambos os setores assegurem garantias trabalhistas, o último permite estabilidade
no emprego, característica que pode exigir qualificação diferenciada.
Quanto ao processo de identificação do modelo empírico, esta foi feita a partir de
restrições por exclusão de variáveis (GOBILLON e LEBLANC, 2003; COULON e PIRACHA,
2005). Destarte, algumas variáveis que afetam os custos da migração não aparecem na equação
de escolha ocupacional (1), embora estejam presentes na equação de seleção (2). Este é o caso
das variáveis: (a) número de migrantes no domicílio e (b) número de trabalhadores no domicílio,
usadas aqui como instrumentos para separar os custos associados à remigração dos custos
relacionados à procura por emprego no mercado segmentado (PIRACHA e VADEAN, 2009). As
demais variáveis tratam de atributos pessoais como: sexo, raça, idade, anos de estudo, filiação
sindical, tamanho da família, chefia familiar, presença de filho menor de 14 anos, estado conjugal
e variáveis binárias de localização setorial e regional. As Tabelas A.1 e A.2, em apêndice,
fornecem maiores informações sobre as variáveis utilizadas nos modelos. Na primeira tabela,
encontram-se as descrições e definições de cada variável, enquanto na segunda tabela, as
estatísticas descritivas da amostra. Ressalte-se que a escolha dessas variáveis é consistente com
as observadas em diversos estudos empíricos sobre tema (FIESS e VERNER, 2003; SANTOS
JÚNIOR, et al., 2005; COULON e PIRACHA, 2005; SIQUEIRA, 2006; PIRACHA e VADEAN,
2009).
4. Migração de Retorno e Escolha Ocupacional: Resultados Empíricos
A Tabela 5, a seguir, registra os efeitos marginais sobre a probabilidade de migração de
retorno, obtidos a partir da estimação da equação de seleção (2). Conforme pode ser observado, a
maior parte dos coeficientes de efeito marginal apresentou significância estatística.
Os resultados mostram que um ano a mais de idade aumenta a probabilidade de o trabalhador ser
migrante de retorno em 0,4%. A escolaridade dos trabalhadores parece não apresentar impacto
relevante na propensão à remigração, dado o baixo efeito marginal obtido. Já filiação sindical
diminui em cerca de 0,6% a probabilidade de migração de retorno.
4
Quanto à inclusão de alguns empregadores no setor informal, Saboia e Saboia (2004) afirmam que os empregadores
que não contribuem para a previdência se comportam como se fossem trabalhadores autônomos.
13
Por outro lado, as variáveis de posição e interação familiar também se revelaram
importantes na determinação da migração de retorno. Note-se que os indivíduos responsáveis
pela família (chefes) têm sua probabilidade de remigração aumentada em 0,7%, comparado aos
não-chefes. As evidências também indicam que os trabalhadores com grande número de
familiares no domicílio têm probabilidade de migração reduzida em 0,5%, enquanto a presença
filho menor de 14 anos eleva em 0,9% a mesma probabilidade.
Quanto à localização espacial dos trabalhadores, os resultados indicam que manter
residência em área metropolitana tende a reduzir a propensão de ser retornado em torno de 1,6%,
ao passo que, residir na região Nordeste ou Sul, comparado ao Sudeste (categoria omitida), eleva
a probabilidade de remigração em 2,5% e 1,1%, respectivamente.
