SABERES POPULARES FAZENDO-SE SABERES ESCOLARES:UMA ALTERNATIVA PARA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA Attico Chassot Universidade do Vale do Rio dos Sinos RESUMO A alfabetização científica é, nos dias atuais, uma das mais importantes exigências para que tenhamos homens e mulheres mais críticos. A proposta para que se consiga isso se inicia no período quando estudantes, nas séries iniciais do ensino fundamental, começam o ensino formal de Ciências. Neste texto se relata atividades relacionadas com a disciplina de Metodologia do Ensino de Ciências no curso de Pedagogia. Uma das ações centrais desta disciplina é a realização de prática de pesquisa, onde as alunas e os alunos devem procurar, preferencialmente com pessoas de idade mais avançadas e pertencentes à comunidade onde se insere a Escola, saberes populares, que usualmente estão em risco de extinção e fazê-los saberes escolares, mediados pelos saberes acadêmicos. O texto apresenta as diferentes etapas da pesquisa, que se desenvolve durante um semestre letivo e culmina com a apresentação de seminário, no qual, ao lado do relato de saberes pesquisados, os estudantes devem apresentar propostas de como incluir o saber pesquisado nas atividades de ensino de Ciências no ensino fundamental. Há ainda comentários de ações paralelas, aonde pósgraduandos em Educação realizam o estágio de docência do ensino superior acompanhando as práticas de pesquisa das alunas e alunos da Pedagogia. PALAVRAS-CHAVES: Alfabetização científica / Ensino de Ciência / Saber acadêmico / Saber escolar / Saber popular “Se acreditamos que fogo esquenta e a água refresca, é somente porque nos causa imensa angústia pensar diferente.” David Hume, 1711-1776, filósofo e historiador escocês Acerca de uma Metodologia do Ensino de Ciências A dimensão que este relato quer evidenciar é como atividades que se têm realizado com estudantes de Pedagogia, quando se trabalha com a disciplina Metodologia do Ensino de Ciências 1, 2 têm contribuído para uma alfabetização científica dos mesmos e têm possibilitado preparação para aqueles que são / serão responsáveis por apresentar as primeiras noções de Ciências no ensino fundamental. As atividades que se descrevem são práticas de pesquisa, realizada pelos estudantes. Estas consistem em procurar saberes populares e estudá-los – com ajuda dos saberes acadêmicos – e se possível, torná-los saberes escolares. Estes, então, retornam à comunidade donde foram garimpados como saberes populares, agora, como saberes escolares (CHASSOT, 1996). Estes estudos envolvem a problematização da Ciência como uma linguagem e como entendê-la enquanto descrição do mundo natural; isso exige que se propicie aos homens e às mulheres uma alfabetização científica, na perspectiva de que esta possa ajudar a fazer uma melhor inclusão social. Para os propósitos deste texto, mesmo que pudesse ser acusado de reducionista, vale repetir o que tenho discutido em outros textos 3: Ciência pode ser pensada como uma linguagem para entendermos o Universo e explicar nosso mundo natural. Assim, a Ciência é um construto humano, logo falível. Não obstante, vale sublinhar que a Ciência é uma construção feita pelos homens e pelas mulheres – e muito mais pelos homens, por posturas machistas, ao largo de toda a historia da Humanidade. Em outros textos – Bruxaria e demonologia (CHASSOT, 2003b) e A Ciência é masculina? É, sim senhora! (Chassot, 2003c) – amplio a discussão de uma Ciência masculina. Ainda, é enfatizado o quanto a construção dos conhecimentos não é cumulativa e de como a Ciência não tem dogmas. Merecem também referências as discussões acerca de uma Ciência de uma matriz não européia. Para tal, a exemplificação tem sido a Ciência praticada no continente agora chamado América, antes da chegada dos assim chamados colonizadores. (CHASSOT, 2001; 2002). É necessário, previamente, fazer um comentário que assume relevância, no caso específico da docência de Metodologia do Ensino de Ciências. Os alunos e alunas, usualmente, não conhecem muitos conteúdos (in)formais de Ciências, pois a maioria é egressa de cursos de