REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 INSTITUCIONAL DIREÇÃO DA MANTENEDORA Diretoria Gestão 2013 - 2015 Presidente: Ernani Carlos Boeck Vice-presidente: Ronaldo Fredolino Wendland Secretária: Dalva Lenz de Souza Vice-secretária: Telci Krause Tesoureiro: Hordi Núbio Felten Vice-tesoureiro: Flávio Huber Conselho Fiscal: Waldemar Blum Nelson de Oliveira Mario Tesche Ivo Novotny Arnaldo Schmitt Conselho Deliberativo: Marisa Sandra Allenbrandt Lori Cecatto Kedy Lopez Diretor geral: Flávio Magedanz Vice-diretor Faculdade Três de Maio: Sandro Ergang Vice-diretora Administrativa: Quedi Sônia Schmidt Vice-diretora Educação Básica e Ensino Médio: Marilei Assini Vice-diretora Educação Infantil: Dagma Heinkel Conselho Editorial: Ms Adalberto Lovato; Ms Alexandre Chapoval Neto; Dra Cinei Teresinha Riffel; Ms Douglas Faoro; Ms Fauzi de Moraes Shubeita; Ms Gilberto Souto Caramão; Ms Jorge Antonio Rambo; Ms Lilian Winter; Ms Márcia Stein; Ms Marcos Caraffa; Ms Natália Isaia; Ms Rita de Cássia Maciazeki; Ms Sandro Ergang; Ms Valsenio Gaelzer, Ms Vera Beatriz Pinto Zimmermann Weber; Ms Vera Lúcia Lorenzet Benedetti. Comissão Científica Interna (avaliadores - sistema blinded rewiew): Ms Adalberto Lovato; Ms Alexandre Chapoval Neto; Dra Cinei Teresinha Riffel; Ms Cláudia Viegas; Ms Evandir Bueno Barasuol; Ms Fauzi Schubeita; Ms Gilberto Caramão; Ms Helmuth Grossmann Júnior; Ms Jeane Borges; Ms Lilian Winter; Ms Luis Carlos Zucatto; Ms Márcia Stein; Ms Marcos Caraffa; Ms Natália Isaia; Ms Paulo Pereira; Ms Rita de Cássia Maciazeki; Ms Sandro Ergang; Mda Vanessa Marin; Ms Vera Lúcia Benedetti; Ms Vera Pinto Zimermann Weber; Drdo Fauzi Schubeita; Drdo Luis Carlos Zucatto. Comissão Científica Externa (avaliadores – sistema blinded rewiew): Dra Cristiane Koehler – SENAC (RS); Drdo Cristiano Henrique da Veiga – UFSM (RS); Dr João Bosco Sobral – UFSC (SC): Dr João Leonardo Pires – EMBRAPA (RS); Dr Jorge Luis da Cunha - UFSM (RS); Dr José Antonio Martinelli – UFRGS (RS); Dr Luciano Bedin da Costa - UFRGS (RS); Dra Márcia Soares Chaves – EMBRAPA (RS); Dr Mário Luis Santos Evangelista - UFSM (RS); Dra Marlene Gomes Terra – UFSM (RS); Dr Miguel Vicente Sellitto - UNISINOS (RS); Ms Rafael Marcelo Soder – UFFS (SC); Dr Roque da Costa Güllich- UFFS (RS); Dr Sedinei Nardelli Beber – PUC (RS); Dra Soraia Napoleão Freitas - UFSM (RS); Drdo Valmir Heckler – FURG (RS); Ms Vera Lúcia Fortunato Fortes – UPF (RS); Drdo Rafael Marcelo Soder. Capa e Diagramação: Assessoria de Comunicação SETREM Revisão: Carla Matzembacher Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 - ISSN 1678-1252 Revista SETREM: Revista de Ensino e Pesquisa/ Sociedade Educacional Três de Maio Três de Maio: SETREM. Publicação Semestral EDITORIAL 90 ANOS DE HISTÓRIA Ao apresentar mais um exemplar da REVISTA SETREM, reafirmamos o nosso compromisso de traduzir as diferentes áreas de atuação da Sociedade Educacional Três de Maio. Nos propomos a veicular a produção acadêmica de pesquisadores em diversas áreas de forma a ampliar as discussões sobre os temas em questão. Esta revista busca ser um elo do meio acadêmico, empresarial e demais instituições, buscando e levando conceitos, interpretações, inovações e desafios. Desta forma, contribuindo na produção, desenvolvimento e socialização do conhecimento. Nesta edição, a Revista SETREM, se fortalece como um espaço de socialização do conhecimento produzido por pesquisadores das variadas áreas do conhecimento, permitindo que as novas descobertas cheguem de forma rápida e acessível a toda a comunidade. Contamos com 15 artigos científicos, no qual o leitor, poderá perceber alguns frutos do trabalho conjunto entre professores e acadêmicos. Essa colaboração certamente permite o crescimento e amadurecimento intelectual de ambos. Esperamos que este número possa despertar, ainda mais, a curiosidade, a busca por integração entre docentes, estudantes, empresas e instituições, através do dialogo e a integração entre o ensino, a pesquisa e a extensão. É com imensa satisfação que apresentamos a REVISTA SETREM n° 21, agradecendo a todos os que contribuíram com seus artigos e deixando o convite para todos aqueles que quiserem utilizar esse instrumento para divulgação de suas pesquisas e discussões. Prof Msc. Sandro Ergang Vice-Diretor de Ensino Superior REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 SUMÁRIO A PESQUISA DE TENDÊNCIAS COMO SUPORTE PARA O DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS DE MODA..................05 Vanessa Marin Ana Paula Hettwer Maressa Giovana Martinelli Sociedade Educacional Três de Maio ESTUDO DO PLANEJAMENTO DA CAPACIDADE PRODUTIVA A LONGO PRAZO EM UMA INDÚSTRIA GRÁFICA..............................................................................16 Daiane Patrícia Scheid Loana Wollmann Taborda Sérgio Luiz Jahn Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM Universidade Federal de Santa Maria – UFSM APLICAÇÃO DAS MELHORES PRÁTICAS DO ITIL PARA PROCESSO DE GESTÃO DE FORNECEDORES EM UMA COOPERATIVA DO AGRONEGÓCIO........28 Denise da Luz Siqueira Diego da Rosa Vera Lúcia Lorenset Benedetti Sociedade Educacional Três de Maio ANÁLISE E APLICAÇÃO DO SCRUM COM O NÍVEL G DO MPS.BR EM PROJETOS SMALL BUSINESS DE EMPRESA DE TI..................................................43 Bruna Weber, Sidnei da Silva Viana Cristiano Schwening, Renato Rockenbach Sociedade Edicacional Três de Maio EDUCANDO PELOS DIREITOS HUMANOS: UMA QUESTÃO DE CIDADANIA................54 Jociele Chaves Silvia Natália de Mello Marina Zucatto Sociedade Educacional Três de Maio REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 A IMPORTÂNCIA DO USO DOS LABORATÓRIOS DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO: A VISÃO DE ALUNOS DE SÉRIES INICIAIS E DE PROFESSORES..................................62 Deise Aline Müller Fabíola Ramiro Schmieder Taís Laura Cardoso Sott Gustavo Griebler Sociedade Educacional Três de Maio EDUCAÇÃO INFANTIL E O ENSINO DE CIÊNCIAS: DO COTIDIANO DA CRIANÇA AO ENSINO APRENDIZAGEM NO AMBIENTE ESCOLAR.......................................................69 Deise Graciéli Tresel Juliana Santos Farsem Tatiana Dallavechia Vera Beatriz Pinto Zimmermann Weber Sociedade Educacional Três de Maio CARTOGRAFIA DE UM ENCONTRO COM O TERRITÓRIO EXISTENCIAL DA CEGUEIRA..............................................................................................80 Ana Paula Benatti Luciano Bedin da Costa Sociedade Educacional Três de Maio FATORES DE RISCO E DE PROTEÇÃO NUM CASO DE ABUSO SEXUAL INFANTOJUVENIL: AVALIANDO O PROCESSO DE RESILIÊNCIA..................................................89 Taísa Mariluz Rommel Jeane Lessinger Borges Sociedade Educacional Três de Maio PSICODINÂMICA DO TRABALHO: FATORES QUE INFLUENCIAM NO PRAZER E NO SOFRIMENTO DE TRABALHADORAS DE UM COMÉRCIO VAREJISTA .....................................................................................................105 Katiani Pieczaki Pertile Lilian Ester Winter Sociedade Educacional Três de Maio OCORRÊNCIA DE EVENTOS ADVERSOS E IATROGENIAS EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA ADULTA....................................................................119 Jacinta Spies Sávio Erni Schulz Sociedade Educacional Três de Maio REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: ÍNDICE DE MATERNIDADE PRECOCE NOS MUNICÍPIOS PERTENCENTES À 14ª COORDENADORIA REGIONAL DE SAÚDE........................................................................................................127 Graciele Getania Barcellos Farias Vera Beatriz Pinto Zimerann Weber Beatriz de Carvalho Cavalheiro Sociedade Educacional Três de Maio SUCESSOS E INSUCESSOS DO ALEITAMENTO MATERNO...........................................136 Karoline Bazanella Beatriz de Carvalho Cavalheiro Sociedade Educacional Três de Maio O PERFIL DOS ACIDENTES DE TRABALHO EM AGRICULTORES DE UM MUNICÍPIO DO NOROESTE GAÚCHO..................................................................144 Fabiana Balsan Mirian Herath Rascovetzki Sociedade Educacional Três de Maio NÍVEL DE SATIFAÇÃO DOS ENFERMEIROS COM SEU TRABALHO.............................154 Simoni Sandra Colombo Jacinta Spies Fauzi Shubeita Sociedade Educacional Três de Maio REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 A PESQUISA DE TENDÊNCIAS COMO SUPORTE PARA O DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS DE MODA Vanessa Marin 1 Ana Paula Hettwer2 Maressa Giovana Martinelli3 Sociedade Educacional Três de Maio - SETREM 4 RESUMO ABSTRACT Este artigo se propõe a apresentar as pesquisas desenvolvidas e os resultados obtidos com o Projeto de Pesquisa vinculado ao NUMO (Núcleo de Pesquisa de Tecnologia em Design de Moda), durante o período de outubro de 2011 a outubro de 2012, da Faculdade Três de Maio – SETREM. Este trabalho procurou levantar a importância da pesquisa de tendências no desenvolvimento de novos produtos de moda, detectando as principais carências nas empresas de confecção da região noroeste do Estado. Inicialmente, procurou-se delimitar a problemática de estudo, que seria a ausência de gestão de projetos em design de moda e de pesquisa de tendências nas indústrias de confecção, acompanhada das principais hipóteses para a questão (falta de profissionais qualificados, cultura de design, investimentos ou mesmo de conhecimento sobre as metodologias específicas da moda). Apresentaram-se, em seguida, alguns caminhos metodológicos possíveis de serem percorridos para alcançar os objetivos da pesquisa, através de pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo. Posteriormente, foram discutidos alguns conceitos que permeiam as metodologias e a gestão de projetos em design de moda, ressaltando a pesquisa de tendências, o trabalho de coolhunting e o processo de difusão da cultura visual, para um maior entendimento da questão. Na parte final do trabalho, apresentam-se os resultados obtidos com a pesquisa de campo, identificando os pontos de maior carência das empresas, acompanhados de soluções e alternativas que podem ser adotadas pelas mesmas com relação à inovação e métodos de gestão de projetos para o setor da moda. This article intends to present the researches carried out and the results obtained with the Research Project linked to NUMO (Technology Research Nucleus in Fashion Design), during the period from October 2011 to October 2012, From Três de Maio College – SETREM. This work intended to raise the importance of research trend in the development of new fashion products, detecting the major deficiencies in manufacturing companies in the Northwest regions of the stat., First, it was tried to define the study problem that would be the lack of project management in fashion design and trend research in the clothing industries, accompanied by the main hypotheses for the issue (lack of qualified professionals, design culture, investments or even knowledge of the specific fashion methodologies). Then, some possible methodological ways were introduced to be traversed to achieve the research objectives, through a literature review and field research. Later some concepts that permeate the methodologies and managements in fashion design were discussed, highlighting the trend research, the work of coolhunting and diffusion process of visual culture to a greater understanding of the issue. At the end of the work, the results obtained from the field research were presented, identifying the points of greatest needs of the companies, along with solutions and alternatives that can be adopted by them in relation to innovation and project management methods to the fashion industry. Keywords: Research. Fashion Trend. Innovation. Palavras-chave: Pesquisa. Tendência de Moda. Inovação. 1 Bacharel em Desenho e Plástica (UFSM), Especialista em Design para Estamparia (UFSM), Especialista em Criatividade em Produtos e Negócios de Moda (UCS), docente do Curso Superior de Tecnologia em Design de Moda da SETREM , email: [email protected] 2 Acadêmica do Curso Superior de Tecnologia em Design de Moda da SETREM , email: [email protected] 3 Acadêmica do Curso Superior de Tecnologia em Design de Moda da SETREM , email: [email protected] 4 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, Av. Santa Rosa, 2504, Três de Maio – RS, email: [email protected] 5 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 demonstrar o papel das tendências de moda no desenvolvimento da cultura que permeia a criação (desenho/projeto/design) de novos produtos, para a posterior produção nas indústrias de confecção. O terceiro e último passo abrangeu a pesquisa de campo, que foi realizada pelas acadêmicas que participam deste trabalho, apontando as principais deficiências das empresas visitadas, culminando com a apresentação de possíveis saídas para a falta de pesquisa em design nas referidas empresas. 1. INTRODUÇÃO Criar produtos adequados ao mercado da moda que expressem contemporaneidade no design, através da pesquisa das transformações da sociedade e dos movimentos internacionais da moda, é imprescindível ao designer. Este profissional deve analisar as necessidades e desejos que possam estar inconscientes no mercado e saber adaptá-los aos seus projetos de maneira criativa, objetivando enriquecer e abastecer o mercado da moda. As tendências em cores, formas, materiais e mesmo de comportamento são determinantes no sucesso ou fracasso de uma coleção. Seguir uma tendência não deve ser confundido com copiar uma tendência. O designer deve explorar e personalizar as informações disponíveis, criando produtos que agreguem valor e tragam rendimentos à empresa, criando um diferencial competitivo e gerando inovação. 2. MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA Para a realização desta pesquisa, seguiram-se os seguintes passos metodológicos: - pesquisa bibliográfica (livros, revistas) e virtual (blogs, sites) sobre o assunto em questão; - levantamento de dados junto a diversas empresas de confecção da região noroeste do Estado do Rio Grande do Sul; - análise dos dados levantados; - estruturação de uma proposta e/ou conclusões que apontem saídas para as dificuldades encontradas ao final desta pesquisa. Entender como se formam tendências na moda, de onde surgem e como se multiplicam, além de entender os principais canais de divulgação midiática da cultura visual, bem como saber selecionar as informações e adaptá-las a uma coleção de moda, são competências a serem desenvolvidas nas empresas de confecção de moda. A abordagem desta pesquisa foi qualiquantitativa, pois apresentou suposições e interpretações subjetivas dos resultados, bem como apontou resultados em números. A problemática encontrada, com relação ao desenvolvimento de produtos de moda nas empresas da região, é a falta de pesquisa original e criativa, muitas vezes por falta de formação e informação das empresas e seus funcionários, atestando que muito campo de trabalho e pesquisa pode ser desenvolvido neste setor. A pesquisa objetivou seguir os procedimentos abaixo citados: - pesquisa bibliográfica: através da consulta de obras escritas por outros autores a respeito do assunto a ser pesquisado; - pesquisa de campo: através da coleta de dados em que eles efetivamente ocorrem de forma sistematizada, organizada; - pesquisa-ação: através da participação destas pesquisadoras no processo de soluções do problema em questão. Para o desenvolvimento deste trabalho, aqui apresentado sob a forma de artigo, seguiram-se três passos fundamentais: o primeiro foi a definição do caminho metodológico que pretendia ser percorrido, através da apresentação do tema de pesquisa, sua problemática, as principais hipóteses encontradas para a questão, bem como os objetivos que pretendiam ser alcançados, a justificativa e a metodologia necessária para o andamento do projeto. O segundo passo foi o aprofundamento do assunto central da pesquisa, ou seja, As técnicas que foram utilizadas nesta pesquisa são: - observação: exame dos fatos em questão, através de visitas a diversas empresas de confecção, bem como dos fenômenos culturais contemporâneos que afetam a dinâmica da moda; - entrevista: contato direto com 6 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Com base nessas pesquisas e análises de especialistas em marketing de moda, os birôs apresentam novas tendências, trazendo maior segurança às empresas de confecção no desenvolvimento de seu portfólio de produtos. Assim relembra Rech (2000): profissionais envolvidos nos diversos segmentos da moda (empresários, costureiras, pesquisadores de moda, designers); - pesquisa de mercado: obtenção de informações a respeito do mercado de moda, suas metodologias de planejamento e desenvolvimento de novos produtos e dados que comprovem sua eficácia. Bureaux de Style são cadernos de tendências que proporcionam diretrizes básicas que refletem os anseios do mercado. As tendências servem de inspiração e de visualização para a criatividade, abrem as portas da imaginação; e são ilustradas pelos temas (ou inspirações, ambiências, atmosferas ou influências como são diversamente denominadas) que representam imagens, a partir das quais se inicia o processo de edição das novas propostas de moda que se tornarão a realidade de determinada estação (RECH, 2000, p. 36) 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Este item pretende apresentar as principais definições teóricas sobre o assunto levantado na problemática desta pesquisa: o que é tendência de moda, como ela surge e se propaga e como as empresas de moda utilizam as pesquisas de tendências para o desenvolvimento de seu portfólio de produtos. 3.1 Definições gerais de tendência de moda Alguns birôs são considerados mais “influentes”; portanto, têm maiores chances de fazer valer suas apostas. Ao final de uma temporada de desfiles nas principais capitais da moda (Paris, Milão, Nova Iorque, Tóquio, Londres), ficam claras quais tendências foram confirmadas pelos estilistas em suas coleções desfiladas. Tendências de moda são propostas sobre cores, tecidos, temas e formas (silhuetas), apresentadas pelas indústrias têxtil e química a cada estação, sendo acompanhadas pelas mídias de moda (revistas, jornais, sites, blogs, etc). Essas tendências são as bases para o desenvolvimento de novos produtos de moda, pois refletem o desejo de consumo da população. Nem tudo o que os birôs de estilo apresentam é seguido pelos estilistas ou pelas empresas. Muitos preferem apostar em propostas próprias, sendo conhecidos como lançadores de tendências. Entretanto, somente grandes marcas podem correr este risco, pois já possuem um público-alvo estabelecido e não correm risco de rejeição de consumo. A i n d ú s tr i a q u ím i c a ( d e fi o s e pigmentos) precisa definir com, pelo menos, dois anos de antecedência suas propostas, pois estão no topo da cadeia têxtil, sendo seguida pela indústria de confecção e designers, que definem suas propostas um ano antes de os produtos estarem em voga. Assim, quando uma nova estação do ano se inicia, os produtos de vestuário já se encontram plenamente produzidos, precisando somente ser distribuídos ao varejo. A pesquisa deve estar sempre em estágio mais avançado que a produção, pois os produtos que entram no mercado consumidor devem trazer novidades para o estímulo de consumo. A moda de rua, desde meados da década de 1950, vem apresentando, também, suas próprias ideias de moda, sendo considerada também uma grande lançadora de tendências. A cultura jovem urbana é conhecida como um nicho de consumidores inovadores, particularmente receptivos ao novo e às propostas de moda de vanguarda. Exemplo disso são as tribos urbanas, como os punks, os hippies, os grunges, os clubbers e tantas outras, que usam a moda como sinalização de estilos de grupos de identificação. “As pessoas mais jovens já adaptadas a culturas de consumo atual possuem um alto grau de curiosidade, de gosto pelo novo e estão predispostas a Para “adivinhar” as propensões da moda no futuro próximo, foram criados birôs, que são empresas que colhem informações no mercado, na sociedade, na economia e na cultura do mundo e de regiões específicas. 7 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 experimentar o diferente, em nome da experiência” (Picoli, 2009, p.4). Assim, a moda de rua é considerada um forte vetor de força de criação de novas tendências, disputando atenção dos pesquisadores e designers. “copiar” o que outra empresa está lançando, “entrar no barco” de propostas de grandes marcas de moda. Este sistema de adaptação (cópia), de venda e de renovação em espaços de tempo muito curtos é conhecido como fast-fashion, em analogia ao fast-food, ou seja, moda de consumo rápido, massificado e de pouca ou nenhuma identidade. O fast-fashion, que atende ao anseio de consumo, gerou grandes redes de varejo como C&A, Renner, Riachuelo, Marisa, Hering. Outro exemplo, que também é considerada campeã de moda rápida, é a rede Zara, que mantém na Espanha um departamento de criação com 200 pessoas encarregadas de reagir rapidamente diante de qualquer novidade. Na década de 1990, surgem as misturas com estilos históricos através do aparecimento dos brechós e da consciência ecológica, tornando possível a reutilização de roupas em conformidade com as propostas sustentáveis para o planeta. Jovens consumidores com pouco poder aquisitivo passaram a comprar roupas de várias épocas e usá-las de forma ousada e criativa. Desse modo, uma grande diversidade tomou conta da cena, tornando a moda cada dia mais múltipla. O novo século está se caracterizando pela individualização. O desenvolvimento da informática permitiu a produção personalizada, o design foi desmassificado. Cada pessoa, hoje, pode interferir em suas roupas, rasgando, aplicando, transformando peças sem identidade em looks únicos: é a era da customização. Assim, o novo milênio está imerso nessa situação contraditória: a customização, embora seja também mais uma moda, é a subversão total do que se entende por tendência. A previsão de tendências é uma grande indústria que influencia diversos setores, especialmente os ligados ao design. Deter as informações requer ampla capacidade de pesquisa e interpretação de sinais, fazendo com que o acesso a essa rede se torne restrito a quem puder arcar com os altos custos dessas informações, conforme cita Seivewright (2009, p.62) “As empresas investem grandes quantias de seus orçamentos para obter esse tipo de visão sobre o mercado e sobre qual deve ser o foco de suas ideias”. Nas sociedades contemporâneas, as novas tendências nascem nos gestos isolados de alguns pequenos grupos e em tudo o que se vê e se faz e que pode assumir múltiplas formas diferenciadas e/ou inovadoras. À medida que se consolidam e evoluem, aumentam a sua influência no mercado consumidor. Para que uma tendência se torne moda, ela precisa ser escolhida entre várias outras propostas e adotada (PICOLI, 2009, p.6) Como muitas pequenas confecções ainda não criaram a cultura de design em suas organizações, torna-se uma saída sugerida “inconscientemente” seguir o que outra empresa já está desenvolvendo. Nesse sentido, Caldas (2006, p.18) afirma com veemência: “Ora, como erigir um polo de moda autônomo e de importância internacional enquanto insistimos em importar tendências?”. Quanto mais complexa se tornam as culturas e sociedades, mais instável se torna o mercado de moda, que fica aberto às mais diversas possibilidades. Portanto, planejar e prever são ações imprescindíveis no desenvolvimento do design de moda. Como afirma Picoli (2009, p.9): “O propósito fundamental de entender as motivações, costumes, tendências e modas que emergem ou se difundem no mercado é o de obter a informação necessária para o desenvolvimento e melhoramento de serviços Em um momento no qual a moda está sujeita às mais diferentes influências, seja de grandes empresas, seja da moda de rua, surgem muitas incertezas: que caminhos seguir, que pesquisas devem ter mais enfoque, em quais tendências apostar? Sem dúvida alguma não se trata de uma tarefa fácil para as confecções, especialmente as pequenas e microempresas que, na sua maioria, não possuem um departamento específico de pesquisa e desenvolvimento de produtos. A saída mais rápida e fácil tem sido 8 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 e produtos”. uma análise profunda do mercado, dos padrões de compra dos consumidores, e facilita tomadas de decisões de compra na fase de desenvolvimento e lançamento de novos produtos. (PICOLI, 2009, p.7). 3.2 Coolhunting O coolhunting é a atividade focada em localizar as tendências, principalmente entre as culturas jovens. O coolhunter é o profissional que deve desenvolver métodos de pesquisa que vão ao encontro da descoberta de novas atitudes, movimentos, desejos e todo tipo de alterações significativas no mercado da moda e da cultura de rua em geral, utilizando ferramentas próprias da psicologia e da antropologia na pesquisa e interpretação de tendências (Picoli, 2009). Esta terminologia em inglês, portanto, tem sido utilizada para caracterizar um novo profissional de moda, o pesquisador de tendências, amplamente requisitado e procurado através das novas mídias digitais. “A principal diferença entre o coolhunting e as outras ferramentas de pesquisa de tendências é que esta nova metodologia requer um processo contínuo e não cíclico” (Picoli, 2009, p.9). Para captar de maneira mais eficaz as novas tendências de consumo e comportamento, o coolhunter precisa encontrar perfis inovadores, geralmente no chamado público de vanguarda, que é considerado, na moda, o mais rico em informações. Para tanto, é essencial que o pesquisador tenha um olhar sensível e curioso para este campo. 3.3 A difusão da cultura visual O processo de difusão de novas ideias requer um amplo caminho de comunicação, para que sejam compartilhadas, consumidas e/ou usufruídas pela população. No universo da moda, o fluxograma de consumo se dá a partir do lançamento de alguma tendência (inovação ou tendência de consumo), seguindo-se pelo consentimento de um amplo espectro de consumidores, pela cópia, sua massificação e consequente desgaste, conforme figura 3 Espalhados pelo mundo, os coolhunters têm a função de descobrir movimentos culturais e estéticos que poderão influenciar a moda, a publicidade e o design. O seu trabalho é o de caminhar pelas ruas, relacionar-se com diversas pessoas e viajar por diferentes cidades na tentativa de detectar, registar e sistematizar elementos que poderão tornar-se moda. Analisam o contexto comportamental de uma sociedade, buscando novos conceitos. Estão à procura do cool, isto é, atitudes e desejos com potencial de desenvolvimento (PICOLI, 2009, p.7). O coolhunter tem o desafio de criar uma conexão emocional que as marcas necessitam, descobrindo os anseios dos diversos tipos de consumidores a fim de garantirem o consumo dos produtos, em uma nova proposta de pesquisa de mercado, tradicionalmente realizada pelos departamentos de marketing. Fonte: MARIN, HETTWER, MARTINELLI, 2012. FIGURA 3: Ciclo rápido da moda. O coolhunting possui diversas aplicações no mundo dos negócios, em particular em duas áreas: a observação de mercados e o desenvolvimento de inovações. (...) Isto é benéfico para a estratégia de mercado da empresa, pois permite Dentro desta lógica, de acordo com Jones (2005), a difusão das tendências pode ter origem, basicamente, em duas fontes distintas: uma de origem popular, oriunda das manifestações da cultura de rua, chamado “efeito borbulha”, outra de origem no 9 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 - determinar parâmetros a serem seguidos no desenvolvimento de uma coleção de produtos, chamado de mix de produtos, dimensionando a coleção; - definir um tema ou uma inspiração artístico-conceitual que englobará as tendências, a cartela de cores e os tecidos, criando um estilo visual para a coleção de moda ou o produto em si; - criar modelagens para as peças, seguidas de mostruário com peças-piloto; - elaborar fichas técnicas para todas as peças da coleção, especificando todos os d e t a l h e s t é c n i c o s p a r a a produção/confecção. mercado de luxo, chamado “efeito desaguamento”. O “efeito desaguamento” surge no topo da pirâmide, ou seja, em um meio social restrito e de luxo, geralmente composto por marcas de alta-costura, artistas de cinema e estrelas pop. A partir da cultura visual amplamente emitida por esse pequeno grupo, a tendência percorre um caminho até a base da pirâmide, atingindo a grande massa da população, em um movimento de cima para baixo, ou seja, de poucos emitentes para muitos receptores. O “efeito borbulha”, ao contrário, surge da moda de rua, culturas alternativas de vanguarda e manifestações populares, que acabam sendo percebidos pela mídia como grande oportunidade de mercado no desenvolvimento de novos produtos de moda, chegando a serem explorados pelas grandes marcas, como aconteceu com a tendência grunge, punk, as novelas, etc. De modo geral, é esse o caminho percorrido pela indústria de confecção no desenvolvimento de novos produtos. É importante destacar que essas etapas ocorrem concomitantemente umas às outras, em um processo contínuo, ou seja, não é necessário que uma etapa tenha terminado para que outra comece. Aliás, muito antes de uma coleção de moda estar produzida outra já está sendo pesquisada, principalmente na identificação de novas tendências. 3.4 A pesquisa de tendências no planejamento de produtos de moda: etapa primordial Caso a pesquisa de tendências seja falha, todo o processo de desenvolvimento de produtos estará comprometido, pois ele terá seu resultado medido através do sucesso de suas vendas. Toda criação ou desenvolvimento de produtos requer um planejamento, para que se evitem erros e gastos desnecessários, gerando a inovação e estimulando o consumo. No universo do design de moda, algumas etapas devem ser levadas em consideração, de acordo com Treptow (2007): - conhecer a capacidade produtiva da empresa, seu potencial financeiro, maquinários, colaboradores; - seguir um calendário de vendas, seja pela estação do ano (primavera/verão, outono/inverno), pelas datas comemorativas (natal, dia das mães), pelas grandes semanas de moda (São Paulo Fashion Week, Fashion Rio) ou pelas datas determinadas pelos varejistas; - analisar os produtos e/ou coleções desenvolvidos anteriormente, identificando sucesso ou fracasso de consumo; - pesquisar produtos e serviços oferecidos pela concorrência; - conhecer as principais inovações tecnológicas e têxteis; - pesquisar as tendências de consumo; - traçar o perfil do consumidor (públicoalvo/target) através de pesquisa de comportamento; 4. RESULTADOS DA PESQUISA O desenvolvimento da pesquisa se iniciou com a criação do Projeto de Pesquisa, seguido por um maior aprofundamento teórico acerca do estudo em questão, compreendendo como se dá a difusão das tendências de moda e sua importância no planejamento e desenvolvimento de produtos para as indústrias de confecção. A pesquisa de campo foi a etapa seguinte. Percorrendo algumas empresas de confecção da região noroeste, nas cidades de Santa Rosa, Santo Cristo e Três Passos, foi aplicado um questionário a partir de sete itens, são eles: 1- Dados da empresa Nome da empresa: CNPJ: Endereço / Cidade / Telefone: Segmento de atuação: Público-alvo / Clientes / Forma de venda: Tempo de atuação no mercado: 10 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 2- Quanto aos funcionários Número de funcionários (especificando as funções): Existe algum funcionário que desempenha mais de uma função? Existe um funcionário específico para realizar pesquisa e criação? Qual a escolaridade dos funcionários? Existe algum funcionário com formação na área de moda? a participar, e poucos responderam objetivamente as perguntas. Notou-se, também, que muitas respostas fornecidas estavam equivocadas, comprovando a falta de formação em design de moda em questões básicas como, por exemplo, uma empresa afirmar que não possui estamparia, sendo que o bordado é seu principal diferencial. 3- Quanto à produção Volume mensal: Descrição geral do processo de fabricação: Quais são as principais matérias-primas utilizadas? De onde são adquiridas? Funcionários envolvidos diretamente na produção: Existe algum processo terceirizado? Possui estamparia? 4.1 Análise da pesquisa de campo A partir do questionamento levantado pela pesquisa de campo, apontam-se algumas questões, que foram divididas em subitens para melhor compreensão. 4.1.1 Com relação ao histórico das empresas Foram visitadas empresas do segmento de uniformes, trajes para casamento, moda festa, moda plus size (para tamanhos especiais), moda casual e jeanswear. As empresas atuam no mercado, em média, há 20 anos. Seus clientes também são variados: vão do público masculino ao feminino e infantil. Duas empresas possuem público-alvo bem definido, três empresas atendem por pedidos de outras empresas e lojas multimarcas, e duas empresas não trabalham com público-alvo, atendendo aos consumidores em geral (uma empresa atende a pedidos de peças sob medida e para venda através de sacoleiras). 4- Quanto ao espaço físico e equipamentos Descrição geral (parque fabril, escritórios, salas, se estão todos no mesmo local ou separadas em setores e prédios diferentes). 5- Quanto ao processo de pesquisa e criação Como a empresa cria novas coleções ou artigos (como é o processo criativo)? Possui espaço físico, equipamentos e funcionários que trabalhem com criação? Existe algum processo terceirizado? A empresa realiza pesquisas em moda? Assina alguma revista, site ou jornal para pesquisas de tendências? Realizam viagens a feiras do setor? Investem em marketing? 4.1.2 Com relação aos seus funcionários 6- Projeções futuras A empresa realiza planejamento estratégico? Quais são as metas futuras? Quais são as perspectivas para a empresa na área de criação? As empresas também são variadas quanto ao número de funcionários: variam de 2 a 90. A quase totalidade destes se encontra nos setores produtivos das empresas, ou seja, no corte, na modelagem, na costura e nos acabamentos. Somente uma empresa afirmou que seus funcionários não desempenham mais de uma função no trabalho. Quatro empresas possuem um funcionário específico para realizar pesquisa e criação em moda, mas não em tempo integral. A escolaridade dos funcionários também é muito variada: alguns possuem somente Ensino Fundamental, alguns estudaram até o Ensino Médio, poucos fazem ou fizeram Ensino Superior, e somente três empresas afirmaram possuir funcionários com ou em formação superior na área da moda. 7- Questionamento final Como a empresa vê o processo de criação em moda? Acha importante ter um profissional que trabalhe exclusivamente com isso? Que valor deste profissional tem/teria na empresa? Procurou-se aplicar a pesquisa em diferentes empresas de confecção para se ter um panorama abrangente da situação. Foram visitadas somente sete empresas, visto que houve pouca sensibilização de algumas nas respostas fornecidas para a pesquisa. Muitos empresários se recusaram 11 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 4.1.3 Com relação à sua produção fabril Nenhuma das empresas pesquisadas possui espaço físico próprio para pesquisa e criação em moda. Algumas trabalham todas as etapas em um mesmo local; outras, são divididas em setores, sendo: escritório/parte administrativa, salas com mesas de risco, corte e modelagem e salas de máquinas. O volume mensal de produção foi exposto por cinco empresas. Uma delas afirmou ter uma produção pequena, porém diferenciada nos acabamentos em bordados, girando em torno de 800 a 1.000 peças. A empresa que afirmou trabalhar sem públicoalvo definido e com produção sob medida produz até 150 peças mensalmente. As empresas que trabalham no ramo de uniformes produzem de 3000 a 8000 peças. A empresa de jeanswear produz 10.000 peças. Somente duas empresas afirmaram terceirizar algum processo (bordado e serigrafia). 4.1.5 Com relação ao processo de pesquisa e criação A maioria das empresas afirmou realizar pesquisa de tendências para desenvolver seus produtos. Algumas através de sites pagos (ex.: Portal UseFashion); outras, através das próprias fábricas de tecidos, porém a maioria através de cópias diretas da Internet, revistas ou televisão. Somente três empresas possuem algum funcionário que trabalha com esta etapa e somente uma a terceiriza. Cinco empresas afirmaram que realizam pesquisas em moda e quase todas assinam algum tipo de revista da área. Quatro empresas realizam viagens a feiras e eventos do setor, e três não, da mesma forma que investem em marketing. Com relação ao processo de fabricação, seguem as descrições oferecidas: Empresa 2: faz pesquisa de tendências / cria o mostruário / faz as vendas por encomenda / produz por lotes. Empresa 3: possui um processo demorado, com muitos detalhes. Empresa 4: seu processo é sob medida e em blocos de produção, no qual a proprietária desenvolve algum modelo que ela gosta e viu em revistas ou televisão. É modelado por ela e são costuradas algumas peças que são vendidas na empresa e por sacoleiras na cidade de Santa Rosa. 4.1.6 Com relação às suas projeções futuras Ao serem questionadas se realizam planejamento estratégico, algumas empresas simplesmente afirmaram positivamente, mas houve uma resposta negativa: “Não realizamos planejamento estratégico pelo fato de já estarmos há muito tempo no mercado e nos sentirmos bem estruturados, não temos o que melhorar, pois mal conseguimos vencer o serviço que temos hoje”. Empresa 5: os pedidos são enviados para a empresa muitas vezes a partir de email, ou solicitados pela vendedora externa que é vinculada à empresa. No primeiro momento eles recebem o pedido, dão a sua ideia, passam o orçamento aos clientes e aguardam a sua contraproposta ou fechamento do negócio. Na questão sobre metas futuras, três empresas não responderam, uma diz não possuir metas e quatro afirmaram que desejam “manter e adicionar novos clientes”, “se aperfeiçoar cada vez mais”, “fidelizar a marca com um produto cada vez mais adequado ao público-alvo”, e “aumentar a empresa e se tornar uma facção para alguma rede de lojas que tenha uma demanda de consumo bastante significativa na qual entraria com a parte da produção das peças e da modelagem das mesmas”. Empresa 6: os pedidos são encaminhados até a empresa, eles dão sugestões, caso for solicitado, é desenvolvida a modelagem e parte-se para a produção. Com relação às principais matériasprimas utilizadas, da mesma forma, variam de malhas, jeans, tecidos planos, rendas e pedrarias, a maioria oriundas de São Paulo, do nordeste ou Porto Alegre. Outro questionamento feito foi com relação às perspectivas da empresa na área de criação, sendo que uma empresa não respondeu; outras duas dizem não possuir 4.1.4 Com relação ao seu espaço físico e equipamentos 12 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 segmento da moda, cuja principal característica é a mutação rápida de seus produtos, tem sido visto como uma atividade de copiar peças já existentes no mercado, sem atribuição de valores, seja dos próprios produtos desenvolvidos, seja dos profissionais que atuam neste segmento. A pesquisa de tendências tem sido vista assim como uma forma de copiar, de observar peças já prontas em revistas baratas, sites da Internet populares e novelas televisivas. Nesse caso, se copia o que já está no mercado, e não aquilo que poderá se tornar potencial de vendas no futuro. Desta forma, o tempo de vida de um produto que já está na linha final de consumo torna-se ainda menor, gerando peças encalhadas ou sem atrativos. perspectivas nisto (uma delas por ser do segmento de uniformes e seguir um estilo padrão que não segue tendências), e as demais afirmaram “seguir sempre atualizado”, “aumentar os profissionais e qualificar sempre mais os que já estão no processo” e “desenvolver coleções focando no mercado”. 4.1.7 Questionamentos finais Como questionamentos finais, foi indagado às empresas: Como é visto o processo de criação em moda? Duas empresas não responderam; outras duas do segmento de uniformes não dão importância para o design (a não ser pela melhoria dos materiais). Uma respondeu que o processo todo não passa de uma grande cópia; uma disse que é um processo vital, porém de pouca inovação no Brasil, e uma afirmou ser algo indispensável. A pouca sensibilização e a recusa das empresas em responder à pesquisa demonstra a falta de interesse em melhorar seus processos de pesquisa e produção, comprovando o baixo nível de formação em moda encontrado nesses locais. O tempo relativamente longo de atuação no setor e a produção considerada satisfatória também os faz pensar que estão seguros no mercado. É importante ter um profissional que trabalhe exclusivamente com isso? Duas empresas não responderam, três responderam afirmativamente, uma diz que a realidade na qual a empresa se encontra deveria ser outra, e outra empresa não considera importante no seu segmento (uniformes) a não ser na parte da estamparia. Outra questão preocupante é a falta de um público-alvo definido. As empresas produzem sem saber ao certo quem irá consumir seus produtos, sem conhecer os hábitos de compra de seus clientes. A médio e longo prazo, isso pode gerar falta de fidelização à marca, ou substituição por outra com a qual há uma maior identificação. Qual o valor deste profissional para a empresa? Duas empresas não responderam, quatro delas afirmaram: “é de muita importância”, “o mesmo valor dos demais que assumem cada setor da empresa, a industrialização é um processo contínuo e depende-se um do outro, porém a criação é o que dará o sucesso da venda”, “principal, peça-chave, criação e modelagem devem andar juntos, só criar não basta”, “o diferencial, pois teria certeza do que estaria realizando”. Uma empresa respondeu negativamente: “No momento valor insignificante, mesmo estando lá seu papel seria costurar, cortar e não realizar a criação”. O processo de pedidos feitos nestas empresas se mostrou bastante informal, feito através de contatos/conversas em que se procura adaptar algum modelo já visto nas mídias sociais, sem inovar, sem entrar em contato com designers capacitados. A pesquisa de tendências, que não é realizada continuamente, transforma-se numa rápida adaptação de produtos que já existem no mercado. Da mesma forma desorganizada é o próprio processo de produção, que não possui um fluxograma definido, sem sequenciamento ou controle de qualidade. Em muitas empresas, o chão de fábrica disputa lugar de trabalho com o desenho de moda, a modelagem, a administração, etc. 5 . A P O N TA M E N T O S F I N A I S E SUGESTÕES A partir da coleta das informações feitas na pesquisa de campo, chegou-se a um panorama preocupante e desestimulador no que se refere à pesquisa e inovação. O A maioria das empresas também demonstrou falta de interesse em investir em 13 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Como procurou se demonstrar na revisão bibliográfica, a tendência de moda é o que faz girar e movimentar esse setor. Ela é a grande responsável pelas inovações observadas na cultura e no modo de consumo da atualidade, apontando inúmeros caminhos a serem seguidos em termos de desenvolvimento de produtos. marketing, pois consideram que estão sólidas no mercado e não sofrerão concorrência. Também não possuem muitas metas futuras nem pensam em realizar planejamento estratégico, correndo o risco de ficarem obsoletas no mercado da moda, que é altamente competitivo. Preferem que as mudanças os obriguem a mudar de atitude, sem terem preocupação em manter a pesquisa aliada à inovação para se anteciparem no mercado. Estimular a pesquisa de tendências de moda, assim, é fundamental e beneficia os projetos de design com autoria, criatividade e conquista do mercado consumidor. Desta forma, essa pesquisa acaba se tornando um processo interno de antecipação permanente, no qual as empresas podem enfrentar a crescente pressão concorrencial no mercado e gerar o desenvolvimento e o fortalecimento deste importante mercado. A solução para as pequenas empresas, já apontada no problema da pesquisa inicial, é a estruturação de pequenos escritórios de pesquisa, nos quais se possa estimular a criação de pequenos departamentos de design, criando o hábito e o estímulo de se projetar artigos de autoria própria, evitando a cópia maciça de produtos já existentes no mercado. Isso geraria, também, uma maior conscientização de que o papel do designer de moda é fundamental no processo de desenvolvimento de produtos, passando a ser mais valorizado, sanando outra grande dificuldade encontrada neste setor: a ideia de que o designer deve fazer “de tudo um pouco”: trabalhar em modelagem, desenhar, cortar, costurar, fazer planilhas de pedidos, etc. Se esta estruturação interna de departamentos de design não estiver ao alcance, a procura por serviços mais especializados se torna uma alternativa, embora mais cara. O que não pode deixar de existir é essa conscientização de que a pesquisa é a primeira etapa na criação de novos produtos, e ela deve ser contínua e de qualidade. REFERÊNCIAS: BARBARÁ, Saulo; FREITAS, Sidney. Design – Gestão, Métodos, Projetos, Processos. Rio de Janeiro: Ed. Ciência Moderna LTDA, 2007. BAXTER, Mike. Projeto de produto: guia prático para o design de novos produtos. São Paulo: Blucher, 2011. CALDAS, Dario. Observatório de sinais: teoria e prática da pesquisa de tendências. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2006. DISITZER, Márcia; VIEIRA, Silvia. A moda como ela é: bastidores, criação e profissionalização. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2006. CONSIDERAÇÕES FINAIS DOMÍNGUEZ RIEZU, Marta. Coolhunters: caçadores de tendências na moda. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2011. A realização deste Projeto de Pesquisa demonstrou a importância de se buscar a inovação no desenvolvimento de produtos de moda nas empresas de confecção, através da pesquisa de tendências e da estruturação de uma gestão de design eficaz. O panorama apresentado na pesquisa de campo já era conhecido e comprovou que muito precisa ser feito pelos designers de moda para qualificarem este setor. A região noroeste do Estado possui um grande polo têxtil, porém pouco desenvolvido em termos de pesquisa e design, persistindo o hábito de copiar. FEGHALI, Marta Kasznar; DWYER, Daniela. As engrenagens da moda. Rio de Janeiro: Ed. Senac Rio, 2004. FISCHER, Anette. Fundamentos de design de moda: construção de vestuário. Porto Alegre: Bookman, 2010. GOMES, Luis Vidal Negreiros. Criatividade: projeto < desenho > produto. Santa Maria: sCHDs, 2004. 14 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 GÜLLICH, Roque Ismael da Costa; LOVATO, Adalberto; EVANGELISTA, Mário Luiz Santos. Metodologia da pesquisa: normas para apresentação de trabalhos: Redação, formatação e editoração. Três de Maio: Ed.SETREM, 2007. JONES, Sue Jenkyn. Fashion Design – manual do estilista. São Paulo: Cosac & Naify, 2005. MEADOWS, Toby. Como montar e gerenciar uma marca de moda. Porto Alegre: Bookman, 2010. MORACE, Francesco. Consumo autoral: as gerações como empresas criativas. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2012. PICOLI, Julia Isoppo. Coolhunting: pesquisador e suas metodologias. http://www.enmoda.com.br/site/_arquivos_artigos/1 74711_Coolhunting.pdf Acesso em 25.set.2012 RECH, Sandra Regina. Moda: por um fio de qualidade. Florianópolis: Udesc, 2000. RENFREW, Elinor; RENFREW, Colin. Desenvolvendo uma coleção. Porto Alegre: Bookman, 2010. SEIVEWRIGHT, Simon. Fundamentos de design de moda: pesquisa e design. Porto Alegre: Bookman, 2009. S O R G E R , R i c h a r d ; U D A L E , J e n n y. Fundamentos de design de moda. Porto Alegre: Bookman, 2009. TREPTOW, Doris. Inventando Moda: planejamento de coleção. Brusque: D.Treptow, 2007. UDALE, Jenny. Fundamentos de design de moda: tecidos e moda. Porto Alegre: Bookman, 2009. 15 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 ESTUDO DO PLANEJAMENTO DA CAPACIDADE PRODUTIVA A LONGO PRAZO EM UMA INDÚSTRIA GRÁFICA Daiane Patrícia Scheid¹ Loana Wollmann Taborda² Sérgio Luiz Jahn3 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM4 Universidade Federal de Santa Maria – UFSM5 RESUMO ABSTRACT O objetivo deste trabalho é analisar a capacidade produtiva de longo prazo de uma indústria gráfica, localizada na região Noroeste do estado do Rio Grande do Sul. O período em análise é de agosto a outubro de 2012. A capacidade de produção é o fator físico limitante do processo produtivo. Neste sentido, este estudo visa responder à seguinte questão: Qual é o planejamento da capacidade de longo prazo na Gráfica Buricá que diminua o número de horas extras? A metodologia adotada neste estudo, quanto a sua abordagem, classifica-se como o indutivo, inicia com uma visão em pontos mais específicos, partindo para uma visão mais ampla, indo das constatações mais particulares às leis e às teorias. Foi realizado um levantamento dos dados na empresa e utilizado o processo de planejamento S&OP, para o planejamento da capacidade de longo prazo RRP. Os resultados demonstraram que a taxa de eficiência da gráfica é de 52%. Porém, por se tratar de uma indústria gráfica, em que os tempos de set up são elevados, essa taxa não é considerada baixa, mas pode ser melhorada, possibilitando que novos estudos sejam desenvolvidos nesta área. The objective of this study is to analyze the long-term productive capacity of a printing industry, located in the northwestern part of the state of Rio Grande do Sul The review period is from August to October 2012. Production capacity is the limiting physical factor of the production process. Thus, this study aims to answer the following question: What is the capacity planning of long-term Graphic Buricá to decrease the number of overtime? The methodology adopted in this study, as its approach, ranks as the inductive, starts with a vision in more specific points, leaving to a broader, more specific findings of going to the laws and theories. A survey of the data used in the company and the process of S&OP planning, capacity planning for the long term RRP was carried out. The results demonstrated that the efficiency rate of the graphics is 52%. However, because it is a graphics industry, where the set up times are high, this rate is considered low, but can be improved allowing new studies could be developed in this area. Keywords: Productive capacity. Overtime. Long-term planning. Palavras-chaves: Capacidade produtiva. Horas extras. Planejamento de longo prazo. ¹ Bacharelanda em Engenharia de Produção (SETREM)[email protected] ² Mestranda em Engenharia de Produção (UFSM). [email protected] ³ Doutor em Engenharia Química, Professor (UFSM). [email protected] 4 Sociedade Educacional Três de Maio – Av. Santa Rosa, 2504, Três de Maio – RS. [email protected] 5 Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, Faixa de Camobi, Km 9 – Campus Universitário, Santa Maria – RS – 97.105-900 16 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 visão em pontos mais específicos, partindo para uma visão mais ampla, indo das constatações mais particulares às leis e às teorias. A pesquisa foi estruturada de forma exploratória, por meio de observação, levantamento de dados e análise. Para a realização deste estudo foram coletados tempos de máquina durante o período de dez dias, para o cálculo da capacidade. 1 INTRODUÇÃO A eficiência do sistema produtivo depende da forma de como se planeja, programa-se e controla-se a produção. E a busca por essa eficiência se torna constante nas empresas a fim de possuir um sistema flexível de produção para atender às necessidades dos clientes e manter-se no mercado competitivo. No referencial teórico foi possível a revisão e o aprofundamento da literatura sobre assuntos compatíveis com o planejamento e controle da produção, planejamento de capacidade e planejamento de vendas e operações, em inglês, sales and operations planning - S&OP . O planejamento e controle da produção procura apresentar possibilidades para adequação da capacidade de uma atividade com sua demanda (SLACK et al, 1996). A capacidade de produção é o fator físico limitante do processo produtivo. E esse fator é relevante para o planejamento estratégico da produção, pois pode ser incrementada ou reduzida, desde que planejada a tempo, pela adição de recursos financeiros. No terceiro capítulo são apresentados e discutidos os resultados da pesquisa realizada, seguidas pela lista com as referências bibliográficas utilizadas. 2 REFERENCIAL TEÓRICO A exata definição dos recursos e dos processos, passando pela capacidade, está diretamente relacionada com as decisões estratégicas da empresa (LIMA; NAVARRO, 2006 apud WACKER & LUMMUS, 2002). Assim, o S&OP ou Planejamento de Vendas e Operações passa a ser uma ferramenta para a implementação e o desdobramento do planejamento estratégico, promovendo debate e antecipando as necessidades e restrições da empresa, criando, a partir daí, soluções sincronizadas com os requisitos da demanda e da oferta (LIMA; NAVARRO, 2006 apud WALLACE, 1999). 2.1 PLANEJAMENTO E CONTROLE DA CAPACIDADE Segundo Slack et al. (2009), obtendo o equilíbrio adequado entre capacidade e demanda, a empresa satisfará seus clientes de forma eficaz tanto em custo como em tempo. A essência do planejamento e controle da capacidade é conciliar o nível da demanda com o suprimento da capacidade. É a tarefa de determinar a capacidade efetiva da empresa, para que ela possa atender a sua demanda. Neste sentido, este estudo visa responder à seguinte questão: Qual é o planejamento da capacidade de longo prazo na Gráfica Buricá que diminua o número de horas extras? As decisões tomadas por gerentes de produção no planejamento de suas políticas de capacidade afetarão diversos aspectos do desempenho: Para responder ao problema de pesquisa, este estudo tem como objetivo analisar a capacidade produtiva de longo prazo de uma indústria gráfica. Adicionalmente a este objetivo, também se deseja verificar a necessidade e o planejamento de horas extras, para atendimento da demanda do mercado consumidor. Os custos serão afetados pelo equilíbrio entre capacidade e demanda. Níveis de capacidade Excedente à demanda podem significar subutilização de capacidade e, portanto, alto custo unitário. As receitas também serão afetadas pelo equilíbrio entre capacidade e demanda, mas de forma oposta. Níveis de capacidade iguais ou superiores à demanda em qualquer momento assegurarão que toda a demanda seja atendida e não haja perda de receitas. Referente à metodologia, esta pesquisa, quanto a sua abordagem, classifica-se como o indutivo, inicia com uma 17 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 (2009), são sequências de decisões em relação ao planejamento e controle da capacidade tomadas pelos gerentes e estão ilustradas na figura 1. Antes de ser tomada qualquer decisão deve-se ter uma idéia quantitativa da demanda e da capacidade produtiva. O capital de giro será afetado se uma operação decidir produzir estoque de bens acabados antecipando-se à demanda. Isso pode permitir atender à demanda, mas a organização deve financiar o estoque até que seja vendido. A qualidade dos bens ou serviços pode ser afetada por um planejamento de capacidade, por meio da contratação de pessoal temporário, por exemplo. O pessoal novo e a interrupção do trabalho rotineiro da operação aumentam a probabilidade de ocorrência de erros. A primeira etapa consiste em medir os níveis agregados de demanda e a capacidade para o período de planejamento. A segunda etapa será identificar as políticas alternativas de capacidade que podem ser adotadas em resposta as flutuações da demanda. (SLACK et al. 2009). A velocidade de resposta à demanda do cliente pode ser melhorada, seja pelo aumento dos estoques (permitindo que os clientes sejam atendidos diretamente pelo estoque em vez de terem que esperar a fabricação dos itens), seja pela provisão deliberada de capacidade excedente, evitando-se filas. A confiabilidade do fornecimento também será afetada pelo nível de proximidade entre os níveis de demanda e da capacidade máxima da operação: a confiabilidade do fornecimento de serviços e produtos será menor, quanto mais próxima da capacidade total estiver a demanda, pois a operação conseguirá lidar menos com possíveis interrupções. Figura 1: Etapas do planejamento e controle de capacidade. A flexibilidade, especialmente a de volume, será melhorada por capacidade excedente. Se a demanda e a capacidade estiverem em equilíbrio, a operação não será capaz de responder a quaisquer aumentos inesperados de demanda. (SLACK et al. 2009). Fonte: Slack et al, (2009) E a terceira etapa será de escolher a política de capacidade mais adequada para cada demanda. Para Corrêa et al (2006), planejamento da capacidade é uma atividade necessária para ter aproveitamento total da disponibilidade da empresa. A insuficiência de capacidade atrasa os prazos de entrega e diminui a qualidade, a frustração dos colaboradores por estarem sempre pressionados e não conseguirem cumprir os prazos e ao aumento de estoques no decorrer do processo. Por outro lado, o excesso de capacidade representa aumento de custos. 2.1.2 Medição da capacidade Para se ter políticas adequadas em relação à produção e à demanda é necessário que a capacidade seja medida. O problema principal com a medição da capacidade é a complexidade da maioria dos processos produtivos. Somente quando a produção é altamente padronizada e repetitiva é fácil definir a capacidade sem ambiguidade. (SLACK et al. 2009). A capacidade de projeto, ou capacidade real nem sempre é atingida em uma empresa, segundo Slack et al.(2009), isso acontece porque as máquinas não podem funcionar continuamente, elas necessitam de um tempo determinado de 2.1.1 Etapas de planejamento e controle da capacidade As etapas, conforme Slack et al. 18 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 ajustes, limpeza, etc. Isso também pode ocorrer porque produtos diferenciados têm necessidades diferentes, a máquina precisará ser parada para ajustes necessários ao outro produto. Porém, as linhas de produção não podem funcionar continuamente em sua velocidade máxima. Slack et al (1997), afirma que produtos diferentes terão tempos de processamento diferentes, de forma que se torna necessário parar a linha produtiva para ajustar as máquinas. Será necessário também que seja feita a manutenção preventiva e corretiva, falta de produção, ou produtos, na linha, entre outros, são problemas que diminuem a capacidade produtiva da empresa. A capacidade real que resta depois de deduzidas as perdas é chamada de capacidade efetiva. Porém, terão outras causas de redução da capacidade, tais como retrabalhos, problemas na qualidade, quebra de máquinas, ausência de funcionários, entre outros, que irão diminuir ainda mais a capacidade produtiva da empresa. O volume real de produção da empresa será menor do que a capacidade efetiva. Será necessário também fazer manutenções nas máquinas, o que ocupará tempo e reduzirá o tempo produtivo. A capacidade que resta depois de subtraídas todas estas perdas é chamada de capacidade efetiva da operação. Existem ainda outras perdas como problemas de qualidade, quebra de máquinas, ausência ou atraso de funcionários que irão reduzir ainda mais a capacidade produtiva. A eficácia de uma máquina, para Slack et al (2009), pode ser medida baseando-se em três aspectos: tempo que o equipamento está disponível para operar; qualidade do produto ou serviço que produz; velocidade da máquina. As proporções de volume de produção realmente conseguido por uma operação para a capacidade do projeto e para a capacidade efetiva são respectivamente chamadas de utilização e eficiência da planta. (SLACK et al 1997). A eficácia de um equipamento é calculada multiplicando-se a taxa de velocidade pela taxa de qualidade multiplicada pela taxa de disponibilidade do equipamento. Segundo Slack et al (2009), a redução na capacidade disponível de uma máquina é causada por trocas, set-ups e por quebra de peças. Alguma parte da capacidade é perdida por perda de velocidade quando o equipamento fica ocioso e quando a máquina funciona com capacidade abaixo da disponível. E ainda um pouco da capacidade produtiva da máquina é perdida por perdas e falta de qualidade. Utilização = Volume de produção real Capacidade do projeto Figura 3: Cálculo da Utilização da produção. Fonte: Slack et al, (1997) Eficiência = Volume de produção real Capacidade efetiva Figura 4: Cálculo da eficiência da produção. Fonte: Slack et al, (1997) 2.1.3 Capacidade de projeto e Capacidade Efetiva 2.2 ESTRUTURA HIERÁRQUICA DO PLANEJAMENTO DE CAPACIDADE A capacidade teórica de uma operação nem sempre pode ser atingida na prática. (SLACK et al, 1997). O planejamento da capacidade é feito em níveis, de acordo com o horizonte de planejamento desejado. (CORRÊA et al 2011). Para Slack et al (1997), o produto da velocidade máxima das máquinas pelo tempo de operação da planta da empresa fornecem a capacidade teórica do projeto. P a r a C o r r ê a e t a l ( 2 0 11 ) , o planejamento, no nível de S&OP, é de longo prazo e é chamado de RRP, (resource requirements planning). O planejamento de médio prazo, no nível do planejamentomestre da produção é chamado de RCCP (rough cut capacity planning) e tem por Capacidade teórica do Velocidade máxima das maquinas projeto = Tempo de operação da planta Figura 2: Calculo da capacidade teórica do projeto. Fonte: Slack et al, (1997) 19 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 para se adequar ao processo. Corrêa et al (2011), cita que o horizonte de planejamento pode ser de meses ou anos, dependendo dos prazos de mobilização e obtenção dos recursos necessários. principal objetivo garantir que o MPS seja viável em termos de capacidade. O planejamento de curto prazo, no nível MRP, denomina-se de CRP (capacity requirements planning), e é feito com base no plano de materiais, levando em conta questões como: o que, quanto e quando produzir. Pode ser substituído pelo planejamento feito com sistemas de programação da produção com capacidade finita. A figura 5 mostra a estrutura hierárquica do planejamento da capacidade. Para Corrêa et al (2011), o cálculo da capacidade é informação básica, a quantidade de horas necessárias para cada família de produtos, em cada setor da produção. Como o tempo de cada item é diferente é necessário atribuir um valor único para a família de produtos, fazendo uma média ponderada. É importante notar, conforme Corrêa et al (2011), que, como os dados variam cada mês, o resultado não será muito preciso. Com base no plano de vendas e operações do S&OP, pode ser calculada a necessidade de recursos em cada um dos setores da produção, para cada uma das famílias de produtos. Corrêa et al (2011), afirma que, calculada a capacidade necessária, é preciso compará-la com a capacidade efetivamente disponível. A taxa de eficiência deve cobrir dois aspectos. Geralmente é impossível utilizar toda a capacidade efetiva disponível, devido a problemas decorrentes de quebras de máquinas, falta de energia, ausência de funcionários, problemas de programação e movimentação, atrasos de entrega, manutenção preventiva, entre outros. Segundo Corrêa et al (2011), parte destes problemas são considerados inevitáveis, porém outra parte destes problemas podem ser evitados, com uso da boa gestão, como demonstrado na figura 6. Figura 5: S&OP no processo de Planejamento Global. Fonte: Corrêa et al, (2006) No curtíssimo prazo, no prazo de alguns dias, também é necessário administrar a produção, a capacidade e a utilização dos recursos. Conforme Corrêa et al (2011), este planejamento é importante porque leva em conta acontecimentos de última hora, tais como quebra de máquinas, falta de material, ausência de funcionários, entre outros. 