Tabela 5: Probit – equação de seleção – efeito marginal sobre a probabilidade de remigração
efeito marginal desvio-padrão
estatística z
p-valor
sexo
0,0036
0,0019
1,9400
0,0520
idade
0,0044***
0,0005
8,8800
0,0000
Idade.quadrado
-0,0001***
0,0000
-9,1000
0,0000
raça
0,0015
0,0018
0,8400
0,4010
anos.estudo
0,0009***
0,0002
4,6800
0,0000
sindicato
-0,0056**
0,0019
-2,9400
0,0030
família.tamanho
-0,0050***
0,0007
-7,1300
0,0000
chefe
0,0074***
0,0019
3,8400
0,0000
casado
0,0015
0,0020
0,7800
0,4330
filho.14
0,0094***
0,0021
4,5200
0,0000
migrantes.família
0,0369***
0,0013
29,2200
0,0000
trabalhadores.família
-0,0072***
0,0009
-7,9500
0,0000
urbana
-0,0017
0,0025
-0,6900
0,4890
metrópole
-0,0158***
0,0016
-9,7300
0,0000
NO
-0,0018
0,0030
-0,6100
0,5440
NE
0,0249***
0,0027
9,2700
0,0000
SUL
0,0113***
0,0027
4,1400
0,0000
CO
0,0012
0,0033
0,3600
0,7180
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da PNAD de 2007.
Notas: Desvios-padrão robustos à heterocedasticidade entre parênteses. *** Estatisticamente significativo a 0,1%. **
Estatisticamente significativo a 1%. * Estatisticamente significativo a 5%.
Por último, é importante destacar a significância estatística e os sinais das variáveis
instrumentais usadas na identificação do modelo. Percebe-se que a presença de um indivíduo a
mais na família que possua histórico de migração, aumenta em 3,7% a probabilidade de o
trabalhador tornar-se um migrante retornado. Já a presença de um trabalhador a mais na família,
reduz a referida probabilidade em cerca de 0,7%. Essas evidências chamam atenção para a
importância das redes sociais na decisão de remigração, assim como, para um possível processo
de decisão migratória no contexto intra-domiciliar (STARK 1982; STARK e BLOOM, 1985;
STARK e LUCAS, 1988).
Na Tabela 6, a seguir, são apresentados os resultados para o teste de viés de seleção na
amostra. Mais especificamente, foram elaborados testes de Wald para os parâmetros associados
às taxas inversas de Mill (resíduos generalizados) no modelo multinomial (1), variáveis de
controle que foram obtidas a partir da estimação da equação de seleção (2) em primeiro estágio5.
5
A Tabela A.3 em apêndice apresenta os resultados completos das estimações utilizadas no teste.
14
Considerando os trabalhadores do setor formal privado como categoria de referência no
modelo de escolha ocupacional, as evidências apontam que na maioria das equações do modelo a
estatística Qui-Quadrado não registrou significância estatística, embora tenha se revelado
diferente de zero na equação de comparação entre trabalhadores do setor público e formal
privado. Essa última constatação parece não ser desprezível, uma vez que repetido o teste para o
conjunto das equações, a estatística calculada revelou-se significante. Portanto, os resultados
informam a respeito de uma possível auto-seleção dos remigrantes em atributos produtivos nãoobservados, os quais podem atuar diretamente na inserção de alguns desses trabalhadores no setor
público.
Tabela 6: Teste para viés de seleção na amostra
Logit Multinomial
(referência)
Estatística
Graus de liberdade
P-valor
Informal assalariado
(Formal privado)
Informal autônomo
(Formal privado)
2,47
1
0,1159
0,66
1
0,4162
Formal Público
(Formal privado)
)
8,43**
1
0,0037
Todas
13,78**
3
0,0032
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da PNAD de 2007.
Nota: ** Estatisticamente significativo a 1%.
Tendo em vista as evidências anteriores, tornou-se conveniente estimar o modelo de
escolha ocupacional (1) para diferentes amostras: (i) para uma amostra conjunta de não-migrantes
e retornados – cujos parâmetros seriam não-tendenciosos na ausência de viés de seleção e; (ii)
para amostras separadas por condição de migração – estratégia consistente com a presença de
auto-seleção (PIRACHA e VADEAN, 2009).