formação de professoras e professores para as séries iniciais do ensino fundamental (Curso Normal). Também, não pode haver a pretensão de, então, se ensinar de maneiras sistemática conteúdos de Ciências. Logo, a seleção de tópicos que se vai trazer para a sala de aula deve ter como exigência primeira fazer com que conheçam algo acerca do conteúdo. Quando se propõe aos estudantes a busca de saberes populares, isso ocorre em duas dimensões: uma, a convicção que há uma necessidade urgente de se preservar saberes populares, até porque muitos estão em risco de extinção; a outra, como as ações de alunos e alunas de Pedagogia – que usualmente não possuem uma muito sólida formação em Ciências – têm uma dimensão social no fazer Educação. Ocorre que estes, usualmente, já são professoras e professores de 2 centenas de alunos 4, que fazem a iniciação nas Ciências. Prioritariamente, se tem buscado realizar aquilo que é central na investigação: fazer dos saberes populares, saberes escolares. Uma e outra destas duas dimensões assumem significados muito diferenciados. Há nas mesmas ações que determinam resultados, às vezes muito significativos: o diálogo entre as gerações, que chega a superar as duas dimensões antes explicitadas. Ocorre, com freqüência, a surpresa do jovem, que vê a riqueza dos saberes detidos pelos mais velhos. E nos mais velhos se manifesta a gratificação em ver a Academia valorizar aquilo que eles conhecem, geralmente, sem valor como conhecimento para muitos. Em este diálogo de gerações é verificável se consideramos que entre os mais jovens aflora o presenteísmo {vinculação exclusiva ao presente, sem enraizamento com o passado e sem perspectivas para o futuro} e o cientificismo {crença exagerada no poder da Ciência e/ou a atribuição à mesma de efeitos apenas benéficos} e como as gerações que vivem a maturidade detêm saberes, que estão sob risco de extinção. Para opor-se ao presenteísmo e ao cientificismo − óbices à alfabetização científica dos jovens − se tem usado como alternativa a recuperação de saberes populares, detidos por gerações que já tenham vivido mais tempo, isso é, detém aquilo que chamamos a voz da experiência. Isso, não somente preserva conhecimentos que estão por desaparecer, como também ocasiona um salutar diálogo entre as diferentes gerações, antes referido. Nesta interação se envolve estudantes em atividades que buscam ligações com seus passados próximo e remoto, procurando a compreensão de como se enraíza e é enraizada a construção do conhecimento e como isso se torna uma alternativa mais sólida para a preparação do futuro. A fonte para esta busca são aqueles que detêm esse conhecimento: os mais velhos. Algumas referências teóricas Há muita leitura lateral para servir de ancoradouro a este trabalho. Aqui se fará referência a apenas quatro autores que estão mais próximos das discussões. Na dimensão histórica, vale recordar análise de um dos maiores historiadores vivos, o inglês Eric Hobsbawm, a respeito de um dos grandes problemas final do século passado e que provavelmente persiste, ainda, nesta aurora trimilenar: 3 A destruição do passado — ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas — é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no fim do segundo milênio. (HOBSBAWM 1995, p. 13). É no apossamento das recomendações de Hobsbawm, nós educadoras e educadores temos também o ofício cometido aos historiadores: lembrar o que os outros esqueceram. É neste espírito que neste texto se revisita nossas raízes passadas para encontrar perspectivas para o futuro. À esta dimensão associo Fourez (1995, p. 127) que diz que, quando se fala de ciência ou de ética, se podem distinguir dois tipos de atitudes. Uma delas chamada de idealista, caracterizada pela aceitação de normas universais e eternas, que determinam de que modo é e como deve ser o real. Uma outra, denominada histórica, vê as configurações assumidas pela ciência e pela ética como resultado de uma evolução, que não obedece necessariamente a leis eternas. Se nos afiliarmos como “históricos” e pudermos entender que essas concepções de uma ciência masculina se