2.2.1 Planejamento de capacidade de longo prazo - RRP Segundo Corrêa et al (2011), o planejamento a longo prazo tem por objetivos principais antecipar as necessidades de capacidade que precisam de um prazo mais longo para obtenção, e embasar as decisões de quanto produzir de cada família de produtos. Figura 6: Capacidade efetivamente disponível para o processo. É importante para o S&OP que o cálculo de capacidade seja simples e rápido, Fonte: Corrêa et al, (2006) 20 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 demandas futuras. O plano de demanda, depois de atualizado, é comunicado à manufatura, que por sua vez elabora o plano de produção, analisando as necessidades de capacidade e de materiais críticos. As dificuldades de atender à demanda são trabalhadas em um processo concluído em uma reunião formal. O resultado final é um plano atualizado de operações que deverão atender à demanda. Este plano deve então ser desagregado para dar origem ao plano mestre de produção. A figura 7 ilustra o processo esquematizado do S&OP. Para Corrêa et al (2011), outro aspecto que deve ser corrigido pela taxa de eficiência é a imprecisão do cálculo da capacidade, pois os tempos foram obtidos através de médias; portanto, os cálculos não serão precisos. Na visão de Corrêa et al (2011), quando a necessidade excede a capacidade algumas medidas alternativas podem ser tomas, são elas: - a alteração do plano de produção, trabalhando com estoques nos meses em que sobra capacidade; - ampliação da capacidade, fazendo uso de horas extras, turnos adicionais, contratação de funcionários, aquisição de equipamentos, entre outros; - ampliação da capacidade, com melhor gestão, reduzindo os problemas de natureza evitável; - subcontratação de serviços terceirizados; - não atendimento do plano de vendas, tanto com perda efetiva de vendas ou acúmulo de pedidos em atraso. Não existe receita única para todas as situações e, caso a caso, a empresa precisa avaliar os custos e riscos de cada alternativa, buscando a mais adequada para o momento específico. (CORRÊA et al 2011). Figura 7: Etapas do processo S&OP. Fonte: Corrêa et al, (2006) Contanto, para a execução do projeto, é necessário, como afirma Corrêa et al (2006), que ele seja separado em ciclos. Quanto mais rápido o ciclo de planejamento mais ágil será a resposta da empresa em relação às mudanças na demanda do mercado. Entretanto, é necessário que se tenha um tempo para que todas as etapas do processo sejam executadas corretamente, pois é delas que depende a qualidade dos resultados. 2.3 PROCESSO DO S&OP - SALES & OPERATIONS PLANNING O processo do S&OP, na visão de Corrêa et al (2006), consiste em cinco etapas, são elas: levantamento de dados históricos que apresentam a relação de vendas da empresa, bem como seu estado atual de produção, estoque e desempenho passado; planejamento de demanda, inclui a elaboração do plano de vendas e a gestão das previsões; planejamento de materiais e capacidade, reunião preliminar, na qual são envolvidos todos os setores da empresa para análise dos planos e identificação de problemas e alternativas; e, finalmente, a reunião executiva, na qual os planos são validados junto à direção da empresa. 3 RESULTADOS E DISCUSSÕES A empresa gráfica na qual o estudo foi realizado tem no quadro funcional da empresa dez pessoas, das quais, duas são responsáveis pela montagem das artes, uma secretária, três pela operação das máquinas, dois pelo acabamento, um administrador e um vendedor. Segundo Corrêa et al (2006), vendas e marketing comparam a demanda real passada ao plano de vendas, verificando o potencial do mercado e projetando Como recursos materiais a empresa dispõe de quatro microcomputadores, uma 21 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 impressora do tipo laser e três a jato de tinta, uma impressora offset (adast), uma impressora tipográfica (multilite), e uma máquina de corte e vinco (cato), uma guilhotina, uma picotadeira e uma gravadora de chapa. Os equipamentos disponíveis atendem às necessidades produtivas da empresa. Para a produção, a empresa trabalha com quatro tipos de papel, são eles: o sulfite nas gramaturas 56 a 180 gramas, o couchê nas gramaturas 90 a 250 gramas, a cartolina nas gramaturas 120 a 180 gramas e o papel adesivo, além de fazer também serviço apenas de arte, nos quais as impressões são terceirizadas, tais como montagem de carimbos, tapetes, lonas e banners, etc. A gráfica oferece serviço de impressões e serviço de montagem de arte. Nos anos de 2010 a 2012 o serviço de impressões liderou com 96,6%, conforme mostrado na figura 8, e o serviço de montagem da arte representou 3,4% do total dos serviços prestados. Com a análise dos dados, concluiu-se que em relação ao número de impressões, o papel sulfite foi o mais utilizado na produção dos anos de 2010, 2011 e 2012, conforme mostra na figura 10. Figura 8: Tipos de serviço prestados pela gráfica nos anos de 2010, 2011 e 2012 Fonte: Scheid; Taborda, (2012) Na figura 9 é apresentado, conforme dados da empresa, os tipos de impressões mais vendidos dos anos de 2010 a 2012, sendo: rótulos de queijos e salames, cautelas de rifas, notas fiscais, controles de mercadorias, adesivos, vale bebidas, etiquetas de cucas, pães, bolos e bolachas, blocos de pedidos, tagues de colares e brincos e receituários, para postos de saúde, hospitais e clínicas particulares. Figura 10: Impressões por tipo de papel. Fonte: Scheid; Taborda, (2012) Nota-se, na figura 10, que o papel sulfite destaca-se com 5.676.731 de impressões, seguindo do papel adesivo com 1.221.933 de impressões, após 586.854 de impressões realizadas em papel couchê e, por fim, 415.010 impressões em cartolina. Na figura 11 percebe-se que a utilização de papel sulfite, apesar de ser o mais utilizado na gráfica, apresentou um declínio em número de impressões. Já a produção de impressões em papel adesivo apresentou um aumento do ano de 2010 para 2011. O mesmo acontece com a utilização de cartolina. O uso de papel couchê apresentouse constante ao longo dos três anos. Figura 9: Principais produtos de 2010, 2011 e 2012. Fonte: Scheid; Taborda, (2012) 22 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Para o estudo da capacidade produtiva da empresa, a etapa inicial foi levantar a quantidade de horas trabalhadas por máquina por semana. Foi observado que os colaboradores trabalham 44 horas por semana, não incluindo os períodos de horas extras. Os tempos foram cronometrados em dias diferentes da semana, alguns com maior demanda de serviço, outros com menor demanda de serviço. Os dados correspondem a um período de dez dias. A figura 13 mostra em média quanto tempo cada máquina trabalhou, esteve sendo preparada e esteve ociosa no período de um dia de trabalho. Figura 12: Média de horas extras por máquina/mês. Fonte: Scheid; Taborda, (2012) Para saber se estas horas extras são realmente necessárias, precisa se saber a capacidade produtiva da gráfica. Média de tempo de SETUP da máquina (horas) 02:44 03:33 01:50 Média de tempo ocioso (horas) TOTAL (horas) ADAST MULTILITH CATO Média de tempo trabalhado por dia (horas) 03:04 03:01 03:18 03:00 02:14 03:40 08:48 08:48 08:48 TOTAL 09:23 08:07 08:54 26:24 Máquina Figura 13: Médias dos tempos das máquinas. Fonte: Scheid; Taborda, (2012) A figura 14 apresenta o percentual em que cada uma das três máquinas analisadas esteve trabalhando e esteve ociosa. Máquina Tempo disponível por dia de trabalho (h) Média de tempo Média de tempo Média de tempo trabalhado por de SET UP da ocioso (%) TOTAL dia (%) máquina (%) (%) ADAST 08:48 35 31 34 100 MULTILITH 08:48 34 40 26 100 CATO 08:48 37 21 42 100 Figura 14: Análise do percentual dos tempos de cada máquina. Fonte: Scheid; Taborda, (2012) gráfica. Pode-se perceber, através da figura 14, que todas as máquinas têm percentuais muito altos de set up, recebendo destaque a máquina Multilith com 40%. Considera-se, também, que o tempo trabalhado e o tempo de set up são tempos produtivos e o tempo ocioso é ineficiência. A figura 15 mostra, no período de uma semana, com a análise dos dados coletados na empresa, os tempos de set up, os tempos de ausência de funcionários e de funcionários com desvio de função e o tempo de produção somado, das três máquinas. Para facilitar o desenvolvimento dos cálculos, os dados foram classificados em planejados e não planejados. Com bases nestes dados, pode-se fazer o cálculo, tanto da capacidade efetiva, do volume real de produção, da utilização e da eficiência do processo produtivo da 23 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Absenteísmo 08:49 h Não Planejada Ajustes de Qualidade, Mudança de produtos 40:45 h Planejada Funcionário em outra função 34:21 h Não Planejada Volume de Produção de dez dias 47:52 h Figura 15: Soma dos tempos das três máquinas. Fonte: Scheid; Taborda, (2012) Como a gráfica trabalha 44 horas semanais e foram três máquinas estudadas, sua capacidade de projeto é de 132 horas semanais, conforme mostrado na figura 16. Capacidade do projeto 132:00 h Capacidade Efetiva 91:15 h Volume de Produção Real 48:05 h Utilização 36 % Eficiência 52 % Figura 16: Capacidade do projeto, Capacidade Efetiva, Volume Real de Produção, Utilização e Eficiência da indústria gráfica. Fonte: Scheid; Taborda, (2012) Para o cálculo da capacidade efetiva, subtraiu-se da capacidade do projeto, as paradas de produção planejadas, conforme Slack et all (1997). Portanto, a capacidade efetiva da gráfica é de 91:15 horas semanais, como mostra a figura 17. Utilização = 47:52 = 0,36 132:00 0000000 Figura 19: Utilização da capacidade da gráfica. Fonte: Scheid; Taborda, (2012) Capacidade efetiva = 132:00 - 40:45 = 91:15 Para calcular a eficiência do processo, dividiu-se o volume de produção real encontrado pela capacidade efetiva da empresa anteriormente calculada, como mostra a figura 20. Figura 17: Capacidade efetiva da gráfica. Fonte: Scheid; Taborda, (2012) Já o volume de produção real foi calculado subtraindo da capacidade do projeto, todos os tempos em que as máquinas estiveram paradas. Conforme demonstrado na figura 18. Eficiência = 48:05 = 0,52 91:15 000000 Figura 20: Eficiência do processo. Volume de produção real = 132:00 – 40:45 – 08:49 – 34:21 = 48:05 Fonte: Scheid; Taborda, (2012) Figura 18: Volume real de produção da gráfica. Como pode ser observado através dos cálculos, que a indústria gráfica apresenta utilização e eficiência da produção muito baixas, isso significa que a empresa usa apenas 52% de sua capacidade total. Fonte: Scheid; Taborda, (2012) A figura 19 apresenta o cálculo de utilização da capacidade da gráfica, no qual o volume de produção real foi dividido pela capacidade do projeto. A figura 21 apresenta, conforme 24 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 máquina é capaz de imprimir por hora, por dia, por semana, por mês e por ano. dados fornecidos pela empresa, as quantidades médias de impressões que cada MÁQUINA IMPRESSÕES POR HORA IMPRESSÕES POR DIA IMPRESSÕES POR SEMANA IMPRESSÕES POR MÊS IMPRESSÕE S POR ANO ADAST 3.000 26.400 132.000 580.800 6.388.800 MULTILITH 2.000 17.600 88.000 387.200 4.259.200 CATO 2.500 22.000 110.000 484.000 5.324.000 Figura 21: Número de impressões de cada máquina. Fonte: Scheid; Taborda, (2012) nos anos de 2010 a 2012, apresentados na figura 11. Essa comparação é visualizada na figura 24. Considerando que a soma das impressões por ano, das três máquinas, da figura 21, seja a capacidade produtiva com 100% de eficiência, comparou-se com a soma das impressões por tipos de papéis realizados nos anos de 2010 a 2012, apresentados na figura 11. Essa comparação é visualizada na figura 22. Figura 24: Capacidade produtiva considerando 52% de eficiência. Fonte: Scheid; Taborda, (2012) Figura 22: Capacidade produtiva considerando 100% de eficiência. Nota-se, na figura 24, que mesmo com eficiência de apenas 52%, seu volume de produção ainda é muito baixo. A representatividade em taxa de utilização da capacidade é de 35%, 35% e 25% para os anos de 2010, 2011 e 2012, respectivamente. Fonte: Scheid; Taborda, (2012) Porém, como o cálculo realizado apontou que a gráfica possui apenas 52% de eficiência, multiplicou-se a soma das impressões por ano, das três máquinas da figura 21, pela eficiência, para encontrar o total de impressões possíveis de produzir. Conforme pode ser visualizado na figura 23, abaixo. A figura 25 compara a capacidade produtiva ociosa em relação ao número de impressões. Eficiência Impressões 100% 15.972.000 52% 8.305.440 Figura 23: Impressões conforme eficiência Fonte: Scheid; Taborda, (2012) Após a mensuração da quantidade de impressões de acordo com 52% de eficiência, comparou-se com a soma das impressões por tipos de papéis produzidos Figura 25: Capacidade ociosa em relação ao número de impressões. Fonte: Scheid; Taborda, (2012) 25 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Pode ser observado na figura 25 que a capacidade ociosa é bastante alta, mesmo com eficiência de apenas 52%. três últimos anos, está em torno dos 65%, como pode ser visto na figura 26. Com base nos dados do volume de produção e do faturamento anual, mostrados anteriormente, pode-se dimensionar o faturamento da empresa se utilizasse a capacidade disponível atualmente. A figura 27 demonstra qual seria o faturamento da empresa utilizando sua eficiência atual. A figura 26 apresenta o percentual produtivo ocioso da empresa, em relação a eficiência real de 52%. Figura 26: Percentual de capacidade produtiva ociosa. Figura 27: Estimativa de faturamento com utilização de 52% de eficiência. Fonte: Scheid; Taborda, (2012) A capacidade ociosa da gráfica, nos Fonte: Scheid; Taborda, (2012) Se a empresa utilizasse a capacidade disponível de 52%, seu faturamento anual seria duas vezes maior que o faturamento atual. Com estes dados analisados, pode-se calcular o plano de vendas e operações do S&OP. O plano de S&OP, conforme mostrado na figura 28, é o planejamento de longo prazo da empresa e foi elaborado com base nas médias das produções mensais de cada um dos três anos. Vendas Estoque Produção Jan. 284849 0 284849 Fev. 324723 0 324723 Plano de vendas e operações S&OP da empresa Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. 347813 205750 323258 198332 292756 369397 165421 0 0 0 0 0 0 0 347813 205750 323258 198332 292756 369397 165421 Out. 167727 0 167727 Nov. 190732 0 190732 Dez. 140538 0 140538 Figura 28: Plano de vendas e operações da empresa. Fonte: Scheid; Taborda, (2012) Conforme demonstrado no Plano de vendas e operações, a produção será a mesma que a demanda, já que os produtos são sob encomenda e não é possível que se tenha estoque. Para analisar se as horas extras são necessárias, devemos fazer o cálculo de capacidade de longo prazo para os produtos da empresa, conforme demonstrado na figura 29. Percentual de utilização da capacidade da empresa % de utilização Jan. Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez 42% 48% 51% 30% 47% 29% 43% 54% 24% 25% 28% 21% Figura 29: Percentual de utilização da capacidade da empresa. Fonte: Scheid; Taborda, (2012) Pode ser observado na figura 29, que a utilização da capacidade da empresa está abaixo da disponível, utilizando em média 36% de sua capacidade. Portanto, não se faz necessário o ajuste do planejamento de S&OP e nem o uso de horas extras. 26 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 CONCLUSÃO LIMA, R.; NAVARRO, J. Planejamento de Vendas e Operações (S&OP): um estudo de caso em uma empresa da indústria de telecomunicações. XXVI ENEGEP 2006. D i s p o n í v e l e m http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEGE P2006_TR530354_7746.pdf Acesso em 4 de outubro de 2012. O estudo teve como intuito contribuir com o processo de planejamento da capacidade a longo prazo da Gráfica Buricá, apresentando o estudo de sua capacidade e análise do planejamento de vendas e operações S&OP. Os resultados demonstraram que as horas extras não são necessárias para o atendimento da demanda. MARTINS, Petrônio G.; LAUGENI, Fernando Piero. Administração da Produção. 2. Ed. Editora Saraiva, 2005. A taxa de eficiência da gráfica é de 52%. Porém, por se tratar de uma indústria gráfica, em que os tempos de set up são elevados, essa taxa não é considerada baixa, mas pode ser melhorada possibilitando que novos estudos sejam desenvolvidos nesta área. _____. Administração da Produção. Editora Atlas. São Paulo, 1996. REFERÊNCIAS _____. Administração da Produção. Editora Atlas. São Paulo, 2009. SLACK, Nigel et al. Administração da Produção. Edição Compacta. Editora Atlas. São Paulo, 1999. ANDRADE, M. M.; Introdução à metodologia do trabalho científico: elaboração de trabalho na Graduação. Editora Atlas. 2 ed. São Paulo, 1995. ZUCATTO, Luís Carlos. Análise Comparativa entre Abordagens da Inovação Disruptiva e a Estratégia do Oceano Azul. Revista SETREM, Três de Maio: p. 10-20, Editora SETREM, 2008. BALZ, Carine Linéia. Análise da Aplicação do Planejamento e Controle da Produção (PCP) em uma empresa de gestão por projetos. Três de Maio, 2008. CORRÊA, Henrique L. et al. Planejamento, Programação e Controle da Produção. Editora Atlas. São Paulo, 2006. _____. Planejamento, Programação e Controle da Produção: MRP II/ERP: conceitos, uso e implantação: base para SAP, Oracle Applications e outros softwares integrados de gestão. 5 ed. 5 reimp. São Paulo: Atlas, 2011. DAVIS, Mark M.; AQUILANO, Nicholas J.; CHASE, Richard B. Fundamentos da Administração da Produção. 3. Ed. Editora Bookman, 2001. GÜLLICH, R. I. C. EVANGELISTA, M. L. S. LOVATO, A. Metodologia da Pesquisa – Normas para apresentação de trabalhos: Redação, Formatação e Editoração. Três de Maio. Editora SETREM, 2005. L A K AT O S , E . V. ; M A R C O N I , M . A . Metodologia do Trabalho Científico. 4 ed. Editora Atlas. São Paulo, 1992. 27 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 APLICAÇÃO DAS MELHORES PRÁTICAS DO ITIL PARA PROCESSO DE GESTÃO DE FORNECEDORES EM UMA COOPERATIVA DO AGRONEGÓCIO Denise da Luz Siqueira1 Diego da Rosa2 Ms. Vera Lúcia Lorenset Benedetti 3 Sociedade Educacional Três de Maio - SETREM 4 RESUMO ABSTRACT Considerando o atual contexto de terceirização dos recursos de tecnologia da informação nas organizações, a adoção de processos para gestão de fornecedores passou a ser uma alternativa para solucionar problemas de indisponibilidade dos serviços providos por terceiros. Desta forma, o presente estudo propõe realizar o levantamento e mapeamento dos processos atuais no que se refere à gestão de fornecedores, na assessoria de TI de uma Cooperativa Agropecuária. O estudo também propõe a reorganização dos processos para o gerenciamento de fornecedores, utilizando como base as melhores práticas do ITIL. A ITIL é uma biblioteca de boas práticas para o gerenciamento de serviços de TI, utilizada amplamente pelas organizações para gerenciamento de serviços e organização de processos da TI. Durante o desenvolvimento do estudo modelaram-se os processos necessários para a gestão de fornecedores, focando na aquisição e seleção, sendo também elaborados diversos modelos de documentos necessários para dar aporte aos processos. Assim, o processo de gerenciamento de fornecedores visa assegurar que estes e seus serviços sejam gerenciados de forma a suportar as metas dos serviços de TI e nível de serviço exigido pelo negócio. Como resultado do estudo, tem-se a modelagem e documentação dos processos, os modelos dos documentos e a elaboração do plano de projeto para a implantação dos processos na Cooperativa, os quais irão garantir maior qualidade dos serviços contratados, bem como o alinhamento deste com os objetivos de negócio da empresa. Considering the current context of outsourcing of information technology resources in organizations, the adoption process for supplier management has become an alternative to solve problems of unavailability of services provided by third parties. Thus, the present study proposes to conduct the survey and mapping of current processes in relation to the management of suppliers, in an IT consultancy Agriculture Cooperative. ITIL is a library of best practices for managing IT services, used widely by organizations to service management and organization of IT processes. During the development of the study the processes required to manage suppliers were modeled, focusing on the acquisition and selection, also being developed various models of documents necessary to give input to the process. Thus, the management process is to ensure that these providers and their services are managed in order to support the goals of IT services and level of service required by the business. As a result of the study, it has been the modeling and documentation of processes, templates of documents, and preparing the project plan for the implementation of the processes in the Cooperative, which will ensure higher quality of contracted services, as well as the alignment with this business goals of the company. Keywords: Agricultural cooperative. ITIL. Suppliers, IT services. Palavras-chave: Cooperativa agropecuária. ITIL. Gestão de fornecedores. 1 Especialista em Governança e Melhores Práticas em TI pela Faculdade Três de Maio – SETREM, email: [email protected] 2 Especialista em Governança e Melhores Práticas em TI pela Faculdade Três de Maio – SETREM, email: [email protected] 3 Professor(a) Orientador(a) da Monografia – Curso Pós-graduação Governança e Melhores Práticas em TI da Faculdade Três de Maio - SETREM, e-mail: [email protected] 4 Sociedade Educacional Três de Maio – Av. Santa Rosa, 2504, Três de Maio – RS. [email protected] 28 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 2 MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA A metodologia, de acordo com Marconi e Lakatos (2006), é a definição de métodos, ou “caminhos pelos quais se chega a um determinado resultado, selecionando técnicas e avaliando alternativas científicas” (HEGENBERG, 1976 apud MARCONI e LAKATOS, 2006, p. 44). Portanto, a metodologia da pesquisa estuda os métodos de abordagem, os procedimentos e as técnicas a serem utilizadas para o desenvolvimento de uma pesquisa científica. Para Marconi e Lakatos (2007), os métodos de abordagem tratam do caminho a ser percorrido desde a formulação do problema, até a comprovação das hipóteses, ou seja, raciocínio e procedimentos que norteiam o desenvolvimento das etapas da pesquisa. Para o desenvolvimento da presente pesquisa utilizou-se a abordagem dedutiva, definida por Mattar (2008) como um processo de raciocínio, que se constitui do encadeamento de duas ou mais premissas que geram uma conclusão. Ainda, para Marconi e Lakatos (2007), o método dedutivo parte da compreensão de um todo para alcançar um objetivo específico; sendo assim, o presente estudo parte da confirmação das premissas iniciais para dar respostas ao problema de pesquisa. De acordo com Marconi e Lakatos (2006) os procedimentos dizem respeito às etapas de investigação, explicando fenômenos menos abstratos. Para o presente estudo foram utilizados os seguintes procedimentos: estudo de caso e pesquisa descritiva. O estudo de caso tem por objetivo obter um conhecimento profundo e exaustivo de uma realidade delimitada, de acordo com Güillich, Lovato e Evangelista (2007). Para o presente estudo, utilizou-se o estudo de caso para conhecer detalhadamente os processos de gestão de fornecedores em uma Cooperativa do Agronegócio. O procedimento de pesquisa descritiva, segundo Marconi e Lakatos (2006), é utilizado para descrever características de uma determinada população, fenômeno ou relação entre variáveis. No presente estudo, a pesquisa descritiva foi utilizada para descrição e elaboração dos processos conforme os objetivos inicialmente propostos. Para Marconi e Lakatos (2007) as 1 INTRODUÇÃO A partir da década de 90, com os avanços tecnológicos e o surgimento da Internet, romperam-se as fronteiras do ambiente coorporativo. As informações passaram a ser compartilhadas interligando diretamente, fornecedores e clientes. De acordo com Turban (2010), as organizações passaram a buscar os recursos de Tecnologia da Informação (TI), visando suportar os seus objetivos de negócio. Com isto, estes recursos passaram a ser providos na modalidade de serviço. Na contramão deste crescimento, pesquisas realizadas com executivos pela Bridge Consulting em 2011, indicam que a qualidade dos serviços entregues pela área de TI estão abaixo das expectativas estratégicas de negócio das empresas. Assim, a adoção de processos de gestão de fornecedores e acordos de níveis de serviço pela TI passam a ser vistos como uma alternativa para solucionar problemas de indisponibilidade dos serviços providos internamente e/ou por terceiros. As boas práticas de Governança e Gestão de TI apresentam diretrizes para que as organizações implementem em seus departamentos de TI estes processos de gestão. Diante deste contexto, o ITIL apresenta-se como padrão para o Gerenciamento de Serviços de TI, o qual tem como objetivo, prover recomendações para o planejamento, implementação, gerenciamento, controle e melhoria dos processos e serviços de TI. Porém, este gerenciamento eficiente não significa ser complexo, com uma infinidade de parâmetros a serem acompanhados. Para se ter um gerenciamento eficiente é necessário que o processo seja simples e os parâmetros sejam de pleno conhecimento por todos os envolvidos, evitando, assim, conflitos contratuais entre usuários e provedores de serviços. Desta forma, o presente estudo propõe realizar o levantamento e mapeamento dos processos atuais no que se refere à gestão de fornecedores na assessoria de TI de uma Cooperativa Agropecuária como, também, propõe a reorganização e/ou criação de novos processos para o controle de fornecedores. 29 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 técnicas são um conjunto de processos utilizados para alcançar os propósitos da pesquisa, ou seja, representa a parte prática de coleta dos dados para a pesquisa. Desta forma, para o desenvolvimento do presente estudo foram utilizadas as seguintes técnicas: observação e revisão bibliográfica. A observação consiste na utilização de sentidos para a observação de aspectos da realidade, utilizando-se para levantar a situação atual dos processos de gestão de fornecedores, no presente estudo. A revisão bibliográfica se refere à consulta de livros, de artigos, de periódicos e de outros, para elaboração do embasamento teórico do trabalho. usuários remotos. Assim, para Magalhães e Pinheiro (2007), a importância da TI para a execução das estratégias de negócio faz com que ela seja vista como uma parte da organização, tendo suas estratégias interligadas com o negócio da organização, de forma que tudo o que for feito em termos de TI possa ser demonstrado na forma de obtenção de valor para a organização. Desta forma, a utilização da TI pelas organizações independe do seu porte ou ramo de negócio e torna-se dia a dia não só mais um fator estratégico, mas sim, um fator de sobrevivência em um mercado cada vez mais competitivo. Por isso as empresas cada vez mais estão buscando as funcionalidades da tecnologia da informação para suportar os seus objetivos de negócio. Assim, no modelo atual, a TI é fornecida para as organizações na forma de serviços de TI. 3.1.1 Serviços de TI Freitas (2010) diz que serviços são compostos de uma solicitação, um conjunto de atividades a serem realizadas e de um resultado ou entrega para o solicitante do serviço. Já Crown (2007) define serviços de TI como “um serviço provido para um ou mais clientes por um provedor”. Sendo este baseado no uso da tecnologia da Informação e oferece apoio aos processos de negócio dos clientes. Um serviço de TI é composto pela combinação de pessoas, processos e tecnologias que devem ser definidas por meio de um acordo de nível de serviço. As organizações dependem dos serviços de TI e esperam que estes não apenas os auxiliem como também apresentem novas opções para implementar os seus objetivos. Além disso, as expectativas elevadas dos clientes dos serviços de TI tendem a mudar significativamente com o tempo e exigem revisões constantes. Os provedores de serviços de TI não podem mais apenas concentrar-se nas questões tecnológicas e na sua organização interna, devem considerar a qualidade dos serviços e se concentrar na relação com os clientes, cita Freitas (2010). Para tanto, passam a adotar práticas de Governança de TI, visando fazer o gerenciamento dos serviços, as quais fornecem recomendações práticas para atender aos requisitos de qualidade dos serviços. 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 3.1 As Organizações e a Tecnologia da Informação Mansur (2007) define a Tecnologia da Informação como um conjunto de sistemas, software e equipamentos de computadores, hardware, incluindo a rede de comunicação interna ou externa da organização que pode ou não se utilizar da transmissão de dados. Sendo que eventualmente esta rede pode estar ligada aos fornecedores. Segundo Turban (2010), durante algum tempo a tecnologia da informação foi considerada apenas como um item de suporte e automatização de tarefas e que não geravam retorno para o negócio. Aos poucos, as aplicações começaram a crescer e agregar valor aos processos organizacionais. Assim, ao passo em que estas transformações aconteceram, a TI passou a assumir um papel mais importante dentro das organizações, como fator de crescimento e de agregação de valor ao negócio. Assim, frente a um cenário cada vez mais competitivo, a informação ganha valor nas estratégias das organizações, pois estas necessitam de diferenciais que as auxiliem a conquistar mercado, ganhar vantagem e agregar valor. Isto pode ser obtido através de serviços de TI eficientes. Segundo Freitas (2010), a partir da década de 90, com o avanço das tecnologias e surgimento da Internet, as informações passaram a ser compartilhadas rompendo as fronteiras do ambiente da empresa, interligando fornecedores e clientes, permitindo o acesso aos sistemas por 30 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 3.2 Information Technology Infrastructure Library - ITIL Com a alta competitividade dos mercados e as constantes mudanças, é necessário que as empresas estejam preparadas, que tenham flexibilidade e agilidade para reagir rapidamente frente às mudanças, falhas e imprevistos que podem surgir, assim como estar preparada para se antecipar a eles. O desafio de gerenciar a TI, que há muito era apenas de interesse da comunidade de TI, recentemente tornou-se preocupação da alta direção das organizações. O alinhamento estratégico da TI com o negócio agora está realçado, bem como as abordagens relacionadas ao gerenciamento dos serviços de TI. Segundo Magalhães e Pinheiro (2007), as questões relacionadas ao gerenciamento dos serviços de TI, que buscam esse alinhamento dinâmico da TI com o negócio, receberam um reforço substancial com o estabelecimento do ITIL, um conjunto das melhores práticas para o gerenciamento da TI. O ITIL - Information Technology Infrastructure Library, é uma biblioteca de melhores práticas para a gestão de TI, criada no final da década de 80 pela CCTA – Central Computer and Telecomunications Agency do governo britânico, atual OGC – Office for Government Commerce. Como uma forma que o governo encontrou para disciplinar e permitir a comparação entre os que se candidatavam à prestação de serviços de TI para o mesmo, objetivando manter o mínimo de padronização nos atendimentos em termos de processo, desempenho, qualidade e custo. Segundo Magalhães e Pinheiro (2007) e Freitas (2010), a ITIL é um conjunto de melhores práticas para o gerenciamento de serviços de TI e fornece orientações para a área de TI baseando-se em um ambiente de qualidade, visando à melhoria contínua, envolvendo pessoas, processos e tecnologias, ou seja, ele oferece diretrizes para fazer a gestão, diz o que fazer, mas não como fazer. Tem como foco principal, a operação e a gestão da infraestrutura de tecnologia nas organizações, incluindo todos os aspectos que são importantes para o fornecimento dos serviços de TI. infraestrutura de TI. O ITIL descreve os processos que são necessários para dar suporte à utilização e ao gerenciamento da infraestrutura de TI. Outro princípio fundamental do ITIL é o fornecimento de qualidade de serviço aos clientes de TI com custos justificáveis, isto é, relacionar os custos dos serviços de tecnologia e como estes trazem valor estratégico ao negócio (FREITAS, 2010, p. 16). Para OGC (2007), o ITIL descreve a base para a organização dos processos da área de TI, visando uma orientação para a gestão da TI, sendo que as diversas práticas reunidas no ITIL descrevem os objetivos, atividades gerais e os pré-requisitos esperados para os resultados dos diversos processos. A ITIL não define os processos a serem implementados na área de TI, mas sim, demonstra as melhores práticas que podem ser utilizadas para esta definição. Tais práticas, por sua vez, podem ser adotadas de modo que melhor puder atender às necessidades de cada organização (MAGALHÂES, PINHEIRO, 2007, p.65). Segundo Magalhães e Pinheiro (2007) o ITIL, tem seus processos e atividades executadas pelas diferentes funções da área de TI. O modelo de referência dos processos do ITIL em sua versão 3, estão dispostos em três áreas: a de projeto de serviço, a de transição de serviço e a de operação de serviço, bem como uma função principal. Assim, para o contexto de desenvolvimento do presente trabalho dentro das melhores práticas do ITIL, serão abordados os processos de gestão de fornecedores, o qual propõe diretrizes para que as organizações adaptem a sua realidade e aplique no seu processo para fazer a gestão de seus fornecedores. 3.2.1 Gerenciamento de Fornecedores Freitas (2010) define fornecedores dentro do contexto da TI como um provedor de serviços externos, responsável por fornecer os serviços de apoio que sejam necessários para a entrega dos serviços ou os serviços completos. Pelo fato de cada vez mais as empresas estão optando por terceirizar serviços de TI que suportam o negócio. Desta forma, o ciclo de desenho de serviço prevê um processo de gerenciamento de fornecedores para garantir que as atividades entregues pelos fornecedores O princípio básico do ITIL e o objeto de seu gerenciamento: é a 31 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Na gestão tradicional as atividades são classificadas por departamentos, conforme as funções das pessoas. Baldam (2007), afirma que a visão por processo procura entender “o que precisa ser feito e como fazê-lo”, e nela as tarefas não são definidas exclusivamente em função dos departamentos da organização. Assim, analisar um processo é examinar cada parte da organização, visando conhecer seus objetivos, funções, atividades, fluxo de informações e relação com os demais processos existentes. Segundo Freitas (2010), existem várias formas de desenho e modelagem de processos que podem ser utilizadas. Ao padrão de desenho e modelagem é atribuído o nome de padrão de notação de processos. Atualmente a notação mais utilizada é o BPMN. A notação, o sistema de desenho e publicação de processos e o formato de documentação são fatores fundamentais para um gerenciamento de processos efetivo, mas o mais importante é que os processos existam e sejam seguidos por todos os envolvidos. O BPM (Business Process Management), de acordo com Baldam (2007), é uma metodologia para o desenho e melhoria de processos, que trabalha fortemente o aperfeiçoamento dos processos empresariais. Trata-se do alinhamento dos objetivos estratégicos da organização, projetando e implementando arquiteturas de processos, estabelecendo sistemas de medidas dos processos que alinham com os objetivos da organização, e educar e organizar os administradores para que p o s s a m a d m i n i s t r a r e fe t i v a m e n t e o s processos. Entende-se, desta forma, que a abordagem conceitual dos temas anteriormente discutidos representa a base para o entendimento e formulação do estudo que se propõe a realizar. Sendo assim, na próxima seção serão aplicados os conceitos aqui descritos de acordo com as necessidades da organização, a Cooperativa Agropecuária. atendam às expectativas do negócio e agregue valor requerido aos serviços, cita Magalhães e Pinheiro (2007). Segundo as definições de Freitas (2010) e Magalhães e Pinheiro (2007) o processo de gerenciamento de fornecedores tem como objetivo gerenciar os contratos dos fornecedores e os serviços entregues por eles, visando suportar e garantir que as metas em relação à qualidade e o valor esperado pelo negócio em dos serviços entregues sejam cumpridas. Para tanto, é necessário que seja definido um Banco de Dados de Contratos, o qual é um repositório central onde ficam os cadastros dos fornecedores bem como os contratos relacionados. Desta forma, cada fornecedor tem um tratamento diferenciado conforme sua importância para o negócio da organização. Neste processo também é definido o papel de Gerente de Fornecedor, o qual será responsável por todas as tarefas descritas, catalogando, mantendo, avaliando, comunicando e negociando os contratos com fornecedores. Isto posto, os fornecedores devem ser vistos como parceiros para agregar valor ao negócio. Os serviços entregues necessitam estar sempre alinhados ao negócio da empresa e estarem de acordo com os SLA's definidos nos contratos. 3.3 Processos Harrington (1993) define processo como qualquer atividade que recebe uma entrada, agrega um valor e gera uma saída para um cliente interno ou externo. Os processos fazem o uso de recursos organizacionais para gerar resultados. Eles podem ser classificados como empresariais ou produtivos. Um processo é produtivo quando há um contato direto com o produto ou serviço que será oferecido ao cliente. Por outro lado, um processo é considerado empresarial quando, além de contemplar as etapas do processo produtivo, também existem etapas de apoio a estas atividades. Para Freitas (2010), um processo é um conjunto de atividades que são realizadas para atingir um resultado desejável. Os resultados dos processos são denominados “produtos” ou “entregáveis”. Dentro de um processo são relacionadas sequências de atividades que devem ser realizadas para gerar os entregáveis do processo. 4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS 4.1 Levantamento da Situação Atual O departamento de TI dentro da Cooperativa é de responsabilidade da assessoria de TI, ligada diretamente à diretoria, e tem como finalidade atuar 32 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 estrategicamente, dando apoio às iniciativas da diretoria. Funcionalmente a TI está organizada com Analistas, Técnicos e terceirização parcial. As equipes internas trabalham com suporte inicial aos usuários e com os serviços providos internamente. Atividades complexas e técnicas são desempenhadas por equipes especializadas através de contratos de prestação de serviço. As atividades são desenvolvidas por três equipes principais, as quais estão organizadas para as operações de TI da cooperativa: Infraestrutura e Telecomunicações, Sistemas de Informação e Gestão e Prospecção. Atualmente, a Cooperativa não dispõe de um catálogo de serviços formalizado, sabe-se através dos profissionais de Te c n o l o g i a d a I n f o r m a ç ã o q u a i s o s fornecedores e os serviços prestados por estes. Os serviços atualmente prestados são relacionados em uma planilha eletrônica que informa uma descrição em âmbito geral e também o fornecedor responsável, bem como seu contato para suporte e negociação. Complementado o catálogo de serviços, o departamento organizou em forma de hierarquia (em forma de organograma) um conjunto de serviços imprescindíveis para a operação da TI, os quais são necessários para atender as necessidades da Cooperativa. Esta hierarquia classifica os serviços de acordo com a sua finalidade ou objetivo; sendo assim, classificados em dois pilares, Infraestrutura e Sistemas. Os serviços de infraestrutura são aqueles necessários para suportar a operação dos sistemas de informação. Consistem em recursos tecnológicos relacionados a hardware e a redes. Os serviços de infraestrutura se classificam em: Infraestrutura Básica, Telecomunicações Wireless, Equipamentos e Software, Telecomunicações e Segurança, Aplicações e Banco de Dados. Já os serviços de Sistemas de Informações compõem os serviços de software necessários para realizar a integração dos processos empresariais, através de sistemas de ERP e Business Intelligence. Neste âmbito destacam-se os sistemas: contábil, financeiro e fiscal, frente de caixa, gestão de pessoas e módulo para gestão do recebimento agrícola. Neste aspecto, é importante ressaltar que os serviços de sistemas de informação motivam a necessidade de serviços de infraestrutura, os quais devem ser planejados e prestados visando a correta e eficaz operação dos sistemas de informação. A forma como o departamento organiza os serviços possui inúmeras limitações, que para os objetivos podem tornar a prestação de serviços ineficaz. Neste aspecto, pode-se destacar: - O escopo dos serviços não está definido, há apenas uma listagem organizada através de relacionamento por dependência funcional. - Não está elencado o responsável por projetar o serviço, bem como o responsável pela prestação. - Não há uma especificação da importância destes serviços em relação às estratégias e processos de negócios da cooperativa, sendo que este aspecto não é frisado pela ITIL, mas é de importância para que a organização possa atingir seus objetivos e negócios. Os usuários enxergam a TI como uma caixa preta, ou seja, um departamento que provê serviços de informática e sistemas informatizados, mas não conseguem definir claramente a totalização dos serviços prestados. Esta abordagem oferece diversos riscos operacionais, pois geralmente o usuário não tem certeza dos custos que envolvem determinado serviço, bem como a contribuição destes serviços para o resultado final dos processos e estratégias de negócio, ou seja, a comparação custo-benefício destes. A divulgação dos serviços esclarece ao usuário quais os recursos que estão disponíveis para utilização, bem como seu acordo de nível de serviço, o que garante ao usuário o tempo de resposta a incidentes, bem como os recursos regulamentares aplicados em caso de atraso. A seguir, descrevem-se os processos em seu estado atual na Cooperativa, o As Is, conforme é denominado pelo BPM (Business Process Management), onde são descritos os processos de requisição de serviço e aquisição (fornecedores). 4.1.2 Requisição de Serviços (Central de Serviços) A TI provê vários serviços aos seus usuários; para tanto, é necessário oferecer 33 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 serviços de TI a especialidade. Sendo assim, contratam-se serviços que dependem de profissionais com conhecimento muito específico e dinâmico, que exige profissionais altamente capacitados, treinados ou com certificação. Cabe salientar que o processo de contratação e gestão se encontra em um estágio, definido como imaturo. De acordo com as bibliografias, um processo imaturo é aquele que não possui os papéis claramente identificados e as etapas muitas vezes estão sobrepostas e pouco descritas. Sendo assim, muitos profissionais desconhecem o processo de contratação, executando o mesmo de maneira incorreta e deixando-se etapas essenciais de fora durante a execução, ocasionando problemas de contrato ou inviabilizando a contratação posteriormente. De acordo com os profissionais da Cooperativa, o processo de seleção e contratação de fornecedores atualmente é baseado em orçamento de itens de acordo a experiência do profissional responsável, aprovação pela gestão de TI, contratação dos itens mais viáveis ou padronizados e pagamento do serviço pelo departamento financeiro após a entrega do mesmo. Destaca-se que o processo atual não possui declaração de trabalho, bem como a RFP, permitindo que o profissional responsável pela contratação elabore o escopo de acordo com sua experiência. Esta liberdade de escolha pode causar inúmeros problemas contratuais devido à falta de padronização. O processo inicia com a solicitação de orçamentos junto a fornecedores potenciais e compilação dos orçamentos recebidos. Estes orçamentos são submetidos à avaliação pela gestão da assessoria de TI, que dará seu parecer. O parecer geralmente é focado em custos; no entanto, em alguns casos é optado de acordo com o padrão e produtos e serviços em uso pela Cooperativa. Para compra de produtos é realizado o pedido, caso o parecer da gestão de TI seja favorável. A partir desta, aguardase a entrega dos itens no endereço especificado. Para contratação de serviços, bem como para compra de produtos, é realizado um parecer técnico no ato da entrega do produto ou durante a prestação do serviço. Após o parecer técnico é comunicado o setor financeiro para proceder com o pagamento junto ao fornecedor. uma central de serviços, que possibilite os usuários realizarem a adesão de serviços existentes, solicitar novos serviços e solicitar suporte a incidentes e problemas relacionados aos serviços contratados. Para os serviços internos, o atendimento é feito através de contato telefônico, e-mail ou por ferramenta de comunicação instantânea interna, onde é feita a solicitação e a identificação dos problemas passados pelos colaboradores. Depois é efetuada abertura da Requisição, ou seja, um chamado no Sistema Gerenciador de Serviços – SAGE GS. O SAGE GS é um aplicativo para Gestão e Requisição de Serviços, utilizado para todo e qualquer serviço dentro da Cooperativa, não sendo um sistema de Help Desk específico para a TI. A TI utiliza o sistema para a abertura de requisições e Ordens de Serviço, nele os técnicos e analistas abrem as requisições de serviço e chamados de problemas que são relatados pelos usuários. O momento do contato para o atendimento já é direcionado para um técnico específico, sendo estes da área de sistemas ou da área de infraestrutura. Em casos em que a requisição depende de um serviço externo de um terceiro ou fornecedor, o técnico faz a abertura do chamado junto a estes e aguardar a solução do problema, quando da necessidade de contratação ou compra, deve-se fazer uma cotação, esta deve passar pela aprovação do gerente da área para que se possa concluir a requisição. Depois do atendimento do técnico e da resolução do problema, é efetuada a baixa da ordem de serviço mediante comentário da solução, discriminando os custos caso se houver deslocamento, troca de uma peça ou de equipamento, ou custos de terceiros. 4.1.3 Contratação e Gestão de Fornecedores Em uma organização que depende da TI para o desempenho de seus processos de negócios, é primordial constituir um conjunto de serviços essenciais. No entanto, em um cenário de mercado naturalmente competitivo, é notório que organizações mantenham o foco em seu core business e enfatizem a contratação de fornecedores (terceirização) para prestação de serviços complementares como a TI. A Cooperativa tem em sua política de contratação de 34 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 surgem da execução de suas funções nas operações do dia-a-dia. Tem por objetivo garantir o atendimento das requisições de serviço, originadas pelos usuários. As requisições de serviços podem ser registros de incidentes ou solicitação de novos serviços (demandas dos usuários, ou mesmo do negócio da empresa). Partindo da requisição do usuário, procura-se, através de etapas detalhadas, solucionar problemas reportados pelos usuários ou atender as novas demandas. A Figura 2 apresenta graficamente o novo processo de requisição de serviços. Sendo este organizado em 3 níveis de suporte conforme propõem as boas práticas do ITIL, também foram levados em conta procedimentos e regras que visam adequar o processo às políticas da organização, como foi proposto inicialmente no projeto. Nos itens apresentados, foram descritos os diversos aspectos das configurações atuais dos serviços de TI da Cooperativa. Os próximos itens apresentarão as melhorias aplicáveis ao processo atual visando seu aprimoramento. 4.2 Melhorias Propostas Diante do cenário encontrado na Cooperativa, ao fazer o levantamento dos processos atuais, propôs-se melhorias, as quais serão apresentadas nos itens a seguir. 4.2.1 Requisição de Serviços (Central de Serviços) O processo de requisição de serviços é responsável por permitir aos usuários realizarem requisições de serviços, que são demandados pelas necessidades de negócio da empresa, ou mesmo necessidades que Figura 1: Processo de requisição de serviços 35 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 escolha destes fornecedores. O processo de gestão de fornecedores foi modelado seguindo as orientações do ITIL, no que tange as questões relacionadas à gestão de fornecedores, conforme pode ser visto na Figura 3, a qual apresenta graficamente o processo de gestão de fornecedores. Pelo fato de a Cooperativa não possuir um sistema para a gestão de fornecedores, inicialmente sugere-se a criação de uma estrutura de guarda de documentos, a qual é apresentada no plano para implantação dos processos. 4.2.2 Processo de Gestão de Fornecedores O processo de Gestão de Fornecedores tem o objetivo de fazer a gestão dos fornecedores, desde a manutenção das políticas de seleção, manutenção da base de dados, realização da seleção, até a avaliação de desempenho de fornecedores contratados. Através do processo busca-se ter controle sobre os fornecedores com os quais a empresa possui contratos de serviços, estabelecendo também um processo mais formal para a Figura 2: Processo de Gestão de Fornecedores A partir do processo de Gestão de Fornecedores, tem origem o processo de aquisição, o qual tem por objetivo a compra de produtos ou a contratação de serviços, visando atender às demandas e necessidades dos usuários, bem como da empresa no que se refere a equipamentos ou serviços de TI. Sendo assim através das demandas e solicitações apresentadas pelos usuários, procura-se executar o processo visando fazer a aquisição de serviços ou equipamentos para suprir estas demandas apresentadas. O Quadro 1 apresenta os documentos gerados pelo processo de aquisição, sendo este a Avaliação da Entrega, o qual tem por objetivo verificar as conformidades dos serviços entregues. Nome: Avaliação da Entrega Objetivos: Atividades Vinculadas: O objetivo deste documento é avaliar as entregas dos Avaliação do Produto ou produtos ou serviços contratados, visando qualificá - Serviço los e verificar as conformidades dos mesmos. Quadro 1: Documentos do processo de aquisição. A Figura 4 apresenta o processo de aquisição, o qual tem início no usuário e é dele que surgem as necessidades de um novo serviço; diante disto, a TI é responsável por analisar esta necessidade e verificar se é necessário realizar uma aquisição ou se esta necessidade pode ser atendida internamente. Figura : Processo de aquisição 36 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Dentro do processo de Aquisição, quando houver a necessidade de contratação ou compra, inicia-se o subprocesso de Seleção de Fornecedores, conforme pode ser visto na Figura 5, a qual apresenta graficamente o processo de Aquisição. Após a conclusão do processo de seleção de fornecedores, antes de seguir o fluxo normal do processo de aquisição, resultado do sub-processo de seleção de fornecedores deve passar pela aprovação da gerência. Após esta aprovação, faz-se a comunicação do resultado do processo aos fornecedores. Neste ponto são originados dois novos sub-processos: quando a seleção for para aquisição de equipamentos tem-se o sub-processo de Compra de Equipamentos; e quando se tratar de serviços tem-se o subprocesso de Contratação de Serviços. O sub-processo de Seleção de Fornecedores faz parte do processo de Aquisição e tem por objetivo a seleção de fornecedores para contratação de serviços ou compra de produtos, através de critérios de seleção previamente estabelecidos nas políticas de seleção e contratação. Utilizando-se do escopo das necessidades apresentadas pelos usuários, no presente processo é elaborada através dos templates, u m a D e c l a r a ç ã o d e Tr a b a l h o e / o u Especificação Técnica de Equipamentos no caso de compra destes e de uma RFP, ou seja, uma requisição de proposta para apresentar ao mercado, visando contratar serviços ou adquirir equipamentos de forma a suprir as demandas e necessidades apresentadas por estes usuários. Após a organização e receber as propostas apresentadas pelos fornecedores, realiza-se a seleção dos mesmos através de uma planilha onde são estabelecidos critérios de seleção, os quais seguem as especificações e procedimentos estabelecidos nas políticas de seleção e contratação de fornecedores apresentados. O processo de seleção de fornecedores está representado graficamente na Figura 5, sendo que este processo foi modelado seguindo as etapas e referências estabelecidas pelas boas práticas do ITIL, bem como feitas adaptações nos documentos e no próprio processo para que este esteja de acordo com as políticas da organização. Figura 4: Processo de seleção de fornecedores No Quadro 2 é apresentada um lista da documentação que é gerada pelo processo de seleção. Neste quadro é apresentado o nome do documento gerado, o objetivo deste documento e as atividades as quais este documento está vinculado. 37 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Nome: Declaração de trabalho Objetivos: O objetivo deste documento é proporcionar a gerência de TI, as necessidades que levam a aquisição do serviço descrito e sua aplicação na organização, bem como sua ligação com a estratégia desta. Especificação O objetivo deste documento é prover informações e Técnica especificações técnicas e equipamentos a serem adquiridos. RFP O objetivo des te documento é prover informações e requisitos para que as empresas fornecedoras apresentem propostas com informações e preços, de serviços que a Cooperativa tem a pretensão de contratar. Planilha O objetivo deste do cumento é oferecer informações que Critérios de auxiliem o responsável pela avaliação a realizar a seleção classificação e seleção dos fornecedores Atividades Vinculadas: Elaboração da decla ração de trabalho ou especificação técnica Elaboração da declaração de trabalho ou especificação técnica Elaboração da RFP Seleção de fornecedores Quadro 1: Tabela de documento do processo de seleção de fornecedores e cronograma para implantação dos processos na Cooperativa, sendo este composto dos passos, atividades, procedimentos e cronograma necessários para a implantação dos processos. 4.3 Plano de Implantação do Novo Processo de Gestão de Fornecedores Qualquer mudança em processos empresariais exige esforço e planejamento para que seja possível atingir o sucesso. De acordo com Baldam (2007), colocar em execução a otimização de processos empresariais exige a aplicação de treinamento e a atribuição de responsabilidades, pois os colaboradores precisam compreender o novo processo e assimilar as mudanças, o que se apresenta como um grande desafio. O presente item visa explanar as atividades necessárias para implantar os processos nos quais se propôs melhorias, a gestão de fornecedores e definição de SLA para serviços internos. Inicialmente, necessita-se o alinhamento das atividades nos processos de requisição de serviços e publicação de um catálogo de serviços, pois, o sucesso da gestão de fornecedores necessita do correto funcionamento destes itens. A seguir, encontram-se as etapas necessárias para a implantação do processo atual: a) Publicação do catálogo de serviços de TI. b) Adequação do processo de requisição de serviços, objetivando a integração com o novo processo de gestão de fornecedores, bem como com a formulação de SLA. c) Implantação do novo processo de As questões relacionadas à Contratação de Serviços e Compra de Equipamentos foram desmembrados em dois sub-processo no processo de aquisição, visando tratar as particularidades de cada um dos casos. O sub-processo de contratação de serviço tem por objetivo contratar serviços para atender às necessidades no que se refere aos serviços de TI pelas áreas de negócio da organização. Sendo assim, utilizando-se do escopo das necessidades dos usuários e a aprovação da gerência, o presente processo efetiva o contrato. O sub-processo de contratação de serviços tem início com o contato para contratação, negociação dos acordos de níveis de serviço, elaboração, avaliação e aprovação do contrato, posteriormente passando a execução do serviço e acompanhamento da mesma. Já o subprocesso de compra de equipamentos tem por objetivo efetivar a compra de equipamentos de acordo com as demandas apresentadas e com a especificação de equipamentos. Sendo assim, utilizando-se do escopo da necessidade apresentada pelos usuários, o presente processo visa à efetivação da compra de equipamentos para suprir as demandas apresentadas. Inicia com a realização do pedido, negociação das condições de pagamento, após ocorre o recebimento dos equipamentos e então no recebimento é feita uma vistoria para verificar se o que foi pedido é o que foi entregue. Após a modelagem, diagramação e documentação dos processos e elaboração dos templates, passa-se a apresentar o plano 38 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 gestão de fornecedores. d) Formulação de SLA das atividades fornecidas internamente (fornecedor interno). 4.3.1 Preparação do ambiente Inicialmente, necessita-se da definição de uma estrutura de guarda de documentos, a qual irá utilizar o servidor de arquivos da organização. Conforme exposto na apresentação dos processos, muitos documentos são gerados e recebidos durante a execução do novo processo. Estes documentos precisam ser acondicionados para uso posterior, em outras etapas do processo e para finalidades de auditoria. Portanto, sugere-se a seguinte estrutura para acondicionar os documentos gerados e recebidos pelo processo. Cada instância do processo deverá gerar um diretório, contendo o TÍTULO do serviço a ser adquirido. Somente o gestor de TI e o analista de contratos deverão ter acesso a este diretório, por questões de segurança. Figura 5: Estrutura de guarda de documentos prospectos. Quanto à infraestrutura de aplicações (software), para a execução de fluxos de trabalho e processos empresariais, o mercado oferece sistemas específicos para esta finalidade, no qual existem alternativas pagas e alternativas gratuitas. No entanto, o escopo deste estudo não contempla a avaliação e implantação de ferramenta permitindo que a empresa faça sua escolha posteriormente. 4.3.2 Papéis e Responsabilidades do processo de gestão de fornecedores Conforme as recomendações sugeridas pelas bibliografias utilizadas neste estudo, na transição de processos empresariais é imprescindível a definição das novas responsabilidades e dos papéis. Responsabilidades são as atividades que precisam ser realizadas, enquanto que o papel é o grupo ou profissional que irá desempenhar cada atividade. No Quadro 7 podem ser observadas as responsabilidades que o novo processo exige, bem como os papéis relacionados a elas. Neste ponto, pode-se observar que o analista de contratos pode ser um profissional da área de gestão que tenha conhecimento de TI. Item 1 – Descrição do Serviço: armazenará os documentos de declaração de trabalho e especificação dos equipamentos recebidos da área técnica (Analistas de Técnicos em TI) conforme as necessidades do usuário. Item 2 – RFP: armazenará as versões da Solicitação de Proposta. Item 3 – Propostas: acondiciona as propostas comerciais e seus anexos recebidos de fornecedores e prospectos. Item 4 – Contrato: armazena os contratos, versões e anexos do contrato firmado com o fornecedor selecionado. Item 5 – Avaliação: armazena a planilha de avaliação do fornecedor que é realizada temporariamente, conforme as necessidades do serviço. No que tange à infraestrutura do processo, também se necessita que o analista de contratos disponha de uma sala de reuniões com equipamentos audiovisuais para a realização de reuniões e áudio conferências com fornecedores e 39 Jurídico A A A A/R A/R A/R A/R A/R A A/R A/R A/R C/I C/I C/I C/I I A/R A/R A/R A/R C C/I C/I - - C/I I C/I R I I I C I C/I I I I A/R - R A/R A/R - Analista ou Técnico de TI Financeiro Responsabilidades Avaliar necessidade de compra ou contratação Elaborar Declaração de Trabalho Elaborar especificação de equipamentos Elaborar requisição de compra Selecionar fornecedores pra envio de RFP e proceder com o envio Receber propostas e orçamentos Qualificar e classificar fornecedores Selecionar fornecedor Aprovar seleção Negociar SLA Realizar Pedido Avaliar contrato Revisar contrato Aprovar contrato Avaliar entrega de produtos e serviços Valida entrega de produtos e serviços Realiza pagamento Cadastra fornecedor na base de dados Manter políticas de seleção de fornecedores Seleção de potenciais fornecedores Gestão de desempenho de fornecedores Gerente de TI Papéis Analista de Contratos REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 R R R R C/I I I I C/I I A/R A/R I C/I I C/I C/R Quadro 1: Papéis e responsabilidades. dando autorizações; I – quem será informado durante o processo. 4.3.3 Cronograma de atividades para implantação dos processos Para que os novos processos possam entrar em operação, é necessária a realização de um projeto específico que contemple atividades de transição. O cronograma proposto neste estudo é uma recomendação baseada nas bibliografias estudadas e que contempla as principais atividades. O cronograma pode ser observado no Quadro 8 e suas atividades são auto-explicativas. O q u a d r o d e p a p é i s e responsabilidades foi elaborado baseado na Matriz de Responsabilidades também chamado de RACI (Responsible, Accountable, Consult and Inform). Na matriz, as pessoas ou papéis diferentes são representadas em colunas da primeira linha e as entregas ou atividades nas linhas da primeira coluna. A sigla RACI significa: R – responsável pela execução da tarefa; A – quem possui propriedade sobre as atividades, é quem responde pelos seus resultados; C – quem será consultado durante o processo, fornecendo conselhos ou Cronograma de Implantação Atividades Criar estrutura de guarda de documentos Criar estrutura de guarda dos templates Adequação do processo de requisição de serviço Criar base de dados de fornecedores Atribuição dos papéis Data: Novembro de 2012 Novembro de 2012 Janeiro e Fevereiro de 2012 Fevereiro de 2012 Março de 2013 Delegação das responsabilidades Abril de 2013 Realizar treinamento do processo de aquisição e seleção Implantar atividades do processo de aquisição e seleção Acompanhar atividades implantadas Realizar treinamento do processo de gestão de fornecedores Implantar atividades do processo de gestão de fornecedores Acompanhar atividades implantadas Fazer avaliação dos processos implantados para verificar melhorias a serem feitas Maio de 2013 Analista de Contratos Gerente de TI e Analista de Processos Gerente de TI e Analista de Processos Analista de Processos Maio e Junho de 2013 Analista de Processos Maio e Junho de 2013 Julho de 2013 Analista de Processos Analista de Processos Julho e Agosto de 2013 Analista de Processos Julho e Agosto de 2013 Setembro e Outubro de 2013 Analista de Processos Analista de Processos e Analistas e Técnicos de TI Quadro 1: Cronograma de implantação 40 Analistas e Técnicos de TI Analistas e Técnicos de TI Analista de Processos REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 buscar uma resposta a este, estabeleceramse objetivos que realizados levaram à resposta do problema proposto. Inicialmente, foram direcionados esforços para realizar o estudo e levantamento do processo atual de fornecedores na Assessoria de TI da Cooperativa. Através do levantamento da situação atual, realizou-se um estudo das melhores práticas do ITIL, e então se baseando nestas, foram remodelados e propostas melhorias nos processos para gestão de fornecedores. Durante a elaboração dos processos, estes foram submetidos à aprovação do gestor de TI da Cooperativa visando verificar se estes estavam de acordo com as políticas da empresa. Ao final da elaboração dos processos estes foram documentados. Ao finalizar o desenvolvimento do estudo foi elaborado um plano para a implantação da proposta elaborada, sendo organizado um cronograma, bem como os passos para a implantação e os papéis e responsabilidades de cada uma das partes envolvidas nos diferentes processos. Sugere-se como proposta futura para o presente estudo, que seja realizada a implantação e o acompanhamento dos processos modelados. E, neste sentido, que também se faça o uso de um aplicativo ou software próprio para esta finalidade, proporcionado a efetiva melhoria nos processos da cooperativa. Ao meio acadêmico propõe-se a continuidade do estudo apresentado, realizando o levantamento de demandas da Assessoria de TI no que se refere a outros processos de gerenciamento dos serviços de TI. Ao encerrar, é necessário lembrar que a Tecnologia da Informação, na forma como está inserida, é essencial para o atendimento dos objetivos de negócios das organizações, através de seus serviços e que o aperfeiçoamento de seus processos é um desafio atual que deve ser encarado pelos gestores de TI continuamente. 