A Tabela 7, a seguir, mostra as conhecidas taxas relativas de risco (TRR) no modelo logit
multinomial, isto é, coeficientes de efeito marginal sobre as chances relativas de ocupação dos
trabalhadores, os quais fornecem informações importantes para avaliação dos resultados. As
TRRs foram calculadas a partir da estimação do modelo de escolha ocupacional (1) na amostra
completa de trabalhadores não-migrantes e migrantes retornados. Todas as equações estimadas
têm por categoria de referência os trabalhadores empregados no setor formal privado.
Cabe ressaltar que, para essa primeira estimativa da equação (1), foi importante adicionar
uma variável dummy de migração, a qual assume o valor 1 caso o trabalho seja migrante de
retorno e 0 caso seja não-migrante. Tal estratégia mostrou-se relevante para tentar captar um
possível efeito da experiência de migração nas chances relativas de ocupação entre os setores,
supondo distribuição aleatória dos trabalhadores na amostra. Portanto, os resultados que se
seguem devem ser observados com cautela, haja vista as já reportadas evidências de viés de
seleção na amostra.
Na primeira coluna da tabela em destaque se compara a probabilidade de o trabalhador se
encontrar empregado no setor informal-assalariado (INFAS) em relação à probabilidade de o
mesmo atuar no setor formal-privado (FPRIV). Já na segunda e terceira colunas, há o mesmo tipo
de análise, porém, confrontando os trabalhadores do setor informal-autônomo (INFAE) e do setor
formal-público (FPUB), respectivamente, com os trabalhadores do setor FPRIV.
Os resultados revelam que, a despeito do setor considerado, o fato de ser homem reduz as
chances de o trabalhador estar ocupado nos setores informal-assalariado, informal-autônomo ou
setor público, relativamente ao setor formal-privado. Com efeito, esses resultados são
consistentes com as evidências já observadas acerca da maior participação dos homens nãomigrantes/remigrantes nos empregos com carteira assinada (ver Tabela 4).
15
Também é possível verificar que um ano a mais de idade ou experiência, diminui a
chance relativa dos trabalhadores começarem empregados no setor INFAS e INFAE em
aproximadamente 12,1% e 4,5%, e, por outro lado, aumenta a chance relativa de ocupação no
setor FPUB em 15,3%6. No tocante à escolaridade, percebe-se que a maior instrução favorece a
inserção dos trabalhadores nos setores formais. No mesmo sentido, a filiação sindical também
aumenta mais a probabilidade de emprego nos setores formais comparado à entrada nos setores
informais.
Tabela 7: Logit multinomial - Efeito marginal sobre as chances relativas de ocupação
INFAS x FPRIV
INFAE x FPRIV
FPUB x FPRIV
sexo
0,4692***
0,7574***
0,5647***
(0,0137)
(0,0227)
(0,0267)
idade
0,8792***
0,9535***
1,1526***
(0,0061)
(0,0065)
(0,0149)
idade.quadrado
1,0015***
1,0010***
0,9990***
(0,0001)
(0,0001)
(0,0002)
raça
0,8807***
10,059
0,9031*
(0,0258)
(0,0286)
(0,0410)
anos.estudo
0,8651***
0,8992***
1,2684***
(0,0032)
(0,0030)
(0,0085)
sindicato
0,1766***
0,2739***
1,6466***
(0,0082)
(0,0099)
(0,0694)
família.tamanho
1,0448***
1,0290**
1,0357*
(0,0101)
(0,0099)
(0,0175)
chefe
0,6996***
0,9184**
0,9675
(0,0220)
(0,0285)
(0,0473)
casado
0,7290***
1,1863***
10,049
(0,0227)
(0,0378)
(0,0494)
filho.14
1,0955**
1,0736*
10,115
(0,0358)
(0,0340)
(0,0496)
migrante.retorno
12,626
1,4091*
0,9888
(0,1831)
(0,1920)
(0,2290)
tempo.residência
0,9796
0,9987
0,9363
(0,0255)
(0,0236)
(0,0392)
urbana
0,3827***
0,3540***
0,9906
(0,0165)
(0,0146)
(0,0928)
metrópole
0,8067***
0,8536***
0,5219***
(0,0231)
(0,0240)
(0,0227)
NO
2,1928***
2,9048***
3,0048***
(0,1050)
(0,1368)
(0,2159)
NE
1,9491***
2,3682***
1,8492***
(0,0692)
(0,0825)
(0,1012)
SUL
10,150
0,9274
0,9607
(0,0401)
(0,0363)
(0,0557)
CO
1,2680***
1,4754***
1,5961***
(0,0708)
(0,0812)
(0,1273)
6
Formalmente, a taxa relativa de risco é dada por:
. Portanto, a
TRR mede a mudança relativa nas probabilidades de absorção setorial, no caso, tendo por referência a probabilidade
de entrada/permanência no setor k.