deram, e ainda se dão, como resultado de uma história, humanamente construída logo falível, hoje nós estaremos sendo agentes desta construção e temos possibilidades de fazer modificações. Ou, ao contrário, caso adiramos aqueles “idealistas” que assumem o conservadorismo de um modelo pronto e imutável estaremos contribuindo para reforçar preconceitos milenares. Mesmo que nem sempre tenhamos facilidades, parece que tenhamos a nos acostumar, cada vez mais, a nos a afiliar a Feyerabend (1985) ...dada uma regra qualquer, por ‘fundamental’ e ‘necessária’ que se afigure para a ciência, sempre haverá circunstância em que se torna conveniente ignorá-la, como adotar regra oposta. [...] Qualquer idéia, embora antiga e absurda, é capaz de aperfeiçoar nosso conhecimento. [...] o conhecimento de hoje pode, amanhã, passar a ser visto como conto de fadas; essa é a via pelo qual o mito mais ridículo pode vir a transformar-se na mais sólida peça da ciência. Talvez, aqui valesse estarmos atentos a uma recomendação que aprendemos com Thomas Kuhn (1991), quando no Estrutura das revoluções científicas, diz que durante a maior parte do tempo as pessoas (e cientistas) vêem o mundo através de um tipo de óculos – de acordo com um paradigma particular – e, as vezes, é preciso deixarmos um par de óculos e usarmos outro e então vamos vermos outra realidade. 4 Isso exige mudanças de atitudes. Evidentemente que não se está aqui, querendo assumir uma postura monoparadigmática, admitindo que a assunção de um determinado óculo poderá nos assegurar saber o que é certo e o que é errado. Estudantes recolhendo lições de presente nas suas histórias passadas Hobsbawm (1998) enfatiza a necessidade de buscar, no passado, as lições para o futuro. Nesta direção se indica algumas atividades, que podem ser incorporadas à sala de aula. É possível mostrar que, quando nossas alunas e nossos alunos nasceram, o fato de serem meninas ou meninos, talvez não fosse mais uma surpresa para quem os esperavam... Mas, quando os pais deles nasceram, os avós somente ficaram sabendo o sexo do filho ou da filha no dia do nascimento... A partir de quando e como todo isso aconteceu? Quais as modificações que a Ciência determinou com o tirar a surpresa dos nascimentos nos comportamentos sociais? Aqui estão algumas direções de interrogações que se podem fazer aos entrevistados. Que perguntem para eles como era o mundo em que viveram quando tinham a idade dos entrevistadores. Como eram feitos os diagnósticos médicos quando ainda não eram usados os raios-X, ou antes, do uso da ecografía? Quais os métodos de controle da natalidade que se usava antes do advento da pílula anticoncepcional? Como eram os meios de comunicação escrita e/ou sonora, há 20 ou 30 anos? Como eram armazenados os alimentos quando a eletricidade ainda não era acessível a maior parte da população? Como eram embalados os alimentos antes do início do mundo dos plásticos? Como eram as roupas antes do surgimento das fibras sintéticas e dos corantes artificiais? Como eram eliminadas, domiciliarmente, as fezes humanas, ainda na segunda metade século 20, quando não existiam esgotos cloacais na maioria das cidades? Quais os processos usados para a desmineralização da água salobra para torná-la potável? Como se modificaram os processos de escrita, no último século, em que pessoas que foram alfabetizadas em pedras de ardósia ou em uma lousa passaram a escrever com o computador? Uma outra dimensão que pode ser dada às pesquisas é verificar, por exemplo, como são conservados nas regiões de origem dos estudantes os saberes populares que muitas vezes não têm trânsito na Ciência dita oficial. Como e quais saberes alternativos, usados em diferentes práticas sociais, como a conservação de 5 alimentos ou a medicina caseira são desvalorizados, se obrigando a população ao uso de produtos industrializados? Como se impõe métodos ditos científicos para as medidas de terras e/ou de madeiras tirando o crédito de aqueles que as populações conhecem há muitas gerações? Por que certos remédios caseiros (especialmente as infusões ou chás de baixo custo) são desacreditados, impondo-se