4.3.4 Plano de custos O plano de custos trata principalmente do custo e dos recursos necessários para terminar as atividades do cronograma. No entanto, o gerenciamento de custos do projeto também deve considerar o efeito das decisões do projeto sobre o custo de utilização, manutenção e suporte do produto, serviço ou resultado do projeto. Os custos de implantação dos novos processos se baseiam nas atividades propostas no cronograma do processo de implantação, uma vez que a infraestrutura necessária para a execução do processo já existe na organização. Portanto, os principais custos do projeto serão as horas técnicas de treinamento e acompanhamento do novo processo. 4.3.5 Avaliação do processo Conforme a recomendação das literaturas pesquisadas e em conformidade com o BPM, todo o processo otimizado, após entrar em operação, necessita ser monitorado e avaliado para que seja otimizado. Isto é o que se denomina melhoria contínua. Portanto, recomenda-se que os novos processos após sua implantação sejam monitorados e avaliados pela empresa, com a finalidade de avaliar se os mesmos estão de acordo com as necessidades da organização e promover as otimizações necessárias. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS No contexto atual, as organizações necessitam de serviços de TI para desempenhar suas atividades de negócio. Neste sentido, elas devem estar aptas a dimensionar seus serviços e selecionar fornecedores que atendam suas demandas. Sendo assim, a melhoria dos processos vem como uma maneira de estar atendendo a este objetivo. Visando a melhoria dos processos que envolvem a seleção de fornecedores e estabelecimento de acordos de níveis de serviço, realizou-se o presente estudo. O mesmo está em conformidade com as melhores práticas de gestão de TI elencadas pela ITIL, por se tratar de uma biblioteca amplamente aceita no contexto corporativo. Sendo assim, diante do problema levantado pelo presente estudo visando 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS BALDAM, Roquemar de Lima; et al. Gerenciamento de processos de negócios BPM - Business Process Management. São Paulo, SP: Érica, 2007. BRIDGE CONSULTING. Estratégia de TI: Como atingir o alinhamento com o negócio 41 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 informação para gestão: transformando os negócios na economia digital. Porto Alegre, RS: Bookman, 2010. através do posicionamento estratégico da TI, ( 2 0 11 ) . D i s p o n í v e l e m <http://www.bridgeconsulting.com.br/servico s/planejamento-estrategico-deti/itemlist/tag/bridge.html?start=30>. Acessado em: 16 de Maio de 2012. SIQUEIRA, Denise da Luz; ROSA, Diego; B E N E D E T T I , Ve r a L ú c i a L o r e n s e t . Aplicação das melhores práticas do ITIL para processos de gerenciamento de fornecedores e SLA. Monografia Pósgraduação Governança e Melhores Práticas em TI. SETREM: 2012. CROWN. 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Dessa forma, foram utilizados conceitos gerenciais deste framework para o desenvolvimento de escopo de projeto aplicado a um contexto específico. Ainda será feito o mapeamento das práticas do SCRUM com o modelo de maturidade MPS.BR, nível G, para verificar as inconsistências que existem entre eles e o que pode ser feito para que o SCRUM atenda 100% este nível de maturidade. Com isso, o intuito é demonstrar se há a possibilidade de uma empresa software house, padronizando seus processos de desenvolvimento adotando uma metodologia ágil, consiga atingir a maturidade nos processos do MPS.BR, com qualidade, agilidade na entrega, no feedback e integração constante com o cliente, valorização da flexibilidade nas mudanças de requisitos, e, também, proporcionando à equipe novos conceitos e o compromisso no atendimento dos prazos de entrega estipulados por ela própria. Palavras-Chave:Qualidade. MPS.BR. SCRUM. ABSTRACT This article presents the analysis and the procedure followed for the adequacy of the SCRUM software development phase of projects to implement the ERP system. Thus, management concepts of the framework for the development of project scope applied to a specific context were used. Although the mapping with the practice of Scrum MPS.BR maturity model, Level G will be done, to check inconsistencies that exist between them and what can be done to meet the SCRUM 100% this level of maturity. Thus, the aim is to demonstrate that there is the possibility of a software house company, standardizing their development process by adopting an agile methodology, able to reach maturity in MPS.BR processes, quality, quick delivery, the constant feedback and integration with the client, valuing flexibility in changing requirements, and also giving the team new concepts and commitment in meeting the deadlines set by itself. Keywords: Quality. MPS.BR. SCRUM. 1 Acadêmicos do Curso Bacharelado em Sistemas de Informação – SETREM. Professores Orientadores – SETREM. 3 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, Av. Santa Rosa, 2504, Três de M aio – RS, e-mail: [email protected]. 2 43 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 1. INTRODUÇÃO O crescente uso de software personalizado facilita as tarefas dos clientes, agilizando e trazendo um retorno financeiro e da mesma forma mantém um negócio competitivo no mercado. Gerenciar empresas pode não ser uma tarefa tão simples assim; por isso o desenvolvimento de softwares que automatizam os processos de controle de produtos, trazendo com isso um gerenciamento do mercado de boa qualidade. Este artigo demonstra a aplicação do SCRUM alinhado ao nível G do MPS.BR, buscando atender às boas práticas da metodologia ágil necessária para a excelência no gerenciamento de processos, buscando um nível de produtividade, agilidade e confiabilidade entre o cliente e fornecedores do sistema. O grande desafio é aplicar SCRUM em um sistema ERP já consolidado e que já possui processos gerenciais de implantação. Desta forma, este relatório demonstra uma aplicação usando o SCRUM alinhado ao nível G do MPS.BR, buscando um nível de produtividade e agilidade para criar um laço de confiabilidade entre cliente e fornecedora do sistema. O maior desafio desta análise é aplicar o SCRUM em um processo de implantação de sistema ERP já consolidado em projetos para empresas Small Business, especificamente na fase de desenvolvimento de software. Buscando com isto alavancar a produtividade da equipe, com maior qualidade e com retorno positivo para o cliente. humanos e definições de cronograma de entrega. - É possível aplicar o SCRUM alinhado com o MR-MPS nível G, nos novos projetos de implementação com novas funcionalidades do sistema ERP. O objetivo geral é analisar e estudar a aplicação do SCRUM alinhado com os resultados esperados do nível G do MRMPS, na implementação personalizada do sistema ERP Tecnicon. Este trabalho trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa e indutiva, que expressa, através da subjetividade, os resultados da pesquisa, induzindo a equipe a partir para planos maiores conforme o cumprimento dos requisitos de cada etapa. O procedimento utilizado é a pesquisa descritiva, que segundo Güllich et al.(2007), têm como características a observação dos fatos, os registros, as análises, a classificação e a interpretação dos mesmos, sem a interferência do pesquisador sobre eles. Ou seja, neste trabalho foi aplicado o SCRUM e MPS.BR e, posteriormente, os resultados serão obtidos com a sua utilização. 3. REFERENCIAL TEÓRICO 3.1 Engenharia de Software O conceito de Engenharia é a arte de aplicar conhecimentos científicos empíricos e certas habilidades específicas para a criação de estruturas, dispositivos e processos que se utilizam para converter recursos naturais em formas adequadas ao atendimento das necessidades humanas (PRESSMANN, 2006). 2. ASPECTOS METODOLÓGICOS O tema do presente artigo trata da Análise e estudo e aplicação do framework SCRUM com os processos do nível G do MPS-BR, em novos projetos de implementação em Empresa de TI. Como problema, cita-se: a empresa pode adotar procedimentos de SCRUM baseado no processo nível G do MPS.BR, para atender as demandas de forma mais rápida? Como hipóteses, foram levantadas as seguintes. - É possível visualizar as vantagens e desvantagens de gerenciar demandas de requisitos utilizando SCRUM para melhorar o planejamento, direcionando recursos “Engenharia de software é a criação e a utilização de sólidos princípios de engenharia a fim de obter softwares econômicos que sejam confiáveis e que trabalham eficientemente em máquinas reais” (PRESSMAN, p.27, 2006). 3.3 Processo de Software Um processo de software é um conjunto de atividades e resultados associados que produz um produto de software. Dentre estas atividades estão envolvidas a organização lógica de diversas atividades técnicas e gerenciais reunindo agentes, métodos, ferramentas, artefatos e restrições que possibilitam disciplinar, sistematizar e organizar o desenvolvimento e manutenção de produtos de software (CORDEIRO, 2012). 44 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 3.5 Métodos Ágeis Os Métodos Ágeis de Desenvolvimento de Software surgiram como uma reação aos métodos clássicos de desenvolvimento e do reconhecimento da necessidade premente de se criar uma alternativa a estes “processos pesados”, caracterizados pelo foco excessivo na criação de uma documentação completa (DIAS, 2010). Fonte: Lima (2011). 3.6 SCRUM Figura 02: Interseção dos papéis no SCRUM. 3.8 Product Backlog São listas de atividades descrevendo os requisitos que o projeto irá ter durante o desenvolvimento, a fim de atingir as necessidades do Dono do Produto-Product Backlog. A lista pode sofrer várias alterações, pois no início a lista é bruta e com artefatos ainda não muito detalhados, e conforme as priorizações no desenvolvimento do projeto serão alteradas muitas vezes para atingir o objetivo de acordo com a visão do Dono do Produto – Product Owner (SCHWABER, 2004). 3.10 Sprint Um Sprint é uma unidade de desenvolvimento em SCRUM, deve durar entre uma a quatro semanas, trata-se de um esforço, que possui um determinado tempo. Cada Sprint é planejada onde são identificadas as tarefas e um objetivo é definido, seguida por uma reunião de retrospectiva, em que é avaliado o Sprint para dar seguimento aos próximos Sprints. 3.11 Qualidade no processo de Software A qualidade é o grau no qual um conjunto de características inerentes satisfaz aos requisitos. Dessa forma é possível dizer que quando os requisitos de um sistema estiverem todos atendidos de forma completa, então este sistema atinge seu grau de qualidade desejada (ABNT NBR ISO 9000, 2005). 3.12 MPS.BR O modelo MPS estabelece um modelo de processos de software, um processo e um método de avaliação de processos. Esta estrutura fornece sustentação e garante que o modelo MPS esteja sendo empregado de forma coerente com as suas definições. O modelo MPS estabelece também um modelo de negócio Ken Schwaber (2009), afirma em seu Guia, que o SCRUM não é um processo ou técnica para desenvolvimento de produtos, mas sim um framework que possibilita a empregabilidade de diversos processos e técnicas. O seu papel é fazer transparecer a eficácia relativa das práticas de desenvolvimento, possibilitando a quem a estiver utilizando, melhorar essas práticas. Fonte: Pressmann (2006) Figura 01: Visão dos processos de SCRUM. 3.7 Papéis na equipe de trabalho Equipes Scrum são auto-organizadas e multidisciplinares. Estas equipes escolhem a melhor forma de desenvolver seus trabalhos ao invés de serem comandadas por outros de fora da equipe. Equipes multidisciplinares possuem todas as competências necessárias para desenvolverem seus trabalhos sem dependerem de outros que não fazem parte da Equipe Scrum. O modelo da Equipe Scrum é desenvolvido para aperfeiçoar a flexibilidade, criatividade e produtividade (LIMA, 2011). 45 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 4. ANÁLISE DOS RESULTADOS para apoiar a sua adoção pelas empresas brasileiras desenvolvedoras de software (SOFTEX, 2011). 3.13 MPS.BR nível G – Parcialmente Gerenciado Este nível é composto pelos processos de Gerência de Projetos e Gerência de Requisitos. O propósito da Gerência de Projetos é estabelecer e manter planos que definem as atividades, os recursos e as responsabilidades do projeto, bem como prover informações sobre o andamento do projeto que permitam a realização de correções quando houver desvios significativos no desempenho do projeto. O outro propósito deste nível de maturidade é o gerenciamento dos requisitos do produto e dos componentes do produto do projeto e a identificação de inconsistências entre os requisitos, planos do projeto e produtos do trabalho do projeto (SOFTEX, 2011). Neste tópico estão descritas as etapas e procedimentos utilizados para a análise dos processos utilizados pela empresa Tecnicon, e também os resultados obtidos com a aplicação do SCRUM, alinhado ao MPS.BR no processo de implantação e personalização do sistema ERP para os novos clientes. 4.1 Processo Atual de Implantação A empresa Tecnicon possui hoje um processo homologado de implantação dos novos projetos do ERP. Diante de frequentes solicitações de personalização de processos, ou até de aderência de novas funcionalidades, a empresa sentiu a necessidade de criar um processo padrão para atender somente aos novos clientes, conforme Figura 03. Fonte: Antunes, Viana. 4.2 Análise e elaboração do novo processo de desenvolvimento de software Após a análise do processo atual dos projetos Small Business, foi elaborado um novo escopo com o propósito de padronizar e Figura 03: Processo atual de implantação do sistema ERP para novos clientes. 46 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 processo. Para organizar e gerenciar o projeto, foi utilizada a metodologia de Macro Processo, dividindo o projeto em três grandes fases: Pré-Game, Game e PósGame, baseado no ciclo de vida de projeto interativo e incremental, preparando o ambiente do projeto para a aplicação das Sprints do framework SCRUM na fase de Game. organizar melhor os projetos desta categoria de clientes, visando maior controle das solicitações, rapidez no atendimento, alcance de maior qualidade na entrega do produto, e ainda aumentando a agilidade no processo como um todo. Em seguida, será descrito o novo escopo de projeto SmallBusiness, e detalhada a fase do processo de desenvolvimento, em que foi aplicado o framework SCRUM e as seus artefatos utilizados para o apoio no Fonte: Antunes, Viana (2012). trata de um repositório de solicitações do sistema atual de suporte, das histórias que estão aguardando desenvolvimento, por parte da equipe de Personalização. Este repositório hoje não está sendo utilizado. Como a empresa trabalha com diversos projetos ao mesmo tempo, e não é possível parar um projeto para atender o outro, todas as solicitações de personalização são atendidas de acordo com o fluxo de trabalho. Desse modo, o Product Backlog é geral, não contendo somente as solicitações de apenas um projeto, mas de todos os projetos em andamento. O fluxo de solicitações de personalização está mais bem detalhado na figura 05. Figura 04: Ciclo de vida do projeto: Macro Processo. 4.2.1 Definição do Product Backlog O Product Backlog é o principal componente para se “fazer” o SCRUM. Nele são listadas as estórias, ou seja, aquilo que deve ser feito, na linguagem do cliente, priorizado pelos Product Owner do projeto. Foi criado um documento em Excel em que foram depositadas todas as solicitações dos processos levantados do projeto. Posteriormente, será colocado como sugestão futura, utilizar como Product Backlog, o Analisar Personalização, que se Fonte: Antunes, Viana (2012). Figura 05: Processo Macro Small Business. 47 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Dessa forma, o Backlog foi montado com todas as solicitações de todos os projetos em andamento, e priorizado de acordo com o GUT e a Data de Necessidade de cada uma. Para priorizar o Product Backlog, foi utilizado o método demonstrado no esquema abaixo. Data da necessidade é o item de priorização que vem após a Matriz GUT, conforme o esquema a seguir. Avaliando apenas estes dois parâmetros, é feito o método de priorização, o qual é utilizado pelos Product Owner para priorizar o Product Backlog nas solicitações de personalização. Fonte: Antunes, Viana (2012). Figura 06: Método de Priorização do Product Backlog. 4.2.1 Definição e Planejamento do Sprint A reunião de planejamento da Sprint foi coordenada pelo SCRUM Master. Nesta reunião foram utilizadas as práticas do SCRUM. A primeira delas é o Sprint Planning 1, que trata da seleção das histórias selecionadas para a Sprint atual, e o Sprint Planning 2, nos quais estas histórias são abertas e analisadas uma a uma. A imagem 07 demonstra quais são as tarefas e objetivos de cada reunião de planejamento da Sprint. Fonte: Antunes, Viana (2012), adaptado de KNIBERG (2007). Figura 07: Planejamento da Sprint. 48 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Ainda na reunião de planejamento, foi utilizada a prática do cálculo da velocidade da equipe. Pois as histórias são incluídas na Sprint de acordo com esta velocidade. O cálculo é a quantidade de pontos ou tempo que a equipe consegue fazer em uma Sprint. A tabela a seguir mostra a fórmula utilizada para calcular a velocidade da equipe atual, e o cálculo da equipe ideal (oito pessoas). Time Total(h/d) Fernando 08:45 Gustavo 08:45 Total 17:30:00 Prod(%) 80% 80% Dias Sprint 6 6 Fator de Foco Sprint 42 42 84 horas Ideal(h)/Sprint 52:30:00 52:30:00 105 horas Fonte: Antunes, Viana (2012). Quadro 01: Quadro de Tarefas da Sprint . 4.2.1 Fase Game Esta fase tem por objetivo pôr em prática as Sprints planejadas na fase anterior. Esta fase é interativa, sendo realizada em ciclos, com time-box pré-estabelecido de seis dias, conforme foi acertado em reunião de planejamento. Esta fase é composta das seguintes etapas: Desenvolvimento, reanálise, caso haja a necessidade de determinada solicitação ser reanalisada, testes e homologação. Ao final, resulta em um pacote de incrementos, cada um de seu projeto, que está sendo executado na Sprint. Os incrementos serão tratados como cada resposta das solicitações atendidas da Sprint. O esquema abaixo demonstra a fase Game do projeto de implantação Small Business. Fonte: Antunes, Viana (2012). Figura 08: Fase Game: Aplicação do SCRUM. 49 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Após isso, é feita uma reunião com o cliente a fim de revisar os marcos do projeto e encerrá-lo com o cliente. Caso o cliente não aceite a finalização, é feita nova revisão. Caso o cliente aceite, é feito o encerramento com o cliente e interno no WFM Tecnicon. Este processo não foi modificado, somente houve modificações no Game do projeto. Abaixo uma imagem da fase Pós-Game. 4.2.2 Pós Game e Monitoramento Esta é a fase de fechamento do projeto executado. Nesta fase serão feitas a entrega do produto final, colocando-o em funcionamento, parametrizações necessárias para alinhar os processos, e a aplicação dos treinamentos necessários aos clientes. O consultor também acompanha as primeiras atividades no ERP para sanar as últimas dúvidas antes de finalizar o projeto. Fonte: Antunes, Viana (2012). Figura 09: Pós Game do projeto. O monitoramento de todas as fases do projeto tem por objetivo garantir que o projeto tenha um bom andamento. Para isso, as reuniões de planejamento e revisão serão aonde irão se coletar semanalmente as informações de andamento real da equipe, horas trabalhadas, novos artefatos. Ainda informações de previsão e realização serão levantadas com o auxílio dos artefatos e reuniões e repassadas ao SCRUM Master PO e clientes. Abaixo se encontra o novo processo elaborado para a fase de desenvolvimento dos projetos Small Business. 50 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Fonte: Antunes, Viana (2012). Figura 10: Escopo completo do novo projeto Small Business. Cada processo do MPS.BR nível G, (Gerenciamento de Projetos e Gerenciamento de Requisitos) possui suas práticas previamente definidas, o que leva as organizações ao final da implantação deste nível, ser capaz de gerenciar parcialmente seus projetos de desenvolvimento de software. Para verificar se as práticas do SCRUM atendem os resultados esperados do MPS.BR nível G e com o intuito de criar uma classificação definida para ambas as práticas utilizou-se o Quadro 02: Em seguida, é realizado o mapeamento entre as práticas do SCRUM com os processos do nível G do MPS.BR. Este mapeamento foi necessário para analisar as práticas propostas pelo SCRUM, se elas atendem aos resultados esperados pelo MPS.BR nível G (gerenciamento de projetos e gerenciamento de requisitos). 4.3 Mapeamentos das práticas do MPS.BR nível G com o framework SCRUM CLASSIFICAÇÃO QUANTIDADE GRP GRE A – Atendido PA – Parcialmente Atendido NA – Não Atendido 17 4 7 2 2 1 TOTAL 28 5 Fonte: Antunes, Viana (2012). Quadro 02: Classificação do Mapeamento. 51 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Parcialmente Atendidas e as Não atendidas. Para ter uma visualização mais detalhada e comparativa, formata-se a seguinte sequência de gráficos com suas classificações, conforme Quadro 12, utilizando a quantidade dos processos do MPS.BR nível G, os quais alinhados ao SCRUM, demonstrou o grau de alinhamento a seguir: Fonte: Antunes, Viana (2012). Figura 13: Percentual de Classificação dos Processos GRE e GPR. Para os resultados dos processos do MPS.BR nível G, (GPR-Gerenciamento de Projetos e GRE-Gerenciamento de Requisitos), concluem-se que o alinhamento ao SCRUM é satisfatório, pois atingem um percentual de 57,58% de práticas Atendidas, 18,18% de Parcialmente Atendidas e 24,24% de Não Atendidas. Assim, o número de GAPs para o SCRUM é menor que o resultado esperado. Fonte: Antunes, Viana (2012). Figura 11: Classificação do Processo de Gerenciamento de Projetos – (GPR). No resultado do processo de Gerenciamento de Projetos – (GPR), nota-se que a maioria das práticas do MPS.BR alinhados ao SCRUM foram atendidos em sua totalidade e os demais “Parcialmente Atendem” e “Não Atendem” os processos do MPS.BR, que serão detalhadas e denominadas como “GAP”. 5. CONCLUSÃO O intuito deste estudo foi incorporar o SCRUM como método ágil na fase de desenvolvimento de software de projetos Small Business, para agilizar e qualificar este departamento. Mas, durante o período de análise do processo atual, foram encontradas inconsistências que impossibilitariam a aplicação do SCRUM nesta fase. Se fosse aplicado no cenário atual, sem modificações no restante do processo do projeto, o SCRUM acabaria atrasando mais o projeto todo, e não traria o resultado esperado pela empresa e também pelos objetivos deste estudo. Fonte: Antunes, Viana (2012). Analisando e desenhando o novo processo de desenvolvimento de software que utilize SCRUM, foi possível observar que existem vantagens e desvantagens. Como vantagens, pode-se citar a possibilidade de alteração de prioridades no andamento da Sprint. É um processo ágil e flexível, o que torna mais fácil a reação às mudanças que ocorrem durante algum dos Figura 12: Classificação do Processo de Gerenciamento de Requisitos – (GRE). No resultado do processo de Gerenciamento de Requisitos – (GRE), nas práticas do MPS.BR alinhados ao SCRUM, o número de GAPs é maior que a quantidade práticas Atendidas. Levando em c o n s i d e r a ç ã o a s K PA s q u e f o r a m 52 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 PRESSMAN, Roger. trad. PENTEADO, Rosangela. Engenharia de Software. 6ª Ed. Editora Mc Graw Hill. São Paulo. 2006. projetos; existência de papéis bem definidos na equipe, na qual todos sabem o que precisam fazer. Comunicação eficiente entre os membros da equipe, os detalhes tratados pessoalmente são melhor e mais rapidamente resolvidos do que por meio de muita documentação. SCHWABER, Ken. Agile Project Management with SCRUM. 1ª Ed. Washington: Microsoft Press, 2004. SOFTEX. MPS.BR – Melhoria de Processo de Software Brasileiro. Guia Geral. Atualizado em Agosto de 2011. Disponível em http://www.softex.br/mpsbr/_guias/guias/MP S.BR_Guia_Geral_2011.pdf. Acessado em 01 de Dezembro de 2011. Pode-se afirmar ao final deste estudo, que o conhecimento obtido durante toda a fase de análise e elaboração do novo processo foi de grande valia para a experiência. Poder conhecer como é na prática a aplicação de uma metodologia nova em uma empresa de TI, fornecedora de um ERP já consolidado, com processos definidos, mudar para um novo processo, no andamento de um projeto. Com certeza irá auxiliar muito em experiências futuras para planejamento de novos projetos. ANTUNES, Bruna W.; VIANA, Sidnei da Silva.; SCHWENING, Cristiano; ROCKENBACH, Renato. ANÁLISE E APLICAÇÃO DO SCRUM COM O NIVEL G DO MPS.BR EM PROJETOS SMALL BUSINESS DE EMPRESA DE TI. Trabalho Final de Curso Bacharelado em SI - SETREM. Três de Maio, 2012. REFERÊNCIAS ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. Sistemas de Gestão de Qualidade. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/52238836/NBR-ISO9000-2005. Acessado em 29 de Fevereiro de 2012. CORDEIRO, Edson dos Santos. Introdução a Processos de Software. D i s p o n í v e l e m : http://www.cordeiro.pro.br/aulas/engenharia/pro cessoDeSoftware/Processo.pdf. Acessado em 20 de Janeiro de 2012. DIAS, Marisa V. B. Metodologias Ágeis: Métodos ágeis de desenvolvimento de software. Revista Engenharia de Software Magazine. Ano I. 20.ed. 2010. Dev Media. 2010. LIMA, Ester. Interseções dos papéis no S C R U M . D i s p o n í v e l e m : http://blog.scrumhalf.com.br/2011/08/interse coes-dos-papeis-no-scrum. 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A pesquisa foi de abordagem qualitativa, contou com o procedimento de pesquisa-ação, iniciando com um período de observação do campo de atuação na Intervenção Pedagógica, além de conhecer e analisar documentos da escola. Esta pesquisa foi realizada em uma Escola Estadual de Educação Básica com a turma do 5º ano, localizada no município de Santo Cristo, região Noroeste do estado do Rio Grande do Sul. Alguns dos teóricos que embasaram esta escrita são: CANDAU (2010), LAROSSA (2001) e BRASIL (2010). Trabalhar na perspectiva dos Direitos Humanos foi muito interessante, pois foi possível compreender que a prática docente pode auxiliar no processo de entendimento de alunas e alunos, quanto ao seu papel como sujeitos responsáveis pelo processo de construção e transformação do contexto em que estão inseridos. Percebendo assim a importância do papel dos educadores na formação de cidadãos e cidadãs atuantes na sociedade. Palavras-chave: Ensino Fundamental de Nove Anos. Direitos Humanos. Prática Pedagógica . ABSTRACT Providing students (boys and girls) the thinking and knowledge development about human rights by providing experiences in the school so they can understand well the need to defend these rights seeking coexistence toward building a world where participants undergo this process. This intentionality instigated the completion of the research project component called Supervised Internship II - 1st to 5th grade, of Pedagogy Course. The research was of qualitative approach and had the procedure action research, starting with an observation period of the field in Pedagogical Intervention, besides knowing and analyzing documents from the school. This research was conducted in a State School of Basic Education with the 5th grade class, located in the city of Santo Cristo, northwestern region of the state of Rio Grande do Sul. Some theorists that supported theoretically this writing are: CANDAU (2010), LAROSSA (2001) and BRASIL (2010). Working from the perspective of Human Rights was very interesting because it was possible to understand that the teacher can assist in the understanding of students, regarding their role as responsible ones for the construction and transformation of the context in which they are inserted. Thus realizing the importance of the role of educators in forming active citizens in society. Keywords: Nine years Elementary School. Human Rights. Pedagogical Practice. 1 Acadêmica do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia – SETREM, e -mail: [email protected] Mestre em Educação. Professora da Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, e -mail: [email protected] 3 Mestre de Educação em Ciências. Professora da So ciedade Educacional Três de Maio – SETREM, e-mail: [email protected] 4 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, Avenida Santa Rosa, 2504, Três de Maio – RS, email: [email protected] 2 54 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 ambiente escolar que se oportuniza a compreensão pela realidade e o compromisso por sua construção. No decorrer de minha escrita trarei alguns autores para embasá-la citando Vera Maria Candau (2010), Jorge Larrosa (2001) e Paulo Freire (2007). Contarei também com a seguinte legislação: Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (2012) e as Diretrizes do Ensino Fundamental de Nove Anos (2010). INTRODUÇÃO Este artigo tem a intenção de compartilhar algumas vivências da pesquisa realizada no componente Estágio Supervisionado II – 1º ao 5º ano, do curso de Pedagogia, buscando relacionar a prática desenvolvida com o 5º ano em uma Escola Estadual do município de Santo Cristo, a fundamentos teóricos. Em meu Projeto de pesquisa intitulado “Construindo aprendizagens refletindo sobre os Direitos Humanos”, tive como objetivo instigar os alunos e alunas a desenvolver o pensar e o conhecimento sobre os direitos humanos buscando proporcionar vivências no contexto escolar para que os compreendam. Para que percebessem, assim, a necessidade de defender estes direitos buscando uma convivência voltada para a construção de um mundo em que pudessem se sentir sujeitos partícipes deste processo. Dentro do tema escolhido enfoquei os seguintes conteúdos: alimentação, saúde e saneamento básico. O projeto de pesquisa foi de abordagem qualitativa, contando com 8 horas de observação no ambiente escolar, em que, além de estar em contato com a turma e conversar com a professora titular, analisei também o Projeto Político Pedagógico, o Regimento e os Planos de Trabalho da escola, para, a partir disso, elaborar o projeto e, posteriormente os planos de aula. Teve como procedimento a pesquisa-ação compreendendo 40 horas de intervenção pedagógica. Durante as observações procurei manter um olhar de pesquisadora, buscando perceber em que poderia contribuir na vida dos alunos e alunas através da prática pedagógica que iria desenvolver. Portanto, após estar conhecendo a realidade da turma, constatei que havia uma necessidade de realizar um trabalho voltado para o sujeito como partícipe do processo de construção do mundo, enfatizando o contexto escolar como um ambiente de relações coletivas, no qual precisam construir relações baseadas no diálogo e no olhar para si e para o outro. Desta forma, optei pelos direitos humanos, uma questão fundamental para ser trabalhada nas nossas escolas. Acredito que por meio de meu trabalho foi possível proporcionar vivências, debates e pesquisas, instigando os alunos a pensarem sobre o exercício de sua cidadania. Uma vez que é no O QUE SIGNIFICA EDUCAR PELOS DIREITOS HUMANOS? Educar pelos direitos humanos s i g n i f i c a s e n s i b i l i z a r alunos e alunas. Sensibilizá-los quanto ao contexto em que estão inseridos, as diferenças existentes nele, ao seu papel enquanto cidadão frente às dificuldades encontradas. Portanto, [...] temos de buscar, no meio de tensões, contradições e conflitos, caminhos de afirmação de uma cultura dos Direitos Humanos, que penetre todas as práticas sociais e seja capaz de favorecer processos de democratização, de articular a afirmação dos direitos fundamentais de cada pessoa e grupo sóciocultural, de modo especial os direitos sociais e econômicos, com o reconhecimento dos direitos à diferença (CANDAU, 2010, p. 399). Educar pensando nessa perspectiva é uma maneira de lutar pela democracia, assim temos a possibilidade de formar sujeitos que, além de conscientes de seu papel na sociedade, busquem pela mudança e sejam ativos no processo de transformação. Sabe-se que a educação em direitos humanos já vem sendo pensada, porém é necessário que se pense em uma forma de concretizá-la. Sendo assim, é preciso que se inicie este processo de sensibilização desde o início da vida escolar das crianças; assim, com toda certeza teremos uma sociedade mais justa e democrática. Acredito que oportunizar a vivência sobre os direitos humanos pode ser um modo de sensibilizar nossos alunos para a mudança e para a transformação; segundo as diretrizes, a educação em direitos humanos centra-se na formação para a vida e para a convivência, de forma que estes direitos estejam presentes cotidianamente 55 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 nas ações dos sujeitos. Conforme apresenta a Resolução nº 1 de 30 de Maio de 2012, que estabelece Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, e traz em seu artigo 3º: como estava, o grupo também iria deixar de ser um grupo, assim como aconteceria com a teia. Portanto, desde o primeiro contato com a turma, tentei levá-los à reflexão primeiramente sobre as relações dentro do ambiente escolar, para, depois partir para o contexto social. Tr a b a l h a r n a p e r s p e c t i v a d a educação em direitos humanos promove uma reflexão sobre um determinado contexto com o objetivo de provocar mudanças pelas quais todos sejam beneficiados. Desta forma, ao mesmo tempo em que estão tendo contato com o conhecimento com o intuito de uma boa formação, também estão repensando o contexto no qual estão inseridos e no qual poderão interferir de forma positiva partindo do que aprenderam. A Educação em Direitos Humanos, com a finalidade de promover a educação para a mudança e a transformação social, fundamenta-se nos seguintes princípios: I - dignidade humana; II igualdade de direitos; III reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades; IV laicidade do Estado; V - democracia na educação; VI - transversalidade, vivência e globalidade; e VII sustentabilidade socioambiental (BRASIL, 2012, p.1). Tendo o conhecimento dos objetivos da educação em direitos humanos, na prática que desenvolvi busquei proporcionar aos alunos e alunas momentos em que pudessem estar em contato com a realidade em que vivem, refletindo sobre várias situações em que os cidadãos têm o acesso aos direitos humanos e outras em que estes não usufruem dos mesmos. Além de pensar no contexto social, foi preciso partir de uma reflexão do contexto escolar, da sala de aula, de suas relações uns com os outros. Partindo de dinâmicas que tinham o objetivo de cooperação e união, os alunos e alunas conseguiram fazer a relação com suas atitudes em sala de aula, percebendo assim em que poderiam melhorar e de que forma cobrariam estas mudanças uns dos outros. Esta turma se mostrou bastante madura e capaz de produzir mudanças para melhorar o convívio e a relações mantidas. Nas situações vivenciadas, posso destacar a dinâmica que realizei no primeiro dia de aula, a “Dinâmica da Teia”. É realizada com um novelo de lã, em que cada um que se apresenta lança o novelo para um colega. A proposta inicial foi com o objetivo de que pudéssemos nos conhecer e também pensar em como este grupo vinha se relacionando. Depois que todos haviam se apresentado e falado um pouco de si, questionei-os sobre o que aconteceria se um deles soltasse o fio? Logo responderam, a teia iria se desmanchar. Em seguida, relacionei a resposta com o grupo, levando-os a refletir sobre suas ações, se estas tinham como base o respeito, a união e a amizade. Num primeiro instante se calaram, mas depois citaram algumas de suas atitudes que não estavam sendo corretas, e que da forma ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: O CURRÍCULO E A AÇÃO DOCENTE O sistema de ensino brasileiro passou por várias mudanças em sua organização com o objetivo de melhorar sua qualidade. Dentre estas mudanças, podemos enfatizar a ampliação do Ensino Fundamental de oito para nove anos em 2006 com a Lei nº 11.274, com a intenção de que as escolas repensassem a forma de ensino, bem como o seu currículo, com o objetivo de atender também às exigências cada vez maiores da sociedade contemporânea. Portanto, a turma escolhida para realizar a prática foi o 5º ano do Ensino Fundamental de nove anos, que já faz parte desta nova forma de organização do ensino. Falar em organização de ensino significa falar das infâncias que permeiam as práticas, do currículo como forma de pensar a prática, e a ação docente como uma maneira de formar sujeitos críticos e capazes de promover mudanças. Acredito que ter o conhecimento sobre as várias infâncias existentes é extremamente necessário, já que a ação docente é o resultado também das concepções que nós, educadores, temos. Temos em nossas salas a presença de várias infâncias, foi o que pude perceber em minha prática. Crianças vindas de diversos contextos, de situações, estrutura familiar e econômica diferentes, além de experiências e oportunidades totalmente 56 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 diversas. Ao estar no papel de educadora me coloquei a pensar sobre as infâncias que tinha na minha turma. Constatei que muito se descobre se temos um olhar mais sensível para estes sujeitos, muito do que eles produzem traz algum significado do que vivem e sentem, e, partindo deste olhar, temos a oportunidade de conhecer e trabalhar com cada uma das infâncias. Mas para construir este olhar para este contexto diversificado, muitas vezes é necessário desconstruir algumas de nossas concepções sobre estes sujeitos infantis e abrir-se para aprender sobre o que antes se julgava saber tudo. Larossa (2001) fala que devemos abrir um espaço para receber estas infâncias e nos colocar a disposição para ouvi-la: As Diretrizes nos falam ainda sobre a importância de integrar ao currículo temas atuais, bastante discutidos e presentes no dia a dia dos alunos e alunas. Em razão de esta ser uma forma de compreender o que se passa fora do contexto escolar e, partindo disso, ter a possibilidade de buscar por uma sociedade democrática. Na perspectiva de construção de uma sociedade mais democrática e solidária, novas demandas provenientes de movimentos sociais e de compromissos internacionais firmados pelo país, passam, portanto, a ser contempladas entre os elementos que integram o currículo, como as referentes à promoção dos direitos humanos (BRASIL, 2010, p. 15). [...] a infância nunca é o que sabemos (é o outro dos nossos saberes), mas, por outro lado, é portadora de uma verdade a qual devemos nos colocar à disposição de escutar; nunca é aquilo apreendido pelo nosso poder (é o outro que não pode ser submetido), mas ao mesmo tempo requer nossa iniciativa; nunca está no lugar que a ela reservamos (é o outro que não pode ser abarcado), mas devemos abrir um lugar para recebê-la (LARROSA, 2001, p. 186). Deste ponto de vista, é na escola que acontece a interação dos conhecimentos reconhecidos pelas disciplinas e aqueles provenientes da cultura, relação fundamental para que alunos e alunas possam se questionar e rever sua forma de pensar e de agir nos diversos ambientes em que estão inseridos (BRASIL, 2010). Precisa-se também ter consciência de que o currículo é elaborado pelos membros que compõem a escola. Estes sujeitos pensam e escolhem o que julgam ser mais significativo ensinar; porém, sabese que muitos dos conhecimentos escolhidos precisam passar pelo processo de recontextualização, apresentado nas Diretrizes Nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos (2010), que seria o local em que o conhecimento deve ser adaptado ao contexto vivenciado: “[...] se diz que os conhecimentos produzidos nos diversos componentes curriculares, para adentrarem a escola são recontextualizados de acordo com a lógica que preside as instituições escolares” (BRASIL, 2010, p.11). Desta forma, toda e qualquer organização de ensino precisa levar em conta aspectos como o currículo e a forma como irá acontecer a ação docente, pois se trabalha com sujeitos que futuramente estarão no convívio social e serão o resultado do que lhes foi ensinado no ambiente escolar. E se todo o sistema não for bem pensado e elaborado, teremos cidadãos que não saberão respeitar, reconhecer seus direitos e buscar por uma sociedade mais democrática e igualitária. Sendo assim, o ensino precisa de uma base para que aconteça de forma coerente nas escolas, e esta base seria um currículo bem elaborado, em que se articulassem os conhecimentos científicos com o contexto encontrado em cada ambiente escolar. Além disso, é fundamental que se pense durante a construção desse documento, na formação dos alunos e alunas como sujeitos, cidadãos que futuramente estarão atuando na sociedade e que precisam saber utilizar o que aprenderam na escola dentro deste contexto diversificado, buscando assumir seu papel e suas responsabilidades em relação a si e aos demais cidadãos. Portanto, a escola tem papel essencial na formação de seus alunos e alunas, pois é nela que se tem a possibilidade de se ensinar a conviver, a compreender e a respeitar o espaço social. [...] a escola é, por excelência, o lugar em que é possível ensinar e cultivar as regras do espaço público que conduzem ao convívio democrático com as diferenças, orientado pelo respeito mútuo e pelo diálogo. É nesse espaço que os alunos têm condições de exercitar a crítica e de aprender a assumir responsabilidades em relação ao que é de todos (BRASIL, 2010, p. 12). 57 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 em que vivem. Pois como nos diz Freire (2007), a educação é uma maneira de intervir no contexto em que estão inseridos: “Outro saber de que não posso duvidar um momento sequer na minha prática educativocrítica é o de que, como experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no mundo” (FREIRE, 2007, p. 98). Esta leitura foi pensada para ser realizada no projetor, mas isto não foi possível, então os alunos e alunas se organizaram de forma que todos pudessem acompanhar a leitura em meu notebook. Neste momento, pensei que a turma não iria se concentrar, prestar atenção e interagir com a leitura conforme eu havia planejado. Porém, tudo aconteceu ao contrário, ficaram encantados com os desenhos trazidos na Cartilha e também com as informações. Aos poucos, iam trazendo situações particulares e perguntas sobre o que o texto informava. Fiquei realmente encantada com aquela situação, vê-los na sala com as luzes apagadas, todos bem juntinhos e tão concentrados. Outro aspecto que se destacou dentre o tema proposto, foi a organização de grupos para a realização das diversas atividades planejadas. A turma buscou variar sempre os integrantes dos grupos da forma como eu h a v i a e x p l i c a d o a e l e s . To d o s t ê m capacidade de aprender, porém uns precisam de um pouco mais de ajuda do que outros. Por isso é essencial que tenham momentos em que possam contar com a ajuda do outro no processo de aprender. Fontana nos falava da importância da relação com o outro: “É na sua relação com o outro que a criança vai se apropriando das significações socialmente construídas” (FONTANA, 1997, p. 61). Este processo de significações foi acontecendo pouco a pouco durante a realização das diversas atividades, já que a grande maioria delas foi pensada para grupos, duplas ou trios. Dentro disso, é importante destacar a construção das maquetes sobre a rede de tratamento da água. Esta iniciou com a proposta de um passeio até a Corsan para que a turma tivesse a oportunidade de conhecer e tirar as dúvidas com alguém especializado no assunto. Porém este passeio não pôde ser realizado devido a motivos particulares, a minha professora titular não esteve na escola PENSANDO NA PRÁTICA EM SALA DE AULA Durante a prática pedagógica desenvolvida planejei momentos de aprendizagens em que tivessem a oportunidade de expor opiniões, debater e refletir sobre questões pertinentes ao tema escolhido. Os alunos e alunas se mostraram sempre muito interessados e se empenhavam na realização das atividades propostas. Ter a oportunidade de estar com esta turma me levou a pensar em algumas questões, como por exemplo, sobre a responsabilidade e a autonomia. São coisas simples, mas que por muitas vezes não conseguimos desenvolver com nossos alunos e alunas. Uma vez que percebi estas questões, tentei realizar situações em que elas estivessem presentes, tanto de forma oral, como gestual ou escrita. Uma destas situações é o reconhecimento de suas ações, pois cada vez que acontecia alguma coisa que estivesse fora dos combinados, nós conversávamos. Nestes momentos constatei um certo amadurecimento no grupo, em razão de cada aluno ou aluna responder por seus atos, de forma que explicava o que havia feito, o por que e se isto condizia com nossas regras ou não. Realizando esta reflexão, afirma-se uma preocupação não só com o conhecimento, mas também quanto à formação enquanto sujeitos para a convivência em sociedade, assim como as Diretrizes do Ensino Fundamental de nove anos (2010), nos trazem: “O acesso ao conhecimento escolar tem, portanto, dupla função: desenvolver habilidades intelectuais e criar atitudes e comportamentos necessários para a vida em sociedade” (BRASIL, 2010, p. 11). Oportunizei a esta turma atividades em que realizaram reflexões sobre o contexto, repensando, assim, atitudes e situações vivenciadas. Com a leitura da Cartilha dos Direitos Humanos de Ziraldo, pude perceber a relação crítica que conseguem fazer daquilo que vivem no cotidiano e de como isto deveria ser. Durante esta leitura, busquei questioná-los sobre a importância de conhecermos os nossos direitos e deveres, reconhecendo assim o papel de cada um na construção do mundo 58 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 durante a segunda semana do estágio, então não fui autorizada a sair da escola. Como eu já imaginava que isso iria acontecer, reformulei o meu planejamento e quem explicou os processos de tratamento da água e respondeu às perguntas dos alunos e alunas, fui eu mesma. Levei slides com imagens dos processos e um texto informativo para auxiliar na compreensão do funcionamento da rede de tratamento de água. Neste mesmo dia falei da construção das maquetes que iríamos fazer e organizamos os grupos para que pudessem fazer os combinados quanto aos materiais que utilizariam e de que forma iriam construíla. Estavam muito ansiosos para que este dia chegasse, pois ainda não tinham produzido nada deste tipo na escola, e, quando ele chegou, era só alegria. Os grupos se organizaram muito bem e foram bem criativos em suas maquetes. Como naquela semana tínhamos algumas programações na escola, iniciamos a produção na terça-feira e terminamos na quinta-feira, dia marcado para a exposição. A exposição foi maravilhosa, novamente precisou de organização nos grupos, em razão de que iriam dar uma explicação sobre o trabalho desenvolvido. Conforme terminavam as produções, iam lendo e pesquisando nos materiais que tinham sobre as redes de tratamento. Depois das turmas visitarem a nossa sala para apreciar o trabalho realizado, questionei-os se tinham gostado de produzir, como foram as produções e se gostaram de mostrar seus trabalhos para as outras turmas. Fiquei encantada com as respostas, pois relataram que foi muito legal produzir em sala de aula e se tivessem alguma dúvida teriam para quem perguntar. Além disso, uma aluna disse “Sou meio envergonhada, mas foi muito bom explicar o trabalho para os visitantes”. Esta fala me levou a acreditar que essa vergonha se deve ao fato de não ter oportunidade para expressar-se e perder este medo desde o início da vida escolar. Percebese, assim, o quanto é necessário propiciar momentos como este, nos quais alunos e alunas socializam o que aprenderam de uma forma diferente, que não seja a tradicional avaliação. Este medo expressado pelos meus alunos e alunas é necessário. É o mesmo medo que por muitas vezes me tira do chão e me preocupa quando penso em atividades que saem daquela rotina e que provoquem uma bagunça organizada. Porém, é com este novo que causa medo que aprendemos e possibilitamos a aprendizagem; portanto, ele é um sentimento necessário que busca por despertar uma certa agonia e ansiedade, e, como consequência disso, nos desacomodamos. Assim como diz Madalena Freire: O novo é o momento. E o novo dá muito medo, muita ansiedade, muita agonia, muito mal-estar, arrepio! Ele dá medo porque aprendemos, e aprender é lidar com o novo, em choque permanente com o velho, com o que já se conhece. Esse novo me questiona, me balança, me tira do chão. Começo a ficar perdida e a achar que não vou dar conta (FREIRE, 2001, p. 60). E pensando no quanto é essencial que se busque proporcionar um trabalho diversificado e novo, acredito ser importante citar outro momento muito especial das nossas aulas. Antes de iniciar o andamento das atividades fazíamos o momento do “Bom dia”, no qual propus que déssemos um aperto de mão ou um abraço nos colegas. Quando este era esquecido por mim, os alunos e alunas lembravam e solicitavam o Bom dia. Percebi que era um momento no qual todos interagiam, pois se deslocavam de um lado para o outro da sala para abraçar ou dar um aperto de mão nos colegas. Desta forma, estavam conhecendo e se aproximando dos colegas dia a dia e assim reconstruindo relações. A oportunidade de estar com esta turma me levou a pensar muito no papel do professor quanto à formação de seus alunos e alunas. Desde os primeiros contatos com a turma pude perceber um envolvimento da parte da professora titular, quanto à formação de seus alunos e alunas como cidadãos. Isto me levou a pensar que, se a maioria dos educadores que estão atuando em salas de aula tivesse essa preocupação, teríamos além de cidadãos que conhecem os seus direitos, aqueles que se preocupam com a realidade e lutam por mudanças. Porém, nem sempre os professores estão preparados para trabalhar dentro desta perspectiva e, então, passa a ser necessário pesquisar e buscar por auxílio para que esta prática tente articular o conhecimento científico com o contexto e as situações atuais vivenciadas. 59 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 O ato de refletir sobre esse processo de intervenção pedagógica me leva a perceber cada aula como um momento único que deve ser planejado com significado para todos os sujeitos envolvidos nela. Desta forma, cada grupo é único, cada situação de aprendizagem é única, cada dia é único, não se repete. E é o educador quem pode fazer desta aula um momento único e significativo para seus alunos e alunas. Freire (2001) nos fala que: veio para reafirmar que o professor nunca sabe tudo e que não é um mero transmissor de conteúdos, que ele precisa estar em constante busca e reformulação de conceitos, já que o contexto nos desafia e, a todo o momento, é preciso se colocar no papel de aprendiz, pois os conhecimentos nunca se esgotam e, assim, o professor pesquisador estará em constante formação. Assim como apresenta as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos: [...] toda aula é nova e única. Toda aula é única por se tratar de um grupo específico, reunido em determinado dia, com determinada proposta. A responsabilidade é grande, porque o que é único não volta, só se tem naquele momento, não se repete (FREIRE, 2001, p.59). Novos desafios se colocam também para a função docente diante do aumento das informações nas sociedades contemporâneas e da mudança da sua natureza. Mesmo quando experiente, o professor muitas vezes terá que se colocar na situação de aprendiz e buscar junto com os alunos as respostas para as questões suscitadas. Seu papel de orientador da pesquisa e da aprendizagem sobreleva, assim, o de mero transmissor de conteúdos (BRASIL, 2010, p. 10). Após o período de intervenção pedagógica, é possível partir das produções da turma e perceber o quanto eles se sensibilizam com o trabalho dentro da perspectiva dos direitos humanos. Portanto, é possível trabalhar desta forma, mas é necessário pesquisar para compreender a intencionalidade do mesmo e então poder pensar a prática docente baseada neste processo de sensibilização buscando realizar um trabalho interdisciplinar. Além disso, os estágios proporcionados durante o curso de formação, assim como este, me levam a pensar no quanto é importante refletir sobre o fazer docente. Este momento é essencial para a formação de professores, pois possibilita analisar a proposta que foi desenvolvida e perceber se ela realmente teve algum significado tanto para os alunos e para as alunas quanto ao próprio docente. Ao ter a oportunidade de pesquisar sobre os Direitos Humanos, constatei que é um tema contemporâneo e que tem necessidade de ser trabalhado nas escolas. Optar por esta perspectiva é uma maneira de sensibilizar alunos e alunas quanto ao papel que possuem dentro do espaço social, percebendo a responsabilidade que têm quanto ao processo de construção e transformação deste espaço. REFLEXÕES ACERCA DA PRÁTICA DOCENTE Mais uma etapa de minha formação chega ao final e tenho a sensação de que toda a preocupação e as noites mal dormidas valeram a pena. Desde o início fui desafiada e aceitei o desafio de trabalhar com o tema dos direitos humanos. Tema este que não tinha muito conhecimento e que precisei buscar leituras para compreendê-lo melhor. Outro desafio que este estágio proporcionou foi quanto à turma escolhida, na qual o nível dos conhecimentos são mais aprofundados e também senti a necessidade, em muitos momentos, de pesquisar para entender alguns conceitos. E como Paulo Freire já falava: “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino” (FREIRE, 2007, p. 29). Portanto, a docência está intimamente ligada à constante busca, pois, com o passar do tempo, os conhecimentos mudam e se faz necessário pesquisar para compreender este novo que vem a nos desafiar. Portanto, a realização desta prática REFERÊNCIAS BRASIL. Diretrizes Nacionais do Ensino Fundamental de 9 anos. Distrito Federal: CNE/CEB, 2010. BRASIL. Parecer que estabelece Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Distrito Federal: CNE/CP, 2012. CANDAU, Vera Maria. A Configuração de uma Educação em Direitos Humanos. In 60 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 GODOY, Rosa Maria et al. Educação em Direitos Humanos: fundamentos teóricometodológicos. Brasília: SEDH, 2010. GÜLLICH, Roque Ismael da Costa; LOVATO, Adalberto; EVANGELISTA, Mário dos Santos. Metodologia da Pesquisa: normas para apresentação de trabalhos: redação, formatação e editoração. Três de Maio: Ed. SETREM, 2007. FONTANA, Roseli. Psicologia e Trabalho Pedagógico. São Paulo. Atual, 1997. FREIRE, Madalena. A Bofetada da Vida. In. Esther Pillar Grossi (org.). Ensinar uma provocação. Editora Vozes – Porto Alegre, 2001. _____ Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 35ª edição. São Paulo: Paz e Terra, 2007. LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. 61 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 A IMPORTÂNCIA DO USO DOS LABORATÓRIOS DE INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO: A VISÃO DE ALUNOS DE SÉRIES INICIAIS E DE PROFESSORES Deise Aline Müller 1 Fabíola Ramiro Schmieder1 Taís Laura Cardoso Sott 1 Gustavo Griebler2 Sociedade Educacional Três de Maio - SETREM 3 RESUMO ABSTRACT Esta pesquisa tem como objetivo perceber como está ocorrendo a utilização de Laboratórios de Informática nas escolas, se este uso ocorre ou não de forma correta e apropriada, buscando demonstrar a importância da utilização destas tecnologias na educação. Estando a tecnologia presente na vida cotidiana da maioria das pessoas e da sociedade em geral, percebe-se a necessidade de incluir o uso dos computadores e da Internet no processo da aprendizagem dos alunos dentro dos ambientes escolares. A Informática se tornou, portanto, uma ferramenta rica e importante dentro do processo da educação, e, para comprovar teoricamente esta afirmação, buscaram-se algumas ideias e concepções de autores e pensadores do assunto como José Armando Valente, Léa da Cruz Fagundes, José Manuel Moran e Pierre Lévy. Durante a pesquisa foi elaborado um questionário, que aplicado com professores e alunos, visa perceber em quais condições ocorre o uso dos Laboratórios de Informática nas escolas. É necessário proporcionar ao aluno aulas prazerosas, instigantes, criativas e inovadoras, possibilitando a oportunidade para que ele aprenda com prazer e consiga desenvolver suas habilidades e aptidões. This research aims to realize how the use of computer labs in schools is happening, if such use occurs or not correctly and appropriately, trying to demonstrate the importance of using these technologies in education. With this technology in everyday life for most people and society in general it perceives the need to include the use of computers and the Internet in the learning process of students within the school environment. The Computing has become, therefore, a rich and important tool in the process of education, and to prove this assertion theoretically some ideas and concepts of authors and thinkers on the subject as José Armando Valente, Léa da Cruz Fagundes, José Manuel Moran and Pierre Lévy were researched. During the research a questionnaire was designed, which applied to teachers and students aims to understand under what conditions is the use of computer labs in schools. It is necessary to provide students with enjoyable, exciting, creative and innovative classes enabling the opportunity for him to learn with pleasure and that can develop his skills and abilities. Keywords: Computer lab. Computer Science in Education. School. Palavras-chave: Laboratório de Informática. Informática na Educação. Escola. 1 Acadêmicas do 2º semestre do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia. Professor da Faculdade Três de Maio. Mestre em Educação nas Ciências. 3 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, Av. Santa Rosa, 2 .405; Três de Maio – RS. 2 62 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 depende muito do aspecto pedagógico a ser considerado: ou usa-se essa ferramenta para promover o ensino ou como uma maneira do próprio aluno construir o seu conhecimento. 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Atualmente, a era digital, englobando as várias formas de comunicação e obtenção de informações, juntamente com a modernização dos recursos tecnológicos, está transformando os ambientes escolares, gerando uma necessidade das escolas se adequarem a essa revolução tecnológica. Sob esta perspectiva, será realizada uma pesquisa sobre o uso das salas de Informática nas escolas, buscando entender como ocorre a apropriação destes recursos dentro destes espaços. Para Valente, ao usar a tecnologia como ferramenta para promover o ensino, o computador pode facilmente ocupar o lugar do professor no ensino-aprendizagem dos alunos, pois o computador tem a capacidade de reter maiores informações, sem esquecer nenhum detalhe, para transmitir ao aluno e o professor, por sua vez, sendo um ser humano, estando propenso a passar por problemas de ordem pessoal ou profissional que desestabilizem suas emoções, tem a desvantagem de com isso gerar consequências no processo de transmissão de informações aos educandos. Nesta pesquisa será utilizado um questionário que será aplicado com alunos e professores provenientes de diferentes espaços sociais, buscando demonstrar as diferenças que ocorrem de um lugar para o outro quanto à acessibilidade a esses recursos tecnológicos. Desta maneira, segundo Valente, a melhor maneira de usufruir dos benefícios do uso do computador e da Internet nas escolas é proporcionar ao aluno a possibilidade de construir o seu próprio conhecimento ou facilitar o entendimento dos conteúdos trabalhados em sala de aula. Ainda sob uma perspectiva de analisar a importância dada ao uso do computador pelas Séries Iniciais e por professores com Ensino Superior, visa-se realizar uma pesquisa que buscará responder a esta análise, de forma a relacionar a importância do uso dos recursos tecnológicos dentro destas duas esferas tão distintas. Com um mercado de trabalho cada vez mais inovador, crítico e seletivo, as escolas devem preparar seus alunos da melhor maneira possível, fazendo uso apropriado dos recursos tecnológicos existentes. Com a inserção do computador na educação, tem-se vivenciado uma revolução nas teorias do processo de ensinoaprendizagem utilizadas até hoje, percebendo-se a necessidade de modificar a s f o r m a s d e e n s i n a r, b u s c a n d o corresponder satisfatoriamente às exigências pedagógicas atuais. Neste trecho de uma obra de José Armando Valente (1993), esta ideia está sintetizada. 2. METODOLOGIA Este trabalho será realizado sob uma abordagem quali-quantitativa, pois serão considerados referenciais teóricos sobre o assunto a partir da concepção de alguns autores, analisando-se também os resultados numéricos obtidos a partir da aplicação de um questionário. Os métodos utilizados serão o bibliográfico, pois serão analisadas obras de alguns autores sobre o assunto; estatístico, sendo considerados os resultados numéricos obtidos através do questionário; e por último o método comparativo, uma vez que será feita uma comparação quanto aos níveis de acessibilidade das salas de Informática em diferentes ambientes escolares e com diferentes grupos de aprendizado. O processo que coloca o computador e sua tecnologia a serviço da educação. Portanto, todos os aspectos e as variáveis neste método deverão estar subordinados à consideração de que a Informática Educativa é de natureza pedagógica, buscando assim melhorias das metodologias de ensinoaprendizagem de forma a levar o aluno a aprender, e o professor a orientar e auxiliar esta aprendizagem, tornando-o apto a discernir sobre a realidade e nela atuar (VALENTE, apud SOUZA, 2010, p. 10-11). 