16
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da PNAD de 2007.
Notas: Desvios-padrão robustos à heterocedasticidade entre parênteses. *** Estatisticamente significativo a 0,1%. **
Estatisticamente significativo a 1%. * Estatisticamente significativo a 5%.
O trabalhador branco tem menor chance de emprego nos setores INFAS e FPUB em
relação ao setor FPRIV. Já o aumento no número de familiares ou a presença de filho menor de
14 anos desfavorece a inserção dos trabalhadores nesse último setor. O chefe de família, por
exemplo, possui maior chance de emprego no setor formal privado, fato oposto ao trabalhador
que vive com cônjuge, o qual tem sua chance relativa de ocupação no setor INFAE elevada em
18,6%.
A residência em área urbana ou metropolitana aumenta a propensão dos trabalhadores
conseguirem emprego no setor formal-privado, enquanto, manter residência nas regiões Norte,
Nordeste ou Centro-Oeste favorece o emprego nos demais setores, sobretudo, nas duas primeiras
regiões.
O efeito da experiência de migração apenas mostrou significância estatística para a
absorção do retornado no setor informal autônomo, no qual se observa que o remigrantes tem sua
chance relativa de emprego nesse setor elevada em 40,9%. Essa evidência, a priori, é consistente
com as encontradas em outros estudos na literatura internacional, os quais verificam maior
propensão dos migrantes de retorno se engajar em trabalhos autônomos quando do seu regresso
ao país de origem (ILAHI, 1999; PIRACHA e VADEAN, 2009). Por outro lado, o tempo de
residência do migrante após seu regresso parece não afetar sua mobilidade entre os setores,
evidência diferenciada em relação às predições dos modelos de migração rural-urbana (HARRIS
e TODARO, 1970; COLE e SANDERS, 1985).
Com o intuito de produzir evidências robustas à presença de viés de seleção, o modelo de
escolha ocupacional (1) foi re-estimado para amostras separadas de não-migrantes e migrantes de
retorno. A Tabela 8, a seguir, apresenta as taxas relativas de risco para não-migrantes e
remigrantes tomando por referência o setor formal-privado.
Em geral, os resultados guardam regularidades com aqueles observados na tabela anterior,
contudo, algumas diferenças devem ser destacadas. No caso dos retornados, a maior experiência
(idade) parece atuar diretamente na propensão de emprego no setor INFAE, aumentando a chance
relativa em 8,8%. Se por um lado, quando se considera os setores informais a escolaridade
elevada favorece o emprego no setor formal-privado, por outro, no confronto de absorção entre
os setores público e formal-privado, os trabalhadores mais educados têm maior probabilidade de
emprego no primeiro setor, sobretudo, os retornados. Enquanto um ano a mais de estudo aumenta
a chance relativa de emprego do não-migrante típico no setor FPUB em 26,5%, para o migrante
de retorno esse incremento é estimado em 43,3%. Tal evidência é consistente com a presença de
atributos produtivos não-observados e favoráveis a parte dos remigrantes, assim como, revela que
o ingresso dos retornados nos setores informais exige menor grau de instrução.