uma farmácia industrial? Aqui os sujeitos de a investigação serão as mulheres e os homens, que não tiveram, muitas vezes, acesso a uma Educação formal e que a Escola não reconhece como detentores de saberes. Esta proposta da investigação de saberes populares – preferiria chamar de Ciência popular – pode levar à valorização de práticas em extinção. Há, aqui, a significativa preocupação com a preservação do conhecimento. A escola, no obstante, precisa aprender a valorizar os mais velhos e os não-letrados como fontes de conhecimento que podem ser levados à sala de aula. Evoco sempre, uma metáfora: quando morre um ancião, é como se uma biblioteca se queimasse. Não é difícil imaginar como as discussões acerca de aspectos éticos e epistemológicos da Ciência apaixonam os estudantes e os fazem envolvidos no assumirem posturas que traduzem comprometimentos com uma alfabetização científica. Assim, as questões dos alimentos transgênicos, do patenteamento das sementes, da bio-pirataria da criação (virtual) de uma febre suína para se extinguir as espécies nativas – como ocorre com inúmeras variedades animais e vegetais – fazem que hoje nós importemos as avós de todas as galinhas que consumimos (CHASSOT, 2003b). Polêmicas como estas suscitam discussões frutíferas em sala de aula. Um pouco da metodologia A metodologia que se desenvolveu nesta pesquisa está a seguir. Na quarta semana de aula, depois realizar discussões acerca da Ciência e da importância de preservar saberes em risco de extinção se solicitou aos estudantes que entrevistassem pelo menos uma pessoa, de preferência com mais de 75 anos, e perguntassem pelos conhecimentos presentes na vida do entrevistado há pelo menos 50 ou 60 anos atrás. Tem havido, em diferentes edições da disciplina orientações diferenciadas. Há situações em que se deixa a escolha livre entre uma ilimitada gama de saberes (como aquelas interrogações que antes se apresentou, que podem ser um ponto de 6 partida) e em outras se limita, como por exemplo, na edição 2001/2, em que se permitiu a escolha entre três grandes temas: a) aproveitamento de terrenos escarpados para agricultura e/ou construções civis; b) produção e conservação da água, para fins domésticos e/ou agrícola; c) ventos: proteção ou uso como fonte de energia ou previsões meteorológicas. Em torno da oitava semana letiva ocorre apresentação de um pré-relato individual das entrevistas para que o grupo conheça de cada estudante: a) o delineamento da investigação e informações acerca do andamento do trabalho; e, b) uma prévia, para definir um dos saberes encontrados como aquele com possibilidades de ser trabalhado em sala de aula, no ensino de Ciências. Este é um momento de intensas trocas entre os estudantes, aonde indicam colegas possibilidades de literatura e de fontes para pesquisa empírica. Há também aproximações e mesmo associações de pesquisas. Essa atividade corresponde ao chamado grau A, conforme o sistema de avaliação da Universidade. Ao final do semestre, durante pelo menos três encontros (realizados nos momentos destinados aos graus A e B), há apresentação individual, onde cada estudante relata um dos saberes recuperados, discutindo à luz dos conhecimentos desenvolvidos na disciplina e aqueles que pesquisou e relata uma proposta de atividade para o ensino fundamental, usando o saber coletado, que tenha um posicionamento crítico conectado com as discussões que ocorreram ao longo do semestre. Em termos de avaliação esse seminário corresponde ao segundo grau dos estudantes. Quando o acessório é também um objeto relevante Nas quatro últimas edições de Metodologia do Ensino de Ciências – 2001/2, 2002/2, 2003/1 e 2003/2 – participaram integralmente da disciplina mestrandos que, por exigência da CAPES imposta a alunos bolsistas, realizaram estágio por ainda não possuírem experiência de docência no nível superior, sendo que para o mestrado ele tem duração mínima de um semestre. É relevante destacar que os estagiários têm avaliado positivamente a importância do estágio de docência, já que permite ao mestrando – que ainda não atua em nível superior – adquirir experiência, e, sobretudo, pelo adensamento e consistência que ganham ao abordar temas relativos ao projeto investigativo do pós-graduando. E, quando realizam o estágio 7 em turma que é de responsabilidade do orientador, há a possibilidade conhecer e se envolver mais intensamente suas propostas para o ensino de ciências. Assim, nessas edições houve os seguintes envolvimentos de estagiários na Metodologia do Ensino de Ciências: 2001/2, Denilson Silva, licenciado em Física, que encontrou alternativas para resolver seu problema de pesquisa durante o estágio; sua dissertação de mestrado, defendida em 21 de março de 2003, teve como título A roda d’água termina com o apagão nos currículos a transforma o ensino da conservação da energia. Em 2002/2 Regina Tombini, licenciada em Pedagogia, fez o estágio envolvendo-se com alunas na pesquisa de semente caipiras que em 08 de janeiro de 2004 defendeu a dissertação: “Fugindo de sementes que não são sementes” Em 2003/1 realizou seu estágio na disciplina André Boccasius Siqueira, licenciado em Biologia, que em 09 de janeiro de 2004 defendeu a dissertação de dissertação: “Plantas medicinais: aproveitando os saberes de jovens e adultos”. Presentemente (2003/2004) Luciana Venquiaruto, licenciada em Química desenvolve seu projeto “Saberes populares da produção de alimentos fazendo-se saberes escolares: desidratação de bananas uma alternativa minimizar a fome” qualificado em 09 de janeiro de 2004, que tem uma dimensão social muito vinculada a saberes detidos pelas classes populares. Pode-se verificar o quanto essas quatro dissertações estão inseridas na Linha de Pesquisa Currículo, Cultura e Sociedade, mais precisamente no eixo temático Currículo, História da Ciência e alfabetização científica, que examina a história da construção do conhecimento, estabelecendo articulações e interações entre saberes populares, saberes escolares e saberes acadêmicos. Problematiza a concepção da Ciência como uma linguagem e discute o conhecimento científico como instância privilegiada de relações de poder. Estuda a alfabetização científica na perspectiva da inclusão social. Logo, há associação de três atividades na descrição que aqui se faz: alunas e alunos de pedagogia que ao cursar Metodologia do Ensino de Ciências se envolvem com a transformação de saberes populares em saberes escolares; os pós-graduandos ao realizar seu estágio de docência em ensino superior e, aquilo que se diz que é o acessório, mas que se faz objeto relevante: inserção da realização de dissertações de mestrado como atividade relacionada com as práticas de pesquisa de Metodologia do Ensino de Ciências. 8 Como conclusão Sempre parece meio exótico, ao terminar um texto, que se destine um segmento para as conclusões. Tudo o que antes está descrito pode ser pensado como uma continuada conclusão de um trabalho maior que aqui está relatado. Destas sucessivas experiências realizadas com alunas e alunos do Curso de Pedagogia, para que busquem um pouco de suas histórias com aqueles que privilegiadamente as detêm e impeçam que muitos saberes que ainda são correntes em seus cotidianos há três dimensões que parece oportuno destacar. A primeira que os saberes populares podem ser usados como saberes escolares e esse uso se torna mais significativo quando aqueles são procurados, nas comunidades onde está a Escola. Quando os estudantes já exercem suas atividades como professoras e professores há uma facilitação, pois podem, quase imediatamente, experimentar em suas salas de aula as propostas que desenvolvem. Há situações de estudantes, que por não exercerem ainda a docência que se limitaram a fazer projetos para ensino fundamental; outros procuraram classes de colegas para a aplicação de suas propostas. Trazer esses saberes à Universidade e discuti-los na disciplina de Metodologia do Ensino de Ciências é significativo. Os estudantes, ao exporem suas possíveis dúvidas acerca de conhecimentos científicos vão discutindo-as e assim adquirem mais segurança em temas que usualmente não dominam ou são até muito polêmicos, por exemplo, transgenia é um dos assuntos mais