3. ASPECTOS TEÓRICOS DA INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO Desta maneira, a Informática Educativa deve fazer parte do ensinoaprendizagem de todos os conteúdos Segundo José Armando Valente (2012), o uso do computador nas escolas 63 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 curriculares em todos os níveis e modalidades da educação. Dentro do ensino das escolas, deve-se usar o computador como uma ferramenta que auxilie o aluno em seu processo de aquisição de conhecimento e também que seja usado pelo professor como um facilitador na transmissão de conteúdos e informações educativas aos alunos. vive, tornando-o capaz de realizar transformações na sociedade. Na mesma obra, ainda, Valente (1997) fala que o uso do computador nas escolas iniciou na década de 1950, sendo realizadas aprendizagens de acordo com os modelos da época. Após, com o surgimento das primeiras redes de computadores, surge a Internet, no início de 1990. A Internet é usada para possibilitar a troca de informações, lazer, interatividade e comunicação entre o mundo globalizado, podendo ser usada tanto para um simples bate-papo quanto para formação de professores em cursos de graduação, por exemplo. Segundo Valente (1997), a história da Informática na Educação no Brasil data de mais de vinte anos. Iniciou por volta dos anos 1980, sendo vista como forma de promover o avanço científico e tecnológico da sociedade pelos órgãos governamentais. Segundo Valente, citado por Souza (2010), a implantação do Programa da Informática na Educação do Brasil inicia-se com o Primeiro e o Segundo Seminário Nacional de Informática em Educação, realizado respectivamente na Universidade de Brasília, em 1981, e na Universidade Federal da Bahia, em 1982. Durante estes seminários originou-se o Projeto Educação e Comunicação (EDUCOM), com o objetivo de realizar estudos e experiências em Informática na Educação, e com uma sistemática de trabalho diferente de qualquer outro programa educacional promovido pelo Ministério da Educação (MEC). Primeiramente as TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) inseriram-se no âmbito escolar para ocupar-se da demanda administrativa. Porém, com o passar do tempo, foram introduzidas nas salas de aulas para facilitar o processo de ensino e aprendizagem. Segundo o mesmo autor, citado por Souza (2010), o Projeto Educação e Comunicação (EDUCOM) teve um papel fundamental no processo de inserção das novas tecnologias nas escolas brasileiras, através do desenvolvimento de pesquisas, da formação de recursos humanos, além da produção de artigos, teses, dissertações e softwares educacionais. Segundo Valente (2003), a existência do projeto denominado Projeto UCA (Um Computador por Aluno) poderia facilitar o processo do uso da Informática nas salas de aula, pois, sendo cada aluno portador de um computador, este teria maior contato com esta tecnologia, vindo a facilitar o bom andamento das aulas nas salas de Informática. Valente também comenta que geralmente o professor é que tem maior domínio sobre os assuntos que serão trabalhados durante as aulas de Informática, limitando desta forma a aquisição de conhecimentos por parte do aluno. Tendo o aluno um maior contato com o computador, através deste projeto, ocorrerá uma troca de saberes e conhecimentos entre professor e aluno. Segundo Valente (1997), a partir da segunda metade da década de 1970 e principalmente nos anos 1990, surgiram as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs), que se caracterizavam por tornar mais rápido e menos palpável o conteúdo da educação, por meio da digitalização e da comunicação em redes para a captação, transmissão e distribuição das informações. Considera-se que com essas novas tecnologias houve a possibilidade do surgimento da “sociedade da informação”. As NTICs qualificam o trabalho do professor, garantindo o acesso do educando ao mundo globalizado em que Valente continua comentando da importância do professor recriar a sua prática dentro da sala de aula, visando valorizar os conhecimentos trazidos pelos alunos, que possuem acesso a informações em tempo real, podendo assim haver uma maior interação entre professor e aluno e também uma aula diferente, inovadora, criativa e instigante. O professor deve estar preparado para além de trabalhar a sua disciplina com o uso da Informática realizar projetos e pesquisas envolvendo diversas disciplinas, para obter um trabalho interdisciplinar dentro das escolas, fazendo um uso destas tecnologias como forma de enriquecer o 64 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 currículo e as práticas docentes. Através desta citação, percebe-se a importância do ato de educar como um processo em que o aluno constrói sua identidade, sua personalidade, vínculos pessoais e desta maneira busca situar-se no mundo em que vive, tendo consciência de que suas ações cotidianas produzem transformações nesse ambiente em que convive com os outros. Dentro deste paradigma, entra a função primordial do educador de fazer com que esse aluno se torne um sujeito crítico, responsável e agente de sua própria história, levando-o a entender que deve usar os recursos tecnológicos como uma forma de enriquecer sua aprendizagem e suas relações sociais. O professor, e todas as pessoas em geral, dentro do mundo globalizado em que vivem que passa por transformações a cada dia, devem estar preparados para saber trabalhar com essas tecnologias, vencendo suas limitações e reaprendendo a conhecer, a se comunicar, a ensinar e aprender, interagindo consigo mesmo, com um grupo ou com a sociedade como um todo. Em entrevista concedida à revista Escola, Léa da Cruz Fagundes (2012) comenta sobre a importância de haver uma troca e ajuda mútua entre professor e aluno no processo de aprendizagem, em uma busca por um uso construtivo e satisfatório dos recursos tecnológicos. Para que isso aconteça realmente, o professor deve se deixar levar pela curiosidade, pelo prazer de inventar e de explorar as novidades, da mesma forma que este mundo digital encanta as crianças, também deverá incutir no professor essa vontade de se apropriar dessas tecnologias para revolucionar a sala de aula e suas práticas docentes diárias. Segundo Fagundes, na mesma entrevista, quando questionada sobre qual a atitude do professor em relação ao aluno que tenha maior conhecimento em Informática do que ele próprio, a mesma afirma que o professor não deve temer que este aluno utilize o conhecimento adquirido para desrespeitá-lo; pelo contrário, o aluno sesentirá privilegiado de poder compartilhar o que sabe com seu educador. A relação educativa não deve basear-se na hierarquia, mas sim na reciprocidade e ajuda mútua entre professor e aluno. Segundo Pierre Lévy, em entrevista concedida ao Programa Roda Viva (2001), certas tecnologias como o computador, por exemplo, podem ser utilizadas por qualquer pessoa, independentemente de condição social, em espaços públicos que realizam projetos sociais levando a informação para as comunidades carentes. E isso proporciona o alcance de uma sociedade mais justa e digna com o passar dos anos. Neste trecho da entrevista confirma-se essa visão defendida pelo pensador: Ainda segundo Fagundes, o aluno deve ser instigado a ter uma relação com a Informática que o leve a conectar-se com o mundo além da sala de aula, podendo trocar ideias, informações e conhecimentos com pessoas das mais variadas faixas etárias, níveis sociais, etnias, raças e provenientes de diversos lugares. Até pessoas que não podem ter um computador em casa ou se conectar com a Internet poderão ter acesso ao ciberespaço através de um computador providenciado, por exemplo, por um organismo comunitário, ou em um bairro, que possa ser usado por muitos. Poderia ser usado para o correio eletrônico, para a busca de informações sobre a Rede e tudo mais. Portanto, acho que mesmo pessoas que não podem ter seu próprio computador poderão também ter acesso. E, aos poucos, as coisas vão melhorar. Acho que precisamos imaginar um futuro melhor e os melhores usos possíveis das novas tecnologias para que esses usos se concretizem. Se nos concentrarmos apenas nas dificuldades, obstáculos, desigualdades e a denúncia de tudo isso, infelizmente, não teremos Segundo José Manuel Moran (2000): Educar é colaborar para que professores e alunos - nas escolas e organizações transformem suas vidas em processos permanentes de aprendizagem. É ajudar os alunos na construção da sua identidade, do seu caminho pessoal e profissional - do seu projeto de vida, no desenvolvimento das habilidades de compreensão, emoção e comunicação que lhes permitam encontrar seus espaços pessoais, sociais e profissionais e tornarem-se cidadãos realizados e produtivos. Na sociedade da informação todos estamos reaprendendo a conhecer, a comunicar-nos, a ensinar e a aprender; a integrar o humano e o tecnológico; a integrar o individual, o grupal e o social (MORAN, 2000, p. 137). 65 REVISTA SETREM - Ano XI X nº nº20 21 JUL/DEZ JAN/DEZ 2012 2013 ISSN ISSN 1678-1252 1678/1252 preparado nossa mente para usar esses instrumentos da melhor forma possível. 4. QUESTIONÁRIO DESENVOLVIDO E OS RESULTADOS OBTIDOS Esta pesquisa sobre o uso das salas de Informática nas escolas, baseando-se nas diferenças vivenciadas com alunos de Séries Iniciais e com professores que têm formação em Nível Superior e atuam em escolas de ensino público ou privado, teve como instrumento de mediação um questionário desenvolvido com pessoas dessas duas esferas distintas. Pierre Lévy, durante a entrevista, fala sobre a importância da alfabetização para se compreender e interagir dentro do mundo digital, com outras pessoas, afirmando que saber ler e escrever é o primeiro passo para que se saiba utilizar a Internet e outras tecnologias que poderão surgir com o tempo. Esta afirmação é vista no trecho que segue: “O verdadeiro problema é a alfabetização. E, no futuro, a tendência será ler e escrever na Internet, esta grande rede de comunicação, ou o que irá substituí-la” (p. 4). O questionário com alunos de Séries Iniciais foi desenvolvido em uma escola de Ensino Fundamental na cidade de Boa Vista do Buricá, com vinte alunos de 3º e 4º anos. No questionário foram abordadas três perguntas em relação ao uso das salas de Informática nas escolas. Será feita uma análise quantitativa em relação às respostas obtidas em cada questionamento. Enfim, a Informática é uma aliada muito importante no processo da aprendizagem humana, seja em qualquer faixa etária. O mais relevante nesse aspecto é ter consciência que cada vez mais as tecnologias entrarão em nossas vidas e que é necessário estar preparado para lidar com elas. Com o passar dos anos, as pessoas passarão a agir conforme uma inteligência e uma cooperação coletiva, no sentido da detenção do poder sobre o conhecimento e a comunicação. Esta ideia é expressa por Lévy, durante um trecho da entrevista: Pergunta um: Qual a sua opinião referente ao uso dos laboratórios de Informática? ( ) Ótimo, pois aprendemos cada dia mais a usar o computador. ( ) Gosto, mas nem tanto, pois já estou acostumado a usar o computador. Nesta pergunta as respostas foram unânimes, todos os alunos marcaram a primeira opção. E, no fundo, os grupos humanos, no futuro, vão se organizar sob a forma de inteligência coletiva e, cada vez menos, sob um padrão formal e hierárquico. Construiremos a sociedade com o aprendizado cooperativo muito mais que com as relações de poder ou a exploração mútua. E o faremos porque essa forma de organização irá nos proporcionar mais poder e felicidade [...] Significa que uma única pessoa nunca poderá deter o conhecimento absoluto. E somos obrigados a exercer nossa liberdade sabendo que, como pessoas, não detemos esse conhecimento. É a condição humana, só isso (p. 7 e 16). Pergunta dois: Utiliza a Internet/computador para que fins? ( ) Pesquisa, elaboração de trabalhos. ( ) Jogos, músicas, comunicação. Nesta pergunta sete alunos ficaram com a primeira opção; treze alunos ficaram com a segunda. Pergunta três: Possui computador/Internet em casa? Dentro da humildade humana, devese compreender que o conhecimento jamais pertencerá a uma única pessoa e que as mudanças nas relações sociais, que estão ocorrendo devido à implantação de novas tecnologias a cada dia que passa, dentro da sociedade, não devem impedir que se cultivem relações verdadeiras e com qualidade, fora dos espaços virtuais. ( ) Sim, os dois. ( ) Nenhum. ( ) Computador. Nesta pergunta um aluno marcou a primeira opção; dezessete marcaram a segunda e dois marcaram a última opção. No questionário desenvolvido com dez professores, foram elaborados questionamentos referentes ao uso dos 5 66 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 laboratórios de Informática nas escolas onde atuam esses profissionais. Esses professores foram escolhidos aleatoriamente, sendo eles atuantes da rede pública e privada de ensino. Quinta pergunta: Os alunos fazem uso indevido da Internet? Primeira pergunta: Sua escola possui laboratório de Informática? Neste questionamento, seis professores marcaram a primeira opção e quatro marcaram a segunda. ( ) Sim. ( ) Não. ( ) Sim. ( ) Não. Em relação aos resultados alcançados com o questionário desenvolvido com alunos de Séries Iniciais, conclui-se que, entre os alunos questionados, todos veem na Informática uma oportunidade maior de aprendizagem, porém a maioria prefere utilizar a Internet para se divertir, com jogos, atividades lúdicas e comunicação com pessoas de diferentes lugares e contextos, em vez de usar essa ferramenta para a elaboração de trabalhos e pesquisas escolares. Ainda, entre os alunos questionados, a maioria não possui computador nem Internet em casa, mostrando que o local de maior acessibilidade a essas tecnologias ainda continua sendo nas escolas. Nesta pergunta, a resposta foi unânime entre os professores questionados, a escola de atuação de cada um deles possui sala de Informática, ou seja, todos ficaram com a primeira opção de resposta. Segunda pergunta: O laboratório de Informática de sua escola é utilizado para ampliar os conhecimentos em sala de aula? ( ) Sim. ( ) Não. Nesta pergunta, oito professores marcaram a primeira opção, enquanto dois marcaram a segunda. O questionário desenvolvido com os professores mostrou que atualmente a maioria das escolas já possuem laboratórios de Informática à disposição dos alunos, e que estes espaços são utilizados para facilitar a aquisição de conhecimentos por parte destes. Terceira pergunta: Em sua escola ocorre algum problema que dificulta o uso do laboratório de Informática? ( ) Sim, por parte dos alunos, quando realizam pesquisas que não correspondem aos conteúdos trabalhados em sala de aula. ( ) Sim, devido ao ambiente inadequado e tecnologias ultrapassadas do laboratório de Informática da escola. ( ) Não. Os principais problemas que dificultam o uso adequado e satisfatório dos laboratórios de Informática relacionam-se com atitudes erradas de alunos que usam a Informática para pesquisas não escolares e com ambientes inadequados, que possuem tecnologias ultrapassadas sendo usadas para a realização de aulas nesses espaços, não correspondendo às expectativas tanto dos alunos quanto dos professores, de usufruir de ambientes e tecnologias apropriadas para um ensino mais qualificado. Neste questionamento, três professores marcaram a primeira opção, dois marcaram a segunda e cinco marcaram a última. Quarta pergunta: Qual a faixa etária que, em sua opinião, deve ser a mais adequada para o aluno começar a usar o laboratório de Informática? Outra constatação verificada foi a de que a maioria dos professores questionados pensa que quanto mais cedo os alunos tiverem acesso às tecnologias, com mais rapidez ocorrerá sua inserção dentro desta nova modalidade de ensino, que exige por parte do aluno um esforço para estar conectado com este mundo digital, que está se descortinando mais e mais a cada dia. ( ) 6 a 10 anos. ( ) 11 a 16 anos. ( ) 17 anos em diante. Nesta pergunta, oito professores marcaram a primeira opção e dois, a segunda. 67 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Os dois questionários visaram esclarecer as visões de alunos de Séries Iniciais e de professores graduados em Nível Superior quanto à modernização do ensino, o uso dos laboratórios de Informática nas escolas, as facilidades encontradas e também as dificuldades apresentadas para o uso adequado dessas tecnologias para o sucesso da educação. D i s p o n í v e l e m : <http://revistaescola.abril.com.br/politicaspublicas/planejamento-efinanciamento/podemos-vencer-exclusaodigital-425469.shtml>. Acesso em: 14 ago. 2012. LÉVY, Pierre. Entrevista com Pierre Lévy Programa RODA VIVA - TV Cultura. D i s p o n í v e l e m : <http://www.escolanet.com.br/levy/entrevista .html>. Acesso em: 09 out. 2012. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a realização deste trabalho, conclui-se que o uso de salas de Informática tem grande importância na aprendizagem dos alunos e por isso devem ser utilizadas dentro do processo da educação. Hoje o acesso à informação é fácil, o que possibilita durante as aulas que o aluno traga conhecimento para o professor em tempo real, através da utilização da Internet, pois é de grande importância essa troca e ajuda mútua entre aluno e professor. Nas Séries Iniciais a Informática favorece o raciocínio lógico, trabalha a questão motora e auxilia na assimilação de conteúdos com maior facilidade, pois mostra o conteúdo de uma forma mais lúdica e consegue envolver teoria com prática através de jogos e atividades. _____. Entrevista com Pierre Lévy P r o g r a m a R O D A V I VA . D i s p o n í v e l em:<http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/ 47/entrevistados/pierre_levy_2001.htm>. Acesso em: 09 out. 2012. LOVATO, Adalberto; EVANGELISTA, Mário Luiz Santos; GULLICH, Roque Ismael da Costa. Metodologia da Pesquisa - Normas para Apresentação de Trabalhos: Redação, Formatação e Editoração. 2.ed. Três de Maio: Ed. SETREM, 2007. MORAN, José Manuel. Ensino e aprendizagem inovadores com tecnologias. Disponível em: <http://www.eca.usp.br/moran/inov.htm>. Acesso em: 09 out. 2012. Apesar das inúmeras dificuldades encontradas, como o uso indevido da Internet por parte dos alunos e ambientes precários para serem usados como laboratórios de Informática, as escolas devem estabelecer a Informática como parte integrante do C u r r í c u l o E s c o l a r. C o m a s n o v a s transformações que ocorrem a cada dia que passa, os alunos devem ser preparados desde cedo para esse novo mundo que está sendo descoberto através da Tecnologia da Informação e da Comunicação. SOUZA, Daiany Ferrão Pires de. Laboratório de Informática: ferramenta de aprendizagem nos anos iniciais. D i s p o n í v e l e m : <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/358 15>. Acesso em: 12 ago. 2012. VALENTE, José Armando. O uso inteligente do computador na educação. Disponível e m : <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaa dia/diadia/arquivos/File/conteudo/artigos teses/EDUCACAO_E_TECNOLOGIA/USO INTELIGENTE.PDF>. Acesso em: 14 ago. 2012. A Informática, quando bem trabalhada, se torna uma grande aliada dentro do processo da aprendizagem escolar. O aluno deve ter a consciência de que essa ferramenta deve ser usada como um facilitador para a aquisição do conhecimento, porém, mediado pela escola, esse conhecimento deve ser explorado e construído por ele próprio, através de suas vivências e experiências pessoais. _____. Entrevista com José Armando Valente: Cultura Digital e escola. Disponível e m http://linguagemtecdigital.blogspot.com.br/2 011/05/entrevista-com-jose-armandovalente.html. Acesso em: 12 out. 2012. REFERÊNCIAS FAGUNDES, Léa da Cruz. Entrevista com Léa Fagundes sobre a inclusão digital. 68 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 EDUCAÇÃO INFANTIL E O ENSINO DE CIÊNCIAS: DO COTIDIANO DA CRIANÇA AO ENSINO APRENDIZAGEM NO AMBIENTE ESCOLAR Deise Graciéli Tresel 1 Juliana Santos Farsem2 Tatiana Dallavechia 3 Vera Beatriz Pinto Zimmermann Weber 4 Sociedade Educacional Três de Maio - SETREM5 ABSTRACT The study was conducted in Methodological Foundations of Natural Science Education Curricular Component, taking into account the importance of working relevant issues arising from children's day to day in natural science that address educational purposes enabling them in context building concepts subjective from these livings made possible in class. HARLAN (2002), BRAZIL - LDB (1996), Goldschmied and Jackson (2006), Kramer (1992), Krasilchik (1987 and 2004), Kuhlmann (1998), Moraes (1992), WAJSKOP (1995) were some of the theoretical studied in this writing. The research is from qualitative approach, exploratory and descriptive as procedure, action research and the data collection was used to interview with kindergarten teachers about their expectations and methodologies in the teaching of natural science, and it was developed in Public and Private Schools from the northwest region of the state of Rio Grande do Sul and was concluded through research that the most common issues in the daily lives of children, their experiences are the most worked in the school environment, by some of the interviewees, in other of them, choice of topic is being worked on, perhaps because often they do not have full control over issues related to the natural sciences, and therefore prefer to produce classes from themes more easily addressed and exemplified by them in class. The study was very interesting and relevant, enabled to reflect on the teaching of science and how the classes are produced for early childhood education and how children interact from their everyday experiences. Keywords: Kindergarten. Science Teaching. Learning. RESUMO O estudo foi realizado no Componente Curricular Fundamentos Metodológicos do Ensino de Ciências Naturais, levando em consideração a importância de trabalhar temáticas pertinentes e oriundas do dia a dia das crianças, em ciências naturais, que abordam intenções educativas possibilitandoas em seu contexto a construção de conceitos subjetivos a partir dessas vivências possibilitadas em aula. HARLAN (2002), BRASIL – LDB (1996), GOLDSCHMIED e JACKSON (2006), KRAMER (1992), KRASILCHIK (1987 e 2004), KUHLMANN (1998), MORAES (1992), WAJSKOP (1995) foram alguns dos teóricos que embasaram esta escrita. A pesquisa é de cunho qualitativo, exploratório descritivo e como procedimento, a pesquisa ação e para a coleta dos dados foi utilizado a entrevista com as professoras da educação infantil acerca das suas metodologias e expectativas no ensino das ciências naturais. Foi desenvolvida em escolas da rede Pública e Privada da região noroeste do estado do Rio Grande do Sul. Concluiu-se com a pesquisa que os temas mais presentes no cotidiano das crianças e suas vivências, são os mais trabalhados no ambiente escolar. Por algumas das entrevistadas, por outras delas, a escolha do tema a ser trabalhado seja, talvez pelo fato de muitas vezes, não terem o pleno domínio sobre temas relacionados com as ciências naturais e, portanto, preferirem produzir as aulas a partir dos temas mais fáceis de serem abordados e exemplificados por elas. O estudo foi relevante e muito interessante e possibilitou refletir sobre o ensino de ciências e como as aulas são produzidas para a educação infantil e como as crianças interagem a partir de suas vivências cotidianas. Palavras-chave: Educação Infantil. Ensino de ciências. Aprendizagem. 1 Acadêmica do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia, SETREM, ([email protected]) Acadêmica do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia, SETREM, ([email protected]) 3 Acadêmica do Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia, SETREM, ([email protected]) 4 Licenciada em Ciências Físicas e Biológicas e Biologia (IEDB); Psicopedagoga (URI); Mestre em Educação nas Ciências (UNIJUÍ); Membro do grupo de pesquisa CNPq: Educação em Saúde Coletiva (SETREM); Rua Guilherme Tesche, nº 553 Emílio Tesch e – 98910-000 – Três de Maio – RS/BR; e-mail: [email protected] 5 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, Av. Santa Rosa, 2504, Três de Maio – RS, email: [email protected] 2 69 – REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O presente artigo resulta de uma série de questionamentos e dúvidas que surgiram no decorrer das aulas no componente curricular de Fundamentos Metodológicos do Ensino das Ciências Naturais. Na reflexão constante acerca deste tema é que surgiu a questão que norteou este estudo, como as professoras nas escolas de Educação Infantil vêm trabalhando o componente de Ciências Naturais? Instigadas na produção do conhecimento é que fomos a campo realizar a pesquisa dentro do contexto escolar da Educação Infantil de escolas públicas e privadas. A pesquisa foi realizada por meio de entrevistas, explorando na fala das educadoras, quais as metodologias usadas, temas trabalhados, como avaliam e se consideram importante o trabalho das Ciências no cotidiano das crianças da educação infantil. Neste espaço/tempo é muito importante definir o que a criança pode aprender e o que deve ser o foco da ação da professora, compartilhando incertezas e conhecimentos adquiridos na prática. Podemos afirmar que a realização desta pesquisa foi muito significativa para a aprendizagem, bem como compreensão dos teóricos estudados no decorrer da caminhada acadêmica que vêm ao encontro da realidade encontrada no contexto escolar. No decorrer deste artigo fomos enfatizando o ensino e aprendizagem das Ciências Naturais no espaço/tempo da Educação Infantil. não aos do sistema educacional, levou a ausência desse tema nas pesquisas educacionais e nos cursos de pedagogia. Quando, na década de 1970, as creches e pré-escolas iniciaram seu processo mais recente de expansão, a crítica à educação compensatória trouxe à tona o seu caráter assistencialista, discriminatório. As concepções educacionais vigentes nessas instituições se mostravam explicitamente preconceituosas, o que acabou por cristalizar a ideia de que, em sua origem, no passado, aquelas instituições teriam sido pensadas como lugar de guarda, de assistência, e não de educação (KUHLMANN JR., 1998, p. 166). A visão da infância pelos adultos naquela época também era um ponto fundamental para a concepção assistencialista das creches, a criança era vista como um ser imaturo, não acabado, que não pensava que não precisava de educação, somente de cuidado. Kramer (1992) destaca esta concepção de infância: A ideia de infância, não existiu sempre, e nem da mesma maneira, ao contrário, ela aparece com a sociedade capitalista, urbanoindustrial, na medida em que mudam a inserção e o papel social da criança na comunidade. Se na sociedade feudal, a criança exercia um papel produtivo direto ('de adulto') assim que ultrapassava o período de alta mortalidade infantil, na sociedade burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada (KRAMER, 1992, p. 19). DO ASSISTENCIALISMO À EDUCAÇÃO A história do assistencialismo na infância é de longa data, vários fatos históricos foram acontecendo para que isso viesse à tona. Fatos como o trabalho feminino e as transformações das famílias, que, segundo Kuhlmann Jr. (1998), a maior parte das creches tiveram a sua expansão a partir do século XIX, que eram de cunho assistencialista, porque pessoas de baixa renda precisavam trabalhar para obter o sustento e, para isso, precisariam deixar seus filhos em algum lugar. Essa história foi motivo de muitas pesquisas e debate entre pensadores e pesquisadores, Kuhlmann Jr. (1998) nos mostra isso: Nesta perspectiva é que a creche foi fundada, tendo o caráter assistencialista, sendo considerada uma instituição que prestava assistência social às famílias de baixa renda. Tinha a função de proteção, amparo e guarda dessas crianças, que eram filhas de mães trabalhadoras em tempo integral. Acolhiam as crianças para afastá-las da rua, do trabalho e contribuíam para a diminuição da taxa de mortalidade infantil. Mas ao mesmo tempo, para Kuhlmann (1998) isso acabava se tornando uma educação assistencialista, pois ela foi pensada no sentido de uma prática intencional, no interior de instituições que foram feitas para esse fim. Segundo Kuhlmann Jr. (1998) é a partir de 1990 que a função de guarda já A vinculação das creches aos órgãos governamentais de serviço social e 70 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 que trabalham na Educação Infantil precisam conhecer a criança com quem estão trabalhando, entendendo a criança como um ser social e histórico. Essa educação, que é a primeira etapa da educação básica, possibilita uma vivência social um pouco d i f e r e n c i a d a d o g r u p o f a m i l i a r, desempenhando assim papel importante no desenvolvimento da mesma. Têm-se vários fatores que permitem a compreensão da atual realidade em que estão inseridas as instituições de Educação Infantil que atendem as crianças de 0 a 3 anos. Com isso, a Educação Infantil está se construindo no decorrer da história e toda a sua expansão ocorreu de forma rápida nos últimos anos, a partir da década de 80. Desta forma, a sociedade começou a se conscientizar da importância da Educação Infantil, nas experiências que as crianças de 0 a 3 anos vão vivenciando a cada dia. A Educação Infantil é o lugar em que a criança vai desenvolver vários aspectos do seu ser, o psicológico, o físico, o social, entre muitas outras habilidades importantes para o seu desenvolvimento. Mas para que isso aconteça à escola que comporta essa primeira etapa da educação básica, precisa estar preparada para receber crianças dessa faixa etária. O ambiente precisa estar de acordo com o que a criança necessita para que se sinta bem. Desta forma, a criança precisa se sentir bem e feliz no espaço tempo em que permanecerá enquanto os seus pais estão trabalhando. Nessa perspectiva, o adulto que trabalha na Educação Infantil tem um papel importante na vida da criança que frequenta a escola. E é com esse adulto que ela ficará a maior parte do dia. Esse pensamento vai ao encontro com o que GOLDSCHMIED; JACKSON (2006) fala: estava sendo constituída como educativa, pois, ao tirar a criança da rua, podia-se dentro dessas instituições cultivarem a inteligência das crianças. A educação começava a se introduzir nesses ambientes em que o assistencialismo predominava. Começava-se, assim, também a pensar e reconhecer a Educação Infantil. Durante muitos anos as instituições infantis, tanto brasileiras como estrangeiras, tinham o espaço organizado em função da assistência, alimentação e higiene da criança. Segundo Wajskop (1995) a década de 80 passou por um momento de ampliação do debate a respeito das funções das instituições infantis para a sociedade moderna, que teve início com movimentos populares dos anos 70. Vê-se, assim, que a partir desse período, essas instituições passaram a ser pensadas e revistas como lugar de educação e também de cuidados coletivos das crianças que as frequentam. Passa-se assim do primeiro momento da educação assistencialista para a Educação Infantil, reconhecida pela Lei Brasileira, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB de 1996. De acordo com o documento a Educação Infantil passa a ser considerada: [...] primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade [...] (BRASIL, 1996, p. 25-26). Essa mudança foi significativa para a educação. O que antes era considerado como somente cuidado à criança, agora passa a ser a primeira etapa da educação básica, trazendo, dessa forma, a educação de forma mais específica para dentro das escolas de Educação Infantil. Assim também começa a se pensar em desenvolver na criança o seu físico, o psicológico e também o intelectual, percebendo que isso faz parte do desenvolvimento da mesma, trazendo assim para dentro da escola a família e a comunidade em geral. A Educação Infantil é um lugar em que a criança aperfeiçoa seu desenvolvimento, tanto físico como psicológico. A criança estabelece interações com o meio e estabelece relações com pessoas. Pessoas Os adultos têm um papel muito importante na modelagem do comportamento das crianças, mas eles podem escolher entre fazê-lo de forma autoritária ou cooperativa, por meio de ordens ou negociação. Existem grandes evidências de que a segunda forma é de longe mais eficaz, além de levar a menos conflitos e angústia. [...] Isso não apresenta apenas uma questão de convivência, mas, sim, do direito das crianças de serem respeitadas como indivíduos, de serem escutadas e levadas a sério, de forma que, ao ficarem mais velhas, 71 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 ocidental após a Segunda Guerra Mundial. Com ela vieram a industrialização, o desenvolvimento tecnológico e científico que provocaram choques no currículo escolar, pelo motivo de terem em vista o crescimento do país (KRASILCHIK, 1987). O ensino de ciências nesse período não tinha função de formar especialistas, sendo que a carga horária era de três horas semanais, isso na terceira e quarta séries do curso ginasial. Já a física, química e história natural somente apareciam no currículo do curso colegial. Muitas propostas também vinham do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova. Porém as aulas de ciências eram realizadas como são em algumas instituições de ensino, teóricas, memorísticas, estimulando a passividade. Desta forma, a maioria das atividades tinha como principal objetivo a transmissão de informações, isso de uma forma mais eficiente. E as aulas práticas se resumiam no aprender fazendo. Os professores de matérias como Ciências eram médicos, engenheiros, farmacêuticos e também bacharéis, pois eram raros os professores licenciados que se dedicavam ao magistério (KRASILCHIK, 1987). Vários fatos que vinham ocorrendo no mundo, como por exemplo, o desenvolvimento industrial que desencadeou a Guerra Fria, também influenciou no ensino de Ciências em muitas escolas. Segundo Krasilchik (1987), por volta dos anos sessenta ocorreram transformações no currículo do ensino de Ciências, o motivo foi as transformações políticas e sociais que sucederam naquela época. Desta forma, KRASILCHIK, 1987: elas possam tomar mais responsabilidades para si no sentido de exercer seus próprios direitos (GOLDSCHMIED; JACKSON, 2006, p. 24). Essa modelagem se refere ao processo de aprendizagem que este adulto possibilitará à criança. Ele se torna uma referência para a criança, pois a convivência entre eles se dá todos os dias. A partir desses princípios criados pelo adulto em sala de aula, a criança construirá seu conceito sobre o mundo, para mais tarde exercer seu papel de cidadão na sociedade. E, para que isso aconteça, é importante que a professora da Educação Infantil esteja preparada para exercer esse papel para poder fazer um bom trabalho durante a sua atuação. O período em que a criança frequenta a Educação Infantil é o período de transição em que ela precisa de alguém para lhe cuidar, ao mesmo tempo precisa começar a ter o autocuidado. Esse é um momento em que ela cresce muito rápido em todos os aspectos de sua vida e quem trabalha com as crianças precisa estar consciente dessas mudanças e ser qualificado para a prática pedagógica para atuação nesta faixa etária. Nesse ambiente escolar, ela precisa, ao mesmo tempo, cuidado, proteção, educação e limites, para se tornar um cidadão e exercer assim, quando adulto, o seu papel na sociedade. Papel este que muitas vezes requer que ela tenha um pouco de conhecimento sobre as ciências como um todo, pois segundo Krasilchik; Marandino (2004) a ciência é uma produção humana, e por este fato faz parte de uma cultura mais ampla, no qual as crianças estão inseridas. [...] nesse período, os grandes projetos passaram a incorporar mais um objetivo - permitir a vivência do método científico como necessário à formação do cidadão, não se restringindo mais apenas à preparação do futuro cientista. Esta nova postura marca uma diferença fundamental em relação a etapas anteriores. Começasse, assim, a se pensar na democratização do ensino destinado ao homem comum, que tinha que conviver com o produto da Ciência e da Tecnologia e do qual se requeria conhecimento, não apenas como especialista, mas também como futuro político, profissional liberal, operário, cidadão enfim (KRASILCHIK, 1987, p. 09-10). O ENSINO DE CIÊNCIAS DE 1950 – 2012 Vivemos em um mundo no qual a ciência e as tecnologias nos rodeiam em qualquer lugar, sem percebermos muitas vezes que estamos frente a esse paradoxo. Por este fato, é de grande importância termos conhecimento de como o ensino da ciência surgiu, analisando as transformações pela qual a mesma passou no decorrer dos anos passados até os dias atuais. A partir da década de 1950 é que o ensino das ciências começa a ter importância perante a sociedade, pois começou a refletir situações do mundo 72 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Esses novos projetos fazem o ensino de Ciências sofrer alterações, pois acaba acoplando a ele a investigação científica, ou seja, a pesquisa, fazendo com que as aulas não fossem mais somente feitas por observação de fatos que aconteciam e a manipulação de equipamentos e objetos. Tudo isso faz com que o aluno participe mais da aula, na qual vai trazer suas opiniões, irá identificar problemas, com os quais muitas vezes convive e não sabe resolver. Na década de 1960, na nossa terra, o Brasil se encontrava em um período de liberação política e de euforia; já no quadro educacional, após longo período de discussão, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação foi promulgada, na qual a Lei Nº 4.024, de 21 de dezembro de 1961, entra em vigor, alterando algumas propostas; dentre elas, o currículo de Ciências, ampliando seu desígnio. Foi incluída a disciplina de Iniciação à Ciência desde a primeira série do curso ginasial e a carga horária de disciplinas como Física, Química e Biologia aumentou. Desta forma, foram sendo traduzidos materiais estrangeiros, e, com isto, teve o Projeto Iniciação à Ciência, feito para atender essa nova legislação, fazendo o aluno se tornar um pesquisador, para assim poder participar da descoberta (KRASILCHIK, 1987). A década de setenta já se encontra ainda mais dentro da revolução industrial, pois com esse desenvolvimento desenfreado têm-se decorrentes agressões ao meio ambiente, as quais eclodem também consequências no ensino de Ciências. Segundo Krasilchik (1987), agrega-se mais um grande objetivo a este ensino, que é o de fazer com que os alunos comecem a discutir também as implicações sociais do desenvolvimento científico. Concomitante a isto, surge também a nova ênfase dos projetos curriculares, objetivando descobrir os valores e o reconhecimento de que a ciência não era neutra. Nesta perspectiva, a crise social determinou a preparação de projetos de cunho específico para minorias, como os alunos carentes e também de diferentes etnias. Com a expansão dos sistemas educativos, tem-se o dilema da qualidade versus quantidade, ou seja, novos fins para a educação. A escola secundária não prepara mais futuros cientistas ou profissionais liberais, mas sim trabalhadores, que são peças essenciais para responder as demandas do desenvolvimento. O inicio da década de oitenta continua dentro da crise econômica, crise esta que vai passando por altos e baixos, trazendo consequências para a educação. Os diplomas de ensino médio ou até o de superior já não garantiam mais um emprego. A escola abriu suas portas para muitos estudantes, para uma boa parte da população. Desta forma, ocorreu a massificação da educação, que consequentemente levou a uma queda da O conhecimento e as informações são a base necessária para ampliar questões controversas que incluem conflitos de interpretação e decisões, dependentes de valores pessoais e sociais. Preparar o cidadão para pensar sobre questões que permitem várias respostas – muitas vezes conflitantes – demanda que ele seja alfabetizado em ciências (KRASILCHIK; MARANDINO, 2004, p. 34). Portanto, via-se a necessidade de formar um cidadão que pensasse e que não apenas conseguisse manusear os materiais, mas que requeresse o envolvimento para poder resolver problemas a partir do que lhe propusesse o professor. Para a realização desses trabalhos iniciais, foram sendo formados grupos temporários de cientistas e professores secundários, que eram sediados por Universidades ou Institutos de Pesquisas, que preparavam um conjunto de materiais, visando, desta forma, à melhoria do ensino das tradicionais disciplinas científica que eram: matemática, física, química e biologia. Porém, como eram matérias amplas, era necessária a formação de grupos heterogêneos, pois tudo demandava competências bem diversificadas. Essas equipes que formavam os primeiros projetos curriculares logo inferiram que os textos e os materiais deveriam ser permanentemente revistos; desta forma, precisariam também de um grupo que executasse esse trabalho. A partir disso os organizadores dos projetos curriculares começaram a diversificar suas atividades e metodologias, utilizando recursos audiovisuais, materiais complementares e trabalhando em processos de implementação, sendo que se acreditava que apenas a qualidade do material seria suficiente para garantir a aplicação bem-sucedida (KRASILCHIK, 1987). 73 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 transformações ambientais, intervindo na utilização dos recursos naturais e como a tecnologia media essa relação. Durante os últimos séculos o homem foi considerado o centro do universo e acreditou que a natureza estava a sua disposição, apropriando-se dos seus processos alterando ciclos e redefinindo espaços. Hoje, quando se depara com problemas ambientais que bota em risco a vida do universo, do mundo, inclusive do ser humano, as Ciências Naturais podem cooperar para a reconstrução da relação homem/natureza. Também é importante destacar, dentro desta concepção, o estudo do ser humano e sua herança biológica, o corpo como um todo, que interatua com o meio. (BRASIL, 1997) Na reflexão constante acerca destas questões e outras ainda que permeiam esta discussão é que surge a necessidade de pensar como as professoras nas escolas de Educação Infantil vêm preparando estas crianças que já nasceram nesta era tecnológica. Qual a importância de tratar estas questões desde cedo e assegurar que possam ir construindo seus conceitos e seu posicionamento frente aos temas atuais? Pois bem, o primeiro passo é desenvolver um olhar voltado para as crianças como sujeitos que pensam. Nessa perspectiva, foi imensa a contribuição de Piaget quanto ao desenvolvimento da educação das crianças ao defender que elas pensam de maneira distinta em relação às crianças mais velhas e os adultos, cujo pensamento é mais concreto e menos lógico (...) o Construtivismo propõe que deve haver experiências a partir das quais se constrói o conhecimento. (HARLAN, 2002). Os trabalhos de Lev Vygotsky (1962) acrescentaram às teorias piagetianas a visão de que as crianças são auxiliadas e influenciadas na construção de seus conhecimentos pelas pessoas que a cercam (HARLAN, 2002). Uma grande maioria de pais e professoras sem experiência e conhecimento imagina a mente das crianças pequenas como uma fonte vazia a ser preenchida. Na percepção do ensino de Ciências na Educação Infantil, é essencial o papel da professora em: qualidade de ensino. Alguns temas se tornam constantes para propostas de melhorias para o ensino de Ciências, como por exemplo, as relações entre a indústria e agricultura, a ciência e a tecnologia que está cada vez mais presente na sociedade. Outros assuntos também continuaram merecendo atenção dos professores, dentre as quais a educação ambiental e a educação para a saúde. Desta forma, o ensino das Ciências continua a ser objeto de preocupação a elementos ligados à educação. Assim o CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) criou em 1983 um projeto que objetivava a melhoria do ensino de Ciências (KRASILCHIK, 1987). A partir desse momento na história da educação, no que tange ao ensino de Ciências, têm-se aulas muitas vezes tradicionais no qual somente é transmitido o conhecimento ao aluno, não deixando que este o produza da sua forma, a partir do seu entendimento. A tecnologia vem crescendo muito e a sua utilização dentro das escolas é um grande demanda. Porém, ainda persistem professores somente fazendo uso dos livros didáticos, esquecendo que por Ciência se entende tudo o que está ao nosso entorno, fazendo com que o aluno muitas vezes fique preso a uma sala de aula, não o fazendo enxergar o que há lá fora, ciência pura, para realizar uma aula marcante e significativa. Portanto, é importante que os professores estudem e pesquisem novas metodologias e que se permita outro olhar sobre as aulas de ciências, para assim possibilitar que a criança goste cada vez mais das mesmas, trazendo para a aula coisas práticas, e que também possam sair da sala para produzir aulas, fazendo, desta forma, um aprendizado significativo. POR QUE ENSINAR CIÊNCIAS Na sociedade atual, século XXI, as mudanças nas mais diversas áreas do conhecimento se encontram em constante evolução com as quais as pessoas precisam conviver e aprender a lidar com as diferentes tecnologias. Nesta perspectiva é impossível pensar na formação do cidadão crítico esquivando-se do mundo globalizado em que vive. É aqui que a Ciência aparece como um meio de responder às várias auxiliar as crianças a organizarem suas ideias, proporcionando a elas acesso a palavras comuns relacionadas ao assunto e ampliando 74 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 seu raciocínio, constitui o papel das pessoas que sabem um pouco mais, como é o caso dos professores. Embora muitos professores sintam-se desconfortáveis quanto a sua compreensão de conceitos científicos, muitos destes conceitos são passíveis de uma descoberta conjunta pelo professor e pelas crianças. Trabalhar com materiais reais, reforçar os conceitos de várias e diferentes maneiras, com meios também diversos, e estar aberto a surpresas, tudo isso contribui para o desenvolvimento de conceitos com a participação de todos (HARLAN 2002, P. 35). experiências devem ser de tal espécie que promovam uma participação alegre e curiosa das crianças, possibilitando-lhes o prazer de fazerem descobertas pelo próprio esforço. Assim o ensino de Ciências estará integrando o mundo, pensamento e linguagem, possibilitando às crianças uma leitura de mundo mais consciente e ampla (MORAES, 1995 p. 14). Aprender em um contexto interativo, misturando saberes e produzindo conhecimento, ultrapassar os limites das disciplinas integrando-as de acordo com os modos de produção que demanda a realidade do contexto, ultrapassar o senso comum e buscar mais perguntas e respostas com colegas, com profissionais, nas fontes, na herança cultural. É partindo disso que o caminho começa a ser perseguido. O que importa é aprender a aprender para construir conhecimentos sistematizados que devem fazer parte do percurso e não ser o seu fim (GERALDI, 2010). Imersos nestas visões, a relação professor/estudante influencia diretamente na aprendizagem da criança. É importante que a professora considere o que a criança traz, leve em conta os seus questionamentos e hipóteses, sem perder de vista o conhecimento científico que pretende produzir com eles/ensinar. Tendo presente que os estudantes já pensaram sobre o tema ou algo relacionado. Essa interação passa a ser uma tarefa muito mais dinâmica e significativa para quem aprende e ensina. Sim, envolve mais trabalho e comprometimento, mas os resultados alcançados superam expectativas, em que um trabalho docente coletivo é a maneira de se chegar ao sucesso (OLIVEIRA, 1997). Qualquer professora que se preocupe com a constituição do outro, oferecendo atenção, vontade e conhecimento, pode realizar um trabalho interdisciplinar em aula, principalmente no ensino das Ciências, conforme Revista Nova Escola Edição 219, Janeiro/Fevereiro 2009: a tendência atual da disciplina é fazer com que o aluno observe, pesquise em diversas fontes, questione e registre para aprender, onde muitos são os temas ligados ao cotidiano dos educandos. Por quê? Essa é uma das perguntas que as crianças fazem com frequência. Elas têm curiosidade em saber a origem das coisas e as causas dos fenômenos da natureza e em descobrir aquilo que lhes parece diferente, intrigante, e instigante. A disciplina de Ciências, quando bem trabalhada na escola, ajuda os alunos encontrar respostas para muitas questões e faz com que eles estejam em permanente exercício de raciocínio (NOVA ESCOLA, 2009). O importante ao introduzir questões científicas é ligá-las a exemplos e métodos simples de fácil entendimento e que instigue o interesse no assunto. Sempre oferecendo apoio quando há empenho em conhecer mais. Também é interessante adaptar experiências para as crianças menores e com necessidades especiais, a inclusão representa um desafio para as professoras que necessitam refletir e buscar alternativas que os possibilite trabalhar dentro desta perspectiva e, ao perceberem que os saberes que cada sujeito traz são diferentes, favorece as trocas e a aprendizagem. Hoje e cada vez mais no futuro a ciência e os resultados de suas aplicações tecnológicas estão permeando nossa vida, interferindo no processo social, seja em aspectos positivos, seja com negativos. De seu lado, o homem comum, o homem de pouca ou nenhuma escolaridade embora faça uso e conviva com alguns destes “produtos” tem pouca chance de refletir sobre eles, colocando-se numa posição de mero expectador. À margem de um conhecimento para ele inatingível (DELIZOICO; ANGOTTI 1990, p. 96). (...) o ensino de Ciências (...) deve conservar o espírito lúdico das crianças, o que pode ser conseguido através de proposição de atividades desafiadoras e inteligentes. As A Ciência hoje passou a fazer parte 75 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 do dia a dia do ser humano, ela tem entrada livre às casas por meio da televisão, rádio, jornal, revistas, Internet etc., meios de comunicação que fazem parte de uma era tecnológica, ligada ao desenvolvimento de várias gerações. A Internet pode nos conectar a diversos lugares do planeta. O lixo é uma questão preocupante em todo o mundo, poluição, desmatamento, desenvolvimento e aumento dos meios de transporte, água, fenômenos naturais e muitos mais são temas universais. Fenômeno que pouco tempo atrás não se discutia com tanta preocupação. Esta situação pode ganhar um novo olhar com a formação de cidadãos conscientes, esclarecidos e responsáveis, profissionais capazes de formar opinião própria e lutar pela mesma. E quanto mais cedo se começa, melhor. É isso que defendemos enquanto pesquisadoras, na busca pela experiência e conhecimento. escolar. Experiências que fazem o aluno questionar sobre o que está acontecendo com a natureza e com o mundo. Desta forma, a instituição escolar precisa valorizar esse conhecimento que a criança traz para a sala de aula, para que após uma conversação sobre o assunto ela consiga se questionar sobre o que sabia antes e o que aprendeu depois da conversa, para assim produzir o seu conhecimento. Muitos assuntos relacionados com a ciência deixam as crianças curiosas como, por exemplo, o ar que elas respiram, pois quase sempre ouvem que sem ele, não sobreviveriam. Porém, não basta apenas a crianças ter curiosidade sobre, é preciso também que a professora seja mediadora, para que essa questão possa ser explicada. Em relação a esse assunto, ao entrevistar uma professora da Educação Infantil, foi questionado se a mesma trabalhava esse tema de maneira ampla e quais as metodologias que utilizava. Relatou que trabalhava; também disse que procurava trabalhar na perspectiva de perceber o ar, sentir o vento, exercitar a respiração através de exercícios de inspirar, expirar, sentir o ar entrando dentro de nós. Também na questão da importância do ar para a nossa vida, a questão da poluição, a partir de conversas e imagens... Ela disse que trabalhava mais na perspectiva de sentir e perceber a existência do ar, mas não como uma substância que ocupa lugar, que tem peso, que exerce pressão. Deste modo, percebe-se que a professora trabalha a ciência de maneira diversificada, instigando seus alunos a conhecer elementos novos, trazendo experiências para dentro da sala de aula, trabalhando na perspectiva da interação e da mediação, possibilitando que os estudantes produzam o seu entendimento sobre as ciências da natureza. Sendo assim possibilitada a produção do conhecimento nas Ciências na Educação Infantil. Para MORAES, 1992 EDUCAÇÃO INFANTIL E O ENSINO DAS CIÊNCIAS: DO COTIDIANO A APRENDIZAGEM A criança que está na Educação Infantil, como qualquer outra, é muito curiosa e sente a necessidade de conhecer o mundo que a rodeia e o professor se torna uma das peças chave para que isso aconteça. Desta forma o ensino de ciências na Educação Infantil precisa promover o conhecimento de mundo necessário para o estudante. Porém, é de suma importância que o professor trabalhe assuntos científicos com atividades lúdicas, instigando os estudantes a querer aprender sempre mais. Desta forma, a criança aprende [...] pela exploração que gradativamente vai aumentando seu autoconhecimento e, por extensão, seu conhecimento do mundo. A c r i a n ç a a p r e n d e r a p e n s a r, estabelece generalizações em seu pensamento, construindo assim conceitos a partir da manipulação com os objetos. Os conceitos nada mais são do que as palavras com as quais a criança lê o mundo (MORAES, 1992, p. 9). O ensino de Ciências não exige equipamentos sofisticados nem requer que o professor conheça as respostas de todas as questões que propõe aos alunos. Exige, entretanto, disposição pra aprender com estes (MORAES, 1992, p. 13). Para que aconteça o processo de ensinar e de aprender é importante que professora leve em consideração o conhecimento do aluno, que não é neutro, pois este já traz consigo uma bagagem, com experiências vivenciadas fora do ambiente Outro assunto, que é trabalhado na 76 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 árvores e flores? Você colhia buquês de flores? A partir de interesses e experiências desse tipo, você passou a conhecer mais sobre as plantas do que imagina. Você pode trabalhar com o interesse nato das crianças pequenas pelas coisas que crescem (HARLAN; RIVKIN, 2002, p. 69). Educação Infantil, no que tange ao ensino de Ciências é a luz, a qual não precisa ser trabalhada com todas as suas especificidades, mas sim trazer uma noção para as crianças sobre o tema e também explicar algumas curiosidades que surgem no decorrer das vivências, tanto no ambiente escolar como no social. Na entrevista realizada com outra professora sobre o ensino da luz, relata que trabalha enfatizando a questão da importância da luz para os seres vivos e também a questão do dia e da noite. Realiza explicações com experiências práticas como, leva as crianças para fora da sala, para que entendam o que é o dia, e o que é noite, fechando as cortinas e desligando as luzes. A professora comentou que fala sobre a diferença entre a noite e o dia em relação ao Japão, já que lá é dia quando aqui é noite. Quanto ao entendimento das crianças, ela disse que percebe em desenhos quando expressam o que faz durante o dia e à noite. Além disso, mencionou que trabalha com as cores das luzes por meio de óculos que, de acordo com a luz, muda as cores. Percebe-se assim que é nessa perspectiva que ela trabalha com seus alunos, não trazendo tudo o que é específico, mas não deixa de trabalhar sobre o tema. O tema plantas é um assunto amplo do qual o professor pode fazer aulas muito interessantes e significativas, fazendo a criança criar um interesse maior do que está aprendendo. Uma das melhores maneiras de trabalhar as plantas na Educação Infantil é através de ensaios, deixando a criança livre para pôr em prática as experiências vivenciadas. A partir disso conseguem entender a utilidade das plantas e sua importância para o ambiente em que vivemos e as contribuições para os seres humanos. Na entrevista realizada com outra professora sobre o assunto plantas, ela nos relata que trabalha a Ciência em sua sala de aula, e também retrata a importância da mesma ser trabalhada. Segundo ela, é importante porque “ciências é vida, tudo ao nosso redor é ciências (as plantas, os animais, alimentação, corpo, saúde, etc.), bem como é possível fazer bastante relação com o dia-a-dia.” Já na questão plantas, ela diz que trabalha com bastante ênfase e: “A temática planta é trabalhada com bastante ênfase, explorando-se a germinação de uma planta, as partes da planta, a relação da interferência do ser humano sobre o meio ambiente”. Percebe-se, assim, como determinados assuntos que estão mais interligados com o cotidiano das crianças, são trabalhados com mais ostentação do que os outros conteúdos, que de certa forma, são mais complexos e requerem mais estudo para serem trazidos para a sala de aula. Esse fato se vivencia em muitos momentos como no caso da entrevista realizada com as professoras nos anos iniciais e Educação Infantil, sobre o assunto máquinas simples. As duas professoras relatam que esse assunto é muito complexo para ser trabalhado com essas idades; por isso, esse assunto dificilmente entra na produção das aulas. Assunto esse que requer um pouco mais de envolvimento por parte da professora, o qual necessita um Promover a construção do conhecimento pela criança significa, principalmente, envolvê-la na observação e descrição daquilo que a cerca e em experiências em que a própria criança possa participar das decisões sobre o que investigar e como fazê-lo (MORAES, 1992, p. 10). Durante discussões nas aulas de Ciências, no componente curricular Fundamentos Metodológicos do Ensino de Ciências da Natureza na Faculdade, descobrimos, através das discussões possibilitadas em aula, que todas nós, estudantes, tivemos a aula de ciências da famosa experiência da germinação do grão de feijão, da qual todas haviam participado. Esse sempre foi um elemento para a iniciação do assunto plantas, tanto na Educação Infantil como no Ensino Fundamental. Você se lembra de quando fazia desenhos e criava figuras de flores e o gramado era apenas uma lista verde? Como a maioria das crianças, você tinha interesse em campos, 77 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 pouco de estudo a mais, que ao mesmo tempo, não é impossível, um bicho de sete cabeças, quando é entendido. Alguns materiais como gangorras, são equipamentos com os quais as máquinas simples podem ser introduzidas, e fica a pergunta, qual a criança que não gosta de brincar com uma gangorra? Portanto, é preciso ver o que está ao seu redor para assim poder perceber as ciências e, consequentemente, seus conteúdos que podem ser trabalhados a partir do cotidiano da criança. Desta forma, Moraes (1992), nos traz a seguinte reflexão sobre o ensino das Ciências. possibilidades... Para MORAES, 1992, p. 13: O ensino das Ciências volta-se basicamente para a construção de conceitos e princípios pela própria criança. A manifestação destes conceitos dá-se através da fala. Assim, na medida em que o ensino de Ciências possibilitar a ampliação da linguagem da criança, também estará possibilitando a percepção de uma realidade mais ampla. Auxiliar na construção de novos conceitos é, portanto, criar condições de participar num mundo maior (MORAES, 1992, p. 13). Desta forma, percebe-se a importância de trabalhar o ensino de Ciências da natureza desde a Educação Infantil, pois é desde ali, que a criança começará a produzir conceitos sobre o seu cotidiano. Pode ser a partir do ensino das Ciências que ela comece a compreender muitos aspectos relacionados ao ambiente em que vive e também do mundo que a cerca. Pelo fato do ensino das Ciências ser importante desde a Educação Infantil, é de suma importância também, que as professoras destes alunos estejam preparadas para trabalhar temáticas relacionadas com as interfaces que Ciências da Natureza possibilita. De maneira alguma é necessário que a professora seja licenciada em Ciências Físicas e Biológicas para produzir aulas na Educação Infantil. É interessante que se busque no cotidiano das crianças as temáticas para produzir com elas as aulas. Não sendo aí necessário omitir assuntos, pelo fato de não conhecê-los, fazendo uso somente de temas que sejam de seu conhecimento. As crianças se encarregam de questionar e interagir uns com os outros na medida em forem questionadas e desafiadas ao conhecimento valorizando o que trazem em suas bagagens individuais. É importante e necessário que o professor esteja atualizado com leituras e temáticas do dia a dia das crianças, para que a mediação seja possível, não sendo daí necessário ir atrás de novos mecanismos. Portanto, com a realização da pesquisa percebeu-se que os temas que estão mais presentes no cotidiano das crianças, suas vivências, são os mais trabalhados no ambiente escolar. Por outro lado, outras entrevistadas disseram que a não escolha de determinados temas, seja Em síntese, o ensino de Ciências nas séries iniciais deve procurar conservar o espírito lúdico das crianças, o que pode ser conseguido através da proposição de atividades desafiadoras e inteligentes. As experiências devem ser de tal espécie que promovam uma participação alegre e curiosa das crianças, possibilitando-lhes o prazer de fazerem descobertas pelo próprio esforço. Assim, o ensino de Ciências estará integrando mundo, pensamento e linguagem, possibilitando às crianças uma leitura de mundo mais consciente e ampla, ao mesmo tempo em que auxilia numa efetiva alfabetização dos alunos (MORAES, 1992, p. 14). Esse ensino das Ciências também pode se dar na Educação Infantil que, com atividades lúdicas, o ensino de Ciências pode ser integrado na aula ou até mesmo nas próprias brincadeiras das crianças, pois, é a partir do ensino das Ciências que a criança compreenderá o mundo em que vive. Do mesmo modo, esse ensino de Ciências na Educação Infantil pode realizar atividades de integração, na qual, a partir de situações de aprendizagem direcionadas às Ciências, é possível relacioná-las com outras áreas de conhecimento, fazendo com que essas aprendizagens sejam produzidas em alguns momentos como situações de aprendizagens interdisciplinares. CONSIDERAÇÕES FINAIS Sem a intenção de concluir, mas com o firme propósito de continuar buscando elementos para que essa reflexão possa vir enriquecer as aulas de Ciências da Natureza na Educação Infantil e no Ensino Fundamental é que nos propusemos deixar alguns indícios de que esse estudo apresenta 78 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 talvez pelo fato de muitas vezes não terem o domínio sobre eles. Entretanto, alguns dos temas relacionados com as Ciências Naturais que são trabalhados em aula e que as professoras preferem, ao produzi-las, são aqueles mais fáceis de serem abordados e exemplificados por elas nas aulas, ou ainda temas que elas trabalhavam em suas aulas de ciências quando foram estudantes. DELIZOICOY, Demétrio; ANGOTTI, José André Peres. Metodologia do Ensino de Ciências. São Paulo: Cortez, 1990. GERALDI, João Wanderlei. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010. HARLAN, Jean D; RIVKIN, Mary S. Ciência em Educação Infantil: uma abordagem integrada. Trad. Regina Garcez. 7 ed. Porto Alegre: Artmed, 2002. REFERÊNCIAS MORAES, Roque. Ciências para as séries iniciais e alfabetização. Porto Alegre: Sagra DC Luzzato, 1995. BRASIL, LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Câmara dos deputados, Coordenação Edições Câmara, 1996. OLIVEIRA, Daisy de. Ciências nas salas de aula. Porto Alegre: Mediação, 1997 GOLDSCHMIED, Elinor, JACKSON, Sonia. Educação de 0 a 3 anos: o atendimento em creche. Porto Alegre: Artmed, 2006. http://revistaescola.abril.com.br/ciencias/funda mentos/curiosidade-pesquisador425977.shtml?page=all acesso em 27/08/12 Publicado em NOVA ESCOLA Edição 219, GÜLLICH, Roque Ismael da Costa; LOVATO, Adalberto. EVANGELISTA, Mário dos Santos. Metodologia da pesquisa: normas para apresentação de trabalhos: redação, formatação e editoração. Três de Maio: Ed. SETREM, 2007. Janeiro/Fevereiro 2009. Título original: Curiosidade de pesquisador KRAMER, Sônia. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. São Paulo: Cortêz, 1992. KRASILCHIK, Myriam. O professor e o currículo das ciências. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1987. KRASILCHIK, Myriam; MARANDINO, Martha. Ensino das Ciências e Cidadania. São Paulo: Moderna, 2004. KUHLMANN JR, Moysés. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre: Mediação, 1998. MORAES, Roque. Ciências para séries iniciais e alfabetização. Porto Alegre: Sagra: DC Luzzatto, 1992. WAJSKOP, G. O brincar na pré-escola. São Paulo: Cortêz, 1995. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais: Brasília, MEC/SEF, 1997. 