Outros atributos se mostraram importantes para alocação dos migrantes de retorno nos
segmentos do mercado de trabalho. Nesse sentido, pode-se destacar que os retornados homens,
sindicalizados ou chefes de família apresentam menor chance de emprego nos setores informais
quando comparado ao setor formal-privado. Já no caso da residência setorial e regional, o
regresso à zona urbana diminui as chances relativas de emprego nos setores informais, enquanto,
o retorno às regiões Norte ou Nordeste favorece o emprego nesses últimos setores7.
7
No presente caso também se verifica um aumento na chance relativa de emprego no setor FPUB para os retornados
às regiões em foco, entretanto, conforme já mostrado esse efeito guarda correlação com o elevado grau de instrução
ou com atributos não-observados.
17
Tabela 8: Logit multinomial - Efeito marginal sobre as chances relativas de ocupação por
condição de migração e setores
não-migrantes
migrantes de retorno
sexo
idade
idade.quadrado
raça
anos. estudo
sindicato
família.tamanho
chefe
casado
filho.14
tempo.residência
urbana
metrópole
NO
NE
SUL
CO
INFAS x FPRIV
INFAE x FPRIV
FPUB x FPRIV
INFAS x FPRIV
INFAE x FPRIV
FPUB x FPRIV
0,4691***
(0,0140)
0,8759***
(0,0061)
1,0016***
(0,0001)
0,8854***
(0,0265)
0,8643***
(0,0033)
0,1777***
(0,0084)
1,0468***
(0,0104)
0,7075***
(0,0227)
0,7286***
(0,0232)
1,0898**
(0,0363)
-
0,7653***
(0,0235)
0,9497***
(0,0066)
1,0011***
(0,0001)
10,051
(0,0293)
0,8989***
(0,0031)
0,2747***
(0,0101)
1,0302**
(0,0102)
0,9294*
(0,0295)
1,2032***
(0,0393)
1,0676*
(0,0346)
-
0,5559***
(0,0269)
1,1553***
(0,0152)
0,9990***
(0,0002)
0,8986*
(0,0415)
1,2651***
(0,0086)
1,6669***
(0,0715)
1,0397*
(0,0178)
0,9632
(0,0480)
10,140
(0,0509)
10,092
(0,0505)
-
0,3813***
(0,0169)
0,8084***
(0,0236)
2,2062***
(0,1074)
1,9631***
(0,0711)
10,143
(0,0409)
1,2659***
(0,0725)
0,3503***
(0,0148)
0,8600***
(0,0247)
2,8868***
(0,1387)
2,3798***
(0,0848)
0,9200*
(0,0368)
1,4666***
(0,0831)
0,9744
(0,0921)
0,5196***
(0,0230)
3,0007***
(0,2195)
1,8100***
(0,1009)
0,9534
(0,0562)
1,6043***
(0,1303)
0,4630***
(0,0681)
10,300
(0,0473)
0,9996
(0,0006)
0,7847
(0,1116)
0,8754***
(0,0158)
0,1492***
(0,0397)
0,9740
(0,0513)
0,5418***
(0,0832)
0,7541
(0,1164)
12,374
(0,2099)
0,9660
(0,0256)
0,4186***
(0,0826)
0,7792
(0,1167)
1,7949*
(0,4803)
1,6291**
(0,2944)
0,9953
(0,2035)
12,454
(0,3197)
0,5890***
(0,0842)
1,0881*
(0,0409)
0,9996
(0,0004)
10,300
(0,1349)
0,8965***
(0,0138)
0,2609***
(0,0491)
0,9714
(0,0486)
0,7069*
(0,1033)
0,9444
(0,1407)
12,116
(0,1853)
0,9868
(0,0237)
0,4355***
(0,0819)
0,7323*
(0,1023)
3,1942***
(0,7599)
2,1318***
(0,3619)
10,638
(0,2049)
15,672
(0,3795)
10,427
(0,2577)
11,075
(0,1136)
0,9990
(0,0013)
0,9775
(0,2551)
1,4333***
(0,0573)
12,402
(0,2859)
0,9631
(0,1122)
11,162
(0,3022)
0,6837
(0,1795)
12,302
(0,3364)
0,9588
(0,0421)
38,404
(40,624)
0,5852*
(0,1385)
3,3464**
-13,658
3,0986***
(0,9791)
12,054
(0,4012)
13,643
(0,6195)
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da PNAD de 2007.