recorrentes. Isso facilita depois levar explicações para aqueles que são seus alunos. Outra dimensão que merece destaque é o significativo grau de satisfação dos estudantes envolvidos como pesquisadores, pois ao retornar a um mundo do qual são parte, descobrem realidades que desconheciam. Descobrem pessoas que, mesmo não tendo uma escolarização formal, detêm riquezas de conhecimentos, que merecem ser aproveitados. Cabe ainda o registro de quanto certos laços familiares se tornam avivados, segundo relatos de muitas estudantes. Não foram poucas aquelas que descobriram, na família de seu cônjuge, por exemplo, saberes que ignoravam totalmente. Há situações de manifesta revalorização de familiares ante a descoberta das possibilidades de diálogos antes quase vetados. Merece destaque de que muitos intentam, com sucesso, nas turmas que são docentes idêntica proposta. 9 A terceira dimensão, e talvez a mais relevante – mesmo que possa parecer quase um sub-produto da experiência –, é como as pessoas entrevistadas passam a se sentir valorizadas pelo que podem contribuir para a disseminação daquilo que sabem. Há surpresas e muita alegria quando passam a se reconhecer como fontes privilegiadas de informações, como entrevistadas para algo que a Universidade quer aprender. Houve situações que essas pessoas vieram a Universidade e deram verdadeiras aulas, encantando os estudantes com seus saberes. Ocorreram também em algumas situações em que estas pessoas foram às salas de aula do ensino fundamental e maravilharam alunos e alunas e também a professora de classe. Mesmo que houvesse sido uma situação rara, registro o fato de uma senhora que forneceu exóticas informações acerca de métodos contraceptivos, usados antes do advento da pílula anticoncepcional, e semanas depois veio falecer. Estas atividades em que se fazem estudantes de Pedagogia pesquisadores parecem apontar para uma melhor alfabetização científica dos mesmos. Também se pode reconhecer que desencadeiam um melhor ensino das Ciências nas classes inicias do ensino fundamental. Bibliografia CHASSOT, Attico. A ciência através dos tempos. São Paulo: Moderna, (15ª ed.2003), 1994. _______. Saber acadêmico / saber escolar / saber popular. Presença Pedagógica. n.11 p. 81-84. Set/out 96. _______. Alfabetização científica: questões e desafios para a Educação. Ijuí: Editora Unijuí, (2001,2a Ed), 436p. 2000 _______. Outro marco zero para uma História da Ciência latinoamericana. Química Nova na Escola, p. 42-45, ano 7, n.13 abr.2001. _______. Educação conSciência. Santa Cruz do Sul: EdUNISC. 2003b. _______. A Ciência é masculina? É sim, senhora! São Leopoldo: EdUNISINOS, 2003. FEYERABEND, Paul. Contra o método. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1985. FOUREZ, Gerard. A construção das Ciências. Introdução à filosofia e a ética das ciências São Paulo: Editora da UNESP, 1995. HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos : o breve século XX 1914-1991. São Paulo : Companhia das Letras, 1995. _______. Pessoas extraordinárias: Resistência, Rebelião e Jazz. São Paulo: Paz e Terra, 1998. 10 KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo : Perspectiva, 1991 1 O relato que se faz é na disciplina Metodologia do Ensino de Ciências do curso de Pedagogia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS. Esta é uma das diferentes disciplinas de Metodologia obrigatórias no currículo. Há ainda Metodologias de Língua Portuguesa, de Alfabetização, de Matemática, de Educação Física, de Estudos Sociais, de Ensino Religioso. 2 Se, às vezes, me refiro apenas às alunas ou as estudantes, é porque, quase universalmente este curso é majoritariamente feminino e há turmas, em alguns semestres que são exclusivamente femininas e outras, por exemplo, onde havia 53 alunas e um aluno. 3 Em Chassot (2003a) há uma releitura de alguns textos anteriores, inclusive com ampliação desta discussão de Ciência como linguagem. 4 Esta experiência tem sido feita com alunos e alunas, que, quando fazem seu curso universitário, usualmente à noite, já são em sua maioria professores das séries iniciais do ensino fundamental. 11