79 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 CARTOGRAFIA DE UM ENCONTRO COM O TERRITÓRIO EXISTENCIAL DA CEGUEIRA Ana Paula Benatti¹, Luciano Bedin da Costa² Sociedade Educacional Três de Maio - SETREM 3 ABSTRACT This study has as its purpose to describe an experience of Psychology trainee with a visual disability group of Três de Maio, Northwest region of Rio Grande do Sul, Brazil. The period of trainee lasted half a year, and in this period it was possible to follow this group and propose activities that work the accessibility, self-steam and autonomy of the people with visual disability. The instruments used as the Daily Board, in which the affectations were registered, and the Vibrating Body of the researcher with his field. This study was produced from Cartographic Method of Search-intervention, proposed by Deleuze and Guattari. The experience points to a change of position of the people with visual disability, and affectations were and ruptures were generated in the hard and crystallized line in which the blindness constitutes itself. Keywords: Cartography. Blindness.Citydevice. RESUMO Este estudo tem por objetivo descrever uma experiência de estágio de Psicologia junto a um grupo de deficientes visuais do município de Três de Maio, região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. O período de estágio durou um ano e meio, sendo que nesse período foi possível acompanhar este grupo e propor atividades que trabalhassem a acessibilidade, autoestima e autonomia dos sujeitos com deficiência visual. Os instrumentos utilizados foram o Diário de Bordo, em que foram registradas as afetações e o Corpo Vibrátil do pesquisador com seu campo. Este estudo foi produzido a partir do Método Cartográfico de Pesquisaintervenção, proposto por Deleuze e Guattari. A experiência aponta para uma mudança de posição dos sujeitos com deficiência visual, sendo que foram geradas afetações e rupturas na linha dura e cristalizada em que a cegueira se constitui. Palavras-chave: Cartografia. Cegueira. Cidade-dispositivo. ¹ Discente do Curso de Psicologia da Faculdade Três de Maio – SETREM. Email: [email protected]. ² Psicólogo, graduado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS); Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Doutor em Educação pela mesma Universidade (2010). Atualmente é docente do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Email: [email protected] 3 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, Av. Santa Rosa, 2504, Três de Maio - RS e -mail: [email protected]); 80 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 INTRODUÇÃO, COMEÇO OU SIMPLESMENTE PONTO DE PARTIDA grupo se deu por meio de micro-movimentos e micro-oscilações do sensível. E neste “sensível” ocorre-nos o autor Antoine de Saint-Exupéry (2009, p. 70) que diz: “só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos”; tratando-se da experiência com este grupo, nos arriscaríamos a dizer: micromovimentos do sensível, que só se 'veem' bem com o coração, pois aos olhos eles SEMPRE escapam. “As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase”. (Carlos Drummond de Andrade). Esta produção tem por objetivo descrever uma experiência de estágio de Psicologia junto a uma Estratégia de Saúde da Família (ESF) do município de Três de Maio, região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Essas atividades compõem o Estágio Básico em Saúde Coletiva da Faculdade Três de Maio – SETREM, as quais tiveram como foco um grupo de Deficientes Visuais. O período de estágio compreendeu três momentos, cada um com duração de seis meses: a familiarização com o local/serviço/grupo; a escuta da demanda e elaboração de um plano/projeto de intervenção, o qual chamamos de INTER+AÇÃO; e a realização do projeto de intervenção/inter+ação. Quando dizemos que o trabalho desenvolvido com este grupo de Deficientes Visuais foi de “inter+ação” estamos nos referindo à forma como percebemos este percurso de estágio. Não consideramos este campo de estágio como um mero “fornecedor de dados” os quais iríamos “coletar”. Não nos revestimos da ciência pura, neutra e positivista. O Método Cartográfico de pesquisaintervenção/inter+ação possibilitou-nos o contato direto com o campo/local/grupo através de instrumentos próprios, como por exemplo, nosso corpo vibrátil (Rolnik, 2006) que nos permitiu “sentir” este grupo. Procuramos, através do fazer psi, proporcionar trocas entre nós; entre nosso eu e o grupo, entre o grupo e nosso eu, num movimento de estarmos o tempo todo nos “outrando”. E entre uma aprendizagem e outra, nos descobrimos como sujeitos de vontade, de desejo; dispostos a gerar um movimento, uma oscilação, um rumor, nem que fosse mínimo, mas uma micro-oscilação que desestruturasse para novamente estruturar. Um micro-movimento que começasse intrínseco (dentro de nós, enquanto estagiária e orientador) e que contagiasse um grupo, uma comunidade, uma localidade. Portanto, o fazer psi neste ASSOCIAÇÃO DE DEFICIENTES VISUAIS – ASDEVI: UMA BREVE APRESENTAÇÃO A Associação de Deficientes Visuais – ASDEVI, de Três de Maio, RS – Brasil é uma instituição filantrópica que existe há mais de um ano, sendo que desde agosto de 2010 possui registro oficial. Este grupo é composto por sujeitos com deficiência visual e/ou baixa visão, sendo na sua maioria do sexo masculino, com faixa etária variando entre 20 e 70 anos e, também, por colaboradores voluntários que participam das atividades e contribuem para com o grupo. Como esta associação surgiu através da ESF, sob a coordenação, na época, da então enfermeira do local, o grupo contou e ainda conta com a participação de diversos profissionais, tais como: agentes comunitários de saúde, assistentes sociais, técnicas em enfermagem, educador físico, além de estagiárias de Enfermagem e Psicologia da Faculdade SETREM, que têm passado por este grupo através de seus estágios curriculares. Os encontros são semanais, mais precisamente nas terças-feiras, o dia todo, e nas sextas-feiras, no turno da manhã. Na terça-feira é dia oficial de encontro do grupo, sendo que as assembleias, que acontecem mensalmente, são realizadas sempre nesta data, na parte da manhã. Algo que percebemos desde o primeiro momento de estágio foi a necessidade de trabalhar a autoestima e autonomia desses sujeitos. Portanto, todas as atividades foram voltadas para essas questões. Realizamos atividades simples, que trabalhavam a coordenação motora fina, principalmente, o que os ajuda na realização das atividades domésticas e cotidianas como manusear objetos sensíveis e ter a percepção de certas texturas, tendo, assim, a noção de superfície dos objetos. E, durante 81 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 este percurso de estágio, percebemos um grande avanço do grupo quanto a essas questões. Quando iniciamos o estágio, tínhamos nesse grupo um sério problema saúde relacionada ao alcoolismo, atrelado intimamente com a questão da autoestima debilitada e da falta de autonomia. Com os nossos encontros e com o suporte de profissionais competentes que acompanharam e ainda acompanham este grupo, a questão do alcoolismo foi superada. É visível a mudança de posição que o grupo como um todo assumiu; hoje, eles se mostram mais autônomos para decidirem e fazerem escolhas, o que se reflete também na vida particular/individual de cada um. A mudança realmente é macroscópica; de uma posição de submissão à cegueira para a certeza/confiança de serem sujeitos com potencial. Sujeitos capazes de se desafiarem, de ousarem, de tentarem estratégias, meios de realizar atividades que os desacomodam, como as que eu propus, sem medo de errar, de não conseguir, de fracassar. Não era assim, logo que iniciamos neste grupo; o que é natural, pois as primeiras movimentações assustam, desacomodam e incomodam. estabelecida do “quanti” ou “quali”, mas não sem ordem; que permite experimentar o ambiente, o local ao qual o cartógrafo está inserido. Nesse sentido, a autora nos aponta que o cartógrafo é alguém atento aos desejos dos sujeitos; alguém com um corpo vibrátil, com o “coração na mão” (Costa, & Redin, 2007, p. 87). O coração enquanto órgão de profundidade e na mão porque esta simboliza a ação; o coração trazido para a superficialidade para se enredar pelos territórios do devir. Segundo Rolnik (2006), o que move o cartógrafo é a sua capacidade de ser tátil, vibrátil, sensível aos territórios existenciais dos sujeitos. E, por isso, para o cartógrafo não é necessário nada além de um manual de bolso (diário de bordo) que, segundo a autora é “um critério, um princípio, uma regra e um breve roteiro de preocupações” (Rolnik, 2006, p. 67); e estas preocupações estão sempre em processo de formação e experimentação pelo cartógrafo. Mas uma coisa é certa e não muda: o princípio do cartógrafo. Segundo Rolnik (2006), Kastrup, & Escóssia (2010), não há outra forma de fazer cartografia senão abandonando todo e qualquer princípio moral e preconceituoso, que produz estereótipos e que já está préestabelecido. Para cartografar é preciso um princípio extramoral. E se a moral não está em jogo, o que sobressai é a ética do cartógrafo, que é aquela que respeita o movimento de expansão da vida, com seus ínfimos desejos e com suas micro-políticas desejantes. Esta foi a preocupação com o grupo ASDEVI: não ir com conceitos préestabelecidos, que dizem de uma lei moral, mas “sentir” o local e as pessoas, possibilitando “ouvi-las”, captando os rumores mais discretos dos seus desejos; cartografando esses sujeitos e as suas relações. O Método Cartográfico e os encontros com os Territórios Existenciais O estágio foi desenvolvido a partir do método cartográfico de pesquisaintervenção, o que proporcionou um encontro prazeroso entre os pesquisadores e o grupo de deficientes visuais. Mas, afinal, o que é Cartografia? A Cartografia é um método científico de pesquisa formulado pelos filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari, com o lançamento do livro “Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia – vol. 01” (1980). O conceito foi inicialmente tirado da Geografia, sendo transposto para a Filosofia, como forma de pensar a realidade através de outro prisma além do positivista (pesquisas qualitativas e quantitativas), sendo que a principal característica desse método é a inserção do cartógrafo no meio/local. Não há como fazer cartografia sem estar inserido em um local e em relação com o mesmo. Em seu texto “O Cartógrafo”, e com linguagem suave, Rolnik (2006) nos diz que a cartografia é encontro, é atenção, é liberdade norteadora, sem aquela metodologia pré- O processo de cartografa+ação Para cartografar o Estágio Básico, os “instrumentos” utilizados foram o diário de bordo, para registrar as experiências, questionamentos, observações, sentimentos que nos atravessaram no grupo de deficientes visuais – ASDEVI. E, além deste, outro “instrumento” utilizado foi o corpo vibrátil, caracterizado por Rolnik (2006) como sendo um corpo capaz de sentir cada micro82 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 movimento, cada micro-oscilação do local e dos sujeitos que estão juntos, em grupo. O corpo vibrátil possibilitou o contato com os sujeitos com deficiência visual, bem como com os demais envolvidos do grupo, o que permitiu o desenvolvimento da produção de dados. Quando dizemos “produção de dados” estamos nos referindo a Rolnik (2006), Kastrup & Escóssia (2010), que abordam a importância de compreendermos que o cartógrafo é alguém que por si só já modifica o meio/local e, ao mesmo tempo, é modificado constantemente por esse mesmo meio/local; e dizer isso significa dizer que o cartógrafo NÃO COLETA DADOS, ele os PRODUZ nessa infinita inter e intra-relação: entre pesquisador e o outro, entre o outro e o pesquisador; entre pesquisador consigo mesmo, entre o outro consigo mesmo e entre todos, por fim, formando uma unimultiplicidade. fomos até o local/grupo com um roteiro préestabelecido das atividades que desenvolveríamos com eles. Não. Fomos com algumas ideias, mas o mais importante era poder ouvir esses sujeitos e saber o que eles gostariam de trabalhar, o que faria sentido/afetaria o grupo e o que não causasse impressão. Se assim não fosse, ficaríamos numa dialética infindável, e isso é muito chato, pois não agrega nada ao sujeito. Então, a proposta de trabalho com este grupo foi de ir até o local e “sentir” o que esse grupo demandaria e, a partir disso, elaborar as atividades a serem trabalhadas. E foi o que fizemos, pois o mais importante não era a iniciativa/criatividade, mas o respaldo e a vontade do grupo em assumir o seu desejo/demanda: a sua posição de sujeitos desejantes. Conforme a organização do Estágio Básico, que é composto por três momentos distintos, a cada final de semestre há um afastamento do estagiário do local. Como os três momentos foram desenvolvidos no mesmo local, puderam-se perceber os avanços que se produziam. Esses avanços não partiam somente de nós, aliás, tivemos muito cuidado para não confundir nossa demanda com demanda do grupo, pois afinal, todos os movimentos deveriam ser em prol do grupo. O primeiro momento de Estágio foi utilizado para fazermos o que o próprio nome já diz: FAMILIARIZAÇÃO. Dessa forma, deixamo-nos envolver com este grupo, com a participação em almoços e em outras atividades para formar vínculo e constituir nosso espaço com eles, o que surtiu efeito imediatamente. Não havendo esse vínculo seria impossível trabalharmos. No segundo momento iniciamos as tentativas para trabalhar a autoestima e autonomia, já que sentia o grupo sedento por produzir alguns movimentos, porém estavam acuados e inseguros. Talvez este tenha sido o momento de maior cautela para com o limite deles. Como tudo era novo e diferente, um horizonte a ser explorado além das paredes de suas casas, o único ao qual eles estavam acostumados, causava certo receio, o que é muito natural. Então, com passos lentos, sempre respeitando os sujeitos que a nós se apresentavam, fui propondo algumas reflexões a partir de leituras de poemas, textos, músicas, A Apropriação de Estrangeiros Para fazer um diálogo entre os dados produzidos juntamente com o grupo de Deficientes Visuais – ASDEVI, fizemos uso de estrangeiros – assim nomeados por Rolnik (2006). Estes são poetas, um diretor de cinema, alguns cientistas, escritores, enfim; estes são os “outros” devorados, como nos aponta Rolnik (2006). Esses estrangeiros foram misturando-se ao conteúdo da escrita cartográfica para darlhe maior suavidade e profundidade, a ponto de traduzir literalmente os sentimentos que nos afetaram enquanto estivemos em processo de Estágio Básico no grupo ASDEVI. Estes estrangeiros aparecem sempre entre aspas (“ ”) e, como forma de citações, sob ênfase, como no caso do sublinhado, o que lhes diferem do restante do texto. Fizemos uso dos estrangeiros como forma de englobar o outro e o outro dentro do outro, como nos fala Rolnik (2006); num processo de estar se “outrando” e isso justifica o uso do temo unimultiplicidade: o uno dentro do múltiplo; o singular “devorado” pelo plural. DELINEANDO INTENSIDADES – UM RELATO DO PERCURSO DE ESTÁGIO O percurso de estágio com o grupo de deficientes visuais foi uma construção. Não 83 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Ao nosso entender, esses trabalhos realizados permitiram “desenferrujar” o corpo vivo e pulsante do grupo, a mente voraz que se encontrava ociosa, as mãos esbeltas que estavam espalmadas. Segundo Pozzana (2010, p.77) “as práticas que lidam com o homem, deficiente visual ou não, é com o corpo vivo, o mundo que o engendra e é por ele engendrado, que importa trabalhar” (citado em Moraes, & Kastrup, 2010). Dessa forma, as atividades que realizamos vieram de encontro ao que esta autora aborda: a importância de trabalhar em conexão com o mundo que rodeia o sujeito e que o constitui. Esta autora ainda relata que “trabalhar com o movimento e a expressão dos afetos em curso é uma aposta na ampliação do território existencial de cada um na medida em que perceber, agir e criar se dão juntos, em planos que se tocam” (Pozzana, 2010, p. 77, citado em Moraes, & Kastrup, 2010). Sempre trabalhávamos essa questão do afeto em nossas atividades, através de discussões no início e no final do trabalho/atividade. Sem esse momento de reflexão e expressão de sentimentos, lembranças e afetos, as atividades não teriam sentido, uma vez que o mais importante não era a técnica usada para realizar o trabalho, mas sim o que esse trabalho mobilizava no sujeito, e quais as afetações que estavam surgindo no momento. Portanto, mais importante do que elaborar uma “proposta de intervenção” para finalizar o Estágio Básico, no momento, foi a minha relação com este grupo de deficientes visuais, que nos permitiu fazer, já no final do primeiro momento de estágio, pequenas intervenções. E, quanto às “pequenas intervenções”, quando vistas microscopicamente, são muito mais do que simples intervenções, são INTER+AÇÕES que se deram num espaço entre, citando Deleuze (1998, p. 25): “entre as outras coisas”. atividades de pintura com tinta Gauche e, finalmente, a experiência de “texturear” a argila, o trabalho com o Crepon e a pintura de casquinhas de Páscoa para a confecção de “ninhos” (cestinhas de Páscoa produzidas pelos deficientes visuais e distribuídas a eles no almoço de confraternização). “Textureando” a argila: As mãos recriando o mundo. A proposta de INTER+AÇÃO Em seu filme intitulado “Só Dez por Cento é Mentira – A Desbiografia Oficial de Manoel de Barros”, dirigido por Pedro Cezar (2009), o poeta nos diz: “O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê” (Manoel de Barros). Essa assertiva do poeta de alguma forma desconstrói o conceito de “Coelhinho da Páscoa que trazes pra mim: Um ovo, dois ovos, três ovos assim”. 84 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 grupo acerca da experiência de transitar pela cidade. Este trabalho teve como objetivo trazer o deficiente visual à rua, para que ele possa transitar pela cidade, descobrindo os espaços, incluindo-se enquanto sujeito que também compõe a cidade; para ter acesso ao mundo, que é, muitas vezes, excludente por ser quase completamente visual. Segundo relato de Francisco Varela (citado em Moraes, & Kastrup, 2010, p. 15), “80% das informações acerca do mundo externo nos chegam através da visão”. Entretanto, a sociedade e os espaços públicos devem saber acolher essas diferenças sem excluir os sujeitos, sem impossibilitá-los de acessar os locais por uma dificuldade orgânica, como é o caso da deficiência visual. A cidade é um espaço de todos. Sendo assim, a proposta foi de colocar este grupo em movimento; ao encontro da cidade. visão, pois o ver é apenas um dos sentidos, ou seja, UMA forma de capturar o mundo e não a ÚNICA. Portanto, ver e olhar são conceitos dicotômicos. Segundo Tiburi (2010), ver é da ordem do físico/orgânico; já o olhar envolve muito mais do que fisiologia e percepção, mas também temporalidade, contemplação e sensação. Foi partindo dessa relação entre ver e olhar que elaboramos um Cronograma de Intensidades como proposta de INTER+AÇÃO com o grupo de deficientes visuais. Nesse processo de inter+ação com os territórios existenciais dos sujeitos que frequentam a Associação de Deficientes Visuais – ASDEVI, buscamos, nos espaços da cidade, um dispositivo para trabalhar a expansão da vida; um dispositivo impulsionador de desejos e devires. A cidade vista como um meio de buscar a inclusão e a acessibilidade da pessoa com deficiência visual. E, com isso, trabalha-se também a questão da autonomia e autoestima, questão central do fazer “psi” neste espaço. Foto: Ocupando os espaços da cidade Caminhada promovida pelo grupo ASDEVI em parceria com profissionais da Clínica de Reabilitação de Giruá. Então, elaboramos um cronograma de intensidades para conduzir o nosso trabalho. Porém, tratava-se apenas de um plano, pois se sabe que em cartografia não trabalhamos com certezas absolutas e nem com propostas inalteráveis. Não; em cartografia trabalhamos com propostas, com esboços, mas nunca com um resultado final prévio. Dessa forma, a proposta foi apresentada ao grupo, e o que quer que eles quisessem mudar seria alterado. Portanto, o cronograma de intensidades constituiu-se em 10 encontros; um encontro-preparação para a saída/passeio e o outro em que iríamos até o local definido. Sendo assim, seriam visitados cinco (05) locais/espaços. Foto: www.portaltresdemaio.com Três de Maio, cidade-dispositivo. Mas como cartografar a cidade? Segundo Torossian (2008), “cartografar o dispositivo da cidade implica em me relacionar também com o conceito de acontecimentalização” (p.5); a autora ainda cita Foucault (2003) para definir o termo acontecimentalização como uma “ruptura absolutamente evidente” (citado em Torossian, 2008, p.5). A cartografia da cidade foi produzida a partir de saídas e passeios, explorando os seus espaços, encontrando pessoas, visitando lugares até então desconhecidos, experimentando novas s e n s a ç õ e s e conversando/dialogando/refletindo em 85 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 tiverem interesse. Mas, para isso, eles farão outro plano, que poderá fracassar ou não; mas que não dependerá de nós, cartógrafos. Dependerá única e exclusivamente do desejo deles enquanto grupo e do improvável que acomete todo e qualquer plano. Consideramos importante poder falar sobre o quanto essas saídas/passeios pela cidade mobilizaram os sujeitos. Não só pelo fato de estarem conhecendo um local “novo”, mas também pela iniciativa de se “arriscar” a tentar o novo/desconhecido. No Minizoológico eles puderam tocar em alguns animais, como no Pônei, que muitos deles não conheciam. Um dos integrantes do grupo, ao fazer esta experiência, diz para mim: “Um cavalo piquininho. E tem bastante cabelo! Que fofinho!” (referindo-se às crinas do animal). E os outros que estavam ao redor riram, e também quiseram passar a mão no “bicho”. Cada som, cheiro, sensação era percebida por todos, pois assim que sentiam algo, eles falavam a respeito, e os responsáveis pelo Mini-zoológico pontuavam sobre o que se tratava. Um deficiente visual que ia caminhando apoiado em nosso braço vira-se e diz: “Tem cheiro de mato.”, e inspira o ar. Estávamos prestes a adentrar em um local cheio de árvores e plantas rasteiras: um bosque. Então dissemos a ele que sim, que estávamos entrando em um bosque e que o seu nariz estava muito bom, pois percebeu o cheiro. Ele riu e eu também, pois eu não havia percebido cheiro algum, mas ele sim! O toque foi um grande aliado nesse processo de inter+ação, uma vez que possibilitou o contato com texturas diferentes, o que permitiu que o deficiente visual apreendesse o ambiente ao seu redor. No passeio ao museu um pensamento se fez presente, um preceito epistemológico, talvez: “como eles vão saber o que tem lá, se em museu é proibido tocar nos objetos?”. Estávamos angustiados e pensando em como iríamos “narrar” a eles o que víamos/enxergávamos e o que eles poderiam imaginar a partir do nosso relato. Porém, quando chegamos ao local, a moça responsável museu disse-me que eles poderiam tocar nos objetos, “pois, de que outra forma eles poderiam “ver” o que havia ali?”. E assim, fomos experienciando o momento. Eles iam tocando os objetos e O Fracasso como Estratégia de Pesquisa Conforme Cage, “é próprio do plano que o plano fracasse” (citado em Deleuze & Guattari, 1997, p. 51). Dessa mesma forma, o nosso plano também fracassou. Fracassou porque sofreu modificações involuntárias, tais como: tempo chuvoso, que impossibilitou nossas saídas/passeios; tempo cronológico “estreito”, o que resultou em apenas quatro (04) lugares visitados ao todo e não cinco (05), como constavam no “plano”; escolha de outros lugares ao longo do “plano”, enquanto percorríamos a cidade. Nesse sentido, o “plano” fracassa por ser transpassado pelo imprevisível/improvável; mas nós não tínhamos como prever nada disso e, por esta razão, o plano não foi um fracasso. Ele se realizou da mesma maneira, apenas com pequenas alterações produzidas pelo imprevisível/improvável. Para explicar melhor o fracasso do plano, os autores Deleuze e Guattari (1997, p. 51) ainda abordam o fato de que o fracasso é causado “Justamente porque não há organização, desenvolvimento ou formação, mas transmutação não voluntária”. O fracassar do plano, por sua vez, tem a ver com o próprio método de pesquisa proposto pela cartografia. Segundo Passos, Kastrup & Escóssia (2010. p. 10-11) “a cartografia propõe uma reversão metodológica: transformar o metá-hódos em hódos-metá. Essa reversão consiste numa aposta na experimentação do pensamento – um método não para ser aplicado, mas para ser experimentado e assumido como atitude”. Portanto, o nosso trabalho foi realizado como experimentação, não como imposição de algo que não poderia sofrer alterações, uma vez que estas provêm sempre do local/grupo. Dessa forma, o plano é sempre um plano que fracassa, na medida em que não passa de uma simples proposta passível de mudanças; por outro lado, o plano jamais fracassa por justamente ser um plano que está aberto ao novo/diferente, a sofrer alterações. Nosso Cronograma de Intensidades cartografou a cidade a partir dos seguintes locais/espaços: 1) Praça da Igreja Matriz; 2) Mini-zoológico Mundo Mágico; 3) Museu Municipal; 4) Lar dos Idosos. Entretanto, ao finalizar o Estágio Básico, deixei em aberto a proposta de o próprio grupo de deficientes visuais se organizar e passar/encontrar mais alguns espaços da cidade, os quais eles 86 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 descobrindo o mundo e a história que havia neles e perguntavam a data de cada um; nós íamos acompanhando e lendo as etiquetas com o nome do objeto, a data e o doador. A moça também nos acompanhou e fez o mesmo sempre que alguém solicitava. Tocar e sentir estavam intimamente ligados. A cidade ofereceu as texturas, os cheiros, os sons e nós (grupo + estagiária) nos “contaminamos” com os espaços da cidade-dispositivo. Misturamo-nos ao sol escaldante das tardes de passeio, aos cheiros dos locais, ao barulho da cidade em plena efervescência, aos roncos dos motores de carros apressados, ao asfalto sólido, aos arbustos inconvenientes que encontramos pelo caminho, aos cantos dos pássaros das árvores da praça, às pessoas que transitavam, ao motorista do ônibus que nos levou aos locais mais distantes. Enfim, nos “outramos” na cidade; e, no final, não sabíamos quem era a cidade, quem era o grupo: éramos cidade-grupo. objetivos/metas; um sujeito que tem suas preferências, seu estilo próprio, seu gosto particular e único e que é capaz de criar e se recriar sempre. Portanto, considero o nosso fazer (nosso e do grupo ASDEVI) muito intenso. Trabalhávamos sempre na perspectiva de poder ver o sujeito acima de qualquer deficiência: o sujeito não em sua essência (porque esta é uma linha muito dura), mas o sujeito em sua efervescência, em tudo o que ele é capaz de produzir e de se afetar. O sujeito como alguém com um corpo vibrátil e um desejo pulsante (devir). Ademais, a ideia de utilizar a cidade como dispositivo para trabalhar a autonomia e acessibilidade do sujeito com deficiência visual foi mobilizadora; produziu afetações e rupturas na linha dura e cristalizada em que a cegueira se constitui. Além disso, as saídas/passeios sempre resultavam em muita discussão e reflexão, sendo que cada sujeito podia trazer suas impressões, lembranças, afetações que o momento propiciou. Porém, mais importante que poder falar sobre (ordem macroscópica) foi promover vazão/passagem a essas produções (ordem microscópica). CONSIDERAÇÕES FINAIS, ENCERRAMENTO OU SIMPLES RECOMEÇO? O momento de Estágio Básico em Saúde Coletiva nos proporcionou a experiência de conhecer um grupo de deficientes visuais e participar de seus encontros/reuniões, firmando um vínculo que possibilitou/viabilizou o nosso trabalho. Todas as mudanças e alterações de trajetória encontradas pelo percurso de estágio inspiraram-nos às mais variadas experiências do sensível, de um corpo vibrátil que “descobria” um grupo e se autodescobria através da reinvenção do fazer psi. Dessa forma, nossa cartografia se fez sob o tom de um aprendizado mútuo, como troca, pois tanto nós (estagiária e orientador) quanto o grupo de deficientes visuais fomos afetados pelos encontros, trabalhos e saídas/passeios afim de cartografar a cidade. Com isso, percebe-se também a mudança de posição que esses sujeitos assumiram perante a sua dificuldade de visão, que deixou de ser vista como ponto central de suas vidas, passando a ser percebida/encarada como uma parte, porque, além desta, há um sujeito com vontade de potência: com desejos, sonhos, REFERÊNCIAS DE ANDRADE, Carlos. Drummond. 19021987. A Flor e A Náusea (pp. 36-37). In Antologia Poética. (66ª ed.) Rio de Janeiro: Record, 2010. DA COSTA, Luciano Bedin; REDIN, Mayra. Martins. (2007). 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Só Dez por Cento é Mentira – A Desbiografia Oficial de Manoel de Barros, 2009. 88 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 FATORES DE RISCO E DE PROTEÇÃO NUM CASO DE ABUSO SEXUAL INFANTO-JUVENIL: AVALIANDO O PROCESSO DE RESILIÊNCIA Taísa Mariluz Rommel 1 Jeane Lessinger Borges2 Sociedade Educacional Três de Maio - SETREM 3 RESUMO Este estudo investigou o processo de resiliência a partir de um caso de uma adolescente que foi exposta à violência intrafamiliar em sua infância. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, através de um estudo de caso único, na qual foi realizada uma entrevista individual semiestruturada e a construção de uma narrativa de vida. Os resultados foram analisados através da Análise de Conteúdo. Foram construídas três categorias: “Revelação do segredo”; “Fatores de risco”; e “Fatores de proteção”. Os resultados revelaram a importância do apoio e do amparo da família no momento da revelação, uma vez que sentimentos de culpa, medo e insegurança permeiam este processo. Embora o abuso sexual possa ser compreendido como um evento estressor traumático na infância e na adolescência, buscou-se avaliar os fatores de proteção (familiar, escolar, comunitário e individual) que pudessem estar associados à superação desta violência. Os resultados indicaram que autoestima, visão positiva de si e de futuro se constituíram como fatores de proteção individuais associados a um processo de resiliência. Por fim, aponta-se a necessidade de uma rede de proteção articulada, a qual possa dar também suporte às adolescentes vítimas de abuso sexual e suas famílias, bem como que esta possa atuar também na prevenção da violência e na garantia dos direitos. Palavras-chave: Adolescência. Abuso sexual. Fatores de risco. Fatores de proteção e resiliência. ABSTRACT This study investigated the process of resilience from the study case of a teenager who suffered interfamilial violence in childhood. It is a qualitative research, through unique study case, in which a semi structured individual interview was performed and the building of a life narrative. The results were analyzed through Content Analysis. Three categories were built: "Revelation of the secret," "Risk Factors" and "Protective factors". Thus, these results have revealed the importance of support and of the family assistance at the moment of revelation, since feelings of guilt, fear and insecurity permeate this process. Although the sexual abuse can be understood as a traumatic stressor event during childhood and adolescence, to evaluate the protective factors (family, school, community and individual) that could be associated with the overcoming of this violence was searched for. The results indicated that self-esteem, self positive view and of the future established themselves as individual protective factors associated with a process of resilience. Finally, it is pointed out the need of an articulated safety net, which can also give support to the adolescent victims of sexual abuse and their families, as well as that it may also act in violence preventing and in the guarantee of the rights. Keywords: Adolescence. Sexual abuse. Risk factors. Protective factors and resilience. 1 Acadêmica do Curso de Psicologia/SETREM Mestre em Psicologia (UFRGS), Docente do Curso de Psicologia/SETREM 3 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, Av. Santa Rosa, 2504, Três de Maio – RS, e-mail:[email protected] 2 89 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Considerando estes aspectos, esta pesquisa buscou a identificar e conhecer a história de vida de uma adolescente vítima de violência, buscando impulsionar novas pesquisas sobre resiliência na adolescência. Para tanto, os pressupostos teóricos que fundamentam esta pesquisa são: Psicologia Positiva, Resiliência, Adolescência e Violência. 1. INTRODUÇÃO Este trabalho está focado nas concepções referentes à etapa do desenvolvimento conhecida como adolescência, sendo esta fundamental para a formação da identidade adulta e pela independência do sujeito (PAPALIA & OLDS, 2000). Alguns autores mencionam que a grande maioria dos adolescentes a vivenciam de forma saudável, embora alguns a vivenciam pela presença de eventos estressores negativos (ASSIS, PESCE & AVANCI, 2006). A exposição à violência é compreendida como um fator de risco para o desenvolvimento de um(a) adolescente. Estudos têm dado maior ênfase no impacto da violência no desenvolvimento destes adolescentes (AMAZARRAY & KOLLER, 1998; BORGES & DELL'AGLIO, 2008). De acordo com De Antoni e Koller (2000), o ingresso na adolescência, devido às transformações emocionais e cognitivas, permite que o(a) adolescente tenha mais recursos para enfrentar as adversidades enfrentadas. Desta forma, tornam-se necessárias novas pesquisas que investiguem as estratégias de superação por parte de adolescentes vítimas de violência. No entanto, poucos estudos têm abordado a capacidade de superação dos eventos de violência no desenvolvimento do indivíduo, em prol de um processo de resiliência (ASSIS et al., 2006; SANTOS & DELL'AGLIO, 2006). Para Poletto e Koller (2006), os estudos sobre a resiliência dizem respeito às histórias de pessoas que lidam no seu cotidiano com inúmeras vivências de adversidades, mas que contam com a proteção e os recursos internos e de seu contexto de desenvolvimento na direção de uma trajetória de vida saudável. Desta forma, o foco do presente estudo foi compreender a presença do processo de resiliência a partir do estudo de caso de uma adolescente vítima de abuso sexual intrafamiliar. Buscou-se avaliar a presença dos fatores de proteção presentes no contexto de desenvolvimento desta adolescente. Os fatores de proteção são aqueles que, diante de uma trajetória de vida de risco, modificam o rumo da vida do sujeito em desenvolvimento para um final mais adaptativo (POLETTO & KOLLER, 2006). 2. MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA O enfoque metodológico será de ordem qualitativa. Como estratégia metodológica, será utilizada “Histórias de Vida”, a partir do viés proposto por Josso (2004) e Souza (2006). Em consoante com os autores, será priorizado o uso das narrativas do sujeito acerca de sua própria vida, situando-o em direção aos seus próprios projetos de vida. O sujeito, ao contar sua história, projeta suas questões e desejos, reelaborando temas e dificuldades vividas no passado. De acordo com Josso (2004), nos adolescentes as experiências formadoras são as aprendizagens que articulam: saber-fazer e funcionamentos, funcionalidade e significação, técnicas e valores num espaço-tempo que oferece a cada um a oportunidade de uma presença para si e para a situação, por meio da mobilização de uma pluralidade de registros. Observando a narração biográfica, vê-se outro meio para observar um aspecto central das situações educativas, pois ela permite uma interrogação das representações do saber-fazer e dos referenciais que servem para descrever e compreender a si mesmo no seu ambiente natural. O processo de formação, nas dialéticas e nos conteúdos que caracterizam uma trajetória de vida, conforme Josso (2004), é progressivamente explicitado a partir de questionamentos, de hipóteses, de constatações de recorrências nos comportamentos, nas atitudes ou nas valorizações e na maneira de cada um gerir sua própria vida. Dessa forma, começa a aparecer um autorretrato: fragmentos de uma busca de si e da sua projeção, colocando em cena um sujeito que, ainda que não se reconheça sempre como tal, age sobre situações, reage a outras, ou ainda, deixa-se levar por algumas circunstâncias. Foi proposto para o participante desenvolver uma escrita sobre a sua história 90 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 forte com os alunos. As orientadoras pedagógicas atuam na escola a mais de 15 anos. Desta forma, acredita-se que estas têm um conhecimento da realidade dos estudantes podendo julgar melhor quais adolescentes poderiam estar participando da pesquisa. Foram informados os critérios de inclusão às orientadoras pedagógicas, as quais indicaram alguns nomes de adolescentes. A aluna pesquisadora convidou estes adolescentes para uma conversa inicial, explicando os objetivos da pesquisa e do caráter voluntário na participação da mesma. Os adolescentes que concordaram em participar da pesquisa levaram para casa um bilhete convidando os pais para comparecerem na escola em data previamente agendada. de vida, oferecendo uma folha pautada e um lápis. O dispositivo para o início da escrita da narrativa será: “Era uma vez um adolescente...”. Após a primeira escrita, pediu-se que a adolescente lesse em voz alta seu texto. A pesquisadora fez comentários a fim de que a adolescente se apropriasse do seu texto, instigando-a a acrescentar algo mais em sua escrita. Assim, foram-se acrescentando outras frases na produção da continuidade da narrativa. Além disso, foi realizada uma entrevista semiestruturada, a qual foi gravada e, posteriormente, transcrita. Os dados desta entrevista foram avaliados a partir dos pressupostos da Análise de Conteúdo (BARDIN, 1997). Trata-se de um Estudo de Caso, no qual participou uma adolescente, com 13 anos, matriculada em uma escola pública de tempo integral, localizada na periferia de um município do interior do Rio Grande do Sul. A amostra foi intencional, sendo que a equipe pedagógica da escola indicou a participante. Critérios de inclusão: 1) ser adolescente e concordar em participar da pesquisa; 2) ter vivenciado algum tipo de violência na adolescência ou na trajetória de vida, sendo que o último episódio foi superior a um mês da entrevista; 3) ter concordância dos pais ou responsáveis legais para participar da pesquisa. Critérios de exclusão: 1) o adolescente não ter vivenciado algum tipo de violência na adolescência ou na trajetória de vida; 2) a violência sofrida ter ocorrido num período inferior a um mês da entrevista; 3) não ter a concordância dos pais ou responsáveis para participar da pesquisa; 4) no momento da entrevista o adolescente estar sob o efeito de alguma substância psicotrópica ou estar fragilizado pela exposição à violência. A escola foi escolhida para a pesquisa por ser o local em que a pesquisadora realizou estágio curricular em Psicologia durante um ano e seis meses, entrevistando e acompanhando casos de alunos em situação de vulnerabilidade psicossocial e encaminhando-os para atendimento na rede de proteção, quando necessário. Após o aceite da direção da escola, foi solicitada à equipe pedagógica a indicação de um menino e de uma menina para serem entrevistados. A equipe pedagógica da escola tem demonstrado um vínculo afetivo Foram convidados um menino e uma menina adolescentes. No dia em que os pais destes adolescentes foram reunidos na escola para a exposição dos objetivos do projeto, apenas a mãe da aluna compareceu. Desta forma, a amostra da pesquisa e seu delineamento foram reavaliados, adotandose Estudo de Caso único. Para esta mãe, fora esclarecido que a participação da sua filha era voluntária na pesquisa. A mãe da a d o l e s c e n t e a s s i n o u o Te r m o d e Consentimento Livre e Esclarecido concordando que sua filha participasse do estudo. Com o TCLE assinado, foi agendada e realizada a coleta de dados. Após rapport inicial com a participante, a pesquisadora realizou uma entrevista semiestruturada individual, a qual foi gravada e transcrita, abordando dados biodemográficos, concepção de adolescência, a exposição à situações de violência e sobre os fatores de proteção (individuais, familiares e comunitários). Buscou-se adotar uma postura ética no manejo da entrevista, buscando não ser abusiva. Ao final da pesquisa a adolescente foi encaminhada para acompanhamento psicológico no Serviço de Clínica-Escola de Psicologia da SETREM, após uma conversa com ela e com sua mãe. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da UNIJUÍ e atende as diretrizes da Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde, referente à pesquisa com seres humanos (BRASIL, 1996). 91 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 angustiado, injustiçado, incompreendido por pais e professores, acarretando muitas vezes problemas de relacionamento com as pessoas mais próximas do seu convívio social. Segundo Ozella (2002), a concepção vigente na Psicologia sobre adolescência está fortemente ligada a estereótipos e estigmas, desde que a identificação como uma etapa esteja marcada por tormentos e conturbações vinculadas à emergência da sexualidade. Essa concepção foi reforçada por algumas abordagens psicanalistas que a caracterizaram como uma etapa de confusões, estresse e luto, também causados pelos impulsos sexuais que emergem nessa fase do desenvolvimento. No entanto, Peres e Rosenburg (1998) criticam um olhar patológico ou de crise associado à adolescência, pois compreendem que esta é uma visão adultecêntrica desta etapa do desenvolvimento. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, BRASIL,1990) estabelece a faixa etária entre 12 aos 18 anos como sendo adolescência. Além disso, os adolescentes são protegidos pela Proteção Integral desta Lei, que os considera cidadão em etapa peculiar do desenvolvimento. Embora protegidos legalmente, são vítimas de violência, a qual se constitui um fator de risco para o desenvolvimento. Segundo Bicudo (1994), conforme a legislação vigente, crianças e adolescentes são Sujeitos de Direitos. A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) são muito claros quando colocam a população infanto-juvenil como credora de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, referindo-se à necessidade de proteção integral para assegurar-lhes o pleno desenvolvimento. Deixa explícito, também, de quem é o dever de assegurar, com absoluta prioridade a efetivar esses direitos fundamentais: Família, Sociedade e Estado. No entanto, estudos têm apontado que adolescentes se encontram expostos a situações de violência, que revela que nem sempre esses direitos são respeitados. Por exemplo, Poletto, Koller e Dell'Aglio (2009), ao investigarem eventos estressores em crianças e adolescentes de Porto Alegre, encontraram que 57% sofrem castigos e 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA A adolescência é vista como uma fase do desenvolvimento humano que marca a transição entre a infância e a idade adulta, entre 12 e 20 anos (PAPALIA & OLDS, 2000). Caracteriza-se por grandes e interligadas mudanças físicas, cognitivas e psicossociais. Pode-se dividi-la em dois processos: a puberdade e a adolescência propriamente dita. A puberdade é o processo biológico que leva à maturidade orgânica e à habilidade de reprodução/sexual (PAPALIA & OLDS, 2000), a qual é descrita pelo rápido crescimento em altura e peso; mudanças nas proporções e formas do corpo; associadas às alterações hormonais. A maturação dos caracteres sexuais primários e secundários encontra-se no auge. A puberdade, então, diz de todas as transformações fisiológicas ligadas à maturação sexual, que explicam a entrada progressiva da infância à adolescência. Já a adolescência propriamente dita se refere à capacidade de independência psicológica dos pais e da construção de sua autonomia e identidade adulta, ou seja, envolve os aspectos emocionais, morais e sociais desta etapa. As mudanças de papel na adolescência são um processo universal. Acontecem independentemente da raça, da cultura, da época ou do grupo social em que se encontre o adolescente (PRATTA & SANTOS, 2007). Existe um consenso geral de que o termo adolescência se refere muito mais ao processo psicossocial e se constitui num período durante o qual se busca uma construção da personalidade adulta, no sentido de uma identidade própria e da inserção no meio social adulto (PERES & ROSENBURG, 1998). Pode-se dizer, então, que este período se constitui como uma etapa de desenvolvimento, no qual o indivíduo transita de um estado de intensa dependência para uma condição de autonomia pessoal (PRATTA & SANTOS, 2007). Tais autores anunciam ainda que a adolescência inicia na biologia e termina na cultura, sendo que o término da adolescência estaria associado a um razoável grau de independência psicológica dos pais. Nesta etapa do desenvolvimento, o indivíduo passa por momentos de desequilíbrios e instabilidades extremas, sentindo-se muitas vezes inseguro, confuso, 92 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 violência intrafamiliar é a violência que acontece dentro das relações familiares, praticada por um membro da família e que acarretam em danos físicos, sexuais e psicológicos. Nesse sentido, punições físicos, 18,3% já foram tocados sexualmente contra vontade e 18,9% passaram por alguma situação de assalto. A prevalência de abuso sexual na adolescência foi de 2,3% num estudo realizado com 1.193 adolescentes da cidade de Porto Alegre (POLANCZYK et al., 2003). Em outro estudo realizado em uma região metropolitana de Porto Alegre, que contabilizou 1754 registros de violência contra crianças e adolescentes, apontou que os meninos foram vítimas das seguintes categorias de maus tratos: abuso físico (53,2%), abuso psicológico (50,9%), abuso sexual (20,6%) e negligência (49,5%). Já as meninas, respectivamente, foram vítimas em 46,8%, 49,1%, 79,4% e 50,5%. Esses dados revelam que os meninos sofrem mais de abuso físico e as meninas de abuso sexual (KRISTENSEN, OLIVEIRA & FLORES,1999). Segundo a Cartilha do Ministério da Saúde (BRASIL, 2008) para as situações de violência contra o adolescente, intitulada de “O Impacto da Violência na Saúde das Crianças e Adolescentes”, foram observadas que entre as principais causas de óbitos na adolescência está a exposição às violências (52,0%), aos acidentes de trânsito (25,9%) e as causa por afogamento (9,0%). Além disso, esta cartilha revela que a prevalência de mortalidade na faixa etária de 15 a 19 anos, no Brasil, no ano de 2006, refere-se a 58,7% a óbitos relacionados à violência. Além disto, os dados coletados no período de 2006 e 2007 pelo sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) indicaram 2370 registros de violência contra os adolescentes, sendo que destes 56% se referem à violência sexual. Além disto, em 78% dos casos de violência sexual se refere às adolescentes mulheres e nos quais 58% ao abuso sexual intrafamiliar (BRASIL, 2008). A violência é um fenômeno multicausal, considerada um sério problema de saúde pública (GOMES, DESLANDES, VEIGA, BHERING & SANTOS, 2002). Pode ser definida como atos que envolvem dano físico, sexual e emocional à vítima e tendem a serem cometidos, geralmente, por um adulto emocionalmente próximo à criança, que deveria, a princípio, ser responsável pela sua segurança e bem-estar psicológico (DE ANTONI & KOLLER, 2002). Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2001), “A violência intrafamiliar é toda ação ou omissão que prejudique o beme s t a r, a i n t e g r i d a d e f í s i c a , psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família. Pode ser cometida dentro ou fora de casa por algum membro da família, incluindo pessoas que passam a assumir a função parental, ainda que sem laços de consanguinidade, e em relação de poder à outra” (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001, p.15). Para Azevedo e Guerra (1995 p.16), o conceito de violência doméstica é: “A violência doméstica envolve ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes, implicando tanto uma transgressão do poder e dever de proteção, quanto numa negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento”. A maioria dos casos de maus-tratos ocorre no ambiente familiar e grande parte destes permanece em segredo (RICAS, D O N O S O & G R E S TA , 2 0 0 6 ) . S ã o reconhecidos como violência doméstica contra criança e adolescente o abuso físico, sexual, psicológica e negligência. A violência psicológica se refere quando as pessoas humilham, demonstram falta de interesse, fazem muitas críticas, colocam sentimento de culpa, desencorajam, ignoram sentimentos ou cobram excessivamente o adolescente; isto faz com que elas se desvalorizem e se sintam vulneráveis e pouco capazes de superar os problemas. A violência física é a forma mais comum e mais fácil de diagnosticar, frequentemente associada à punição e à disciplina, envolve lesões (equimoses e hematomas) nas regiões periorbitárias, tronco, nádegas e coxas. Incluem ainda lesões de queimaduras de 2º e 3º grau, agressões com cintos, fivelas, cordas correntes, dedos e dentes, 93 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 traumatismos e fraturas múltiplas (PIRES, 1999). A negligência envolve falha dos pais ou responsáveis na assistência e nos provimentos das necessidades básicas dos filhos. Tais falhas podem levar a um déficit de crescimento, evasão escolar, desnutrição, higiene precária e omissão de tratamento médico. O abandono é a forma mais avançada de negligência (PIRES, 1999). O abuso sexual pode ser definido como uma forma de violência, a qual envolve poder, coação e/ou sedução (ARAÚJO, 2002), sendo que podem ocorrer atos com contato sexual sem penetração (toques, carícias e masturbação), ou com penetração sexual (vaginal, anal e oral), ou sem contato sexual (voyeurismo e exibicionismo) (DE ANTONI & KOLLER, 2000). Segundo Dell'Aglio, Moura e Santos (2011), o abuso sexual contra crianças e adolescentes é perpetrado por indivíduos que estão numa etapa de desenvolvimento e maturidade acima ao do indivíduo que sofreu a agressão. A violência sexual pode ser caracterizada tanto em nível heterossexual ou homossexual e é aplicada a vítima por meio de coação ou indução de seu desejo (ARAÚJO, 2002; DELL'AGLIO et al., 2011). Para Dell'Aglio et al. (2011), geralmente o abusador que perpreta o abuso sexual não se utiliza de força física, mas se utiliza da coação e do vínculo afetivo de proximidade com a vítima ,a qual, por se encontrar a um estágio de desenvolvimento inferior ao abusador, não tem condições de concordar ou não com a situação abusiva. O abuso sexual pode então ser avaliado como um problema de saúde pública, por sua elevada ocorrência e por suas repercussões cognitivas e psicossociais que causam nas vítimas e no contexto familiar (DELL'AGLIO et al., 2011). Kendall-Tackett, Willims e Finkelhor (1993, apud AMAZARRAY & KOLLER, 1998) apontam que as consequências do abuso sexual podem ter características peculiares conforme a faixa etária da vítima. Para estes autores, os sintomas mais comuns apresentados para crianças pré-escolares (0 a 6 anos) incluem ansiedade, pesadelos, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e comportamento sexual inapropriado. Em crianças em idade escolar (7 a 12 anos), medo, distúrbios neuróticos, agressão, pesadelos, problemas escolares, hiperatividade e comportamento regressivo seriam esperados. Nos adolescentes, depressão, isolamento, comportamento suicida, autoagressão, queixas somáticas, atos ilegais, fugas, abuso de substâncias e comportamentos sexuais inadequados se constituem como sintomas frequentes. Sintomas como pesadelos, depressão, retraimento, distúrbios neuróticos, agressão e comportamento regressivo são comuns das três faixas etárias do desenvolvimento. Segundo Borges e Dell'Aglio (2008), vítimas de abuso sexual infantil (ASI) podem também apresentar dificuldade de concentração, medo, choro frequente, pesadelos, comportamento sexualizado e enurese. Desta forma, a experiência de abuso sexual na infância produz efeitos e deixa marcas em longo prazo na vida do indivíduo. O desenvolvimento deste estudo se baseou na ocorrência destas categorias de violência contra adolescentes. Compreende-se que a exposição à violência é um dos fatores de risco no desenvolvimento saudável do indivíduo. Nesse sentido, a investigação de fatores de proteção que possam se fazer presentes, individuais e nos contextos do desenvolvimento do(a) adolescente, podem minimizar o impacto negativo das sequelas da violência e, ao fortalecê-los, pode-se promover um processo de resiliência. A Psicologia Positiva é uma subárea da Psicologia que engloba o estudo dos aspectos saudáveis do viver. Estuda as emoções positivas, os traços positivos do caráter, os relacionamentos positivos e as instituições positivas. Uma característica central da Psicologia Positiva é investigar e realizar intervenções voltadas aos aspectos saudáveis do indivíduo (MUNHOZ, 2010). Esta teoria faz uma crítica aos estudos tradicionais da Psicologia dentro de um enfoque patológico ou dos distúrbios. Esta vertente procura quebrar os vínculos que prendem o pensamento humano a uma concepção negativista sobre a existência do homem. Inspirada pela psicologia humanista, ela tem como foco a natureza positiva das experiências e vivências do indivíduo. A diferença é que a ênfase recai agora sobre a esfera da saúde, visando promover qualidade de vida (SANTANA, 2008). A Psicologia Positiva pretende 94 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 contribuir com o desenvolvimento e o “funcionamento” saudável das pessoas, grupos e instituições, preocupando-se em fortalecer competências ao invés de corrigir deficiências. Seligman (2003, apud YUNES, 2006) identifica três importantes pilares para a Psicologia Positiva: 1) experiência subjetiva; 2) características individuais – forças pessoais e virtudes; 3) instituições e comunidades. A Psicologia Positiva está em pleno processo de solidificação dentro da ciência psicológica, o qual permite uma reavaliação das potencialidades e virtudes humanas através do estudo das condições e processos que contribuem para o desenvolvimento saudável dos indivíduos, grupos e instituições. Somente nas últimas décadas “essa preocupação tem se fortalecido e as propostas científicas visam investigar os aspectos saudáveis dos indivíduos, ao invés de simplesmente apontar suas limitações ou deficiências” (YUNES, 2006, p.71). Em Psicologia, o estudo do fenômeno da resiliência é relativamente recente. Vem sendo pesquisado há cerca de trinta anos, mas apenas nos últimos cinco anos os encontros internacionais têm trazido este construto para discussão (YUNES, 2006). Para Grunspun (2008, apud DALVAN, BECKER & BRAUN, 2010), resiliência é a capacidade humana de se recuperar ou ser imune psicologicamente quando se é submetido à violência de outros seres humanos ou de catástrofes da natureza. Embora a exposição a estes eventos estressores possa estar associada a um maior risco para o desenvolvimento de transtornos psicológicos; entretanto, alguns indivíduos se tornam resilientes. A resiliência torna-se, pois, consequência dos processos da interação dos fatores de risco e proteção presentes no contexto individual, familiar e comunitário. Segundo Rutter (1987, apud POLETTO, 2007), compreende-se resiliência não como uma característica ou traço individual, mas processos psicológicos que devem ser cuidadosamente examinados. Resiliência não é, no entanto, uma característica fixa ou um produto, mas pode ser desencadeado e desaparecer em determinados momentos da vida, bem como estar presente em algumas áreas e ausente em outras. Nesse sentido, resiliência é entendida não somente como uma característica da pessoa, uma capacidade inata, herdada por alguns “privilegiados”, mas a partir da interação dinâmica existente entre as características individuais e a complexidade do contexto ecológico. A definição de resiliência como a capacidade humana de superar adversidades, resultante da interação permanente e do jogo de forças entre os fatores de risco e de proteção, possibilita o estabelecimento de sua semelhança com a definição de saúde. Deste modo, a resiliência não pode ser pensada como um atributo que nasce com o sujeito, nem que ele adquire durante seu desenvolvimento. É um processo interativo entre a pessoa e seu meio, considerado como uma variação individual em resposta ao risco, sendo que os mesmos fatores causadores de estresse podem ser experenciados de formas diferentes por pessoas diferentes, não sendo a resiliência um atributo fixo do indivíduo (YUNES, 2006). A resiliência é a habilidade pessoal de se adaptar e superar com sucesso os desafios e situações estressantes. É a superação das adversidades de forma saudável e construtiva. O termo resiliência é oriundo da Física; trata-se da capacidade dos materiais de resistirem aos choques e pressões sem alterar suas qualidades. Mais recentemente, o termo foi incorporado pelas ciências humanas e expressa a capacidade de um ser humano de superar os traumas e adversidades durante a sua formação enquanto sujeito (MUNHOZ, 2010). De acordo com Assis et al. (2006), os adolescentes com maior potencial de resiliência se sentem bem e protegidos na escola, são mais participativos e se relacionam melhor com colegas e professores. Os menos resilientes mostram maior indiferença e sentimento de injustiça e discriminação em relação à escola e aos professores. Quando os professores e funcionários são competentes e capazes de incentivar o adolescente a superar suas dificuldades de forma afetiva, a escola pode se tornar um espaço protetor para seus alunos. De igual forma, quando a comunidade oferece serviços públicos de qualidade, segurança e habitação, ela também oferece proteção às suas crianças e adolescentes. O enfoque do potencial de resiliência 95 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 é fundamental na promoção da saúde e da qualidade de vida, especialmente nos períodos de grande vulnerabilidade que acontece na adolescência. Reforçar a capacidade de enfrentamento aos obstáculos e às situações negativas vivenciadas significa promover os fatores de proteção e não apenas combater os de risco. Conforme Assis et al. (2006), as características individuais do adolescente são importantes para a formação da capacidade de resiliência de cada um. O ambiente em que se vive também influencia na capacidade de resiliência do indivíduo, isso significa que todos nós podemos nos transformar ao longo de nossas vidas, dentro de nossos limites e possibilidades. Por isso, ter a autoestima elevada é fundamental para promover a capacidade de superação dos problemas. Os adolescentes que possuem uma elevada autoestima são mais resilientes, têm melhores relacionamentos na família e na escola, são muito mais participativos em sala de aula. O processo de resiliência englobaria a interação entre aspectos individuais, do contexto social e da presença de fatores de risco e de proteção (YUNES, 2003; YUNES & SZYMANSKI, 2001). Os fatores de proteção se referem a influências que modificam, alteram ou melhoram a resposta dos indivíduos a ambientes hostis que predispõem a consequências mal adaptativas (MASTEN & GARMEZY, 1985). De acordo com estes autores, os fatores de proteção podem ser divididos em: 1. fatores de proteção individuais: autonomia, autoestima e orientação social positiva; 2. fatores de proteção da família: coesão familiar e ausência de conflitos, possibilitando suporte emocional; 3. fatores de proteção da comunidade: que encorajem e reforcem a capacidade do adolescente para lidar com as circunstâncias da vida. Os mecanismos de proteção que o indivíduo dispõe internamente ou que capta do meio em que vive são cruciais para estimular o potencial de resiliência ao longo da vida. Conforme Garcia (2001, apud JUNQUEIRA & DESLANDES, 2003), os mecanismos de proteção são compostos por recursos familiares e sociais disponíveis às crianças e adolescentes, bem como por suas próprias forças e características internas para lidar com as inevitáveis adversidades na vida, tais como: ter um grupo de amigos e se sentir pertencente a ele, ter um bom vínculo com a escola, fazer parte de uma família afetivamente estável e com bom relacionamento. Isso significa dispor de modelos sociais que promovam aprendizagem construtiva nas diversas situações, auxiliando o jovem a desenvolver capacidade de adaptação, segurança, autonomia e criatividade através da ressignificação das adversidades. Diante dos fatores potencialmente geradores de desequilíbrio para cada indivíduo, os mecanismos de proteção são tomados como o ponto chave que é necessário para o restabelecimento do equilíbrio perdido e demonstração de competência, apesar da adversidade. Assim, os fatores de proteção aliados à capacidade de resiliência presentes nas histórias de vida e de formação dos adolescentes, são vistos como necessários para, desta forma, melhor compreender esses sujeitos. Outro conceito a ser investigado é o de vulnerabilidade. Esta é definida como uma predisposição individual para o desenvolvimento de psicopatologias ou de comportamentos ineficazes em situações de crise (PESCE et al., 2004). A vulnerabilidade pode colocar um adolescente em maior risco do que outro. A vulnerabilidade se refere às suscetibilidades de indivíduos ou populações a um agravo, envolvendo tanto as condições individuais quanto as culturais e sociais em que ocorrem (DAGMAR et al., sem ano, apud FERNANDES, 2010). Os fatores de risco, por sua vez, são condições adversas que estão associadas à alta probabilidade para o desenvolvimento de o indivíduo apresentar problemas físicos, sociais ou emocionais (MASTEN & GARMEZY, 1985). Hutz e Koller (1997) argumentam que uma criança ou um adolescente se encontra em risco quando seu desenvolvimento não ocorre de acordo com o esperado para sua faixa etária conforme os parâmetros de sua cultura. Será que todos adolescentes que se desenvolvem em situação de risco apresentam problemas? Tal questionamento é relevante quando se trabalha com adolescente em situação de risco, diferenciando do 96 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 esta, por sua vez, conta à mãe. A adolescente e a mãe realizaram denúncia na Delegacia de Polícia Civil e no Conselho Tutelar. A mãe acreditou no relato da filha e solicitou a separação do companheiro. Recentemente, houve audiência no Fórum referente à notificação do caso à Justiça. A adolescente teve atendimento psicológico numa unidade de saúde do município, logo após a revelação. No entanto, neste momento não se encontra mais em atendimento, embora haja questões a serem ainda trabalhadas. Os resultados serão apresentados a seguir, buscando-se responder às duas questões norteadoras. A primeira questão norteadora é: - Quais experiências de violência que adolescentes vivenciam em sua trajetória de vida? Para responder a esta questão, foram agrupadas as verbalizações da adolescente referente ao abuso sexual sofrido e à narrativa de vida. adolescente o estigma de que ser pobre, morar na periferia, ser negro se constituiria em adolescentes violentos. Há uma diferença entre adolescente de risco (associado ao preconceito social ao adolescente da periferia) da compreensão de ser um adolescente em situação de risco. Os riscos são os variáveis presentes no contexto do seu desenvolvimento que podem em algum momento interferir no desenvolvimento pleno deste adolescente. Apesar de a resiliência funcionar com um fator protetivo, isto não indica que o adolescente tenha necessariamente superado as adversidades, mas sim que, apesar destas, ele continuaria a desenvolver uma trajetória positiva e resignificaria suas experiências traumáticas (JUNQUEIRA & DESLANDES, 2003). Desta forma, esta pesquisa buscou avaliar a presença de fatores de proteção presentes na vida de uma adolescente vítima de abuso sexual. 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO A seguir será descrito o Estudo de Caso realizado com a adolescente Morgana (nome fictício, a fim de preservar a identidade da participante). Posteriormente, serão apresentados os resultados da entrevista e a construção da narrativa de vida, os quais foram agrupados em três categorias. 1) “Revelação do segredo”. 2) “Fatores de risco”. 