Notas: Desvios-padrão robustos à heterocedasticidade entre parênteses. *** Estatisticamente significativo a 0,1%. **
Estatisticamente significativo a 1%. * Estatisticamente significativo a 5%.
Considerando os resultados estimados no modelo anterior, utilizaram-se as equações (4) e
(5) para computar por diferença factual e contrafactual os potenciais efeitos da experiência de
migração nas probabilidades de ocupação por setores. Esses resultados são registrados na Tabela
9 abaixo. Na primeira coluna encontram-se as médias das probabilidades de emprego preditas
para migrantes e não-migrantes (factual). Já na segunda coluna são apresentados os valores
médios das probabilidades de emprego contrafactuais, isto é, para os não-migrantes a
probabilidade média de emprego por setor caso tivessem remigrado às origens, e para os
18
retornados, probabilidade média de emprego por setor caso não tivessem migrado. Por fim, a
terceira coluna mostra a variação absoluta na probabilidade de emprego decorrente da
experiência de migração, e a quarta coluna, a variação percentual8.
Os resultados indicam que a experiência de migração e retorno impacta diretamente na
alocação dos trabalhadores no setor informal-autônomo, ou seja, as possíveis habilidades e
experiência adquiridas na região de destino facilitariam o ingresso dessas pessoas no setor
informal, embora ocupados por conta-própria ou enquanto empregadores. Com efeito, caso o
não-migrante tivesse migrado para fora do seu estado e posteriormente retornado, sua
probabilidade de emprego no setor em destaque seria aumentada em 24%. Observando por outra
ótica, percebe-se que caso o retornado não tivesse migrado sua probabilidade de ocupação no
setor INFAE seria reduzida em 20%. Tais evidências são consistentes com aquelas observadas na
Tabela 7 e com as encontradas por Ilahi (1999) e Piracha e Vadean (2009), respectivamente, para
a migração de retorno no Paquistão e Albania.
Tabela 9: Impacto da migração de retorno na probabilidade de ocupação por setores
não-migrantes
FPRIV
INFAS
INFAE
FPUB
FPRIV
INFAS
INFAE
FPUB
(1) Probabilidade predita
(2) Probabilidade contrafactual
Diferença: (2)-(1)
Variação %
0,4142
0,2536
0,2671
0,0651
0,3739
0,2530
0,3312
0,0417
-0,0402**
-0,0005*
0,0641**
-0,0234**
-9,73
-0,24
24,00
-35,94
(1) Probabilidade predita
migrantes retornados
(2) Probabilidade contrafactual
Variação %
0,4024
0,2324
0,3134
0,0518
0,4327
0,2393
0,2503
0,0776
Diferença: (2)-(1)
0,0303**
(2) – (1)
0,0069**
-0,0631**
0,0258**
7,53
2,97
-20,13
49,81
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da PNAD de 2007.
Nota: ** Estatisticamente significativo a 1%. * Estatisticamente significativo a 5%.
Para os demais setores, o potencial efeito da migração atua no sentido de diminuir a
probabilidade média de emprego, sobretudo, nos setores formal-público e formal-privado. Assim,
as evidências parecem sugerir que o retornado típico ter acesso ao setor formal, seria preciso
dedicar um maior tempo a sua qualificação, seja antes de sua saída do estado, ou durante sua
estadia no estado de destino.
Por fim, na Figura 3 a seguir, são apresentadas as probabilidades médias de ocupação
segundo os setores e por tempo de residência do retornado no seu estado de nascimento. Essas
probabilidades são as médias daquelas preditas a partir do modelo de escolha ocupacional (1) sob
a amostra dos remigrantes.