3) “Fatores de proteção”. Categoria “Revelação do segredo” Esta categoria engloba as verbalizações referentes à situação do abuso sexual sofrido pela adolescente, a qual foi associada à figura do padrastro, à ausência da figura materna, à proibição de Morgana ir para a escola por parte do padrasto, à manipulação do ambiente doméstico por parte do abusar para conseguir ficar a sós com a enteada e à presença de ameaças. Ainda foram agrupadas as falas referentes à revelação do abuso sexual à família. Morgana verbalizou que as situações de abuso aconteciam no contexto doméstico, em geral, nos momentos em que a mãe estava trabalhando ou quando levava as irmãs no hospital. Ela fala: “Quando eu era pequena e minha mãe morava com meu padrasto, e daí eles tiveram duas filhas pequenas, e daí quando minha mãe ia trabalhar ou quando ela tinha que ir pra algum lugar, quando minhas irmãs ficavam doentes, eu ficava em casa com meu padrasto e ele abusava de mim”. Morgana ainda trouxe o seguinte relato: “Quando a minha mãe... Quando minhas irmãs tavam doentes e minha mãe ia para o hospital. Ou às vez quando minha mãe ia trabalhar, antes de eu ir para a escola ele sempre dizia que era pra mim ficar em casa e daí ele não me deixava ir pra escola”. Caso Morgana: Morgana é uma adolescente de 13 anos, estudante da 7ª série do Ensino Fundamental de uma escola pública da periferia de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Ela mora com a mãe e mais três irmãos destes, dois se referem a filhas da mãe e do padrasto e o outro é irmão biológico de Morgana, filho da mãe e do pai biológico. Há ainda uma quarta irmã biológica de Morgana, a qual não vive na mesma residência nem nesta cidade. Esta irmã mora na capital do estado, para a qual revelou o segredo. A adolescente sofreu abuso sexual intrafamiliar, sendo que a exposição a essa violência ocorreu quando Morgana tinha entre sete a oito anos. O padrasto foi caracterizado como o autor da violência. A adolescente inicialmente revela o abuso sexual para a sua irmã mais velha, e 97 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 sentia bastante medo”. “De bater, ameaçava de matar minha mãe”. Nos casos de abuso sexual intrafamiliar há uma dinâmica particular de funcionamento do abusador, da vítima e da f a m í l i a ( D E L L ' A G L I O e t a l . , 2 0 11 ) . Sentimentos de culpa, vergonha e medo permeiam este contexto (SERAFIN et al., 2011), além do silêncio e do segredo (ARAÚJO, 2002). Para SERAFIN et al. (2011), as vivências de medo e desamparo repercutem negativamente nos recursos internos da vítima no enfrentamento das consequências do abuso sexual. A partir do momento da revelação, muitas alterações podem acontecer no contexto familiar, bem como gerar uma crise familiar e sentimentos de culpa, medo e vergonha por parte da vítima (DELL'AGLIO et al., 2011). Conforme Imber-Black (1994), a intimidação é um dos fatores presentes no segredo do abuso sexual, sendo que não raramente nos casos de abusos A adolescente comentou que os episódios sofridos também estavam associados à manipulação do contexto doméstico, ou seja, o padrasto criava várias situações para ficar a sós com ela. Por exemplo: “Às vezes ficava minha irmã e o irmão dele, morava junto, só que ele era deficiente, e o meu padrasto trancava ele no quarto” e “Sempre... era assim, ele sempre dava alguma coisa e daí ela saía ou dava dinheiro pra ela ir no mercado”. Desta forma, estes resultados corroboram com estudos anteriores que indicam que o contexto intrafamiliar é frequentemente de risco para o abuso sexual contra a criança e ao adolescente, bem como que a figura do padrasto é um fator de risco para sua ocorrência (DE ANTONI & KOLLER, 2002; DELL'AGLIO et al., 2011; HABIGZANG, 2010). Nesse sentido, os casos de abuso sexual contra adolescentes estão fortemente associados ao contexto familiar por pessoas afetivamente próximas à vítima (HABIGZANG, 2010). Além disso, foi observada a presença do “ritual de entrada do abuso”, o qual é caracterizado por Furniss (1993, apud FAIMAN 2003, p. 29), como: “o segredo é levado ainda mais para dentro do indivíduo, que psicologicamente começa a não saber o que sabe. O segredo tornase negado, reprimido e se transforma em segredo até mesmo para a própria pessoa” (p.32). “o espaço de tempo completo entre o exato início do ritual de entrada e o exato final do ritual de saída marca o período de tempo do abuso sexual. Depois do abuso, a pessoa que o cometeu e a criança cortam fora de sua realidade mutuamente reconhecida, o período de tempo e a experiência entre os rituais de entrada e saída, como se aquilo nunca tivesse existido”. Por fim, a adolescente trouxe em sua fala que o processo de revelação do abuso aconteceu no final do ano de 2009, na festa de Natal. Ela procura a irmã mais velha que vinha passar as festas em família. A irmã conta para a mãe da adolescente e a mãe acreditam no relato das filhas e decidem registrar ocorrência. As falas a seguir exemplificam o processo de revelação: “Prá minha irmã, a mais velha”. “...Foi no Natal, ela foi passear e o meu padrasto não estava presente e... daí eu tomei coragem e contei”. “Ela contou pra minha mã, e disse pra minha mãe levar na delegacia”. O apoio recebido por parte da irmã de Morgana, bem como da mãe ter acreditado no seu relato, demonstram a importância do afeto e da credibilidade no relato dos fatos, bem como que estes contribuíram para o término do ciclo de violência. Segundo Borges e Dell'Aglio (2008), as vítimas de violência encontram diversas formas para revelar as situações de abuso sexual e é comum a escolha de uma pessoa de confiança e por quem nutrem afeto e carinho. Um fator de grande relevância na hora da Assim, pode-se afirmar que o padrasto, ao criar o cenário para ficar a sós com a menina, construía um ritual de entrada, no qual Morgana assimilava que um novo episódio iria ocorrer. Além disso, a irmã mais nova recebia balas ou dinheiro para sair de casa. Observa-se ainda que o padrasto a impedia de ir à escola. Outro dado que emergiu na fala da adolescente se refere à presença de uma dificuldade inicial em reconhecer que os carinhos recibos se configuravam como uma violência e a presença de ameaças associadas ao abuso sexual. Morgana trouxe a seguinte fala: “Eu pensava no que ele me dizia. Ele dizia que era bom e que não tinha nada de errado, só que ele dizia que não era pra mim contar pra minha mãe e eu 98 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Desta forma, a presença de conflito conjugal, incluindo ameaças, pode se constituir um fator de risco no contexto familiar. Observa-se então que a violência doméstica perpassava também a relação conjugal, não se restringindo ao abuso sexual. Segundo Habigzang et al. (2011), não é raro encontrar, nas famílias incestuosas, ações que caracterizam negligência, violência física e psicológica, ou seja, múltiplas violências. As dificuldades encontradas com relação à convivência entre irmãs, meioirmãs, estas fruto da relação mãe/padrasto, Morgana esclarece: “Eu tenho duas irmãs que são só filhas dele”. Quanto a isso, a adolescente diz: “É meio ruim. Tipo, por causa que, volta e meia elas falam no pai delas. Daí eu volto a lembrar das coisas. Eu me sinto mal”. “Quando não recebe atenção, quando tu faz uma coisa e eles ficam brabos”. Embora o afastamento real do padrasto seja considerado a medida protetiva adequada, a sua presença invisível nos relatos das irmãs ainda lhe trazem lembranças traumáticas, o que é comum entre as vítimas de abuso sexual (BORGES & DELL'AGLIO, 2008). Outro dado observado se refere à culpabilização por parte das irmãs sobre o abuso sofrido. Morgana trouxe na sua fala: “Todos dizem que era eu que me oferecia pra ele”. A partir desta fala de Morgana, observase desqualificação das irmãs frente ao relato da adolescente e de seu sofrimento que não fica visível aos outros membros desta família. revelação é o fato da pessoa “escolhida” acreditar no relato da criança ou adolescente e tomar as atitudes necessárias para proteção da vítima, assim como fazer uma denúncia formal aos órgãos competentes como delegacia, conselho tutelar ou promotoria. Habigzang, Ramos e Koller (2011) mostram que as meninas vítimas de abuso sexual revelaram o abuso sofrido aos pais em 42,5% dos casos e a outro familiar em 12,5% dos casos. As pesquisadoras apontam também que a denúncia geralmente é feita por alguém da família. O estudo mostrou ainda que a atitude de confiança da família no relato da vítima e a denúncia podem se constituir fatores de proteção. De acordo com Santos & Dell'Áglio (2009), as reações da mães frente o abuso sexual de suas filhas se classificam em reações positivas ou ambivalentes. Verificou-se também a importância da mãe acreditar e de agir na proteção das filhas. Porém, segundo as autoras, o fato da mãe acreditar no relato de abuso sexual da filha, não quer dizer que ela vá denunciar o abusador. O fato da mãe não realizar a denúncia está ligada a questões do medo de sofrer ameaças, medo de perder a guarda dos filhos ou vergonha do que a família e sociedade pensem dela enquanto mãe. Para denunciar a mãe precisa ter uma postura segura quanto ao seu ideal de família e de sua própria vida. Assim, no caso de Morgana, foi possível verificar que a mãe, ao tomar conhecimento do fato, acredita no relato da filha, realiza a denúncia nos órgãos competentes e se afasta do companheiro abusador. Ou seja, a mãe de Morgana apresenta uma reação materna positiva. Categoria “Fatores de proteção” Esta categoria busca responder à segunda questão norteadora desta pesquisa: Quais são os fatores de proteção individuais, familiares ou comunitários que possam vir a contribuir para um processo de resiliência nos adolescentes vítimas de violência? Engloba os relatos de Morgana sobre a percepção de si mesma, do apoio da família e do grupo de pares na sua vida. Conforme Morgana fala em sua entrevista, que a união, relacionamento positivo e atenção são características positivas da sua família. Ela diz então: “Quando ganha atenção deles”. “A união. Bom isso ajuda, ajuda nós muitas vez no relacionamento em casa”. Estudos apontam que a coesão, o diálogo, o afeto e a possibilidade do suporte emocional dos membros da família se constituem como Categoria “Fatores de risco” Esta categoria engloba todas as situações que a adolescente Morgana relata em entrevista, como sendo “algo ruim” e “que não gosta” em ocasiões das relações familiares. Ela diz como sendo algo que não é bom em família: “Muitas brigas”. “Meus irmãos comigo. Bastante isso”. Em relação com a convivência com seu padrasto, a adolescente fala dos conflitos que ocorriam entre sua mãe e ele. Morgana fala: “Porque ele volta e meia ameaçava ela, não por essas coisas, mas por outras coisas também”. 99 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 vínculo com a escola, fazer parte de uma família afetivamente estável e com bom relacionamento (GARCIA, 2001, apud JUNQUEIRA & DESLANDES, 2003). fatores de proteção, os quais podem favorecer a resiliência familiar (MASTEN & GARMEZY, 1985; YUNES, 2006). Desta forma, as relações afetivas familiares de Morgana podem ser entendidas como um fator protetor. Morgana também incluiu a escola como um espaço de grande importância na sua vida, pois é o contexto em que tem relações de amizade e do desenvolvimento de suas capacidades. Para ela, a escola “Ajuda a ter bastante amizade, ajuda a pensar no que eu vou falar, nos atos...” e “Estudar, estudamos pra prova juntos também, com os meus amigos”. Ainda em relação ao espaço escolar, este foi visto como local para combinações com o grupo de pares das atividades no turno inverso da escola: “A gente planeja de brinca, a gente faz piquenique, a gente sai para treinar, a gente faz junto”. Morgana, em seus relatos, aponta aspectos do seu bem-estar e de sua autoestima, os quais podem ser compreendidos como fatores de proteção individuais. Ela diz: “Bem melhor. Bem recuperada. Me superei”. “Bastante inteligente e tenho bastante amigos”. Gosta de praticar esportes, né? “É, sou bem participativa”. Este resultado pode ser compreendido através da perspectiva dos fatores de proteção individuais citados por Masten e Garmezy (1985). Em relação aos fatores comunitários, Morgana diz que “Eu vou começar hoje a fazer o Pelotão Mirim”, o qual se caracteriza um projeto social desenvolvido pela Brigada Militar, com crianças e adolescentes no turno inverso da escola. Acredita-se que a inclusão dela neste programa possa ser protetivo. Além disso, pode-se citar que o encaminhamento para atendimento psicológico por parte do Conselho Tutelar como um fator de proteção. Os resultados encontrados revelam a presença de mecanismos de proteção individuais, familiares e comunitários. Estes podem incluir recursos familiares e sociais disponíveis às crianças e adolescentes vítimas de violência, bem como por suas próprias forças e características internas para lidar com as inevitáveis adversidades na vida, tais como: ter um grupo de amigos e se sentir pertencente a ele, ter um bom No entanto, ressalta-se que a resiliência não deve ser confundida como um atributo pessoal, mas sim um processo. Para ser um processo, torna-se necessária interação entre a pessoa e seu meio, através da dinâmica risco-proteção, não sendo a resiliência um atributo fixo do indivíduo (YUNES, 2006). Ao finalizar a entrevista, Morgana trouxe a seguinte fala: “Que tem tentar procurar ajuda, não esconder de ninguém. Quanto mais tempo você esconder é pior sempre. Eu fiz um erro. Eu não contei pra minha mãe”. Aqui ela está se referindo a uma mensagem que ela deixa para as demais crianças e adolescentes que possam também passar pela mesma situação que viveu. Como a criança e o adolescente irão revelar e não manter o segredo se não há apoio? Os vínculos de confiança apresentados à criança ou adolescente são de fundamental importância para a revelação do segredo ou até mesmo na superação do impacto do abuso sexual no momento de pós-revelação. Em seu relato, Morgana deixa transparecer a importância da compreensão e do apoio e afeto recebidos pela irmã e mãe. Ao finalizar este trabalho, pode-se perceber que o contexto intrafamiliar pode se tornar abusivo quando ocorre um caso de abuso sexual; que as crianças podem pelo medo e pelas ameaças ficarem acuadas, paralisadas, frente à situação abusiva; que a revelação ocorre tardiamente, muitas vezes pela insegurança e ansiedade de como “falar” e “para quem falar” sobre o abuso; pela presença de fatores de risco no contexto familiar que vão além do ASI; mas também pela presença de fatores de proteção. Focase neste últimos a fim de potencializar uma retomada da vida após o abuso sofrido, compreendendo que Morgana tem “todo um futuro a sua frente”. Foi possível verificar a presença de fatores de proteção individuais, familiares e sociais no caso de Morgana, os quais podem estar contribuindo para que ela possa visualizar expectativas positivas de futuro e de suas competências. 100 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 da união no contexto familiar, apoio de grupo de pares e de fatores de proteção individuais, incluindo elevada autoestima. Além disso, foi observada a presença de encaminhamentos do caso de Morgana junto à rede de proteção, sendo que estes podem ser compreendidos como fatores de proteção comunitários. Pode-se, então, pensar num processo de resiliência no caso de Morgana? Partindo do pressuposto de que a resiliência é um processo, pode-se pensar que Morgana é uma adolescente resiliente, uma vez que ela apresenta um bom desempenho escolar, além de se destacar e ser premiada num concurso das escolas do município por apresentar uma elevada autoestima e por trazer no seu relato uma visão de superação das adversidades. Ao se considerar a perspectiva de Seligman (2003, apud YUNES, 2006), podese apontar que Morgana trouxe em seu relato uma avaliação subjetiva da experiência da violência como sendo algo negativo em sua vida, com repercussões em vários contextos de sua vida. Segundo ela: “Eu contei tudo pra eles e daí... eles disseram que tinha que esperar. Aí eu fui perdendo nos estudos, fui ficando mais fraca, eu brigava bastante com minhas irmãs, aí eu tive que ir morar para Porto Alegre”. Além disso, no que se refere às características individuais (forças pessoais e virtudes) pode-se indicar a superação na fala d a a d o l e s c e n t e : “ B e m m e l h o r. B e m recuperada. Me superei”. Ainda diz: “que eu vou superar todos os obstáculos e que eu vou vencer na vida” e “que tentam vencer na vida, tentar esquecer e seguir em frente”. Por fim, no que se refere aos fatores de proteção oriundos das instituições e da comunidade, observou-se como proteção os amigos, o apoio dos professores da escola e o atendimento recebido nos órgão da rede de proteção. Desta forma, é fundamental que a rede de apoio social e afetiva seja próxima e ativa no amparo às vítimas de abuso sexual na infância, pois esta oferece suporte para as estratégias de enfrentamento, ou seja, que a adolescente possa retomar seu desenvolvimento de forma saudável após a exposição à violência, tendo uma percepção positiva de si, de que está sendo amparada afetivamente e que possa planejar planos futuros. Desta forma, esta pesquisa contribui na produção de um conhecimento científico voltado para os aspectos saudáveis de 5. CONCLUSÃO Esse estudo investigou a presença de fatores de proteção que podem contribuir para um processo de resiliência no caso de uma adolescente vítima de abuso sexual. Para tanto, foi realizado um estudo de caso. Os resultados indicaram que Morgana vem vivenciando um processo de superação da situação de abuso sofrido ainda em sua infância, quando tinha entre sete a oito anos. A violência identificada se caracterizou como o abuso sexual intrafamiliar. A partir do estudo de caso, buscou-se responder às duas questões norteadoras desta pesquisa: “Quais experiências de violência que a adolescente vivenciou em sua trajetória de vida?” e “Quais são os fatores de proteção individuais, familiares ou comunitários que possam contribuir para um processo de resiliência?” Em relação à primeira questão, os resultados indicaram que a trajetória de vida de Morgana foi associada à experiência do abuso sexual, bem como pelos conflitos conjugais, uma vez que a adolescente trouxe em seu relato tanto a violência sofrida quanto que “a mãe tem medo dele”. A exposição à violência pode ser um fator de risco para o desenvolvimento infanto-juvenil. No entanto, ressalta-se a necessidade de uma visão ampla deste risco, superando uma perspectiva causa-efeito direta. Da mesma forma, é de suma importância um olhar que ultrapasse o estigma de “ser uma adolescente em situação de risco”. Ou seja, não é o adolescente o risco, mas sim é um adolescente que está em situação de risco, por ter em sua trajetória de vida eventos estressores no contexto familiar, como é o caso de Morgana. Tais resultados ainda confirmam o perfil dos casos de abuso sexual na infância, sendo que em sua maioria se refere às meninas, na faixa etária entre 5 a 10 anos, no qual o autor da violência é alguém afetivamente próximo à vítima (HABIGZANG et al., 2005). Estas autoras ainda afirmam que o principal contexto em que ocorre a violência é a própria casa da vítima, quando esta se encontra sozinha com o agressor, bem como que a dinâmica familiar é caracterizada pela presença de outros tipos de violência. Em relação à segunda questão, os resultados encontrados apontam a presença 101 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 vítimas de violência. De acordo com Maia e Williams (2005), as pesquisas na área da Psicologia do Desenvolvimento necessitam incluir os fatores de proteção com a mesma ênfase dada aos fatores de risco, direcionando assim uma maior compreensão da dinâmica risco/proteção na promoção da resiliência. A resiliência pode ser considerada como o resultado final de processos de proteção que não eliminam os riscos experimentados, mas encoraja o indivíduo a lidar efetivamente com a situação e a sair fortalecido da mesma. Ao se estudar caso de abuso sexual na infância e adolescência é pertinente a compreensão de que, para que haja resiliência, é necessária a junção de vários fatores de proteção presentes no desenvolvimento da criança e do adolescente. Ou seja, parte-se do pressuposto de que a resiliência não é um atributo individual isolado, mas sim associada à presença de fatores de proteção na família, na escola e no contexto comunitário, que se constituem como recursos para a superação das situações de risco. De acordo com Poletto e Koller (2006), os estudos sobre resiliência permitem uma maior compreensão de quais os fatores que minimizam os efeitos decorrentes das situações de risco, “porque rompe com a noção de que o indivíduo se encontra preso a um ciclo sem saída” (p. 40). Entre os fatores comunitários está a rede de proteção a crianças e aos adolescentes vítimas de abuso sexual. Esta rede necessita oferecer uma articulação multiprofissional e intersetorial no atendimento às vitimas, incluindo o atendimento às famílias e à comunidade. No Brasil, em termos de políticas públicas, destaca-se o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infantojuvenil, o qual estabelece um conjunto de diretrizes que possibilitam a ação técnica, política e financeira para lidar com o problema da violência. Este plano constituiu também uma metodologia de articulação de políticas e intervenção de redes. Desta forma, o trabalho do psicólogo junto a esta rede de enfrentamento da violência sexual inclui o serviço de atendimento psicoterapêutico, a articulação dos serviços de rede de proteção facilitando a comunicação entre estes e ações de prevenção dos casos de violência sexual. Além disso, o trabalho do psicólogo buscará garantir a defesa dos direitos da criança e adolescente previstos em Lei. A garantia de proteção é algo a ser manejado por toda a rede. A rede, incluindo família, escola, conselho tutelar, promotoria e juizado da infância e juventude, serviços de acompanhamento social e de saúde somente será efetiva quando garantir a segurança e apoio emocional à vítima de abuso sexual sendo ela criança ou adolescente (HABIGZANG et al., 2011). Ao finalizar essa pesquisa, destaco novamente a verbalização de Morgana, quando diz: “que eu vou superar todos os obstáculos e que eu vou vencer na vida”, assim revela a surpreendente capacidade do ser humano em se superar apesar das adversidades, “nunca estamos acabados, estamos sempre em construção”. E esta construção também é necessária durante a adolescência, na qual o adolescente busca se identificar com vários modelos no processo de construção de sua identidade. REFERÊNCIAS AMAZARRAY, M. R.; KOLLER, S. H. Alguns aspectos observados no desenvolvimento de crianças vítimas de abuso sexual. Psicologia Reflexão e Crítica, 11(3): 1998. ARAÚJO, M. F. Violência e abuso sexual na família. Psicologia em Estudo, 7(2): 3-11, 2002. ASSIS, S. G.; PESCE, R. P. & AVANCI, J. Q. – Resiliência: enfatizando a proteção dos adolescentes. – Porto Alegre, RS. Artmed, 2006. AZEVEDO, M. A. & GUERRA, V. N. A. – Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes. – Um Cenário em (Des)Construção. 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Os resultados revelam que as participantes apresentam sofrimento moderado em relação ao seu trabalho, assinalando o sofrimento em relação ao tipo de reconhecimento existente na organização; a desvalorização em relação às opiniões e ideias, a falta de autonomia, como também o controle e a pressão exercidos no dia-a-dia do trabalho. A pesquisa também aponta a questão relacional entre colegas, com o gestor e com clientes de forma antagônica, ora proporcionando prazer, ora sofrimento. Em relação ao prazer no trabalho, a pesquisa revela o orgulho que as vendedoras têm de seu trabalho e da empresa. Ressalta-se a necessidade de ações para promoção de saúde destas colaboradoras buscando a abertura de espaços de fala, o desenvolvimento de uma relação com chefias em que a confiança prepondere criando espaço para autonomia das trabalhadoras, bem como no desenvolvimento de uma cultura de reconhecimento pautada no esforço e no comprometimento. ABSTRACT This study has as its main purpose to investigate the factors that intervene in pleasure and in pain at work by Psychodynamics Work. There were 14 female sellers that participated of this study and they are from a retail company in Três de Maio/RS. The research proceeds from quantiqualitative approach in which scales of Organizational Climate and Pleasure and Pain in Labor were applied and later semi structured interviews based on the result obtained from the analysis of the scales. Data analysis was performed using Statistical Analysis and Content Analysis (BARDIN, 1977). The results show that the participants present moderate pain related to work, pointing out the pain related to the type of recognition in the organization; the devaluation in relation to the opinions and ideas, lack of autonomy but also the pressure and control performed in day-today work. The research also points to the relational question among colleagues, with manager and clients in opposite form, sometimes providing pleasure, sometimes pain. In relation to pleasure at work, the research reveals the pride that the sellers have of their work and of the company. It emphasizes the need of actions to promote health of these sellers looking for open spaces of speaking, the development of a relationship with managers in which trust preponderates creating space for the workers autonomy, as well as in developing a culture of recognition base in effort and commitment. Keywords: Pleasure. Pain. Work. Palavras-chave: Prazer. Sofrimento. Trabalho. 1 Acadêmica do Curso de Psicol ogia da Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, e -mail: [email protected] 2 Psicóloga, Mestre em Desenvolvimento. Coordenadora do curso de Psicologiae professora da Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, e-mail: [email protected] 3 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, Av. Santa Rosa, 2504, Três de Maio – RS, email: [email protected] 105 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 qual os indivíduos estejam submetidos (MERLO, 2002). Seu foco se baseia no “sofrimento psíquico e as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos trabalhadores para a superação do sofrimento e transformação dele mesmo em fonte de prazer” (PIRES; MACÊDO, 2011, p.255). 1. INTRODUÇÃO Resgatando a história, observa-se que o trabalho passou por diversas mudanças. Uma das mais significativas e marcantes ocorreu no século XVIII com a Revolução Industrial. A partir deste momento, as máquinas passaram a influenciar potencialmente a vida humana. Neste período os sujeitos não precisavam entender ou pensar, somente prestar o serviço solicitado. As tarefas a serem executadas pelos indivíduos eram pré-definidas nos mínimos detalhes; desta forma, garantia-se a máxima produtividade possível, porém os conhecimentos dos trabalhadores eram simplesmente ignorados (MERLO, 2000). Essa forma de organização do trabalho é desestruturante e produtora de sofrimento psíquico, uma vez que as atividades são totalmente rígidas e burocráticas. Porém, não é somente em trabalhos rotinizados, atividades burocráticas e rígidas que o sofrimento ocorre. Ele surge também em espaços laborais em que o reconhecimento não acontece, que a possibilidade de falar sobre o trabalho é precário, cuja cooperação e a oportunidade do uso de aprendizagens em experiências passadas não ocorrem. Desta forma, podese afirmar que o prazer no trabalho pode ser caracterizado por uma harmonia entre os desejos do trabalhador e os aspectos do trabalho, como também pode ser resultante da transformação do sofrimento, ou seja, através da utilização de recursos psicológicos, o trabalhador transforma o sofrimento em prazer (DEJOURS, 1992). O presente estudo teve como objetivo investigar os fatores que interferem no prazer e sofrimento no trabalho de vendedoras de um comércio varejista do município de Três de Maio - RS, por meio da Psicodinâmica do Trabalho. A Psicodinâmica do Trabalho é uma abordagem científica, desenvolvida por Christophe Dejours, médico francês, com formação em psicanálise. A psicodinâmica do trabalho busca o que no trabalho é fonte de prazer e nocividade e que podem estar vinculadas à organização do trabalho, visando à coletividade do trabalho, ou seja, após diagnosticar o sofrimento psíquico em situações de trabalho, não busca atos terapêuticos individuais, mas intervenções voltadas para a organização do trabalho à 2. REFERENCIAL TEÓRICO TRABALHO PRESCRITO E REAL A Psicodinâmica do Trabalho referencia os conceitos ergonômicos de trabalho prescrito e de trabalho real. A noção de trabalho prescrito, sob a forma de tarefa, toma corpo e se desenvolve com a chegada do taylorismo. Neste período, buscava-se prever tempos, regras e movimentos, determinando modos operatórios. Já o trabalho real é aquilo sobre a qual a técnica fracassa, não decorre do conhecimento, mas daquilo que está para além, sob a forma de experiência, no sentido de experiência de vida. É aquilo que deve ser ajustado, rearranjado, imaginado, inventado, acrescentado para levar em conta o real do trabalho (DEJOURS, 2005). Sendo assim, em situações imprevistas, o trabalhador buscará uma melhor produção de procedimentos do que a organização impõe desde que os gestores reconheçam a lacuna existente entre o prescrito e o real (DEJOURS, 1999; MENDES, 2007). PRAZER E RECONHECIMENTO NO TRABALHO O prazer no trabalho se caracteriza por uma harmonia entre os desejos do trabalhador e os aspectos do trabalho, como também pode ser resultante da transformação do sofrimento, ou seja, através da utilização de recursos psicológicos, o trabalhador transforma o sofrimento em prazer (DEJOURS, 1999). Para que o sujeito vivencie situações de prazer, faz-se necessário um jogo de negociações entre ele mesmo e a realidade. A liberdade de escolha, a criação, a inovação e as novas formas de executar tarefas, bem como a interação com os outros faz com que o trabalho ocupe um lugar de prazer para esse sujeito. Neste sentido, Mendes (2011) pondera que prazer e reconhecimento são conceitos fundamentais para o entendimento do sofrimento no trabalho, uma vez que 106 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 operam como condição para a ressignificação desse sofrer. O trabalho deve produzir entusiasmo e para que isso aconteça, torna-se necessário o reconhecimento, elemento constituinte para o prazer no trabalho. A percepção do reconhecimento se manifesta por meio de representações que os trabalhadores constroem sobre o contexto de trabalho. Estas se caracterizam, principalmente, por sentimentos de justiça, valorização, admiração, pertencimento e envolvimento (Brun & Dugas, 2002 citado em Ferreira, 2011). Dejours (2005, p.55-56) pondera que “o reconhecimento é a forma específica da retribuição moral-simbólica dada ao ego, como compensação por sua contribuição à eficácia da organização do trabalho, isto é, pelo engajamento de sua subjetividade e inteligência”. O reconhecimento no trabalho tem c o m o c a r a c t e r í s t i c a a multidimensionalidade, e este, de acordo com Brun & Dugas (2002) citado por Ferreira (2011), pode se apresentar em quatro formas: reconhecimento existencial, reconhecimento dos resultados do trabalho, reconhecimento da prática de trabalho e reconhecimento do investimento pessoal no trabalho. O “reconhecimento existencial” se caracteriza pelo sentimento vivenciado pelo trabalhador de verdadeiramente existir no ambiente de trabalho; quando percebe que tem liberdade para expressar suas ideias, sendo ouvido quando tem algo a dizer; quando é informado sobre os objetivos e estratégias da organização, sendo consultado de mudanças a serem introduzidas no ambiente de trabalho; como também quando possui liberdade de execução de certas tarefas. O “reconhecimento dos resultados do trabalho” é caracterizado pela manifestação de gratidão dos gestores em relação ao desempenho do trabalhador ou do coletivo para o alcance de metas e objetivos estabelecidos. Pode produzir riscos e efeitos negativos, como sentimentos de inveja, injustiça e competição desenfreada. O “reconhecimento da prática do trabalho” é baseado na maneira pela qual o trabalhador executa a tarefa (competência, qualidade profissional e inovação). Já o “reconhecimento do investimento pessoal no trabalho” está baseado no esforço empreendido pelo indivíduo na execução de uma tarefa, ou seja, foca-se no processo e não nos resultados, reconhecendo o grau de implicação e de envolvimento do indivíduo na realização da tarefa (Brun & Dugas, 2002 apud Ferreira, 2011). Os autores afirmam também que o ideal consiste em implementar as quatro formas de reconhecimento, ou seja, tornar o reconhecimento um realidade significa: respeitar a singularidade de cada sujeito, considerar os produtos por eles gerados, sua competência e criatividade, como também o empenho para a realização das tarefas. Porém, sabe-se que quando a organização do trabalho é rígida e não oferece espaços para o trabalhador manifestar a sua subjetividade, este passa a vivenciar sentimentos de sofrimento. Nesta perspectiva, torna-se pertinente entender o que é o sofrimento, como ele se manifesta, quais são os tipos de sofrimento, como também quais são as formas de enfrentamento utilizadas pelos trabalhadores para transformar o sofrimento em prazer. SOFRIMENTO NO TRABALHO A Psicodinâmica do Trabalho conceitua o sofrimento como uma vivência subjetiva intermediária entre doença mental descompensada e o conforto psíquico. O sofrimento implica em um estado de luta do sujeito contra a doença mental; desta forma, o sofrimento deixa de ser representado como algo negativo, significando também criatividade, uma maneira que o trabalhador encontra de criar formas defensivas para lidar com as opressões da organização do trabalho (DEJOURS, 1992). No que se refere às cargas psíquicas, o prazer do trabalhador resulta da “descarga de energia psíquica que a tarefa autoriza o que corresponde a uma diminuição da carga psíquica do trabalho” (Dejours, 1994, p. 24). Já o sofrimento do trabalhador surge quando o trabalho se opõe à livre atividade. Nesta perspectiva, o autor complementa que se o trabalho permite a diminuição da carga psíquica ele é equilibrante; no entanto, se ele aumenta a carga psíquica ele é fatigante, acarretando acúmulo de energia psíquica, tornando-se fonte de desprazer, a qual poderá evoluir para uma patologia. Sendo assim, quanto maior a pressão vivenciada 107 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 pelo trabalhador e a falta de liberdade para encaminhar as energias pulsionais, maior será sua carga psíquica, sua angústia e seu sofrimento. Sofrimento Criativo e Sofrimento Patogênico Dejours (1994) aponta que existem dois tipos de sofrimento, o criativo e o patogênico. O sofrimento criativo é baseado na transformação, em que o sofrimento é transformado em criatividade, funcionando como mediador para a saúde. Já o sofrimento patogênico opera como mediador da desestabilização e da fragilização da saúde, emergindo quando todas as possibilidades de ajustamento dos desejos do trabalhador em relação à organização do trabalho foram utilizadas. Portanto, quando o trabalhador é impossibilitado de modificar criativamente o sofrimento, este se transforma em patológico manifestando-se pela linguagem da dor (ABRAHÃO; SZNELWAR, 2011). Porém, para manter a saúde psíquica e suportar o sofrimento no trabalho, as pessoas constroem estratégias, que no entendimento de Dejours (1994), seriam formas que os trabalhadores encontram para modificarem ou transformarem suas percepções acerca da realidade que os faz sofrer e, consequentemente, minimizam suas percepções acerca das fontes de sofrimento. Estratégias defensivas O conflito entre organização do trabalho e funcionamento psíquico pode ser reconhecido como fonte de sofrimento, mas para enfrentá-lo os trabalhadores se utilizam de estratégias defensivas. Essas defesas levam à transformação/modificação da percepção que os trabalhadores possuem da realidade que os faz sofrer. Por não conseguirem vencer a rigidez de determinadas pressões, os indivíduos buscam através das estratégias defensivas minimizarem suas percepções acerca dessas pressões, fontes de sofrimento psíquico, esse processo é estritamente mental, pois geralmente não modifica a realidade de pressão patogênica imposta pela organização do trabalho (DEJOURS, 1994). As estratégias defensivas podem ser individuais e coletivas. As individuais são quando o mecanismo de defesa está interiorizado, ou seja, existe independentemente dos outros, enquanto que as estratégias defensivas coletivas só existem a partir do consenso do grupo, em que o objetivo é criarem, juntos, estratégias para lutarem contra constrangimentos e sofrimentos no trabalho real. Neste sentido, Dejours (1994) relata que as estratégias defensivas contribuem para a coesão grupal, como também para a cooperação no cumprimento dos objetivos da organização. Mobilização Subjetiva Outra estratégia para enfrentar o sofrimento é a mobilização subjetiva, a qual se define como os recursos psicológicos de cada trabalhador sobre o trabalho, não sendo algo prescrito (Dejours, 1994). Diferencia-se das estratégias individuais e coletivas de defesa, uma vez que implica a ressignificação do sofrimento e não sua negação ou minimização. Neste caso, o trabalhador não se aliena, mas procura dar um novo sentido ao seu sofrimento passando, por exemplo, a utilizar a sua experiência prática, que consiste em imprimir um pouco de si na execução de suas atividades, transgredindo aquilo que foi prescrito pela organização. Esta situação se torna gratificante para o trabalhador, principalmente quando há reconhecimento da chefia e dos colegas em relação ao trabalho novo, diferente, proporcionando-lhe identidade, satisfação e, consequentemente, saúde. Dejours (1994) enfatiza três elementos para a mobilização subjetiva: a inteligência prática, a cooperação enquanto condições para o coletivo de trabalho, bem como a abertura para espaço de fala, conceitos estes que serão definidos na sequência. a) Inteligência Prática A inteligência prática, primeiramente denominada como inteligência astuciosa, tem raiz no corpo, na percepção e na intuição dos trabalhadores. Foi identificada pelos gregos com o nome de metis, que é etimologicamente o núcleo do termo métier, ou seja, trata-se de uma inteligência engajada nas atividades técnicas, mobilizada frente a situações inéditas de forma inventiva e criativa (DEJOURS, 2005). Possui como premissa a quebra das normas e regras, introduzindo inevitavelmente uma falta de prescrição, ou 108 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 empresa, espaço este que é denominado Espaço de Fala (DEJOURS, 2011). c) Espaço de fala Dejours (2005) aponta que é necessário existir um espaço aberto e as opiniões dos trabalhadores podem ser formuladas livremente e publicamente mesmo que contraditórias, para que, desta forma, as pessoas envolvidas façam parte das tomadas de decisões em relação a questões que interessam o grupo, o departamento e a empresa. Neste sentido, Chanlat (2011) complementa que dar a palavra ao trabalhador é permitir-lhe manifestar as vivências da prática do trabalho, espaço este fundamental para o funcionando da organização. Falar sobre o trabalho, através das opiniões, crenças e valores de cada indivíduo é reduzir a distância entre o prescrito e o real do trabalho, porém o gestor deve desconstruir a ideia de que possui a verdade e o conhecimento perfeito para que desta forma consiga ouvir a opinião dos trabalhadores. seja, um quebra-galho. Quebra-galho é um termo utilizado para denominar as infrações cometidas no exercício do trabalho cotidiano para alcançar o máximo dos objetivos das tarefas fixadas pela organização do trabalho. Utilizar a inteligência prática é agir frente a situações imprevistas, é nesta lacuna que o colaborador consegue trazer para o dia-a-dia do trabalho sua forma de ser e fazer, uma vez que o trabalho prescrito é impossível de ser seguido rigidamente no real do trabalho. A inteligência prática opera como produtora de prazer no trabalho, pois através dela o colaborador poderá sentir-se um verdadeiro ator social, capaz de influenciar o seu ambiente, através do seu potencial de ação (DEJOURS, 2005). b) Cooperação A cooperação se caracteriza como “a vontade das pessoas de trabalharem juntas e de superarem coletivamente as contradições que surgem da própria natureza ou da essência da organização do trabalho” (Dejours, 2011, p.80). Porém, ela não pode ser determinada a priori, pois escapa à total “procedimentalização”, ou seja, não é prescrita, pois a cooperação é a liberdade dos indivíduos e a formação de uma vontade coletiva. A ideia de cooperação é baseada na construção conjunta para produção de algo, ou seja, através do trabalho coletivo buscamse desempenhos melhores do que as produções individuais. Essa cooperação pressupõe então a valorização e o reconhecimento pelo esforço que cada um teve na realização do trabalho, fortalecendo a identidade psicológica e social do sujeito (Mendes, 2007). A cooperação exige relações de confiança entre os indivíduos, confiança entre colegas, subordinados e chefes. Ela é condição para a cooperação no coletivo, pois atua como elemento indispensável na relação entre pessoas, em que cada uma conhece os princípios éticos que organizam a conduta do outro. A confiança não é um sentimento, mas sim uma construção de acordos, normas, regras que enquadram a maneira como se executa a tarefa. Para o estabelecimento da cooperação, é necessário haver a discussão das competências dentro de um registro ético e de comunicação, esse espaço decorre de uma conquista dos trabalhadores e passa pela formulação de uma consciência de classe, mas também pode ser facilitado pela 3. MÉTODO Sujeitos da Pesquisa A amostragem neste estudo foi composta por 14 funcionárias que trabalham no setor de vendas de uma empresa da área do comércio, situada na cidade de Três de Maio, Estado do Rio Grande do Sul – Brasil. As participantes são todas do sexo feminino, em que 80% possuem Ensino Médio Completo e 20% estão cursando Ensino Superior. As idades das participantes variam entre 18 e 49 anos. Destas, 36% possuem idade entre 18 e 25 anos e 64% possuem idade superior a 25 anos. O tempo de serviço mínimo é de (2 meses) e o máximo é de (9 anos e 4 meses). Abordagem e Procedimentos No que se refere à abordagem da pesquisa, esta é quantitativa e qualitativa. No entendimento de Güllich et al (2007), as pesquisas se classificam quanto aos objetivos e quanto aos procedimentos. Em relação aos objetivos, a pesquisa foi do tipo exploratória e descritiva. Quanto aos procedimentos, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, de campo e de estudo de caso. Esta pesquisa foi um estudo de caso singular, pois a ideia era o aprofundamento dos fatores que influenciam no prazer e no sofrimento das vendedoras de um estabelecimento comercial. 109 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 gratificação e liberdade e os indicadores de sofrimento são insegurança e desgaste. Coletas de dados Em relação às técnicas da pesquisa, esta foi baseada em aplicação de escalas (coletivamente) e posteriormente entrevistas semiestruturadas (individualmente) baseadas no resultado obtido da análise das escalas. Foram utilizadas duas escalas. 1) Escala de Clima Organizacional de Martins (2008): teve como foco a “compreensão do modo como o contexto do trabalho afeta o comportamento e atitudes das pessoas neste ambiente, sua qualidade de vida e o desempenho da organização” (Martins, 2008, p. 29). Ela investiga os seguintes fatores: · Apoio da chefia e da organização: suporte afetivo, estrutural e operacional no dia-a-dia do trabalho. ·R e c o m p e n s a : f o r m a s d e recompensa utilizadas para premiar a qualidade, produtividade, o esforço e o desempenho do trabalhador. · Conforto físico: ambiente físico, segurança e conforto. · Controle/pressão: controle e pressão exercidos sobre o comportamento e desempenho dos colaboradores · Coesão entre colegas: união, vínculos e colaboração entre os colegas de trabalho. 2) Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho, validada por Mendes (1999) e revalidada por Pereira em (2003), teve como objetivo avaliar o prazer e o sofrimento no trabalho, investigando os seguintes fatores: ·Gratificação: sentimento de satisfação, realização, orgulho e identificação com um trabalho que atende as aspirações profissionais. · Insegurança: receio em perder o emprego por não atender as expectativas da empresa. · Desgaste: estresse, sobrecarga, tensão emocional, cansaço, ansiedade, desânimo e frustração. · Liberdade: sentimento de estar livre para pensar, organizar e falar sobre o trabalho. Os indicadores de prazer, de acordo com Pereira (2003), são os fatores de Os dados obtidos através das escalas serviram como base para a formulação das entrevistas, em que o objetivo era investigar os resultados mais significativos, propiciando um espaço de escuta para as questões subjetivas de cada colaboradora. Estas entrevistas foram registradas por meio de gravação e transcritas na íntegra para ter acesso a todo conteúdo dito, garantindo maior fidedignidade na análise dos dados. Questões Éticas As pesquisas envolvendo seres humanos devem atender às exigências éticas e científicas fundamentais, respeitando a integridade ética do sujeito. Desta forma, fez-se necessária a utilização do Termo de Concordância da Organização TCO e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, em que o objetivo foi respeitar a autonomia e a dignidade dos sujeitos. Sendo assim, comprometeu-se a manter o sigilo dos dados coletados de acordo com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que estabelece e aprova as diretrizes e normas envolvendo pesquisas com seres humanos. Critério de Análise dos Dados A análise dos dados referentes à aplicação das escalas de Clima Organizacional e Prazer e Sofrimento no Trabalho foram tabuladas através de análise estatística. Já na pesquisa qualitativa, referente às entrevistas, as verbalizações das participantes foram analisadas através da Análise de Conteúdo (Bardin, 1977). As falas dos sujeitos da pesquisa serão apresentadas através de siglas, v1 para representar a vendedora um, v2 para a vendedora dois, assim sucessivamente até a v14. Foi adotado o critério semântico para a identificação de categorias temáticas a partir das narrativas das trabalhadoras. As categorias e temas abordados neste estudo foram: organização do trabalho: dia-a-dia do trabalho, controle e pressão, metas; relações no trabalho: relacionamento com chefia, colegas e clientes e prazer e sofrimento: reconhecimento, espaço de fala, autonomia e inteligência prática. 110 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Análise Quantitativa Escala de Clima Organizacional A escala de Clima Organizacional apresentou os seguintes resultados: Gráfico 1: Escala de Clima Organizacional Após tabulação e análise da escala de Clima Organizacional, pode-se observar que nenhum dos fatores (coesão entre colegas, conforto físico, recompensas, apoio da chefia e da organização) obteve média maior 4, uma vez que acima deste índice tende a indicar bom clima. Observa-se que os fatores “apoio da chefia e da organização” e “recompensas” obtiveram as menores pontuações, porém ainda não caracteriza um clima ruim, pois a média deveria estar abaixo de 2,9. Como o fator controle/pressão é analisado de forma inversa, pode-se ver que a pesquisa aponta que este se encontra em grau bastante elevado, pontuando 3,86, pois, para indicar bom clima, o valor deveria estar abaixo de 2,9. Sendo assim, este resultado revela que o controle e a pressão exercidos sobre as colaboradoras é expressivo. Escala de Prazer e Sofrimento no Trabalho A escala de Prazer e Sofrimento no Tr a b a l h o a p r e s e n t o u o s s e g u i n t e s resultados: 111 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Gráfico 2: Escala de Prazer e Sofrimento no Trabalho Após tabulação e a análise da escala de Prazer e Sofrimento no Trabalho, pode-se verificar que para haver prazer no trabalho os resultados dos fatores desgaste e insegurança deveriam estar com prevalência baixa e os de gratificação e liberdade deveriam estar altos, porém isto não ocorre, mostrando um índice elevado nos fatores desgaste (3,08) e insegurança (2,93), apontando para predominância de sofrimento moderado nas colaboradoras da empresa em estudo, uma vez que estes fatores analisam estresse, sobrecarga, tensão emocional, cansaço, ansiedade, desânimo e frustração, como também receio em perder o emprego por não atender as expectativas da empresa. No que se refere ao fator liberdade, este pontua 2,84, índice que aponta para pouco sentimento de estar livre para pensar, organizar e falar sobre o trabalho, uma vez que este se origina no reconhecimento das chefias e da organização. Já o fator gratificação, apresenta a pontuação de 3,70, a maior média em relação aos outros fatores avaliados, mostrando que há sentimento de satisfação, realização, orgulho e identificação com o trabalho, uma vez que ele possui relação com as aspirações profissionais. Análise Qualitativa Na análise e discussão dos dados qualitativos da pesquisa serão apresentadas as categorias semânticas construídas a partir das verbalizações das participantes e tais resultados serão discutidos teoricamente. Categoria “Organização do Trabalho” A Psicodinâmica do Trabalho está presente em todas as organizações e instituições em que o trabalho produtivo ocorre, o mesmo acontece com a empresa foco de estudo, que atua no ramo do comércio varejista. Um dos aspectos importantes a serem considerados é a organização do trabalho, esta categoria aborda diversas questões, tais como: dia-adia do trabalho, controle e pressão, como também metas impostas pela organização. Com relação ao dia-a-dia no trabalho, 112 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 as participantes afirmam que este é baseado nas vendas, as quais influenciam um bom dia ou um dia ruim, acarretando competitividade entre o grupo, uma vez que a meta é individual, demonstrando que a organização do trabalho dessa empresa não beneficia a cooperação que ocorre mediante de um trabalho coletivo, já que é por meio do trabalho individualizado que existe o reconhecimento e a recompensa (DEJOURS, 2011). Como diz v4: “o objetivo é venda(...)Às vezes tu fica até preocupada olhando pra ver se tem outras pessoas vendendo. Se tem gente que não vendeu(...)tu está mais tranquila, mas se tu tá vendo que tem gurias que tão vendendo tu também quer vender né?”. Frente à afirmativa acima, observase o quanto a organização do trabalho, vinculada às metas propostas pela organização, interfere na saúde do trabalhador, pois o trabalho atualmente vem acompanhado não somente de controle externo, o qual aponta na escala de clima organizacional como um indicador relevante, mas a própria vendedora interioriza essa regra e cobrança do alcance das metas. Neste sentido, a v1 relata: “tem a meta, tem que alcançar aquilo, porque a gente depende disso para receber, então tem dias que a gente fica bem preocupada(...)tem que chegar o final do dia e ter números, valores” (v1). Esse controle interno causa em algumas colaboradoras desconforto, apontando o quanto essa forma de reconhecimento, através do resultado, pode implicar na redução da qualidade de vida e no desgaste psíquico do trabalhador, causando inclusive sofrimento (DEJOURS, 1992, 1994, 1999, 2005), neste sentido, v4 afirma:“eu preferiria ganhar menos e não precisar trabalhar com metas(...)Aqui não é um trabalho forçado, cansativo, mas é a cabeça, tu força muito, a meta fica na cabeça(...) tu tem que vender”. Porém, esse controle e pressão não ocorrem apenas internamente pelas colaboradoras, mas também pelo gestor da empresa, em que as entrevistadas afirmam serem vigiadas constantemente, causando muito desconforto e insegurança no trabalho realizado, como diz v5: “A gente é vigiada toda hora(...)se eu to atendendo(...)e vejo que estou sendo vigiada, parece que tudo que eu to fazendo tá errado, eu fico sem jeito”. Sentir-se vigiada cria efeitos nas atitudes e comportamentos das trabalhadoras; neste sentido, a participante v12 fala: “O chefe fica olhando, analisando o que tu ta fazendo, parece que julgando(...)me deixa bem ruim mesmo” (v12). O vigiar das atividades das vendedoras causa mal-estar e desconforto, pois as trabalhadoras associam essa atitude do gestor como algo que vai gerar críticas e punições, porém, é necessário conhecer que o trabalho prescrito é impossível de ser seguido no real do trabalho, ou seja, não há como seguir as regras impostas pela organização integralmente. Desta forma, o medo da incompetência, de não estar à altura ou de se mostrar incapaz causa sofrimento nas trabalhadoras (DEJOURS, 1999). Neste sentido, a colaborada v4 diz: “Eu fico torcendo e pensando que ele saia dali, porque às vezes a pessoa não quer, não gosta e aí ele vai vir direto em mim pedir o que aconteceu. Ainda mais se for uma família, ele sempre fala que não admite que uma família saia sem nada” (v4). Na narrativa acima, em que a colaboradora aponta a não aceitação da chefia em relação a uma venda não concluída, compreende-se que não é permitida a lacuna entre o trabalho prescrito e o real e, desta forma, a vendedora não está autorizada a usar de sua inteligência prática. A trabalhadora permanece no lugar de quem está com uma prática equivocada de seu trabalho, sendo necessário se readaptar ao que é imposto pela organização, causando angústia, desconforto e medo da incompetência frente a essa condição (DEJOURS, 1999). É importante ressaltar que uma gestão distante da realidade propicia uma cisão entre o trabalho prescrito e o real, ou seja, conhecer a realidade do trabalho das vendedoras é fundamental para oportunizar uma abertura de fala sobre aspectos que interferem no trabalho, ocasionando movimentos e novos formatos para a organização do trabalho. Se o gestor tem apenas o conhecimento abstrato, o mesmo terá dificuldade de compreender o que ocorre, não conseguindo escutar as trabalhadoras (CHANLAT, 2011). Categoria “Relações no Trabalho” O trabalho não se limita apenas em 113 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 atividades individuais, mas sim existe um arsenal de relações entre o indivíduo e aqueles com quem e para quem ele trabalha (GERNET; DEJOURS, 2011). Neste sentido, a categoria “relações do trabalho” trará a reflexão no que se refere ao relacionamento interpessoal com chefia, com colegas e com clientes, uma vez que é um dos fatores importantes para o reconhecimento e satisfação no trabalho. A análise das falas das participantes revela que o relacionamento com a chefia é distante e superficial, em que não há diálogo, mostrando autoridade e poder da chefia em relação às trabalhadoras. A funcionária v3 aponta que “É uma relação só de patrão e funcionária”, v12 complementa: “Depende muito do humor que ele chega na loja. Às vezes ele chega e cumprimenta(...) Tem dias que chega e nem dá bom dia, só te olha com cara torta(...) Aí você já se sente acuada, meio que se esquivando. Não tem nem aquela tranquilidade pra atender a pessoa com alegria como sempre atende (v12)”. Para as colaboradoras se sentirem membros da organização, estas devem verdadeiramente existir neste local e, para isso, há necessidade de serem reconhecidas enquanto sujeito (DEJOURS, 2011). Sem diálogo a chefia não conhece as características e singularidades de cada vendedora, podendo muitas vezes compreender ações e posições de forma equivocada. Neste viés, a colaboradora v11 pondera: “eu duvido que ele conheça todo mundo como é(...) Porque tu não tem convivência pra saber como essa pessoa pensa. Ele pensa como quiser da gente, pela imagem que ele enxerga. Quem sabe ele tá pensando uma coisa e tu é uma pessoa bem diferente”. Em contrapartida, o acolhimento do gestor frente à solicitação para uma conversa individual é diferenciada, uma vez que as funcionárias afirmam que em sua sala o gestor se mostra compreensivo e aberto, como diz v1 “Aqui em cima ele trata a gente bem melhor, às vezes lá embaixo ele passa e nem cumprimenta a gente, nem bom dia, nem boa tarde. E aqui em cima, ele é bem diferente, bem compreensivo”. A participante v9 complementa: “Se tu precisa vir conversar com ele sobre uma coisa séria, ele tá disposto, ele nunca se negou a escutar” (v9). Diante disso, compreende-se que ao mesmo tempo em que o gestor possui uma postura rígida e autoritária no ambiente de trabalho, ele também é flexível e aberto para entender as questões individuais/pessoais das colaboradoras quando solicitado, tendo disposição em ajudá-las. Frente a essa questão, observa-se que o comportamento do gestor, ora acolhedor e ora distante e impessoal, cria nas vendedoras vários questionamentos e fantasias em relação a sua postura, ocasionando ora sofrimento e angústia, ora prazer e satisfação. Outro fator fundamental dentro das organizações é a relação entre colegas, uma vez que esta é imprescindível para a realização do trabalho coletivo e da cooperação. Há uma convivência amigável entre as colaboradoras, porém mencionam a rivalidade e a concorrência, uma vez que trabalham e recebem a partir de metas individuais, como pode ser observado na seguinte frase “A princípio a gente se dá bem, mas até que ponto que a gente pode confiar uma na outra, a gente não sabe, porque é uma disputa, uma quer vender mais que a outra (v1)”. V10 complementa “Tem aquela história das comissões, isso gera sempre um ciumezinho, ciúmes das que vendem mais e tal”. Frente a este contexto, ressalta-se que existe concorrência e competição entre as funcionárias, causando muitas vezes ciúmes entre as mesmas, influenciando consideravelmente o trabalho em equipe, no qual as colaboradas agem mais individualmente do que coletivamente. Diante disso, ao serem questionadas se existe trabalho em equipe, as participantes afirmam que este é deficitário, não havendo a colaboração de todas, mencionado na seguinte afirmativa: “Existe trabalho em equipe, mas não é da parte de todas, umas tu tem que pedir ajuda, outras tu nem precisa pedir e elas vêm e te ajudam, e tem outras que nem pedindo elas não vêm. É uma equipe entre aspas” (v8). Ou seja, algumas se focalizam nas vendas, como diz v2 “(...)umas só pensam em vender, na hora de ajudar elas saem de fininho”. A partir destas falas percebe-se que o trabalho coletivo vem sofrendo fragilizações, pois a organização do trabalho como está posta não privilegia a cooperação, uma vez que as novas configurações do capitalismo têm gerado relações pautadas na competitividade, no individualismo e na concorrência (HORST et al, 2011). Estas características estão presentes na organização em estudo, uma 114 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 objetivos da organização são o foco principal, deixando de lado muitas vezes a singularidade do sujeito (reconhecimento existencial), a forma de execução (reconhecimento da prática do trabalho) e o envolvimento do indivíduo na realização da tarefa (reconhecimento do investimento pessoal no trabalho) (BRUN; DUGAS, 2002 citado em FERREIRA, 2011). O reconhecimento no trabalho se baseia não somente nas atividades desempenhadas, mas também na valorização das opiniões e ideias de cada trabalhadora. Para isto, torna-se necessário o espaço de fala, pois é através dele que as pessoas podem fazer parte das tomadas de decisões em relação a questões que interessam ao grupo de trabalho e à organização. Neste sentido, as funcionárias afirmam que há este espaço, porém não falam, pois há o medo e receio já que suas opiniões geralmente não são levadas em consideração e a última palavra é do gestor. Como pode ser observado na seguinte afirmativa: “É nas reuniões que a gente faz 2 vezes por mês. Até existe, ele abre um espaço, mas todo mundo fica com meio medo e ninguém fala” (v1), a funcionária v4 complementa “...parece que a gente não é valorizada, que a nossa opinião não vale, não conta”. Desta forma, pode-se considerar que formalmente existe um espaço de fala, porém, o que não existe é um espaço de escuta e de acolhimento das demandas das trabalhadoras. Assim, esse lugar da fala perde o sentido e abre-se uma lacuna entre a linguagem e a possibilidade do acolhimento por meio da escuta, fragilizando essa equipe de trabalho que sem suporte não consegue ressignificar seu sofrimento e seu trabalho. É na abertura do espaço de fala que as trabalhadoras se autorizam a repensar o seu trabalho e a criar novas formas de realizá-lo (CHANLAT, 2011; DEJOURS, 1994). Quando o trabalhador está sofrendo, este se utiliza de estratégias defensivas como forma de enfrentamento deste sofrer. Estas podem ser individuais ou coletivas (DEJOURS, 1994). Ao perceberem que não são escutadas pela chefia, as funcionárias se utilizam de uma estratégia defensiva que é o silêncio, para que não sejam criticadas e não se frustrem com a não valorização de suas ideias. Essa estratégia pode ser observada na fala da v12: “às vezes a gente expõe e é vez que o alcance das metas individuais se sobressai à busca do trabalho coletivo, fator indispensável para as vivências de prazer no trabalho. No que se refere ao relacionamento com clientes, as participantes afirmam que é de suma importância, pois permite a abertura para novas relações interpessoais, como pode ser observado na fala da v9 “Tu faz muita amizade, conhece pessoas novas todos os dias”. Porém, uma vendedora afirma que estas relações nem sempre são harmoniosas, já que muitas pessoas possuem comportamento hostil, demonstrando certa arrogância. Neste sentido, a trabalhadora v5 afirma: “lidar com pessoas não é muito fácil, tem vezes que a gente pega uma pessoa gentil, legal, que mesmo que não se agrada com a mercadoria ela trata a gente bem, mas tem outras que acham que a culpa é da gente de não tá dando certo” (v5). Desta forma, as evidências apontam que ao mesmo tempo em que o relacionamento com os clientes proporciona prazer, através da amizade e do vínculo, também surge o sofrimento em relação a alguns clientes, os quais são desrespeitosos e ríspidos, fazendo com que as trabalhadoras ora sintam prazer, ora sintam sofrimento. Categoria “Prazer e sofrimento” A categoria “prazer e sofrimento” aborda os temas centrais da Psicodinâmica do Trabalho, dentre eles: espaço de fala, cooperação, inteligência prática e autonomia. Frente ao questionamento sobre reconhecimento e valorização, a maioria das participantes afirma que não se sentem valorizadas, uma vez que observam que este reconhecimento está atrelado a vendas e metas atingidas, como a seguinte frase da v1 pontua: “A pessoa é, pra ele... o que ela vende”. Desta forma, muitas se mostram insatisfeitas ao perceberem que não são valorizadas integralmente por tudo que realizam e por sua dedicação e empenho, mas sim pelos resultados financeiros; neste sentido, v2 afirma “A gente poderia ser valorizado por tudo que a gente faz”. Frente a esse contexto, observa-se que o reconhecimento nesta empresa está atrelado ao reconhecimento dos resultados do trabalho, sendo que as metas e os 115 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 se que os indicadores vão ao encontro da análise qualitativa, uma vez que se apresentou nas narrativas das participantes uma insatisfação em relação ao “controle e pressão” exercidos, pois são cobradas constantemente para a obtenção de metas e são controladas através de vigilância, corroborando com o alto índice neste fator, que pontuou 3,86. Os fatores “apoio da chefia e da organização” e “recompensas” pontuaram 3,39 e 3,32, respectivamente, legitimando a insatisfação das funcionárias no que se refere ao suporte da chefia no desempenho das atividades diárias e com as recompensas usadas pela empresa para premiar a qualidade, a produtividade, o esforço e o desempenho das trabalhadoras, sendo que estas afirmam que não são valorizadas pela chefia por tudo que realizam, mas somente no resultado final, ou seja, no alcance das metas. O fator “coesão entre colegas” pontuou 3,67, índice que aponta para insatisfação das funcionárias em relação à união, vínculos e colaboração entre as colegas de trabalho, corroborando com as falas das funcionárias, em que as mesmas acreditam não haver trabalho em equipe, como também a cooperação é deficitária, pois se focalizam nas atividades individuais e na obtenção das metas oriundas da organização do trabalho. Já na escala de Prazer e Sofrimento no Trabalho, observou-se que o fator “Liberdade” obteve média de 2,84, o que vem ao encontro das afirmativas das funcionárias no que se refere à falta de autonomia e liberdade para decidir/agir frente a situações imprevistas, como também à vigilância acentuada exercida sobre as mesmas. Como são vigiadas constantemente, sentem-se inseguras, uma vez que acreditam não estarem realizando as atividades de forma adequada, indicada na pontuação de 2,93 no fator “insegurança”. No entanto, o fator “gratificação” obteve a maior média, 3,70, o que demonstra satisfação, realização, orgulho e identificação com o trabalho realizado. O fator “desgaste” que avalia estresse, sobrecarga, tensão emocional, cansaço, ansiedade, desânimo e frustração, obteve pontuação 3,08, apontando prevalência moderada de sofrimento, criticada. Como eles têm a última palavra (...) a maioria resolve ficar quieta, não falar nada(...) se gente fala, igual não é ouvido, você não leva crédito, aí a maioria fica quieto, só escutando e pronto”. A partir da narrativa, esta estratégia acontece de forma coletiva, uma vez que a maioria reage desta maneira frente ao medo e à frustração de não serem ouvidas. Em contrapartida, as trabalhadoras se utilizam de espaços informais de fala para trazerem suas angústias e sentimentos em relação ao trabalho, ou seja, quando não estão vendendo, apesar de serem vigiadas, conseguem falar entre si, buscando através da fala a produção de saúde. Neste sentido, a participante v9 assevera: “a gente conversa entre colegas, coloca pra fora o que aconteceu”. Falar informalmente sobre o real do trabalho é compartilhar de sentimentos semelhantes do dia-a-dia e através desta fala elaborar os sentimentos de sofrimento. Outro fator importante é agir com autonomia frente a situações imprevistas, utilizando-se de sua inteligência prática para tomada de decisões (DEJOURS, 2005). Neste sentido, as trabalhadoras foram questionadas se possuem autonomia na resolução de problemas imprevistos, mas a grande maioria respondeu que não, como pode ser observado na seguinte afirmação “Tudo tem que pedir, porque uma hora você acha que está certo assim, mas não está” (v5). Outra participante diz gostar deste sistema, pois assim não há o perigo de errar e, consequentemente, receber uma crítica; ela diz “A gente sempre mostra pra chefia, mas isso é bom pra gente, porque depois tu vai fazer uma coisa errada e vai ser pior” (v11). Neste sentido, pode-se perceber a impossibilidade do uso da inteligência prática, uma vez que as trabalhadoras não podem acionar sua inventividade e suas experiências passadas para a solução de situações imprevistas, as mesmas remetemse sempre a algum superior hierárquico, deixando de lado o seu potencial de criatividade e engenhosidade (DEJOURS, 2011). Correlações entre a pesquisa quantitativa e a qualitativa Fazendo um resgate dos resultados da escala de Clima Organizacional, observa116 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 podendo estar relacionado com a pressão exercida para a obtenção das metas, vigilância, não reconhecimento, falta de escuta e a não utilização da inteligência prática. Diante da análise e discussão dos dados mencionados acima, é possível afirmar que ao mesmo tempo em que o prazer e o sofrimento são opostos, eles também caminham juntos, ou seja, existem questões da organização do trabalho que podem encaminhar o trabalhador em alguns momentos ao prazer, em outros ao sofrimento. pesquisadores, como também para gestores que buscam compreender a dinâmica do prazer e sofrimento no trabalho. E que, a partir deste estudo, possam visar o bemestar dos sujeitos e promover melhores condições de trabalho. O psicólogo pode auxiliar de forma significativa quanto à temática saúde do trabalhador, agindo como facilitador, abrindo espaços de escuta dos trabalhadores, no qual é permitido falar, escutar, refletir, confrontar opiniões, debater, para que assim possa haver a reconstrução das bases do conviver, do reconhecimento e da cooperação no trabalho. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo teve como objetivo analisar os fatores que interferem no prazer e no sofrimento no trabalho de vendedoras de uma empresa do comércio varejista. Os resultados apontam para a presença de sofrimento moderado no trabalho (análise quantitativa), que se comprova nas falas das participantes, uma vez que este sofrimento se apresenta através da falta de reconhecimento e autonomia, no controle e pressão exercidos sobre as funcionárias, na impossibilidade da utilização da inteligência prática e na deficiência do trabalho coletivo. Em contrapartida, a pesquisa também aponta aspectos associados ao prazer, que está relacionado com o orgulho que as vendedoras têm de seu trabalho e da empresa, nas relações existentes entre colegas, uma vez que é através delas que as trabalhadoras conseguem falar sobre o diaa-dia do trabalho, como também o prazer relacionado com o reconhecimento da comunidade e dos clientes perante o trabalho desenvolvido. Ressalta-se a necessidade de ações para promoção de saúde destas colaboradoras, buscando a abertura de espaços de fala em que as mesmas possam ser ouvidas e valorizadas, bem como a possibilidade de buscar uma relação com os gestores em que a confiança prepondere, diminuindo o controle e criando espaço para autonomia das trabalhadoras referente às suas atividades, bem como o reconhecimento por meio de outras formas além daquela já existente. Espera-se que os resultados desta pesquisa possam ser de utilidade para outros REFERÊNCIAS ABRAHÃO, Júlia I; SZNELWAR, Laerte I. Entre a tarefa e a atividade, a dor do trabalhar. In: Mendes, Ana M (org.). Trabalho & Saúde: o sujeito entre emancipação e servidão. Curitiba: Juruá Editora, 2011. BARDIN, L. A análise de conteúdo. São Paulo: Martins Fontes, 1977. BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196/96 sobre pesquisa com seres humanos. D i s p o n í v e l e m : < www.conselho.saude.gov.br>. Acesso em 24 de maio de 2011. 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Mistakes happen, once to make mistakes is part of the human nature. However, failures in the service of health compromise the patient, affect the image of the professionals involved and of the Institution. This is a study with qualitative approach, of exploratory and descriptive type, carried out in a hospital Institution of medium size, located in the Northwest Region of the State of Rio Grande do Sul. It took place in this research, thirteen professionals of Nursing, being these ones, ten Nurses and three Technicians of Nursing, of both sexes that have worked in AITU for, at least, one year in the Institution researched. The method used to collect the data was through a questionnaire, containing closed and open questions about the subject. The information collected was analyzed using the method of analysis of content, proposed by Gomes (2007). With this information, the material in five thematic nucleus described inside the research was classified. It was evidenced that among the professionals of Nursing researched, the culture of the occurrence of situations involving mistakes and failures in the assistance of Nursing are generally attributed to the lack of knowledge or the mistaken conduct of the professional. One also points out that to recognize the main causes of iatrogenic events that may occur in this environment is a challenge that is emergent for everyone. In the end of this research one presents, as proposal, an instrument of spontaneous notification, in which the professionals of Nursing could register iatrogenic situations that may occur in their daily practice, regardless of the area of actuation. Measure quite welcome which could contribute to minimize the culture of punishment of the mistakes of the professionals, having also the objective of identify more reliable data, review the processes of work and, at last, to prevent and minimize the occurrence of iatrogenic events in Nursing in this environment, ensuring this way, the excellence turned to the assistance in health. Key-words: Nursing. Iatrogenic events. Unit of Intensive Therapy. RESUMO A presente pesquisa tem como foco principal compreender os eventos adversos e iatrogenias que podem ocorrer em uma Unidade de Terapia Intensiva Adulta (UTIA). Erros acontecem, pois errar faz parte da natureza humana. Porém, falhas em um serviço de saúde comprometem o paciente, afetam a imagem dos profissionais envolvidos e da Instituição. Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa, do tipo exploratória e descritiva, desenvolvida em uma Instituição hospitalar de médio porte, situada na Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Participaram desta pesquisa treze profissionais de Enfermagem, sendo destes, dez Enfermeiros e três Técnicos de Enfermagem, de ambos os sexos, que atuam em UTIA há pelo menos um ano na Instituição pesquisada. O método utilizado para coletar os dados foi através de um questionário, contendo questões fechadas e abertas acerca do tema. As informações coletadas foram analisadas, utilizando o método de análise de conteúdo, proposto por Gomes (2007). De posse destas informações, classificou-se o material em cinco núcleos temáticos, descritos no interior da pesquisa. Evidenciou-se que entre os profissionais de Enfermagem pesquisados, a cultura da ocorrência de situações envolvendo erros e falhas na assistência de Enfermagem são geralmente atribuídas à falta de conhecimento ou a conduta equivocada do profissional. Destaca-se, também, que reconhecer as principais causas de iatrogenias que possam ocorrer neste ambiente é um desafio que se faz emergente a todos. No final desta pesquisa apresenta-se, como proposta, um instrumento de notificação espontânea, no qual os profissionais de Enfermagem poderão registrar situações iatrogênicas que possam ocorrer na sua prática cotidiana, independente de sua área de atuação. Medida bem vista, que poderá contribuir para minimizar a cultura de punição dos erros dos profissionais, tendo também o objetivo de identificar dados mais fidedignos, rever os processos de trabalho e, por fim, prevenir e minimizar a ocorrência de iatrogenias de Enfermagem neste ambiente, zelando assim, pela excelência voltada à assistência em saúde. Palavras-Chave: Enfermagem. Iatrogenias. Unidade de Terapia Intensiva. 1 Bacharel e Licenciada em Enfermagem; Professora do Curso Bacharelado em Enfermagem (SETREM); Enfermeira Especialista; Santa Rosa – RS/BR; e-mail: [email protected]. 2 Acadêmico do Curso Bacharelado em Enfermagem (SETREM); Santa Rosa – RS/BR; e -mail: [email protected]. 3 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, Av. Santa Rosa, 2504, Três de Maio – RS, email: [email protected] 119 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 profissionais de Enfermagem poderão registrar espontaneamente situações iatrogênicas que possam ocorrer na sua prática cotidiana. Esta proposta tem como objetivo identificar fatores que contribuem para a ocorrência de eventos adversos, rever os processos de trabalho e, por fim, minimizar e se possível prevenir a ocorrência de iatrogenias de Enfermagem neste ambiente. 1 INTRODUÇÃO Enfermagem é uma ciência e ao mesmo tempo uma arte que fundamenta suas ações na prevenção das doenças, no cuidado, no alívio do sofrimento humano e na recuperação da saúde dos indivíduos enfermos. Por isso, Enfermeiros, Técnicos e Auxiliares de Enfermagem têm enorme influência na promoção da segurança do paciente. Sendo assim, os trabalhos desenvolvidos na assistência de Enfermagem são desempenhados por pessoas e o processo de cognição humana não é perfeito, pois a possibilidade de cometer erros é uma característica imutável nos seres humanos (PEDREIRA; HARADA, 2009). O termo utilizado para determinar erros nas práticas de assistência à saúde é denominado de evento adverso, porém, iatrogenia vem a ser a consequência deste erro. Segundo Knobel (2006a), as Unidades de Terapia Intensiva exigem todo o conhecimento do profissional de saúde, ecobrando dos mesmos dinamismo, competências, qualidade e precisão, sem perder o foco da assistência ao paciente hospitalizado. Cabe ressaltar que, mesmo em um ambiente que proporciona e induz a excelência em qualidade, é possível que ocorram atos iatrogênicos por parte de membros da equipe. Após algumas leituras sobre esta temática, aliada à prática profissional do autor desta pesquisa, surgiu o total interesse em realizar uma pesquisa com profissionais de Enfermagem que atuam em uma UTIA. O local proposto é uma Instituição Hospitalar de médio porte, situada na Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (RS). O referido trabalho está constituído em capítulos. O primeiro aborda os aspectos metodológicos; já o segundo capítulo dispõe de conceitos que deram suporte ao estudo, constituindo-se da revisão bibliográfica sobre o tema. No terceiro capítulo está descrita a análise dos dados coletados, sua interpretação e a apresentação dos resultados da pesquisa. O quarto capítulo apresenta como proposta um instrumento de notificação espontânea, no qual os 2 MATERIAIS E MÉTODOS A referida pesquisa é um estudo do tipo qualitativo, de cunho descritivo e exploratório. Conforme Polit; Beck; Hungler (2004). Os resultados da pesquisa qualitativa são tipicamente baseados nas experiências da vida real de pessoas, com conhecimento do fenômeno em primeira mão (p.30). Para Polit; Beck; Hungler (2004), os estudos descritivos são os que possuem como principal objetivo o retrato preciso das características dos indivíduos. Neste contexto, Gil (2008), complementa que a pesquisa exploratória constitui a primeira etapa de uma investigação, tendo como objetivo proporcionar visão geral. A coleta de dados foi realizada em um hospital de médio porte, situado na Região Noroeste do Estado RS, empregando aproximadamente 509 colaboradores e composta por 150 leitos. Anteriormente à coleta dos dados foram realizados dois testes piloto, não incluídos, e a coleta dos dados seria através de uma entrevista gravada; porém, os entrevistados demonstraram-se resistentes e criteriosos mesmo sendo esclarecidos sobre preceitos éticos, descrito no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE B). Diante deste fato, os dados foram coletados através de um questionário (APÊNDICE C), organizado com questões abertas e fechadas, que foi respondido sem a presença do pesquisador. Conforme o cronograma estabelecido, o período da coleta de dados se deu nos meses de Outubro e Novembro de 2011. Para preservar a identidade dos sujeitos pesquisados, estes foram identificados pelas letras “E e T”, significando as categorias profissionais de Enfermeiro e Técnico em Enfermagem, seguido de um 120 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 numeral de acordo com a sequência da entrega dos questionários. Ainda antes da coleta dos dados foi encaminhado ao Diretor Geral da respectiva Instituição um ofício (APÊNDICE A), solicitando autorização para coletar as informações. Cabe também salientar que este estudo foi submetido ao departamento jurídico da Instituição pesquisada, obtendo o seu parecer favorável. Para analisar e interpretar as informações coletadas foi utilizado o método de análise de conteúdo, proposto por Gomes (2007). No momento em que as informações começaram a ser coletadas, procurou-se aprofundar o conhecimento técnico e científico referente ao tema, por meio de leituras em artigos, livros e revistas científicas, com o intuito de melhor avaliar, discutir e relacionar o contexto. Os sujeitos pesquisados foram profissionais de Enfermagem, com nível de ensino técnico e superior, isto é, Enfermeiros e Técnicos de Enfermagem, independente de idade e sexo, que atuam na assistência direta a pacientes internados em UTIA, tendo como fator de inclusão, estar atuando, no mínimo há um ano nesta unidade especificamente. quinze anos. Já para os Técnicos em Enfermagem o tempo de formação ficou entre quatro e nove anos. Quanto ao tempo de atuação na Instituição, este também apresentou resultado similar ao citado anteriormente. Referente à experiência em UTIA pode-se afirmar que a grande maioria dos Enfermeiros, assim como os Técnicos de Enfermagem atua cerca de quatro anos na unidade pesquisada. Também foi observado que, ao serem convidados a participarem da pesquisa, os Enfermeiros manifestaram interesse em participar, porém, a maioria dos Técnicos de Enfermagem demonstrou-se criteriosa, com sentimento de receio quanto ao responder às questões em forma de entrevista, sendo necessária a mudança do método de coleta de dados da forma de entrevista, para questionário, porém mesmo após esta decisão ser tomada, o receio em responder às questões se manteve. Iatrogenias significa qualquer alteração patológica do quadro clínico provocada, ou seja, um estado anormal produzido no paciente pelo profissional de saúde através da execução de um procedimento equivocado (Knobel, 2006b). Na presente pesquisa ficou evidente que os pesquisados possuem conhecimento sobre o termo, confirmado quando assim verbalizam: “Considero qualquer ato incorreto, de origem humana, desencadeada ao paciente” (E nº 03, 2011). “São erros ou falhas de procedimentos, da qual resultam em consequências prejudiciais ao paciente” (E nº 07, 2011). A ocorrência de uma situação iatrogênica é geralmente desencadeada pela conduta inapropriada tomada pelo profissional. Essa afirmação vem de encontro com o que foi relatado pelo E nº 1, quando cita que iatrogenia “É sempre um erro, geralmente causado por estes três fatores: negligência, imprudência ou imperícia do profissional de Enfermagem” (E nº 01, 2011). Para Knobel (2006b), a existência de uma série de insalubridade nas atividades cotidianas expõe os profissionais de saúde e os torna propícios a executar erros. Afirmação esta que vem ao encontro da fala do entrevistado E nº 1 “Um dos fatores é a demanda de trabalho excessiva, o fato de 3 ANÁLISE E DISCUSSÃO E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS O movimento mundial em busca da qualidade nos serviços de saúde não é fato novo. Proporcionar acesso equitativo e seguro nos serviços de saúde a todos, com custos reduzidos, é tema prioritário nesta área e um grande desafio à sociedade. Participaram da pesquisa treze profissionais de Enfermagem, sendo destes, dez Enfermeiros e três Técnicos de Enfermagem, de ambos os sexos, que atuam em UTIA, há pelo menos um ano na Instituição pesquisada. Levou-se ainda em consideração as idades, o tempo de formação, atuação na Instituição pesquisada e de experiência em UTIA. Analisando as características individuais dos pesquisados pode-se afirmar que a maioria é do sexo feminino, enquadrando-se na faixa etária dos trinta aos quarenta anos. Em relação ao tempo de formação desses profissionais, constatou-se que para os Enfermeiros varia entre quatro e 121 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 ter muitas atividades, uma equipe reduzida para o desempenho de algumas atividades pode levar ao stress no ambiente de trabalho e isso é um condicionante a levar a pessoa a erros” (E nº 1, 2011). Complementa os entrevistados: “Para mim um fator que pode desencadear um evento adverso é falhas no elo de comunicação entre os profissionais” (E nº 03, 2011). “[...] a pessoa não foi devidamente capacitada para tal tarefa e já tem que assumir atividades e funções que ela não está bem habilitada” (E nº 1, 2011). Quando indagados sobre ocorrências iatrogênicas vivenciadas em sua prática profissional, os entrevistados responderam que sim, sendo que as mesmas não serão mencionadas em cumprimento dos princípios éticos, conforme preconizam as normas e diretrizes da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – CNS/MS (BRASIL,1996). Inúmeras consequências ao paciente, tais como surgimento de patologias oportunistas, sequelas e maior tempo de internação, relato evidenciado nas falas: “As consequências são danos prejudiciais aos pacientes, o retardo do tratamento que se submete a maior tempo de internação” (T nº 01, 2011). “Piora do quadro clínico do paciente, com o surgimento de patologias oportunistas, debilitando ainda mais o mesmo” (E nº 02, 2011). “A principal consequência é o óbito ou sequelas irreversíveis” (E nº 06, 2011). A família do paciente, o profissional de Enfermagem e a Instituição também são afetados pela ocorrência da falha na assistência, o que vem ao encontro da fala: “Os familiares são as primeiras pessoas afetadas, pois eles confiam no trabalho da Enfermagem, para eles os procedimentos ocorrem de forma correta” (T nº 02, 2011). “Um erro na assistência implica em complicações legais à Instituição e para o profissional” (E nº 1, 2011). “As situações adversas que ocorrem com o paciente afetam também o patrimônio hospitalar, resultante das perdas financeiras por ações judiciais decorrentes de processos” (E nº 04, 2011). No enfoque Cível, poderá ser exigida da instituição como empregador o dever de indenizar a paciente ou seu representante legal, pois o profissional de Enfermagem é empregado da instituição e não liberal prestador de serviços (LIMA, 2003, p. 49) . De acordo com a Lei nº 7498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências, Auxiliares e Técnicos só podem trabalhar com a supervisão de um Enfermeiro (BRASIL, 1986). Lima (2003) esclarece que o Enfermeiro não poderá se eximir da sua responsabilidade em razão de que compete ao mesmo a supervisão da equipe de Enfermagem. Afirmação não observada nos relatos da maioria dos entrevistados, principalmente dos Enfermeiros, o que deixa dúvidas sobre se os mesmos têm conhecimento destas implicações legais. Quando ocorre um evento adverso é realizado um registro, afirmação que vem ao encontro das falas: “Quando ocorre alguma iatrogenia, esta é trabalhada em encontros de educação continuada frente à falha ocorrida” (E nº 07, 2011). “São registrados em um livro que chamamos de caderno de intercorrências do setor” (T nº 3, 2011). Por outro lado, observou-se algumas contradições entre os entrevistados a cerca dos registros de eventos adversos, consideração levada em conta diante do relato do E nº 01 que diz “Iatrogenias diárias e pequenas, sem repercussão, quando são identificadas, geralmente são conversadas, discutidas, chamado o colaborador e orientado [...], danos menores são apenas resolvidos internamente” (E nº 01, 2011). Enfermeiros receberam treinamento e foram capacitados para atuar em UTIA: “Minha capacitação foi bastante intensa, tive um acompanhamento direto do profissional Enfermeiro anos atrás na UTIA. Nunca fiquei sozinha, sempre pude ser acompanhada diretamente pelo Enfermeiro responsável [...]” (E nº 01,2011). Técnicos de Enfermagem tiveram que se adaptar às condições impostas pela exigência do setor, relato que condiz com a fala: “Quando eu entrei na UTI [...] 122 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 rotinas pré-estabelecidas em uma UTI. Porém, as condutas impostas nestes protocolos não podem tumultuar o processo de trabalho. Pode se mencionar que a ocorrência de eventos adversos trata-se de um problema de saúde pública e cabe aos profissionais da área da saúde, em especial aos profissionais de Enfermagem, privilegiar ações que enfrentem os problemas que emergem de sua atividade profissional. Para o pesquisador se faz importante e necessário a identificação dos fatores existentes, bem como a compreensão da ocorrência de erros, pois assim será possível desenvolver um saber que elabore formas de prevenção. Neste intuito, o formulário de notificação espontânea de eventos adversos foi elaborado. Compreende-se que o mesmo poderá fornecer subsídios para promover ações preventivas e, sem dúvida, contribuir para uma mudança de cultura não punitiva nas instituições. Considera-se que os resultados desta pesquisa possam servir como reflexão acerca da assistência de Enfermagem realizada nas instituições de saúde, na formação de novos profissionais, como forma de buscar mais conhecimento em relação ao assunto, bem como servir de informação, com o intuito de construir uma cultura de segurança do paciente. Então, pode-se afirmar que, além do conhecimento adquirido sobre o tema, as hipóteses elencadas no início da pesquisa também foram confirmadas, bem como os objetivos alcançados. Sendo que ao término deste trabalho compreende-se que o mesmo não pode ser considerado como concluído e sim, como um instrumento que impulsione o interesse dos profissionais de saúde a buscarem ações que promovam a segurança do paciente, bem como construir nas instituições de saúde uma cultura de não punição, condição esta que contribuirá para um ambiente mais favorável à revisão dos processos de trabalho, bem como para promover a excelência dos serviços prestados. c h e g u e i e c o m e c e i a t r a b a l h a r, assumindo pacientes igual aos outros colegas que trabalhavam há anos na UTI [...]. Sempre surgiam dúvidas e questionamentos que eram ensinados na hora” (T nº 2, 2011). Quanto à existência de protocolos e rotinas implantadas na UTIA, pode ser observado que os entrevistados manifestam-se de forma positiva: “Com certeza, porque quando existe um manual de normas e rotinas em um setor se desenvolve um trabalho de qualidade e as possíveis iatrogenias venham a diminuir” (E nº 03,2011). Percebe-se também preocupação com a melhoria da qualidade respeitando as condições individuais do paciente: “Os protocolos não podem servir para engessar o trabalho, porque aí você está esquecendo que há individualidades e que não se tratam todas as situações iguais”. (E nº 01,2011). Algumas soluções podem ser definidas como qualquer projeto ou intervenção que impeça ou atenue danos decorrentes dos processos de cuidados à saúde. Por isso, desenvolver ferramentas para constituir uma assistência segura depende de mudanças na cultura dos processos de trabalho adotados nas instituições tendo como objetivo a construção de um modelo institucional voltado para uma cultura de segurança do paciente. 4 REFLEXÕES CONCLUSIVAS Ao serem convidados a participar da pesquisa, os Enfermeiros manifestaram interesse. Por outro lado, a maioria dos Técnicos de Enfermagem demonstrou-se bastante criteriosa. Salienta-se que tal situação não interferiu com o andamento e resultado desta pesquisa. Ao comentar que errou, sentimentos de culpa, incompetência e medo quanto ao critério de empregabilidade são colocados à prova, fator que sobrepõe a presença de uma cultura de punição entre os mesmos. Para os entrevistados, a educação continuada e permanente favorece a prevenção de eventos adversos, da mesma forma como a existência de protocolos e REFERÊNCIAS ANDRADE, J. S; et al. A comunicação entre enfermeiros na passagem de plantão. 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Nesta fase ocorrem mudanças intelectuais, afetivas e em nível social, corporais e atividade hormonal intensa, levando os jovens à capacidade reprodutiva. O estudo tem como objetivo investigar o índice de maternidade na adolescência nos municípios pertencentes à 14º Coordenadoria Regional de Saúde e fatores associados. Justifica-se no sentido da Educação em Saúde como prática pertinente de prevenção. É uma pesquisa de abordagem quantitativa do tipo exploratória descritiva, de caráter documental, com base nos registros de nascidos vivos dos municípios da região em estudo, com um olhar retroativo ao ano de 2006 até dezembro de 2010. Para a análise de dados, utilizou-se do Microsoft Excel. Diante da problemática, pode-se evidenciar que o maior número de nascimentos está na faixa etária dos 15 aos 19 anos de idade, com jovens de escolaridade correspondente a 8 e 11 anos estudados, na maioria solteira. Em relação ao período gestacional, a maioria delas teve o parto a termo e realizou o pré- natal adequado, o tipo de gravidez prevalente foi a única e o parto a cesariana. A maioria dos nascidos foi do sexo masculino, e de cor/raça branca, com peso variando entre 3,00 e 3,99 Kg. Em relação às más formações, os Recém Nascidos na sua maioria não as apresentavam. A partir do estudo realizado vê-se a necessidade do trabalho do profissional Enfermeiro frente uma temática de grande relevância, possibilitou conhecimento acerca da adolescência, a gestação e suas peculiaridades nesta fase do ciclo vital. Palavras-chave: Educação em Enfermagem. Saúde do adolescente. Gravidez na adolescência. Adolescence is characterized by a period with its own characteristics. At this stage intellectual, affective and social changes happen, and in social level physical and intense hormonal activity, leading young people to reproductive capacity. The study has as its main purpose to investigate the rate of teenage pregnancy in the cities belonging to 14 Regional Health Coordination and associated factors. It is justified in the sense of the Health Education as the practice pertaining to prevention. It is a quantitative research approach from exploratory descriptive type and, documentary character, based on records of live births of cities in the region under study, with a look back to the year 2006 until December 2010. For data analysis Microsoft Excel was used. Faced with the problem, one can show that the largest number of births in the age ranging from 15 to 19, with young people from education corresponding to 8 and 11 years studied, mostly single. In relation to gestational age most of them had delivered at term and carried out the adequate prenatal care, the prevalent type of pregnancy and childbirth was the only CS. Most were born male, and color / white, weighing between 3.00 and 3.99 Kg. Regarding to malformations in the newborns they were not the majority. From the study it can be seen that the need for the work of professional nurses is an issue of great relevance, possible knowledge about adolescence, pregnancy and its peculiarities in this life cycle stage. Keywords: Nursing education. Adolescent health,Teen pregnancy ¹Acadêmica de Enfermagem do 8º semestre. [email protected] ² Docente da Facu ldade Três de Maio. Professora Orientadora Licenciada em Ciências Físicas e Biológicas e Biologia (IEDB); Psicopedagoga (URI); Mestre em Educação nas Ciências (UNIJUÍ); Membro dos grupos de pesquisa CNPq: Educação em Saúde Coletiva (SETREM); Rua Guilherme Tesche, nº 553 – Emílio Tesche – 98910-000 – Três de Maio – RS/BR; e-mail: [email protected] ³Enfermeira, Mestre em Enfermagem, Docente da Faculdade Três de Maio. Professora co orientadora. [email protected] 4 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, Av. Santa Rosa, 2504, Três de Maio – RS, email: [email protected] 127 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 INTRODUÇÃO A presente pesquisa surgiu a partir da proposta de trabalho do Componente Curricular Projeto e Pesquisa em Enfermagem do Curso de Bacharelado em Enfermagem da Sociedade Educacional Três de Maio (SETREM), que teve como objetivo investigar o índice de maternidade na adolescência e o perfil dos mesmos nos municípios pertencentes à 14º Coordenadoria Regional de Saúde (CRS). Foi uma pesquisa de caráter documental, com base nos registros dos nascidos vivos dos municípios pertencentes à 14º CRS. A adolescência se caracteriza por ser um período de transição entre a infância e a fase adulta, sendo uma etapa muito importante no desenvolvimento, com características muito próprias, que leva esses sujeitos a se tornarem adultos. Ocorrem mudanças significativas no desenvolvimento intelectual, afetivo e modificações em nível social, referentes a grupos de amigos, forma de vestir, falar, agir, que muitas vezes são influenciados pelo grupo no qual estão inseridos. A puberdade se caracteriza pelo desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários referentes ao surgimento de pelos nas axilas e genitália de meninos e meninas, a telarca é o desenvolvimento das mamas nas meninas, levando elas a, muitas vezes, sentirem-se envergonhadas, não trocam de roupa na frente de outras pessoas. Nesta fase também pode ocorrer a menarca, ou seja, a primeira menstruação. Outra mudança que também acontece é o aumento dos testículos nos meninos (FERRIANI; SANTOS, 2001). Depois das confusões afetivas da primeira etapa da adolescência, o relacionamento afetivo/amoroso pode se tornar mais evidente, com maior aceitação das transformações físicas, em que a menina tende a usar roupas que expõem mais seu corpo, sendo que é neste período que se consolida também a identidade sexual (TAQUETTE, 2011). Dentre os direitos dos adolescentes estão o da liberdade e privacidade sexual, igualdade social, escolhas reprodutivas livres e responsáveis, tendo o direito de decidir o número de filhos e o espaçamento entre os nascimentos, direito de tomar decisões referentes à reprodução sem sofrer qualquer discriminação ou violência, com assistência de um pré-natal de qualidade (RAMOS, 2001). A gravidez na adolescência é considerada, na maioria das vezes, como um problema de ordem pública, pois este acontecimento em uma época de formação do caráter do indivíduo pode trazer inúmeras consequências e riscos para as adolescentes como, por exemplo, o abandono pelo parceiro e até mesmo da família, perda do vínculo de amigos ou grupo a qual está inserido, interrupção das atividades escolares e riscos materno-fetais (BRASIL, 2006). Quando a gravidez acontece de forma inesperada pode acarretar inúmeros transtornos, principalmente familiares e escolares, pois nem sempre se está preparado para aceitar e lidar com um Recém Nascido (RN) e, a partir disso, acontecem mudanças nas condições de vida da jovem (MOTTA et al. 2004). Para Levandowsqui; Piccini; Lopes (2008), a gravidez na adolescência, muitas vezes, está associada a condições financeiras precárias pré-existentes, fazendo da maternidade precoce um agravo dessas referidas condições e uma forma de perpetuar tal situação, pois geralmente ocorre a evasão escolar, aumentando ainda mais a dificuldade de inserção no mercado de trabalho posteriormente. Os mesmos autores apontam estudos que relatam o fato de que muitas adolescentes não realizam o pré-natal adequado. Na maioria das vezes ocorre uma procura tardia para a realização do mesmo, sendo que tal fato está associado ao sentimento de negação da gravidez, desconhecimento e falta de orientação, tornando-se assim vulneráveis a possíveis complicações na gestação e também para o RN. A gravidez na adolescência vem sendo colocada de inúmeras formas, muitos sugerem que é indesejada, não planejada, ocorre por falta de informação e também vem sendo associada às classes com desvantagens socioeconômicas, mas ela pode acontecer dentro de qualquer contexto sócio-cultural e econômico. Ao perceber o elevado índice de gestantes adolescentes nas comunidades nas quais foram realizados os estágios dos 128 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 componentes curriculares do curso de Bacharelado em Enfermagem, e também observar os esforços realizados pelo poder público em oferecer orientações a esta parte da população, através da instituição de políticas, uma inquietação surgiu: com t a n t a s e s t r a t é g i a s p a r a orientação/educação dos jovens por que a gravidez na adolescência continua sendo uma realidade? Ao pensar nisto, tomou-se a iniciativa de pesquisar o real índice de gestações entre adolescentes na área de abrangência da 14ª Coordenadoria Regional de Saúde, por entender também que faz parte das atribuições do ser enfermeiro a educação em saúde. O Enfermeiro exerce papel importante no processo de trabalho em saúde, prestando atendimento educativo em grupos e também atentando às necessidades individuais, e também realiza consultas de Enfermagem com o objetivo de participar de forma ativa na vida das pessoas e na promoção da saúde das mesmas. Saúde que trata das pesquisas com seres humanos e também os preceitos da Bioética quanto à não-maleficência, à beneficência, à autonomia e à justiça. Para ser realizado este estudo foi solicitada à 14ª CRS, Secretaria Municipal de Saúde de Três de Maio e aos hospitais cujos registros de nascidos vivos não são armazenados no banco de dados da primeira, autorização para coleta de dados. Depois da autorização dessas instituições, este projeto foi enviado ao comitê de ética em pesquisa de uma universidade regional e, após a análise, sugestões e aprovação da mesma os dados foram coletados para a posterior análise e discussão. 2. O ADOLESCER E AS POSSIBILIDADES NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA À medida que a sociedade vem se desenvolvendo, em meio a revoluções tecnológicas, um crescimento exacerbado de novas possibilidades eletrônicas aos olhos dos adolescentes, fazendo com que estas inúmeras transformações e possibilidades que a mídia vem colocando, venham intervir no processo biológico, chamado adolescência. Este que é um processo natural do desenvolvimento do indivíduo acaba se tornando na maioria das vezes como um problema a ser enfrentado pelo adolescente e sua família. A adolescência é a forma pela qual os adultos veem os adolescentes e como os próprios adolescentes se contemplam, chegando hoje em um tempo em que se alimenta uma espécie de culto desse tempo de vida (CALLIGARIS, 2000). 1 METODOLOGIA A pesquisa seguiu uma abordagem quantitativa do tipo exploratória e descritiva. O trabalho teve caráter documental à medida que se debruça sobre os registros de nascidos vivos dos municípios da região em estudo. No tocante ao empírico, as informações de campo foram coletadas a partir da análise dos registros de Nascidos Vivos dos Municípios pertencentes à 14ª CRS. A pesquisa teve um olhar retroativo ao ano de 2006 até dezembro de 2010, perfazendo um período de cinco anos de investigação. Para a coleta de dados estruturou-se um formulário com dados da ficha de registro de nascido vivo. Também para a coleta das informações utilizou-se dos dados de Estatística Vitais disponíveis no DATASUS. A análise de dados se fez a partir da natureza descritiva, sintetizando os dados coletados. As médias e porcentagens foram dadas pela estatística descritiva. Neste estudo foi utilizado o Microsoft Excel. Quanto aos aspectos éticos, esta pesquisa seguiu as proposições da resolução 196/96 do Conselho Nacional de 2.1 ADOLESCÊNCIA E SEXUALIDADE Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) (1995) adolescente é todo indivíduo que estiver entre a faixa etária entre 10 e 19 anos de idade. Já Oliveira (2002) considera adolescente todo o sujeito entre 12 e 18 anos de idade, e que possuem todos os direitos essenciais à pessoa humana, sendo estes que lhes tragam condições dignas para seu desenvolvimento, físico, mental, moral, espiritual e social. No período da adolescência ocorre 129 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 O abandono escolar é consequência da gravidez na adolescência, seja ele relacionado ao sentimento de vergonha, pela falta de interesse pelas atividades escolares, até mesmo por desejo do companheiro. Relacionado a tal fator fica a taxa de desemprego e pobreza prejudicada em função do baixo nível de escolaridade (LEVANDOWSKI; PICCINI; LOPES, 2008). a transição entre a infância e a fase adulta, além de rápidas transformações, tanto físicas quanto fisiológicas, psicológicas e sociais. No sexo feminino são mudanças físicas características deste período: crescimento acelerado, alargamento dos quadris, maior deposição de gordura, aparecimento de pelos pubianos (pubarca) e axilares, telarca, menarca e início dos ciclos ovulatórios, com a consequente capacidade reprodutiva. Podem ser citadas como mudanças psicossociais: conflitos com o início das atividades sexuais, incertezas, ansiedade, inseguranças, isolamento, transtornos de afetos, com o devido amadurecimento firmação da autoimagem e autoestima e questionamentos sobre regras e valores. Também ocorre a preocupação quanto à formação de grupos de iguais (OLIVEIRA, 2002). Sintetizando: a adolescência é uma etapa fundamental para o desenvolvimento do ser humano, caracteriza-se como uma fase de inúmeras descobertas e constantes transformações psicológicas e estruturais, com o surgimento de novas formas físicas e estéticas, transformação do funcionamento orgânico, sobretudo no sentido sexual e reprodutivo. Também fase de construção de novas relações intersubjetivas, manifestações de novos sentimentos, modo de pensar e agir/comportar-se, que refletem novas identidades e inserções no mundo interno e externo à família, ou, por assim dizer, no mundo adulto (MANDÚ, 2001). 2.3 MATERNIDADE E PATERNIDADE NA ADOLESCÊNCIA, UMA QUESTÃO DE GÊNERO A desigualdade de gênero faz com que ocorram classificações dos direitos e deveres de homens e mulheres relacionados à maternidade e à paternidade, colocando de forma extrema a responsabilidade da mulher pela reprodução, cuidado e educação dos filhos, e quanto ao homem fica o sustento financeiro e o comando da família (MANDÚ, 2001). A mesma sociedade que recrimina a gravidez na adolescência e a coloca como problema de saúde pública, as acolhe e apoia através de programas de apoio, tornando a gravidez indesejada em uma etapa tranquila da vida, desde que esta tenha um acompanhamento adequado no pré- natal. Toda adolescente grávida tem atendimento garantido pelo SUS, tanto no pré-natal, como no parto e no pós- parto. Sendo que toda adolescente gestante que estuda, tem durante a gravidez e na amamentação o direito de reposição de provas e justificativa para as faltas, segundo a Lei Federal 6202/75 (BRASIL, 2011). 2.2 GRAVIDEZ/MATERNIDADE NA ADOLESCÊNCIA A Enfermagem é fundamental no trabalho com a saúde e tem responsabilidades no atendimento aos adolescentes e jovens, fazendo com que haja maior entendimento deste momento da vida dos adolescentes trabalhando com familiares, pai, mãe, para que se possa lidar com a prevenção dos agravos relacionados à adolescência, no compromisso da promoção da saúde (MANDÚ, 2001). O trabalho em saúde deve atentar às necessidades individuais de cada adolescente de forma organizada propondo soluções para os problemas de forma criativa e responsável nas ações em saúde, respeitando sempre os direitos a eles reservados (RAMOS, 2001). 3. ANÁLISE DAS INFORMAÇÕES DE CAMPO Este capítulo objetiva apresentar a análise dos dados coletados, referentes aos objetivos da pesquisa, relacionando-os com dados de literaturas disponíveis. Os resultados foram obtidos a partir da análise dos Registros de Nascidos Vivos dos municípios pertencentes à 14ª CRS Santa Rosa e dados existentes no Sistema de Informação sobre Nascido Vivo. 3.1 DADOS REFERENTES ÀS MÃES ADOLESCENTES A gestação é um período muito 130 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 natal sendo que começam a ser mais intensas a partir do segundo trimestre quando começam as manifestações dos movimentos do feto evidenciando assim a sua verdadeira existência (PICCININI et al, 2004). complexo, com diversas mudanças e repleta de sentimentos intensos, de expectativas que refletem na ligação da mãe com o bebê, que vai se construindo durante todo o período pré3.1.1 Nascimentos por faixa etária entre 10 e 19 anos, e os partos de adolescentes entre 10 e 14 anos representam 1%. O número de partos em mulheres na faixa etária dos 10 aos 19 anos em 2007 foi 594.205, em 2008 487.173 e até outubro de 2009 408.400 partos (BRASIL, 2011). A parir dos dados referenciados acima, pode-se perceber que a região noroeste do RS está conforme o pesquisado no restante do país, ou seja, evidencia-se a tendência de redução do número de gravidez na adolescência. Essa diminuição pode estar se dando devido às inúmeras campanhas de conscientização, incentivo e acesso ao uso de preservativo, bem como de outros métodos de planejamento familiar que abarquem esta faixa etária, além do crescimento da participação da mulher no mercado de trabalho, oferecendo outras oportunidades que vão além da maternidade. Figura 1: Nascidos por faixa etária Analisando o gráfico, pode-se perceber que o maior número de nascimentos está na faixa etária compreendida entre os 15 e 19 anos. No ano de 2006 houve 17 casos entre os 10 e 14 anos e 342 entre os 15 e 19. Em 2007 aconteceram 12 nascimentos na faixa de 10 aos 14 e 306 dos 15 aos 19. Já em 2008, o número de nascimentos esteve em 10 na faixa dos 10 aos 14 e 340 dos 15 aos 19. O ano de 2009 trouxe os números de 13 entre os 10 aos 14 e 334 dos 15 aos 19. Finalmente, em 2010 nasceram 9 crianças de mães que se encontravam entre 10 e 14 e 288 dos 15 aos 19 anos, evidenciando uma queda na natalidade entre adolescentes. Em 2007 ocorreram 2.795.207 nascimentos no país, dos quais 594.205 (21,3%) foram de mães com idade variando 3.1.2 Grau de Escolaridade das parturientes Adolescentes Figura 3: Grau de escolaridade por faixa etária/instrução da mãe. 131 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 O índice alto de parto cesário deve ser visto de forma positiva quando são realizados e significam a garantia de cuidados obstétricos essenciais no sentido de reduzir a morbimortalidade materna e perinatal, ou seja, somente quando existem fatores que contra indicam a evolução natural do parto, justificando a realização de intervenção médica, mas este não é o quadro apresentado na região de estudo, e percebese o elevado índice de intervenções, muitas vezes, desnecessárias. A cesariana é uma forma eficiente no sentido de evitar a morbimortalidade materno/peri/neonatal, mas deve ser realizada sob rígidos critérios, humanizando assim a assistência obstétrica e respeitando o espaço de protagonismo central a gestante. Hoje são vistas e estudadas estratégias que se destinam à humanização da assistência obstétrica, com a devida redução das taxas de cesariana desnecessárias e a volta ao protagonismo natural das mulheres, respeitando-se opiniões e culturas a favor ou mesmo contrárias, pois o que precisa ser realmente levado em consideração é o melhor para a mulher e seu bebê naquele específico momento. A maioria, 87%, das gestantes realizam de sete a mais consultas durante o período gestacional correspondendo ao seu controle pré-natal, 13% de 4 a 6 consultas, 2% de 1 a 3 consultas e apenas 1% delas não realizam nenhuma consulta. O período pré-natal inicia com a fertilização do óvulo e tem seu término no início do trabalho de parto, sendo que neste período ocorrem inúmeras mudanças na mulher (anatômicas, fisiológicas e bioquímicas), por isso tem-se a necessidade de acompanhar e assegurar uma gestação favorável tanto para a mãe quanto para o bebê (MELSON et al., 2002). O Ministério da Saúde indica que o ideal de consultas neste período, em caso de baixo risco ou risco habitual, são de seis. Vê-se a necessidade deste controle tanto para a mãe quanto para o recém nascido, com orientações neste período que é tão especial para as mulheres, pois assim atua-se na promoção da saúde de forma qualificada e humanizada, sendo que muito se trabalha para a conscientização das mães para este acompanhamento necessário e fundamental. Observando o gráfico, pode-se visualizar que o maior índice de nascimentos ocorre na faixa etária dos 15 aos 19, o que corresponde a variação entre 8 a 11 de anos estudados. Em segundo lugar varia entre 4 a 7 anos estudados, seguindo-se de 12 e mais e depois de 1 a 3 anos. Na faixa etária dos 10 aos 14 anos, tem-se a maior representatividade do grau de escolaridade, ou seja, com 4 a 7 anos de estudos firmados. Para Osório (2002) apud Alegranzzi; Weber (2007), a escola proporciona ensinamentos que não cabem só à escola, a família também favorece essa educação. Ele ainda refere que a família educa e a escola ensina, então, cabe à família oferecer a pauta ética para a vida em sociedade e a escola auxiliar na educação. A maior parte das adolescentes é solteira, um percentual de 79%. 15% são casadas e 5% vive em união consensual. Ainda, pode-se dizer que 1% da representatividade é dado ignorado, ou seja, não foi encontrada a devida especificação na DN. No que se refere à duração da gestação tem em média 280 dias ou 40 semanas ou, ainda, 9 meses do calendário, contando do primeiro dia do último período menstrual normal. A gestação pode ser dividida em três partes iguais ou trimestres, e cada um deles gira em torno de 13 semanas ou 3 meses (NETTINA, 2007). A partir dos dados coletados, percebe-se que 92% das gestações nas adolescentes, nos últimos cinco anos, têm duração de 37 a 41 semanas, sendo esta uma representatividade positiva para os Recém Nascidos, frutos de gestações a termo. A maioria, ou seja, 98% das adolescentes tiveram gravidez única. Somente 2% representaram gestações duplas. Gestação Múltipla é aquela que ocorre na presenção de dois ou mais fetos, e se realciona a maior idade materna, com a raça negra, multiparidade, história familiar, técnicas de indução da ovulação ou fertilização assistida (BRASIL, 2006). Este tipo de gravidez representa um maior risco, tanto para mulher quanto para o feto. A maioria das gestantes adolescentes foi submetida ao parto cesárea, perfazendo um total de 55% dos partos realizados. Os demais 45% correspondem ao parto normal. 132 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 dos RNs de mães adolescentes está entre 3000 a 3999 kg correspondendo à 63% dos nascidos, 24% de 2500 a 2999 kg, 6% de 1500 a 2499, 5% de 4000 a mais kg, 1% de 500g a 999g e 1% de 1000 a 1499kg. Os AIG são aqueles que se encontram na curva de referência, situados entre os percentis 10 e 90, os PIG estão abaixo do percentil 10 (abaixo de dois desvios padrão) e os GIG acima do percentil 90 (NADER; PEREIRA, 2004). Alguns estudos referem que RNs PIG (Pequenos para a Idade Gestacional) e GIG (Grandes para a Idade Gestacional) são mais suscetíveis a alguns problemas como, por exemplo, sofrimento respiratório, icterícia e descontrole metabólico. As anomalias congênitas, a frequência e quais os tipos destes que podem ocorrer, sendo que fica evidenciado no mesmo que na maioria dos nascimentos estão livres de más formações congênitas, e que a representatividade das que ocorrem é bem pequena. Na presente pesquisa foram encontradas anomalias do aparelho osteomuscular, testículo não decido (criptorquídea), fenda labial e fenda palatina, sendo que é importante avaliar a confiabilidade das notificações desta categoria, pois mesmo existindo espaço para escrever detalhadamente o tipo de anomalia, estudos apontam que existem lacunas no preenchimento deste campo de informação (LUQUETTI; KOIFMAN, 2010), pois muitas anomalias não são visíveis, muito menos nos primeiros dias de vida onde a DN é preenchida. O local no qual ocorrem os partos das gestantes adolescentes, pode-se observar que a maioria são realizados em ambiente hospitalar. Tempos atrás a maioria dos partos eram realizados por parteiras que ao longo da vida adquiriam conhecimento e prática para prestar assistência à mulher no período gestacional e ao recém-nascido. Com o surgimento da obstetrícia moderna e em nome da redução da mortalidade materna e infantil o parto é institucionalizado. Perfazendo uma estimativa a partir da análise geral dos dados coletados na pesquisa, tem-se que a gravidez na adolescência tem seus níveis reduzidos nos últimos anos, atribuem-se às campanhas e políticas públicas voltadas aos adolescentes, mas também evidencia- se a partir de leituras feitas para fundamentar a pesquisa que a 3.2 DADOS RELACIONADOS AO RECÉM NASCIDO Estima-se que a idade ideal para gestar esteja entre 20 e 30 anos, pois autores referenciam que a saúde da criança se relaciona com a idade materna e a época do nascimento; assim, considera- se que a gravidez na adolescência pode gerar maiores riscos para os bebês, pois os mesmos podem nascer prematuramente, ter baixo peso e apresentar maiores índices para mortalidade perinatal, sendo ainda que este evento na vida dos jovens faz com que eles busquem a construção de uma nova identidade, a de mães e pais (CARVALHO; 2004). A representação do sexo de maior incidência entre os Recém Nascidos de mães adolescentes nos últimos anos, pode-se visualizar que 52% são do sexo masculino e 48% do feminino. Popularmente, costuma-se dizer que nascem mais meninos do que meninas, porém eles são mais frágeis, tendo maior índice de morbimortalidade no período neonatal e em todas as demais fases da vida, mas não se conseguiu encontrar um artigo científico que se referisse especificamente a este fato. Quanto à raça/cor dos RNs, sendo que 89% são considerados de cor/raça branca, e 8% pardos e 3% preta. A região de estudo desta pesquisa é predominantemente de colonização alemã e estima-se, portanto, que este fato é o causador da maioria dos RN ser de raça/cor branca. Os Apgars de maior prevalência apontado no 1º e no 5º minuto de vida, podese perceber que a maioria dos RNs se apresenta na escala de classificação notas que variam de 8 a 10. A vitalidade do Recém Nascido é avaliada pelo Boletim de Apgar, no primeiro e no quinto minuto de vida. Os parâmetros são: frequência cardíaca, esforço respiratório, tônus muscular, irritabilidade reflexa e cor, sendo que estes são classificados com um escore variando de zero a dois. Com relação aos valores se estabelecem os seguintes critérios, se o somatório for maior que sete considera-se o RN em boas condições, o valor entre quatro e seis pode ser considerada leve depressão da vitalidade e se a soma for inferior a quatro indica que o RN está severamente deprimido (BARROS, 2006). A maior representatividade do peso 133 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 mesma se dá em classes socioculturais mais baixas, em que apesar do enfrentamento das mudanças relacionadas à mesma ainda se tornam vulneráveis as adversidade que a gravidez pode causar, sendo que a gravidez não pode ser vista sob o mesmo olhar para todas as adolescentes, pois em alguns casos a gestação é vista de forma positiva. ser desempenhado pelos enfermeiros enquanto educadores em saúde. Através do desenvolvimento da pesquisa pode-se perceber que o maior número de nascimentos de crianças, filhas de adolescentes, está na faixa etária compreendida entre os 15 e 19 anos de idade. Também se apresentou o período escolar das adolescentes, sendo que a maioria delas possuía um grau de escolaridade correspondente a 8 e 11 anos de estudo, em que a gravidez pode ser vista de forma negativa, pois pode atrapalhar o desenvolvimento escolar e acabar estando associado ao fato de a maioria delas serem solteiras e, portanto, terem de assumir as responsabilidades com a criança sozinhas. Em relação ao período gestacional, a maioria delas tem o parto a termo, ou seja, o que corresponde ao número de semanas desejadas. A maioria das gestantes teve gravidez única e o parto de maior incidência foi a cesariana, esta considerado um ato cirúrgico. Quanto aos dados com o RN: pode-se concluir que estes, em sua maioria, são do sexo masculino, de cor/raça branca, fato que se acredita estar ligado à colonização alemã da região estudada. Quanto ao peso, os RNs, na sua maioria, apresentaram um peso considerado adequado, variando entre 3000 a 3999 Kg. Em relação à presença de malformações congênitas, a maioria dos RNs não apresentava, mas as que apareceram foram as anomalias do aparelho osteomuscular, criptorquídea e fenda labial e palatina. Frente à problemática apresentada, vê-se a necessidade do trabalho do profissional Enfermeiro, pois esta é uma relevante temática. Os enfermeiros devem atuar em educação em saúde de forma a conscientizar os jovens e também trabalhar a família destes, a escola que os acolhe, de forma a proporcionar conhecimento, atuando de forma preventiva e assim reduzindo ainda mais estes índices, fazendo da adolescência um período positivo e não ocorrendo a inserção na vida adulta de forma forçada.Por fim, o estudo possibilitou conhecimento acerca da adolescência e suas peculiaridades, das diferentes formas como é encarado este período de transformação de um ser criança para o enfrentamento das adversidades da vida adulta. A partir do CONCLUSÃO Conclui-se que a resposta à inquietação que levou à proposta deste estudo, bem como o objetivo delimitado por esse trabalho foram atendidos. A metodologia utilizada, uma pesquisa documental com abordagem quantitativa, revelou-se adequada para o alcance da proposição. A tr a v é s d a l e i tu r a d o s a r ti g o s pesquisados, pode-se observar que existe uma preocupação científica em relação à gestação na adolescência, mas apesar de serem identificados conteúdos relacionados à temática, também se percebeu que estas discussões versam mais sobre a gestação/maternidade sob o ângulo negativo, como um entrave social à vida desses jovens e um perigo constante para as crianças geradas nestas condições. Também raramente são identificados aspectos relacionados ao gênero, pois as pesquisas giram em torno do ser feminino/maternidade. Sobre as limitações desta pesquisa, é possível apontar a pouca informação ou a falta de clareza encontrada em algumas DNs. Esse fato dificultou a coleta de dados e, por isso, muitas vezes, suscitou dúvidas quanto à amostra e ao tipo de análise. A metodologia é um aspecto importante de um trabalho de pesquisa, pois delineia o caminho percorrido e, portanto, deve ser tratado com cuidado. Outra limitação diz respeito ao fato que nem todas as DNs estavam lançadas no sistema de informação, dificultando o acesso as mesmas e, portanto, foi preciso ir pessoalmente a algumas instituições, o que demandou maior tempo na coleta. Muitas são as políticas públicas voltadas à saúde do adolescente, no sentido de promoção da saúde e dentro desta perspectiva a sexualidade precisa ser contemplada, com o objetivo de prevenir a gravidez não planejada e/ou desejada, que pode intervir na vida e no futuro desses jovens. Aqui se destaca o importante papel a 134 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 sexualidade e reprodução. In.: BRASIL. Adolescer: compreender, atuar, acolher: Projeto Acolher/Associação Brasileira de Enfermagem. Brasília: ABEN, 2001. MELSON, K. A. et al. Enfermagem materno – infantil: planos de cuidados. 3ªed. Rio de Janeiro: Reichmann & Affonso, 2002. M O T TA , M . e t a l . Vi v ê n c i a s d a m ã e adolescente e sua família. Rev. Saúde Pública [online]. Maringa, v. 26, no.1, p.249-256,2004. D i s p o n í v e l e m : http://www.scielo.br/pdf/rsp/v37n1/13540.p df.Acesso em: 15/04/2011. NADER, S. S.; PEREIRA, D. N. Atenção integral ao recém-nascido: guia de supervisão de saúde. Porto Alegre: Artmed, 2004. OLIVEIRA, S. D. DE. Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed., Rio de Janeiro: DP&A, 2002. OLIVEIRA, T. C. de; CARVALHO, L. P.; SILVA, M. A. da. O enfermeiro na atenção à saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes. Rev. bras. enferm. [online]. 2008, vol.61, n.3, pp. 306-311. ISSN 0034-7167. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v61n3/a05v6 1n3.pdf. Acesso em: 04/09/2011. OMS. 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Acesso em: 28/04/11. estudo vê-se a necessidade da persistência no que tange à conscientização do serviço de saúde, no sentido de programar atividades de conscientização da gravidez na adolescência, suas formas de prevenção e a vulnerabilidade a que ela está associada. REFERÊNCIAS ALVES, P. B. BRASIL, K. T. FARUDA, C. C. Fatores de risco e proteção: considerações sobre gênero. Adolescência e juventude: risco e proteção na realidade brasileira. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2009. ALEGRANZZI; J. WEBER, V. B. P. Z. Gravidez na Adolescência e a Evasão Escolar Percepções e Dificuldades. Trabalho de Conclusão de Curso. Sociedade Educacional Três de Maio. Faculdade Três de Maio. Curso de Bacharelado de Enfermagem. Três de Maio 2007. BARROS, S. M. O. de. Enfermagem no ciclo gravídico – puerperal. Barueri, SP: Manole, 2006. ________.Ministério da Saúde. 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Por isso, este estudo teve como objetivo identificar o sucesso ou insucesso da amamentação exclusiva até o sexto mês de vida da criança, tendo como sujeitos da pesquisa, cinco lactantes pertencentes a uma unidade de Estratégia de Saúde da Família em um município de pequeno porte da Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Esta pesquisa tem natureza qualitativa, do tipo exploratória e descritiva. A coleta de dados se deu através da observação indireta, com auxílio de um diário de bordo e uma entrevista semiestruturada com perguntas abertas e fechadas, a qual foi gravada, transcrita e analisada por categorias temáticas, respeitando os preceitos éticos da Resolução nº196/96. Foi possível concluir que o aleitamento materno depende de fatores que se relacionam à mãe, como a sua atitude frente à amamentação, e outros, se referem à criança e ao entorno familiar. As influências culturais, as respostas aos diferentes problemas do cotidiano, os serviços e profissionais de saúde também influenciam neste processo. A técnica de amamentação necessita de apoio adequado e contínuo. Inúmeras maneiras de promover, estimular e apoiar o aleitamento materno vem sendo experimentadas, mas muito ainda precisa ser feito, pois apesar de o leite materno e suas vantagens serem reconhecidas, o emprego da amamentação não ocorre de forma adequada e se revela em um problema de saúde pública. Foi possível verificar com esta pesquisa que questões relacionadas à formação do vínculo nos primeiros dias de vida do bebê, o apoio recebido durante a gravidez, parto, puerpério e durante todo o tempo em que o aleitamento se faça presente, bem como o manejo adequado e as orientações recebidas sobre as suas vantagens são fatores preponderantes, relacionados ao sucesso desta prática tão importante para o bemestar presente e futuro das crianças e de suas mães, bem como para a comunidade e para os serviços de saúde de modo geral. Também é importante a presença da enfermeira, consciente e capacitada, preocupada com a efetivação de um aleitamento materno positivo e de sucesso. Palavras-Chave: Aleitamento materno. Apoio. Lactante. Vínculo. ABSTRACT Exclusive breastfeeding until sixth months of age is recommended by OMS, because this is the healthier feed form during this period. It is known that there are many reasons which induce to failure of this practice and, consequently, to early weaning. So this survey had as its main purpose to identify the success or failure of exclusive breastfeeding until sixth months of child age, having as research subjects five lactating belonging to a ESF center in a small city of northwest region of RS State. This research is of qualitative, exploratory and descriptive approach. Data collection was through indirect observation with the aid of a logbook and a semi-structured interview with open and closed questions, which was recorded, transcribed and analyzed for themes, respecting the ethical guidelines of resolution 196/96. It was possible to conclude that breastfeeding depends on factors that are related to the mother, as her attitude towards breastfeeding, and others refer to the child and family environment. Cultural influences, the responses to the various problems of daily life, services and health professionals also influence this process. Breastfeeding technique requires adequate and continued support. A lot of ways to promote encourage and support breastfeeding has been tried, but much remains to be done, because although breast milk and its benefits are recognized, the use of breastfeeding doesn't occur properly and is revealed in a public health problem. It was verified in this research issues related to bond formation in the first days following birth, the support received during pregnancy, childbirth, postpartum and during the entire time that breastfeeding is made present, and the proper management and guidance received on its benefits are important factors related to the success of this practice so important to the welfare of present and future children and their mothers, and to the community and health services generally. It is also important the presence of the nurse, aware and empowered, concerned with the effectiveness of a positive and successful breastfeeding. Keywords: Breastfeeding. Support. Lactating. Bond. ¹Acadêmica do Curso Bacharelado em Enfermagem da Sociedade Educacional de Três de Maio – SETREM. E-mail: [email protected] 2 Enfermeira, Mestre em Enfermagem, Professora do Bacharelado em Enfermagem da SETREM, e mail: [email protected] 3 SETREM Sociedade Educacional Três de Maio, Av. Avaí, 370 Três de Maio - RS, E -mail: [email protected] 136 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 insucesso do aleitamento materno exclusivo como é preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Foram respeitados os preceitos éticos da Resolução 196/96 do Coselho Regional de Saúde. 1. INTRODUÇÃO Todos os seres são constituídos a partir de processos culturais que lhe colocam no mundo dos significados. Pode-se dizer que fora de sistemas culturais não existem grupos humanos. Com isso, são construídas diferentes formas de vida, variando entre lugares, povos e períodos históricos. Frente a essa diversidade de organização do mundo, passam a existir modos de vida e culturas hegemônicos. Assim, existe também a criação de mitos e conceitos quanto a tipos de organizações culturais, inclusive, significados das mais diversas formas, o ato de amamentar. 