Como pode ser constatado, as evidências sugerem baixa mobilidade inter-setorial dos
retornados. Observa-se que só após 6 anos do regresso, parte dos migrantes de retorno tendem a
deixar o setor informal assalariado para engajar-se no setor informal-autônomo. Nos setores
formais não se verifica tendências de mudanças nas probabilidades de emprego com o passar do
tempo de moradia. Logo, os resultados apontam um papel importante do setor informal na reinserção dos migrantes no mercado de trabalho.
8
Também foi efetuado um teste de diferença entre as médias amostrais das probabilidades factuais e contrafactuais.
19
Figura 3: Probabilidades de ocupação dos migrantes retornados segundo os setores e por
tempo de residência
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da PNAD de 2007.
5. Considerações finais
Este artigo teve por objetivo analisar a inserção produtiva do migrante retornado nos
diferentes segmentos do mercado de trabalho, identificando quais atributos sócio-econômicos são
determinantes para as chances de emprego nos setores formal e informal da economia brasileira.
Primeiro, foi verificado que a região Nordeste é a principal fornecedora de migrantes de
retorno para a região Sudeste. Esta última, por seu turno, revelou-se como principal destino das
rotas inter-regionais desse tipo de migrante no país. Em especial, a rota NE-SE-NE tem sido
historicamente a mais relevante para a os retornados, padrão que vem apresentando regularidade
na década atual, segundo os dados da PNAD de 2007.
Ao se comparar as principais características sócio-econômicas (sexo, raça, idade,
escolaridade, renda e ocupação) dos trabalhadores não-migrantes e retornados entre 1997-2007
foi possível identificar diferenças importantes. O migrante de retorno típico é homem, não-branco
e vive na zona urbana, entretanto, é em média mais instruído e melhor remunerado que o nãomigrante. Os retornados de médio prazo registram idade de média de 35 anos, ou seja, 3 anos
abaixo da verificada para o grupo dos não-migrantes. Tal característica reforça aquelas
encontradas por Siqueira (2006), no sentido de que a motivação do regresso deve ocorrer pela
frustração de expectativas em relação às oportunidades de emprego e rendimentos na unidade
federativa de destino.
Em relação à posição na ocupação do trabalho principal, foi apurado que a maior parte
dos migrantes de retorno no Brasil trabalha como autônomo ou sem carteira de trabalho assinada,
seguido pela ocupação com carteira assinada. Também foram verificadas diferenças de
emprego/ocupação entre os retornados por gênero e entre as mulheres por condição de migração.
Em geral, as mulheres remigrantes têm maior dificuldade de encontrar trabalho que os homens,
sobretudo, aquelas ocupações com carteira assinada. Entre as mulheres, as retornadas encontram
melhor acesso aos empregos sem carteira ou por conta-própria, relativamente aqueles que nunca
migraram.
20
Após considerar uma possível distribuição não-aleatória dos remigrantes na amostra, os
achados empíricos permitiram observar os migrantes retornados do sexo feminino, de baixa
escolaridade ou que não chefiam a família tem maiores chances de empregar-se nos setores
informais da economia. Por outro lado, a probabilidade de emprego do remigrante no setor
formal é positivamente correlacionada com o grau de instrução, principalmente, quando se
considera o ingresso no setor público. As diferenças regionais também são importantes, uma vez
que os remigrantes residentes em zonas urbanas têm maior propensão ao emprego formal,
enquanto os naturais das regiões Norte ou Nordeste tendem às ocupações autônomas e informais.
Não obstante, ainda foi possível constatar que a experiência de migração aumenta a
probabilidade de o migrante retornado trabalhar como autônomo e/ou empregador no setor
informal, evidência consistente com a maioria dos achados na literatura internacional. Nesse
aspecto, o tempo de residência após o regresso não mostrou influência considerável sobre a
mobilidade inter-setorial dos retornados, sobretudo, na saída do setor informal para o formal.
Diante das evidências produzidas, a recomendação derivada é que as políticas públicas
devem atuar na promoção do acesso ao emprego e à qualificação, sem desconsiderar a
importância do setor informal na absorção dos remigrantes, particularmente, na região Nordeste,
principal matriz dos migrantes de retorno no Brasil. A experiência da migração pode prover aos
trabalhadores novas habilidades e conhecimentos que despertem vocações para pequenos e
médios negócios, cujos impactos positivos, ainda que no âmbito informal ou como rota de fuga à
pobreza, não devem ser desprezados.
Por fim, fica a sugestão para que os estudos futuros contemplem melhor os determinantes
da remigração e dos diferenciais de salários sob um horizonte de tempo maior, assim como, os
possíveis impactos da migração de retorno na distribuição de renda e pobreza.
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Apêndice
Tabela A.1: Descrição das variáveis utilizadas nas regressões
Atributos Pessoais
sexo
raça
idade
idade.quadrado
anos.estudo
sindicato
Definição
Variável binária: 1- masculino; 0-feminino*
Variável binária: 1- branco; 0-não-branco *
Idade em anos
Idade ao quadrado
Anos de estudo
Variável binária: 1- filiado a sindicato; 0-caso contrário *
23
Família
chefe
casado
família.tamanho
filho.14
migrantes.família
trabalhadores.família
Migração
migrante.retorno
tempo.residência
Residência
urbana
há
5 anos
metrópole
NO
NE
SUL
CO
SE*
Variável binária: 1- responsável pela família; 0-caso contrário *
Variável binária: 1- vive com cônjuge; 0-caso contrário *
Tamanho da família (número de pessoas )
Variável binária: 1- possui filho menor de 14 anos; 0-caso contrário *
Número de migrantes inter-estaduais por naturalidade na domicílio
Número de trabalhadores no domicílio
Variável binária: 1- migrante retornado de médio prazo; 0-não-migrante inter-estadual*
Tempo de residência em anos – apenas para migrantes retornados
Variável binária: 1- reside na zona urbana; 0 – reside na zona rural *
Variável binária: 1- reside em área metropolitana; 0 – caso contrário *
Variável binária: 1- reside na região Norte; 0 – caso contrário
Variável binária: 1- reside na região Nordeste; 0 – caso contrário
Variável binária: 1- reside na região Sul; 0 – caso contrário
Variável binária: 1- reside na região Centro-Oeste; 0 – caso contrário
Variável binária: 1- reside na região Sudeste; 0 – caso contrário
Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados da PNAD de 2007. Nota: * Categoria de referência/controle.
Tabela A.2: Estatísticas descritivas das variáveis utilizadas nas regressões
variável
sexo
raça
idade
idade.quadrado
anos.estudo
sindicato
família.tamanho
chefe
casado
filho.14
migrantes.família
trabalhadores.família
tempo.residência
urbana
metrópole
NO
NE
SUL
CO
observações
média
desvio-padrão
mínimo
máximo
46.726
46.726
46.726
46.726
46.726
46.726
46.726
46.726
46.726
46.726
46.726
46.726
46.726
46.726
46.726
46.726
46.726
46.726
46.726
0,5557
0,4751
39,0373
1.676,8420
7,5305
0,1821
3,5267
0,5436
0,6779
0,4365
0,1833
2,1082
0,2129
0,8674
0,4146
0,1092
0,3170
0,2267
0,0720
0,4969
0,4994
12,3667
1.024,7530
4,4155
0,3860
1,5067
0,4981
0,4673
0,4960
0,5063
1,0787
1,1449
0,3391
0,4927
0,3119
0,4653
0,4187
0,2584
0
0
18
324
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
1
75
5.625
15
1
13
1
1
1
9
9
9
1
1
1
1
1
1
Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados da PNAD de 2007.
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Migração de Retorno e Escolha Ocupacional no Brasil