3. UNIVERSO DA AMAMENTAÇÃO A amamentação sempre é um tema relevante no contexto de saúde voltado a mulheres e seus filhos. O aleitamento materno está ligado a determinantes sociais, épocas, ideias, valores, costumes e manifestações de cultura. Além disso, sabese ainda da existência de outros fatores que influenciam este processo, podendo ser de ordem fisiológica, física, psicológica ou emocional. Embora existam fatores interrelacionados que afetam o sucesso do aleitamento materno, pode-se destacar a falta de informações sobre o tema. A presença de forças que podem desestimular a amamentação, como palpites, interferência de estranhos, problemas relacionados com a mama, medos, ansiedades, preocupações também estão relacionados nesse caso. De modo geral, a cultura influencia na vida das pessoas, no comportamento, nas crenças, nas emoções, na estrutura familiar e nas atitudes frente a doenças. Na cultura aprende-se a distinguir, definir e entender certas funções como, por exemplo, no período do puerpério torna-se indispensável o apoio da família, seja ele por parte das avós, companheiro, tias, irmãos ou amigos. Com isso, os profissionais da saúde necessitam construir um cotidiano de cuidados junto às mulheres e seus familiares para promoção e proteção do aleitamento materno, o qual proporcionará um melhor entendimento das práticas populares que interferem no sucesso ou insucesso da amamentação exclusiva. É preciso integração no cotidiano familiar para observar vivências e ressignificar novos conceitos e cuidados sobre amamentação. O profissional de saúde tem condições de modificar e melhorar o apoio e a proteção à lactante tem condições de remover muitos obstáculos. É importante que ele se sinta responsável pelos casos de insucesso de amamentação sob sua orientação e busque a razão de cada insucesso, refletindo sobre o que poderia ter sido feito a mais e melhor [...] todos os recursos utilizados pelas famílias, pessoas leigas e por terapeutas populares, onde a apreensão do saber se constrói no cotidiano e se transmite de geração a geração, e cujo fazer não está ligado a serviços formais de saúde (CAMPOS, 2008, p.2). Dentre as várias atuações do enfermeiro está o incentivo e o manejo adequado do aleitamento materno, o que torna imprescindível uma assistência humanizada e individualizada, que observe não só o lado infantil, mas também o materno, dentro de suas singularidades. Dessa forma, pretendeu-se avaliar os fatores culturais que influenciam o aleitamento materno. Período que se caracteriza por momentos de alegria, mas também de insegurança, medo, conflitos, ansiedades. Essa fase pode ser muito mais tranquila se a mãe aceitar o puerpério como um período de adaptação em que necessita de apoio, ajuda e certos cuidados de seus familiares. 2. METODOLOGIA A pesquisa foi de abordagem qualitativa, do tipo exploratório descritiva desenvolvida com lactantes, durante Visitas Domiciliares (VDs) indicadas pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) de uma unidade da Estratégia de Saúde da Família (ESF) de um município da Região Noroeste do Estado Rio Grande do Sul (RS). Foi feita uma observação indireta do dia-a-dia dessas famílias, com o auxílio de um diário de bordo e também de uma entrevista semiestruturada com perguntas abertas e fechadas com o objetivo de identificar o sucesso ou o 137 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 foi constituída por lactantes que foram identificadas como L1, L2, assim sucessivamente, cujos bebês tinham idades variadas de 0 a 6 meses, período considerado ideal pela OMS para que seja mantido o aleitamento materno de forma exclusiva, tendo em vista suas inúmeras vantagens tanto para a mãe quanto para o bebê. Entenda-se por exclusivo o aleitamento materno único, livre de qualquer tipo de complemento. (LANA, 2001). Lana (2001) cita que, “se o profissional de saúde for capaz de mostrar a mãe relutante em amamentar, como fazê-lo poderia ajudá-la a resolver seus próprios problemas, a mãe evidentemente se interessaria mais por amamentar” (p.137). Os profissionais devem estabelecer laços com a mãe para que ela crie vínculo com seu filho pensando no bem estar dele, tornando um laço afetuoso forte entre ambos, é preciso que o profissional de saúde fale que amamentar com prazer faz com que a criança se torne mais inteligente, possibilita o sucesso nas escolas e assim, futuramente, além de ser mais equilibrada psicologicamente. Os profissionais de saúde aprendem ao longo de sua trajetória a identificar e resolver problemas. Mas, para poderem ajudar a resolver os problemas, não basta informar às pessoas, é também necessário ajudar a procurar as causas das dificuldades e sugerir formas de resolvê-las. Aconselhar não significa dizer como se deve fazer ou não, mas propor atuações respeitando a pessoa nas suas crenças, convicções, pensamentos. Aconselhar significa trabalhar com as pessoas, compreendendo como se sentem, e ajudando-as a decidir o que fazer (BUENO; TERUYA, 2004). Os enfermeiros podem estabelecer alguns itens a serem trabalhados durante a amamentação, dentre eles estabelecerem uma relação de confiança e respeito e a partir disso mostrar interesse e disponibilidade para que ela se sinta confortável ao trocar informações. Agir como um verdadeiro apoiador e aconselhador. LACTANTE IDADE Nº DE GESTAÇÃO E EC ESC AO RENDA HIA Costureira 1 Salário Sim Massagista / Costureira 1 Salário Sim Do Lar 2salários Sim Doméstica 2salários Sim Doméstica / Do Lar 2salários Sim 2 L1 34 I C 2º 2 L2 26 II* C 2º L3 20 I C 2º 2 2 L4 31 I C 2º 2 L5 28 II C 1º Figura 02: Quadro referente ao perfil das entrevistadas. Legenda: L: Lactante. EC: Estado Civil. ESC: Escolaridade. AO: Atividade Ocupacional. HIA: História Individual da Amamentação. * Aborto. Referente ao perfil das entrevistadas, pode-se perceber que eram lactantes na faixa etária de 20 a 34 anos de idade. Em relação ao número gestacional, a maioria das entrevistadas eram primíparas, sendo todas casadas. No que diz respeito à renda familiar, percebeu-se que esta variava de um a dois salários mínimos. As profissões foram variadas, mas todas possuíam Ensino Fundamental ou Médio completo, exceto uma. O fato de as mães terem uma situação estável e contarem com o apoio de seu companheiro parece exercer influência positiva no aleitamento materno, mas frisa-se a importância de aumentar a informação dos pais sobre as vantagens do aleitamento materno para que estes possam manejar melhor a situação do casal. Quanto à influência da paridade materna na decisão do tipo de aleitamento, este é fator discutível. As primíparas costumam introduzir alimentos complementares mais precocemente, já as multíparas relacionam o modo como seus filhos anteriores foram amamentados (FALEIROS; TREZZA; CARANDINA, 2006). 4. DESVELANDO A REALIDADE Para análise e discussão dos dados, foram formadas categorias de análise proposta por Minayo (2007), a fim de confirmar ou não o pressuposto da pesquisa. Na sequência do trabalho o autor conhecerá os resultados alcançados, sendo apresentados em formas de tabela e citações, facilitando, assim, o entendimento. 4.1 DEMONSTRANDO O PERFIL DAS ENTREVISTADAS No que tange as entrevistas à amostra 138 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 A história individual da amamentação revela que todas as lactantes foram amamentadas por suas mães, o que de certa maneira contribui de forma positiva e prévia no estímulo quanto ao desejo de amamentar. Carvalho; Tamez, (2005) contribuem afirmando que a mulher que alimenta seu filho está revivendo inconscientemente sua própria amamentação. Se esta foi feliz, gozará em repetir a mesma experiência satisfatória com seu próprio filho. de observação indireta pôde perceber o sentimento de orgulho, felicidade, cuidado, carinho, troca de olhares, risos, conversas e alguma confiança. As mães demonstravam formação de vínculo com seus filhos. Um recorte do diário de bordo da pesquisadora demonstra claramente o citado acima: “durante a mamada era visível o vínculo entre mãe e filho, o semblante de satisfação com o ato de amamentar. Não é de charme que ela falou em mãe coruja e seus olhos brilhavam. O sentimento é notável, e não vem de hoje, segundo ela, existe apoio e influência da família. Não podemos acreditar em tudo o que a pediatra fala!”. Segundo Lana (2001), uma mãe que amamenta pode não falar facilmente sobre os seus sentimentos, especialmente se ela é tímida ou se está com alguém que ela não conhece bem. Portanto, cabe ao profissional de saúde ter habilidade de entender os sentimentos que existem, ajudando caso necessário, ouvindo-a fazendo-a sentir-se segura naquele momento. O vínculo garante o desenvolvimento, o cuidado, e, portanto, o bem estar da criança, mas este sentimento é influenciado pela relação da mulher com seu entorno social e sua história pessoal. A mulher que teve uma boa infância, que foi amada e cuidada por seus pais poderá mais facilmente criar vínculos com seus próprios filhos, mas a formação deste ainda estará sugestionada pela aceitação da gravidez, pelo desenvolvimento do trabalho de parto e parto e pela aceitação e apoio recebido no pósparto. 4.2. FORMANDO CATEGORIAS DO CAMPO EMPÍRICO DA PESQUISADORA Pode-se abstrair por similaridade do conteúdo abordado e tendo suporte o referencial teórico as seguintes categorias: vínculo entre mãe e filho, apoio recebido, manejo da amamentação e vantagens do aleitamento materno. 4.2.1 Vínculo entre mãe/filho Sobre o vínculo entre mãe e filho percebeu-se, durante as visitas domiciliares, a importância da amamentação como fortalecedor dos vínculos. Lana (2001), afirma que vínculo afetivo mãe-filho é uma ligação emocional, forte e duradoura. Portanto, vínculo é um processo que deve começar o mais breve possível e que quando bem estabelecido forma uma poderosa união, levando as mães a fazerem qualquer sacrifício por seus filhos. “Sinto-me bem, tenho orgulho de dar o alimento ao meu filho, passar segurança, da maior vínculo, um contato que não sei explicar; é uma sensação boa” (L1, 2010). “Como mãe sinto um sentimento maravilhoso, uma satisfação, da alegria em vê-la mamando, me sinto feliz, importante” (L2, 2010). “Fico muito feliz em amamentar meu filho, sinto amor, carinho, ternura, porque o bebê também é carinhoso comigo, quando beijo ele, ele da risada, conversa brinca é esperto e atento” (L3, 2010). “Sinto-me importante, é tão bom quando ela mama a gente troca carinho, amor, ficamos juntinhas, e eu a protejo no meu colo e com meu leite por isso que falam que mãe é mãe”(L5, 2010). A pesquisadora através do processo 4.2.2 Apoio recebido Amamentar é uma prática natural, faz parte da fisiologia feminina, mas precisa ser aprendida. Algumas mulheres têm mais sorte do que outras e conseguem amamentar sem problemas, mas muitas precisam de apoio para continuar, principalmente se trabalham fora de casa ou ainda se a criança chora muito (KING, 2001). Foi notória durante a observação indireta que as lactantes estimam ao apoio familiar, bem como a influência de conselhos que recebem durante a amamentação. Um recorte do diário de bordo pode demonstrar isso, “a mãe durante a conversa fala que tem 139 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 sem nenhum problema. Além de desejar ter leite suficiente para dar enquanto ele precisar” (L5, 2010). apoio familiar, e que recebeu muitos conselhos durante a gravidez e depois, como de tomar bastante chá doce para dar leite”. As influências recebidas, como podem ser percebidas acima, também podem influir de forma negativa no processo de aleitamento materno. L1 confidenciou a pesquisadora “que deu chá de ameixa para o nenê por ele estar ressequido” e também em outra visita “que está oferecendo mamão em jejum para ajudar [...] a ter mais facilidade de evacuar” (Diário de Bordo, 2010). A pesquisadora, durante as visitas diárias, não evidenciou a presença constante da família, mas sim de algumas visitas de amigas ou familiares. Em uma residência pôde-se observar a presença constante da sogra, pois ambas residem no mesmo local. Giugliani (2005) refere que as avós costumam ter grande influência nas decisões relacionadas ao aleitamento materno, o que pode ser um problema, pois muitas tiveram seus filhos em época que o aleitamento materno exclusivo não era valorizado. Embora a amamentação seja fortemente influenciada pelo meio em que se vive, o profissional da saúde deve respeitar as diferenças culturais e as decisões da família, pois no mundo em que vivemos nos deparamos com diversos tipos de crendices que contribuem ou não para o sucesso da amamentação exclusiva. O apoio recebido também influenciará os desejos e as expectativas maternas. Quando entrevistadas, demonstraram conhecimento da importância da amamentação como uma forma saudável de alimentação de seus filhos, e, portanto, o desejo de mantê-la de forma duradoura. O que pode ser visualizado nas falas a- baixo: Ainda é grande o desconhecimento de vários aspectos do aleitamento materno, incluindo o significado da amamentação e o seu valor. É sabido que o conhecimento não garante mudança de atitude, mas ele com certeza é um passo importante no processo de mudança do comportamento. Embora a amamentação seja um processo biologicamente determinado, ela é socialmente influenciada e, portanto, ela deve ser aprendida e apoiada (GIUGLIANE, 2005). 4.2.3 Manejo da amamentação Referente às condições de manejo, as lactantes mostravam-se seguras e confiantes quanto à amamentação de seus filhos. Porém nem todas desempenham cuidados minuciosos na hora da amamentação, estabelecendo assim uma barreira para o sucesso do aleitamento materno exclusivo até o 6 mês de vida da criança. Foi possível perceber que a maioria das mães procurava sentar-se confortavelmente no sofá, e colocar o bebê no colo próximo ao seu corpo, olhando nos olhos um do outro, ficando assim por cerca de 15 minutos. Os bebês maiores mexiam as pernas, mamavam, brincavam, prestavam atenção e voltavam a brincar e a mamar. Através do exposto no referencial teórico e do observado, foi possível evidenciar que as mães seguravam corretamente seus bebês, aproximando-os de seus corpos e de suas mamas. Durante as visitas domiciliares existe uma grande oportunidade para instruir e educar a lactante. Isso é benéfico tanto para mãe quanto para o bebê, pois sem o apoio e suporte durante a amamentação as mães podem apresentar algumas dificuldades e desistir. O profissional da saúde pode ajudar a mãe a ter êxito no processo de amamentação fornecendo soluções para as dificuldades, contribuindo para uma amamentação correta e duradoura (CARVALHO; TAMEZ, 2005). “sim, estou amamentando e quero amamentar até quando terminar meu leite. Porque sei que é importante e melhor para ele” (L1, 2010). “ é a pr im e ir a v e z que e s t ou amamentando e quero amamentar até onde ela (bebê) quiser, decidir e eu tiver leite para oferecer” (L2, 2010). “desejo que ela cresça saudável assim como o outro, feliz sem doença para que depois possa brincar correr, estudar 140 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 A duração das mamadas deve ser regulada pela necessidade do bebê. Nenhum valor de tempo arbitrário deve ser estabelecido. As diferentes composições do leite durante a mesma mamada são fatores importantes para que não se estabeleçam limites de tempo para cada mamada (CARVALHO; TAMEZ, 2005). Durante o período de aleitamento materno são comuns algumas dificuldades, principalmente no início. Pôde-se perceber algumas dificuldades através dos recortes abaixo: “o momento mais difícil foi no início, eu não tinha bico e ele não queria mamar” (L3, 2010). “difícil foi no começo porque tinha medo de não conseguir” (L4, 2010). “os primeiros dias ela não queria mamar, mas eu não desisti sabia que era assim mesmo, até que ela mamou e continua até hoje” (L5, 2010). Outros problemas comuns que podem surgir no decorrer da amamentação são a fissura mamilar e o ingurgitamento mamário, mais raramente, a mastite. A fissura mamilar ou rachadura (como é conhecida popularmente), é causada pela má pega do bebê, muitas vezes aliada ao uso de óleos ou pomadas nos mamilos. Uma orientação correta e observação sistemática da mamada por profissional treinado irá solucionar o problema. No Brasil, os poucos estudos que avaliam a técnica de amamentação já detectaram vários problemas deixando clara a necessidade de ações que objetivem a melhoria desta, para que as mães venham a amamentar por mais tempo e com mais conforto (GIUGLIANI, 2005). verificar que as mães possuem informações sobre a importância e as vantagens do aleitamento materno. “Sei que é importante e melhor para ele” (L1, 2010). “Pra ela é importante porque é saudável, forte, deixa a pele e o cabelo mais bonito e corado, ela não tem dor é tranquila, calma” (L2, 2010). “É importante para saúde do bebê, pro bem dele” (L4, 2010). O leite materno é o alimento adequado para o perfeito desenvolvimento nutricional e imunológico das crianças. Quimicamente o leite humano possui água, proteína, energia, lipídios, carboidratos, alem de vários minerais e vitaminas. No sentido do poder imunológico, o leite materno contém imunoglobulinas e vários outros componentes solúveis e celulares que podem prevenir doenças infecciosas agudas na infância, além das crônicas não transmissíveis na vida adulta (CARVALHO; TAMEZ, 2005). Além de proteção e nutrição, o leite materno também confere praticidade e economia, como pode ser visualizado no recorte da fala de L5 (2010): “é bom para as duas, é saudável, prático tá sempre na mesma temperatura é só sentar e dar de mamar. Também não causa doença tão fácil no nenê, porque a protege”. Amamentar representa menos trabalho para a mãe, pois ela conta com o alimento de seu filho sempre à mão e também de uma maneira prática, pois não precisa aquecer e nem levantar de madrugada para prepará-lo, tornando também o aleitamento uma comodidade. 4.2.4 Vantagens do aleitamento materno. O aleitamento materno é sabidamente cheio de vantagens para mãe e para criança. Isso vem sendo divulgado, sistematicamente, pela mídia e por vários trabalhos científicos. Os serviços de saúde têm a responsabilidade de repassar essas informações, criando multiplicadores que irão contribuir de forma efetiva para o sucesso da amamentação. Durante a entrevista foi possível CONSIDERAÇÕES FINAIS O aleitamento materno depende de fatores que influem positiva ou negativamente em seu sucesso. Alguns fatores se relacionam à mãe, como, por exemplo, as características de sua personalidade e sua atitude frente à amamentação, outros ainda se referem à criança e ao ambiente em que se encontram, como as condições do parto e do puerpério, havendo também fatores externos como o 141 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 trabalho materno e as suas condições de vida. São possíveis causas da não efetivação do aleitamento materno e, consequentemente, do desmame precoce, as ligadas ao ambiente, à personalidade materna, as suas emoções, à relação como marido e à família, às influências culturais, e a resposta aos diferentes problemas do cotidiano. Também podem estar relacionadas aos serviços e profissionais de saúde que precisam estar melhor capacitados e, principalmente, o fato de que enfatizam mais o aspecto biológico em detrimento de questões subjetividades das mulheres. A opção por iniciar a amamentação é bem comum para a maioria das mães; contudo, nem sempre esta sensibilização inicial é suficiente. A técnica de amamentação necessita de apoio adequado e contínuo, e se esse suporte não está disponível nos serviços de saúde. A partir disso, inicia-se um processo de sofrimento materno, tanto no aspecto físico quanto psicológico, que aliado ao discurso do leite fraco ou insuficiente realizado pelas pessoas que convivem com a mulher, acelera a introdução precoce de outros alimentos, culminando com o desmame. Inúmeras maneiras de promover, estimular e apoiar o aleitamento materno vêm sendo experimentadas em todo o mundo, com algumas estratégias básicas como o acompanhamento pré-natal, alojamento conjunto, propagandas, capacitações e formação de grupos. Muito ainda precisa ser feito, pois apesar de o leite materno e suas vantagens serem reconhecidas, o emprego da amamentação parece não ocorrer de forma adequada e esta dificuldade se revela em um problema de saúde pública, pois é crescente o número de mães que optam por outros tipos de alimento. Além das condições culturais, os fatores sociais psíquicos e biológicos, resultam em um processo acumulativo de informações que transmitidos entre gerações influenciam diretamente o processo da amamentação. As hipóteses levantadas no início deste trabalho foram parcialmente comprovadas, pois não foi possível observar práticas populares relacionadas à amamentação durante as visitas e também nas entrevistas. Também não foi possível comprovar que classe social, condição financeira e de trabalho possam interferir no processo de aleitamento materno. Entende-se que os objetivos foram alcançados, com exceção da identificação e análise de atravessamento de práticas laicas e populares, visto que durante todo o tempo de coleta estas não foram observadas ou relatadas pelas mães, mas durante conversas informais, as quais esta pesquisadora reporta em seu diário de bordo, duas mães revelaram oferecer frutas ou chás para o seu bebê, pois os mesmos apresentavam cólicas ou dificuldade para evacuar. Foi possível verificar com esta pesquisa, que questões relacionadas à formação do vínculo nos primeiros dias de vida do bebê, o apoio recebido durante a gravidez, o parto, o puerpério e durante todo o tempo em que o aleitamento materno se faça presente, bem como o manejo adequado e as orientações recebidas sobre as vantagens do aleitamento materno são fatores preponderantes, relacionados ao sucesso desta prática tão importante para o bem-estar presente e futuro das crianças e de suas mães, bem como para a comunidade e para os serviços de saúde de modo geral. Salienta-se a importância de redes de apoio e movimentos sociais no sentido de promoção do aleitamento materno, como uma tática possível e efetiva de conscientização popular. Também importante é a presença da enfermeira, consciente e capacitada, preocupada com a efetivação de um aleitamento materno positivo e de sucesso. Para que o aleitamento materno seja uma prática de sucesso, é preciso, cada vez mais, discussões e capacitações em torno do tema, pois este nunca se esgota e todos os esforços para sua melhor efetivação são validos e necessários. A Enfermagem precisa estar engajada nesta proposta. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº196/96. Brasília: MS, 1996. BRASIL. Ministério da Saúde. Cartilha Política Nacional de Alimentação e Nutrição, Brasília, 2003. BUENO, M. B. et al. Riscos associados ao processo de desmame entre crianças nascidas em hospital universitário de São Paulo, entre 1998 e 1999: estudo de coorte prospectivo do primeiro ano de vida. 142 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Cadernos de Saúde Pública. Vol. 19, n. 5, 2003. p. 1 MALDONADO, M. T.; DIEKSTEIN, J.; NAHOUM, J. C. Nós estamos grávidos. 10. ed, São Paulo: Saraiva, 1997. B U E N O , L . G . S . ; T E R U YA , K . M . Aconselhamento em amamentação e sua prática. 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Acesso em 22/03/2010, 15:30hs. 143 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 O PERFIL DOS ACIDENTES DE TRABALHO EM AGRICULTORES DE UM MUNICÍPIO DO NOROESTE GAÚCHO Fabiana Balsan ¹ Mirian Herath Rascovetzki ² Sociedade Educacional Três de Maio - SETREM ³ RESUMO ABSTRACT O século XX se caracterizou por um intenso processo de mudanças tecnológicas e organizacionais. A agricultura passou de um meio de subsistência a uma atividade orientada para a produção comercial. As políticas atuais situam o trabalhador rural como parte integrante da vigilância em saúde, com registros e investigação; logo, esta pesquisa objetiva identificar o perfil dos acidentes de trabalho com agricultores em um município do Noroeste Gaúcho. O critério de inclusão, deste trabalho, foi agricultores vítimas de acidentes no período de junho de 2006 a junho de 2011. Este é um estudo de abordagem quantitativa do tipo documental. A coleta foi através dos Relatórios Individuais de Notificações de Agravos (RINA), lançados no Sistema de Informação da Saúde do Trabalhador (SIST), compondo uma amostra de 126 trabalhadores. A análise foi realizada através do Epi Info. Foram respeitados os parâmetros da Resolução 196/96. Os trabalhadores pesquisados se encontravam entre 50 e 60 anos, com Ensino Fundamental incompleto e maioria do sexo masculino. Quanto ao diagnóstico, o mais prevalente foi os ferimentos de mão e de punho. As ferramentas manuais sem motor foram as maiores causadoras dos acidentes, seguidas pelas circunstâncias relativas ao trabalho e as agressões sofridas por pesticidas e agrotóxicos. A Estratégia de Saúde da Família (ESF), foi o local de atendimento preferencial e o ano de maior ocorrência foi o de 2007. O estudo realizado teve sua importância no mundo acadêmico e para a Secretaria Municipal de Saúde do município estudado. The XX century was characterized by an intense process of technological and organizational changes. Agriculture has become from a livelihood to an activity-oriented to the commercial production. Current policies place the rural worker as an integral part of health watchfulness, with records and investigation; thus this research aims to identify the profile of accidents at work with farmers in a city in the Northwest Gaucho. The criterion for inclusion in this study were farmers victims of accidents in the period of June 2006 to June 2011. This study is a quantitative approach of documental type. Data were collected through the Individual Reports Notification of Diseases (RINA), launched in the Information System of Occupational Health (SIST), composing a sample of 126 workers. The analysis was performed using Epi Info. The parameters of Resolution 196/96 have been respected. The workers surveyed were between 50 and 60 years, with Elementary School and most of them were male. As to diagnosis, the most prevalent injuries were on hand and wrist. The non-powered tools were the major causes of accidents, followed by work-related circumstances and the attacks on pesticides and chemicals. The Family Health Strategy (FHS), was the preferred place of care and the year of most frequent actions was 2007. The study had its importance in the academic world and the Municipal Health Department from the municipality, it will be a source of information for future research. Keywords: Occupational Health. Nursin., Agriculture. Palavras-chave: Saúde do Trabalhador. Enfermagem. Agricultura. 1Acadêmica de Bacharelado em Enfermagem Sociedade Educacional Três de Maio SETREM. 2 Professora Orientadora Msda Mirian Herath Rascovetzki. 3 SETREM Sociedade Educacional Três de Maio, Av. Avaí, 370 Três de Maio - RS, E -mail: [email protected] 144 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 1 INTRODUÇÃO A presente pesquisa se refere ao Tr a b a l h o d e C o n c l u s ã o d e C u r s o desenvolvido pela acadêmica do 8º semestre do Curso de Bacharelado em Enfermagem da Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, que possibilitou conhecer os acidentes dos trabalhadores rurais. Durante o percurso acadêmico e o convívio da autora com os trabalhadores rurais desde o nascimento, pode-se perceber a realidade dos acidentes que acontecem no meio rural, suas repercussões e sequelas que habitam a família por longos anos. Assim surge a necessidade da pesquisa para fundamentar e buscar entendimento desta complexa intercorrência no trabalhador rural, numa cidade de pequeno porte no Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (RS). A pesquisa tem como finalidade conhecer os fatores e os problemas que afetam trabalhadores rurais, em que será investigado qual o perfil dos acidentes de trabalho que mais ocorrem com eles. De acordo com o último senso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Rio grande do Sul possuía no ano de 2010 uma população de 10.695.532 milhões de habitantes, com uma taxa de urbanização de 85.1%. A população rural correspondia em números de 14.9%, essa população representa 27% Produto Interno Bruto (PIB) do Estado (IBGE, 2010). O município pesquisado possuía no ano de 2010 uma população de 23.726 mil habitantes desses 18.962 mil habitantes fazem parte da população urbana do município e 4.764 habitantes fazem parte da população rural (IBGE, 2010). De acordo com a história do município, o mesmo tem sua economia mantida pela agricultura familiar, mas sofreu nos últimos anos o êxodo rural de forma intensa criando verdadeiros bolsões de pobreza na periferia da cidade. Isso trouxe consequências sérias para o convívio de uma cidade do interior. As políticas atuais situam o trabalhador rural como parte integrante da saúde do trabalhador, ou melhor, dentro da vigilância em saúde, com seus registros e investigação quanto aos acidentes rurais, acidentes estes veiculados a uma instituição de saúde, sem contar as subnotificações. O sistema único de saúde vê a vigilância em saúde como um bloco único, mas na realidade é um serviço setorizado e burocrático, criando obstáculos para o desenvolvimento do trabalho. Uma das principais consequências da modernização da agricultura brasileira foi a substituição do trabalho manual pelo trabalho mecanizado. A introdução de instrumentos e insumos modernos nas tarefas agrícolas ampliou os tipos de acidentes de trabalho a que estão sujeitos os trabalhadores rurais. Se antes os acidentes de trabalho no meio rural estavam restritos basicamente a quedas, ferimentos com ferramentas c o m e n x a d a , f a c ã o e envenenamentos causados por animais peçonhentos, a manipulação de agrotóxicos e a utilização intensa de máquinas agrícolas ampliou consideravelmente os riscos a que estão sujeitos os trabalhadores rurais em seu trabalho diário (RODRIGUES; DA SILVA, 1986 apud SCHLOSSER et al., 2002, p.977). Escrever a pesquisa se destina à avaliação dos registros quanto aos acidentes rurais, notificados em instituição de saúde. A pesquisa sendo de caráter quantitativa, não deixa de mencionar o universo subjetivo que se encontra este trabalhador. Segundo o artigo 131 do decreto nº 2.172, de 05 de março de 1997, acidente de trabalho no meio rural é o que ocorre na realização do trabalho rural, a serviço do empregador, provocando lesão corporal, perturbação funcional ou doença que cause a morte ou redução permanente ou temporária da capacidade para o trabalho. De uma maneira geral, conforme expõem Schlosser et al., (2002, p. 978), com base em informações retiradas de Zócchio (1971), e UNESP (1994): o acidente de trabalho no meio rural pode ser considerado como sendo todo o acontecimento que não esteja programado e que interrompa, por pouco ou muito tempo, a realização de um serviço, provocando a perda de tempo, danos materiais e/ou lesão corporal. Neste sentido, o acidente é considerado grave quando resulta no afastamento do trabalho rural de sua atividade produtiva por um período igual ou superior a 15 dias (SCHLOSSER et al., 2002, p. 978). O tema abordado na pesquisa tem uma relevância muito grande pela importância 145 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 dessa classe trabalhadora para o desenvolvimento do Estado e os riscos que os mesmos estão expostos constantemente, bem como a escassez de estudos sobre a temática, é que se procurou realizar uma revisão bibliográfica sobre o perfil dos acidentes de trabalho que acometem a população rural. economia na atividade agrícola. A pesquisa documental se vale de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico ou que ainda podem ser elaborados de acordo com os objetivos da pesquisa (GIL, 2008). Há o desejo de que essa pesquisa documental sirva de subsídio para que o município do referente estudo consiga agregar as informações para a diminuição dos acidentes rurais. As informações que foram geradas a partir deste trabalho podem transgredir o mundo acadêmico para a saúde coletiva da população estudada, evidenciando os fatos, para que o público alvo se mobilize na conscientização da importância da prevenção e proteção. A partir da coleta de dados foi possível fundamentar com autores o panorama e os agravantes que apareceram. A leitura dos resultados obtidos não se restringe a uma leitura técnica, as autoras procuram elementos que identifique o mundo da subjetividade destes acidentes. A pesquisa foi desenvolvida dentro dos parâmetros da resolução Nº 196 de 10 de outubro de 1996 do Conselho Nacional de Saúde que dispõe sobre a pesquisa que envolve seres humanos (BRASIL, 1996). Foi elaborado e encaminhado um pedido à instituição em que a pesquisa foi desenvolvida para solicitar a autorização para coleta de dados (APÊNDICE A). O nome da instituição foi preservado e esta não terá custo nenhum com a pesquisa. Foram preservados os princípios da beneficência e não maleficência da autonomia e da justiça, e o termo garante que as informações obtidas irão preservar a identidade do paciente/usuário constante nos documentos analisados em anonimato, garantido assim a privacidade da identidade dos indivíduos envolvidos no trabalho. O projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética de uma Universidade Regional, onde sofreu avaliação com pedido de reformulação ou aprovação. Após ser aprovado, foram coletados os dados do estudo. 2 METODOLOGIA A pesquisa se faz essencial ao trabalho da Enfermagem, para tanto, Polit; Beck; Hungler (2004), afirmam que a mesma é essencial na assistência da clientela, sendo de grande importância para que os (as) enfermeiros (as) compreendam as inúmeras dimensões que envolvem sua profissão, pois são os resultados da pesquisa em Enfermagem que fundamentam as decisões, ações e interações com os clientes. O projeto de pesquisa seguiu uma abordagem quantitativa, do tipo documental, que foi realizada no segundo semestre de 2011. Todos os dados foram coletados com base na análise do RINA, (ANEXO A). A partir destes documentos foi elaborado um roteiro no Epi Info (APÊNDICE B), para o lançamento das informações que foram possíveis de serem levantadas com base nos referidos documentos. Este formulário do Epi Info seguiu os registros da RINA na sua versão digital para que os dados fossem lançados e analisados. Os dados que foram coletados corresponderam aos acidentes ocorridos com trabalhadores rurais de um município de pequeno porte que pertence à 14ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS), do RS, no período de junho de 2006 a junho de 2011. Foi registrado o número de casos de acidentes e também traçado o perfil dos mesmos. Para Richardson (1999), p.70: o método quantitativo, caracteriza-se pelo emprego da quantificação tanto nas modalidades de coleta de informações, quanto no tratamento delas por meio de técnicas estatísticas, desde a mais simples como percentual, média, desvio padrão, às mais complexas, como coeficiente de correlação, análise de regressão. 3 REFERENCIAL TEÓRICO Historicamente, ainda há uma grande A referente pesquisa se identificou com o município em estudo, pois o mesmo advém da agricultura familiar e mantém sua 146 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 dificuldade de atuar e abordar a questão de saúde com a questão de Saúde e Trabalho. Este entendimento de que o trabalho pode ser causa de sofrimento e necessita de um sistema organizado para intervir nesta relação enfatizando-se a necessidade de revisão dos processos e ambientes numa abordagem multi profissional. Segundo Hennington apud Meneguel (2008), este campo tem esbarrado em divergências políticas, legais e burocráticas, pois além do agravo ao trabalhador, esquecese da articulação com as questões ambientais. Muitas vezes a vítima percorre vários setores do governo de forma isolada, pontual e excludente. Os trâmites do Ministério da Previdência Social quanto pelo Ministério do Trabalho e Emprego, são burocratizados e muitos não efetivos no olhar do trabalhador. Para o Sistema Único de Saúde (SUS), recai a assistência médica, ambulatorial e hospitalar, numa indefinição e duplicidade de atribuições (p.128). A vigilância em saúde deve entender que o atendimento do acidente de trabalho leva a conhecer e identificar os fatores determinantes do acidente, de doenças ou agravos à saúde, finalizando este circuito com controle e prevenção dos fatores, além da promoção e recuperação, servindo para o planejamento, organização e processos de trabalho. existe limite de idade para o trabalho pelo fato dos acidentes acontecerem com as pessoas de mais de 50 anos ou mais de 60 anos. Acredita-se que esses acidentes estejam relacionados à diminuição da capacidade física, à diminuição dos reflexos e à diminuição da capacidade cognitiva. Os motivos que levam esses trabalhadores a um tempo de atuação de longos anos ocorrem pelos fatos de ordem econômica e sociais associados à falta de mão-de-obra que ocorre devido ao êxodo rural para os meios urbanos, a ligação à terra que trabalharam e o desejo de não deixar cair os braços enquanto os possam utilizar (AZEVEDO, 2007). Um outro motivo para a profissão ser exercida por pessoas de mais idade é pela precariedade da profissão, falta de reconhecimento e desvalorização dos produtos, isso faz com que os jovens procurem novas oportunidades de trabalho nas cidades, deixando de lado essa profissão tão digna e importante para nossa região. Registra-se também 1 caso de acidente com criança e 3 casos com adolescentes, fato presente na região demonstrando acidentes graves com conotações permanentes. As autoras do trabalho questionam se esses acidentes migram para uma notificação de violência e não de acidente de trabalho, pois são crianças/ adolescentes que requer comando e supervisão numa atividade de risco. Frente às circunstâncias depara-se com duas realidades, por um lado a lei com suas determinações e outro a família com a necessidade de que alguém os ajude no trabalho e na renda familiar. Benéfico seria que a criança ocupasse seu tempo em casa com atividade lúdica e recreativa sedimentando as relações de afeto com os membros da família. 4.2 Raça dos trabalhadores rurais Dos 126 trabalhadores, um agricultor, ou seja, 1,26% teve seu registro como raça negra e os demais compondo raça branca, perfazendo um total de 98,74%. Salienta-se que há pouco tempo nos registros de investigação inclui-se o registro para pardo, amarela e indígena. O grande número de agricultores da raça branca acontece pelo fato de que o RS é um estado de grande diversidade cultural, 4. ANÁLISE E INTERPRETAÇÕES DOS RESULTADOS Neste contexto são analisados e apresentados os dados da pesquisa que foram obtidos através das RINAS/SIST de todos os agricultores de um determinado município da Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, que sofrerão algum acidente de trabalho em um período de tempo delimitado entre junho de 2006 a junho de 2011, compondo uma amostra de 126 casos de acidentes de trabalho com agricultores. 4.1 Idade dos trabalhadores rurais Evidencia-se que os agricultores que mais sofrem acidentes de trabalho correspondem aos que têm acima de 50 anos, perfazendo um total de 38% e em segundo lugar a figura demonstra que os acidentes acontecem aos agricultores de 41 a 50 anos, num total de 31%. Percebe-se que na agricultura não 147 REVISTA SETREM - Ano XI nº V ISSN 1678-1252 negando-lhe o ato supremo de exercer sua cidadania. mas comparado com os outros estados brasileiros predominam os descendentes da raça alemã e italiana, fato este histórico do nosso estado. Segundo o Fritzen et al., (s.a), de acordo com a história, os primeiros imigrantes do RS chegaram a partir de 1824, em São Leopoldo/RS, e mais tarde, se deslocaram para as chamadas “Colônias Novas”, como era chamada a região noroeste do estado. Em torno de 1918 chegaram a essas terras os primeiros colonos alemães, italianos, posteriormente russos e poloneses, que encontraram uma vegetação de mata fechada na qual empregaram o sistema de derrubada queimada para começar o cultivo (p.6). 4.3 Sexo dos trabalhadores rurais O sexo que mais sofre acidente de trabalho foi o masculino com 78% dos casos, sendo que o feminino foi de somente 22%. Um dos motivos para que isso aconteça é pela divisão do trabalho entre homens e mulheres. A divisão do trabalho entre mulheres e homens vem sendo discutido há muito tempo; a explicação para isso se dá a partir do papel das mulheres na reprodução biológica. Essa divisão se carrega de significados e de práticas que muda conforme a sociedade e o seu momento histórico, e pelo fato de que o homem tem o papel de provedor e de responsável pelo ganho familiar (CARLOTO, 2002 apud MARTINS, 2007). Dentro desta realidade evidenciada explica-se o fato de que o trabalho árduo requer maior força física, logo, é executado por trabalhadores do sexo masculino. 4.4 Grau de instrução dos trabalhadores Em relação à escolaridade, os dados obtidos apontam que a maioria dos trabalhadores investigados, 67% possui apenas o Ensino Fundamental incompleto, e 20% Ensino Fundamental completo. Percebe-se, ainda, poucos agricultores com Ensino Médio, ou seja, são pessoas que não apresentam também qualificação técnica e outra observação muito importante é que se dentro desse universo 2% dos agricultores que são analfabetos, ou seja, isto fere os direitos da criança em frequentar a escola que hoje é obrigatório até os 14 anos, A não qualificação ocorre pelo fato de que não existia a cobrança do estudo para esses agricultores, já que o trabalho exercido ocorria conforme o modelo dos pais e também pelo difícil acesso que esses trabalhadores tiveram para frequentar uma escola na sua infância, soma-se a isto a possibilidade de estudo somente para os filhos homens, ficava a mulher nas atividades domésticas e rurais; não raro as próprias eram responsáveis pelo cuidado dos irmãos menores. Segundo Reisdörfer (s.a), no meio rural, com frequência, as condições e as possibilidades de acesso à escola eram, no geral, mais difíceis que no meio urbano. Os poucos prédios escolares, as grandes distâncias e a participação das crianças nas atividades agrícolas eram empecilhos concretos à frequência normal à escola (p.20). Mas hoje essa realidade mudou muito proporcionando o estudo tanto para os filhos e filhas, incentivados pelos pais e permitindo os planos de cursar o Ensino Superior, concretizando muitas vezes o sonho dos próprios genitores, mudando esta realidade antes muito difícil e triste em nossa sociedade. 4.5 Tempo de atuação na profissão Conforme os dados, 25% dos trabalhadores possuem um tempo de atuação na agricultura entre 31 até 40 anos de profissão. Explica-se que os anos trabalhados são acima de 30, já que o mesmo se aposenta por idade, não contemplando os anos trabalhados. Com os novos processos de trabalho e com as novas tecnologias utilizadas nas lavouras, faz com que isso se torne fonte de acidente para esses trabalhadores de mais idade, principalmente porque os seus hábitos, enraizados por longos anos de trabalho, fazem-nos baixar a vigilância, ficando, assim, mais sujeitos aos novos perigos (AZEVEDO, 2007). Percebe-se que esses trabalhadores têm vários anos de experiência pela familiaridade com o trabalho desde a tenra idade, mas isso não os torna imunes para os acidentes de trabalho. 148 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 acolhimento deste cidadão associado à resolutividade desses serviços (RAMOS; LIMA, 2003, apud BERTOLDO; FRASSETTO, 2010). 4.6 Ano do atendimento do trabalhador acidentado Na busca de dados percebe-se que os anos de 2006 e 2011 ficaram com os dados contabilizados de junho a dezembro e janeiro a junho, respectivamente. A notificação de 2007 registra 60% dos casos em relação aos outros anos que remete à dúvida da subnotificação para os anos seguintes, assim como o engajamento passageiro de registro do serviço de saúde. 4.9 Diagnóstico principal A figura 12 mostra os diagnósticos que os agricultores acidentados receberam. Diagnóstico principal Ferimento do punho e da mão Ferimentos do tornozelo e do pé Traumatismo superficial do punho e da mão Ferimento de perna Efeito tóxico causado por agrotóxicos Agravos relacionados com o trabalho Dor lombar ou Lumbago Não Especificada Ferimento da cabeça (couro cabeludo, pálpebras, nariz, orelha, boca) Fratura de costela(s), esterno e coluna torácica Traumatismo superficial do tornozelo e do pé Amputação traumática ao nível do punho e da mão Efeito tóxico de contato com animal venenoso Fratura do antebraço Traumatismo superficial do abdome, do dorso, pelve e de tórax A notificação dos acidentes do trabalho é uma exigência legal e é através dela que são fornecidos todos os dados relativos ao acidente como o número, distribuição e suas características da ocorrência e das vítimas sendo esses resultados indispensáveis para as estáticas e para indicação, aplicação e controle de medidas prevencionistas. Porém, a sub notificação destes acidentes pode ocorrer, constituindo fator limitante tanto do ponto de vista prevencionista quanto do ponto de vista jurídico (NAPOLEÃO et al., 2000 p.119). 20 14 12 10 9 6 4 4 4 4 3 3 3 3 Figura 1: Diagnóstico principal. Conforme a figura acima, destacam-se os ferimentos de punho e da mão que no total de 126 acidentes 20 foram contabilizados. As mãos são consideradas um dos principais instrumentos de trabalho do ser humano; portanto, quando esses trabalhadores sofrem algum acidente e as perdem ou ficam com alguma sequela isso significa, além de um grande trauma psicológico e físico, a interrupção da força profissional. Apesar de toda sua importância no desenvolvimento de várias atividades, as mãos estão entres as partes do corpo que mais sofrem acidentes (DIÁRIO DO NOROESTE, 2009). As repercussões desses acidentes quanto à possibilidade do sujeito sentir-se “inútil” nos seus afazeres mais primários até os movimentos mais sofisticados certamente enumera uma lista de inconvenientes, atestados, procedimentos terapêuticos realizados e fisioterapia ao longo prazo. Além dos danos físicos ao trabalhador e a sua família, gera também danos financeiros aos cofres públicos. Outros diagnósticos importantes a serem citados são ferimentos do tornozelo e do pé com 14 casos, ferimentos de perna com 10 casos e efeito tóxico causado por agrotóxicos com 9 casos, mostrando a vulnerabilidade desses trabalhadores. Os ferimentos que também limitam 4.7 Tipo de atendimento O atendimento mais prestado foi o ambulatorial, com 98, 74% dos casos e 1, 26%, referindo-se ao atendimento de emergência. Justificam-se esses dados, pois os atendimentos ambulatoriais foram notificados num raciocínio lógico de subnotificação para os acidentes graves, isso quer dizer que as ESF procedem a notificação. Isso representa falha no envio das informações e falta de estratégias do serviço de notificação para busca desses dados. 4.8 Serviço de atendimento procurado pelos trabalhadores Segundo dados da pesquisa, 92% da população acidentada receberam o atendimento de saúde na ESF e o restante, 8%, recebeu atendimento do hospital; isso certamente ocorreu porque o acesso desses trabalhadores foi mais fácil nos ESF. Há certa relação entre o acesso geográfico e acolhimento, pois o serviço de saúde ESF é próximo à residência do usuário garantindo o acesso, atendimento e o 149 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 interpretações. Não se evidencia registro para óbitos; este está contemplado na RINA. Fato este benéfico para a saúde do trabalhador rural do município em estudo. 4.12 Agente causador do agravo A figura 14 apresenta os agentes causadores dos acidentes de trabalho com os agricultores, seguindo uma ordem decrescente, ou seja, do maior agente causador para o menor agente causador dos acidentes de trabalho. esses profissionais em suas atividades são os ferimentos de perna, tornozelo e pé, vitimando este trabalhador com horas de inatividade, considerando que a agricultura exige um trabalho de verificação de lavouras, as manobras com os animais, além de inúmeras atividades que requer a locomoção. Alia-se aos demais diagnósticos a exposição aos agrotóxicos normalmente sem o uso correto de EPIs e marcados por uma produção agrícola que caracteriza o estado do RS, contribuindo para a exposição aos produtos que muitas vezes terão efeitos a longo prazo, quando esses trabalhadores que não são mais jovens e deparam-se com as doenças ocupacionais. A agricultura vem se desenvolvendo econmicamente e tecnologicamente pelo ganho na produtividade agrícola, mas não no que diz respeito à saúde dos trabalhadores dessa área; este problema ainda está longe de ser resolvido. 4.10 Local de ocorrência Todos os 126 acidentes de trabalho aconteceram no local de trabalho; resultado óbvio, pois a pesquisa se deu a partir do SIST com o preenchimento de uma RINA caracterizando acidente de trabalho. Confirma-se a expectativa das autoras, pois o local de trabalho compreende a residência, lavouras e lazer. Questionam-se os determinantes para que o agricultor que trabalha no local em que vive e vive no local em que trabalha. Ainda há poucas atividades em que o local de trabalho seja também o local de residência dos profissionais, mas isso ocorre muito com os agricultores e suas famílias, pois estes estão em contato com um local de trabalho perigoso e exposto a vários riscos de acidentes de trabalho (AZEVEDO, 2007). 4.11 Desfecho dos casos É comum nas fichas de investigação ter o encerramento do caso, pois facilita na acumulação destes dados para fins estatísticos, presencia-se que os fechamentos dos casos acontecem no atendimento ambulatorial com 72%; entendendo-se que são pequenos acidentes. Nos registros sobre “outros”, tem-se um total de 13% entendendo-se que não contemplam os registros que possuem na RINA, ficando abertos para outras Agentes Causadores dos agravos Contato com ferramentas manuais SEM MOTOR Circunstância relativa às condições de trabalho Agressão sofrida por pesticidas ou agrotóxicos Contato com máquinas agrícolas Queda no mesmo nível por escorregão, tropeção ou passos em falso Penetração de corpo estranho no ou através de olho ou orifício natural Animais domésticos Impacto causado por objeto lançado, projetado ou em queda Contato com ferramentas manuais COM MOTOR Contato com animais peçonhentos Excesso de exercícios e movimentos repetitivos Exposição a tipo não especificado de fumos, fogo ou chamas Acidente de transporte Apertado, colhido, comprimido ou esmagado dentro de ou entre objetos Contato com espinhos de plantas ou com folhas aguçadas TOTAL 19 16 13 13 13 11 9 9 6 4 4 4 2 2 1 126 Figura 2: Agentes causadores dos agravos dos acidentes com agricultores. Conforme a tabela acima, os trabalhadores rurais estão expostos a inúmeros agentes causadores de acidentes; alguns ocorreram com mais frequência que outros, deixando esses trabalhadores muitas vezes com sequelas graves. Apesar de toda a mecanização ocorrida nas lavouras, os agricultores continuam se vitimando com ferramentas manuais sem motor totalizando 19 casos num total de 126 acidentes. Isso se refere com o uso de facão, foice, enxada e machado. As lesões com ferramentas manuais sem motor ocorrem pela alta exposição dos trabalhadores com esses equipamentos e também em virtude da não mecanização em alguns setores da produção agrícola como plantação de fumo, hortaliças, corte de pasto para o gado (FEHLBERG et al., 2001). Em relação às circunstâncias relativas ao trabalho foram 16 casos para um total de 126 agricultores; isso remete aos riscos ergonômicos que ocorrem pelo esforço físico, posições inadequadas e horas ininterruptas de trabalho. 150 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 que 94% dos trabalhadores acidentados eram autônomos, ou seja, trabalhadores da agricultura familiar e 6 % desses eram empregados. Isso certamente ocorre pelo fato de que o que predomina na região são as pequenas propriedades agrícolas, sendo que todo o trabalho é exercido pelos membros da família. A agricultura familiar é aquela constituída por famílias de agricultores que com o seu próprio trabalho produzem alimentos para seu sustento e de seus familiares. É característica importante na agricultura familiar o próprio trabalho da família que é responsável pela geração de valor, diferente da agricultura patronal, na qual a relação típica de exploração de trabalho alheio de empregados ou trabalhadores assalariados (ANDRIOLI, 2009). A identificação do empregador é o ser autônomo, ou seja, o dono da terra, prática exercida desde o momento da colonização com pequenos pedaços de terra sendo gerenciado por famílias vinculadas; isto se constitui nos dias de hoje como uma herança, com características próprias da cidade e da região trazendo atividades de agroindústria, do artesanato e da feira do produtor. O contato com agrotóxicos totalizaram 13 casos de um total de 126 acidentes. Os estudos comprovam a incidência de doenças relacionadas com exposições ambientais. O ser humano se encontra rodeado por substâncias químicas; destes, cita-se os pesticidas e os aditivos alimentares. Embora não haja pesquisa com todas essas substâncias; sabe-se que grande parte dela produz efeito tóxico. Já os acidentes causados por máquinas agrícolas totalizaram 13 casos de 126 acidentes que possivelmente ocorreram em virtude das longas jornadas de trabalho, descuido, falta de treinamento, o não uso de EPIs e também pela utilização de máquinas antigas fabricadas sem a preocupação com os acidentes de trabalho. Estes acidentes têm repercussões graves devido a ocorrer com máquinas pesadas, causando danos quanto à mutilação e reparo. Os acidentes por causas externas têm sido há muito tempo um desafio para a saúde pública e as autoridades, pois as ações e as políticas de saúde têm se mostrado insuficientes para a promoção, para a prevenção e para a vigilância. Outro desafio muito grande é a existência de informações confiáveis para a determinação das prioridades frente aos acidentes (FILHO; JORGE, 2007). 4.13 Hora do acidente/ O acidente ocorreu após quantas horas de trabalho. A hora do acidente esperava-se que fosse uma informação primordial para esta pesquisa, porém na coleta de dados que foi realizada através do SIST não foi possível obter essa informação, pois a hora do acidente de trabalho não está contemplada no SIST. Cabe ressaltar que na RINA a informação está contemplada, ficando a desejar esta informação para o surgimento de políticas públicas. Também não foi possível saber o número de horas que esses agricultores estavam trabalhando, pois é sabido que os mesmos não têm horário fixo e trabalham várias horas por dia ficando assim vulneráveis aos acidentes de trabalho. Tornase importante saber a hora do acidente e o número de horas trabalhadas, pois a fadiga é fator de risco para os acidentes. 4.14 Identificação do empregador Conforme a figura, pode-se evidenciar 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os acidentes de trabalho com agricultores são um assunto de importante avaliação devido aos riscos ocupacionais que os trabalhadores do meio rural estão expostos. O estudo evidenciou lacunas que devem ser melhoradas em termos de saúde coletiva; isto é, o campo da saúde deve fazer parte do trabalho dos agricultores, torna-se importante também agilizar aos fluxos quanto as notificações, para que tudo que for registrado, tenha uma ação de melhoria frente aos agravos. Os órgãos competentes devem fazer parte dessa dinâmica, não se pode considerá-los apenas como órgãos que emitem laudos. Os acidentes ocorridos no município da pesquisa tomam uma magnitude que necessita receber uma atenção maior das autoridades responsáveis, para reconhecimento de quem são as pessoas mais vulneráveis e as razões para a ocorrência dos acidentes. A prática 151 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 preventiva, associada ao conhecimento desse campo teórico, poderá assim prevenir novos episódios de acidentes. É muito importante ainda ressaltar e alertar os agricultores dos riscos de acidentes que estão expostos no seu dia-adia de trabalho, propondo assim medidas para redução destes riscos, conscientizando os trabalhadores nas medidas de segurança que devem ser tomadas por todos. A criação de programas de prevenção que foquem o uso de EPIs, o manuseio de máquinas, instrumentos e treinamentos para a redução desses danos. Contudo, o papel dos profissionais da área da saúde e principalmente o trabalho da enfermagem é fundamental nas práticas sociais através da prevenção e das orientações a esses trabalhadores; sendo assim possível amenizar alguns efeitos agravantes que possam ocorrer. As ações corretas diante de algumas circunstâncias ajudam como um instrumento para prevenir no adoecimento da população. Mas ainda é necessário que a enfermagem construa um trabalho social que vá além do papel técnico e prático, para ajudar esses trabalhadores a desempenhar suas atividades de forma correta e sem riscos a sua saúde. 0183/25025/000751083.pdf?sequence=1 Acesso em: 13 de outubro de 2011. DIÁRIO DO NOROETE. Acidentes e traumas de mão. Publicado em 13 de setembro de 2009. Disponível em: C:\Users\User\Desktop\Acidentes e traumas das mãos - Viva - Diário do Nordeste.mht Acesso em: 8 de novembro de 2011. FILHO, M. M; JORGE, M. H. P de M. Características da morbidade por causas externas em serviço de urgência. Revista brasileira de epidemiologia. [online]. 2007, vol.10, n.4, pp. 579-591. ISSN 1415-790X. D i s p o n í v e l e m : http://www.scielosp.org/pdf/rbepid/v10n4 /15.pdf Acesso em: 20 de novembro de 2011. FEHLBERG, M. F; SANTOS, I. S; TOMASI, E. Acidente de trabalho na zona rural de Pelotas Rio Grande do Sul, Brasil: um estudo transversal de base populacional. 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Para coletar as informações necessárias, foram utilizados dois questionários; o primeiro para caracterização sociodemográfica dos participantes e o outro para o Índice de Satisfação Profissional (ISP), traduzido por Margarete Lino (1999) para a língua portuguesa e adaptado para os sujeitos do estudo, o qual mensura os seis componentes: Autonomia, Interação, Status Profissional, Requisitos do Trabalho, Normas Organizacionais e Remuneração. Os resultados foram organizados a partir do software Epi info, analisados através da estatística descritiva e fundamentados com bibliografia disponível sobre a temática. A população constituiu-se de 69 Enfermeiros, sendo 82,61% do sexo feminino. Os dados apontam ainda que a real satisfação profissional dos Enfermeiros esteja ligada à possibilidade de tomada de decisão e de liberdade de escolha, e inversamente relacionada a não valorização no trabalho. Reafirma-se o enfoque para a necessidade de organização da categoria, desenvolvendo senso de valorização e luta por melhores condições no desempenho das atividades. Palavras-chave: Enfermeiro. Motivação. Satisfação no trabalho. ABSTRACT The present research is about a descriptive exploratory study, which presents a comparative character and a quantitative approach. The study was accomplished in a city located in the northwest region of Rio Grande do Sul State, aiming at identifying the professional satisfaction level of nurses on their different performance fields. In order to collect the necessary information, two questionnaires were used; the first one was used to identify socio-demographic characteristics of the participants and the other one to identify the Professional Satisfaction Level (ISP), translated by Margarete Lino (1999) to Portuguese and adapted for the study subjects, which measures the six components: Autonomy, Interaction, Professional Status, Job Requirements, Organizational Norms and Payment. The results were organized based on the software Epi info, organized through descriptive statistics and grounded with the available bibliography about the thematic. The population was constituted by 69 Nurses, 82,61% female. Data also show that Nurses' real professional satisfaction is linked to the possibility of decision making and to the freedom of choice, and inversely related to the nonappreciation at work. It is possible to reaffirm the focus to the necessity of the category organization, developing appreciation sense and struggling for better conditions on activities development. Keywords: Nurse, Motivation, Job Satisfaction. 1 Enfermeira Graduada pela Faculdade Três de Maio – SETREM e Assistencial no Serviço de Emergência, da Sociedade Hospital de Caridade Santa Rosa; Pós-graduanda em Enfermagem do Trabalho e Urgência, Emergência e Trauma, Celer Faculdades –FACISA – Santa Rosa - RS; [email protected]. 2 Enfermeira Especialista em Administração Hospitalar e Gerenciamento de Serviços de Enfermagem, Gerente do Serviço de Enfermagem da Sociedade Hospital de Caridade Santa Rosa, docente da Sociedade Educacional Três de Maio; [email protected]. 3 Mestre em Ciên cia da Computação, Docente do curso de Bacharelado em Enfermagem da Sociedade Educacional Três de Maio, RS; [email protected]. 4 Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM, Avenida Santa Rosa, 2504, Três de Maio – RS. [email protected]. 154 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 1. INTRODUÇÃO Falar em satisfação no trabalho em um mundo globalizado pode ser resumido basicamente em qualidade de vida. Como ser humano, o homem é considerado um fator primordial para o crescimento e sucesso das organizações. Porém, para que isso aconteça é necessário que ele esteja satisfeito com o trabalho. Busca-se, cada vez mais, grande produtividade, associada a um baixo custo de produção, no menor tempo possível, com o intuito de obter produtos altamente competitivos no cenário do mercado capitalista. Diante disso, observa-se o aumento dos ritmos e cargas de trabalho em detrimento da satisfação dos trabalhadores em executar tarefas, o que pode repercurtir na sua qualidade de vida, interferindo no processo saúde/doença (SILVA, 2008). A motivação tem sido considerada como um fator primordial para o trabalho. Autores como Batista et al. (2005), têm mostrado que estatística (POLIT; BECK; HUNGLER, 2004). O local estabelecido para realização deste estudo foi um município da região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, pertencente à área de abrangência da 14ª Coordenadoria Regional de Saúde – CRS, sendo as unidades de investigação, instituições do município, que apresentam Enfermeiros em seu quadro funcional, sendo eles: hospitais de natureza filantrópica, clínicas particulares e Rede Pública de Saúde nas diferentes esferas de governo. A população alvo da pesquisa foram todos os Enfermeiros que estavam trabalhando no momento da coleta de dados, de ambos os sexos, independente do tempo de atuação e atuantes nos diferentes campos de trabalho. Foi considerada indicativa de concordância de participação voluntária a devolução dos questionários preenchidos à pesquisadora e excluídos do estudo os Enfermeiros afastados das atividades, por motivo de férias, afastamentos prolongados e licenças. Para a coleta de dados foram utilizados dois questionários: um, sociodemográfico, que forneceu subsídios para a caracterização da população em estudo, e o outro diz respeito ao Índice de Satisfação do Profissional, (ISP) criado por Paula L. Stamps (1997) e traduzido para a língua portuguesa por Margarete Lino (1999). O segundo questionário foi parcialmente modificado e adaptado para a população local deste estudo, com autorização prévia da autora. O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP), da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI Campus Santo Ângelo, do qual se obteve parecer favorável do CAAE (Certificado da Apresentação para Apreciação Ética) sob n° 0078-4/PPH/10. A coleta de dados foi realizada no mês de outubro de 2010, nos três turnos. Para ir a campo foram adotados alguns procedimentos. Anteriormente à coleta de dados foram realizados três testes-piloto com o objetivo de testar o instrumento de pesquisa, verificar possíveis dificuldades dos pesquisados no preenchimento do ISP, bem como, buscar maior familiarização e apreensão das questões a serem investigadas. desde a antiguidade, existe uma preocupação com as razões pelas quais as pessoas agem ou pelas quais decidem o que fazer. Fatores que impulsionam as pessoas a fazerem algo, estão relacionados a uma hierarquia de necessidades como exercer um cargo, ter reconhecimento e progresso profissional (p.86). Nesse sentido, a satisfação é um processo que resulta da complexa e dinâmica interação das condições gerais de vida, das relações de trabalho e do controle que os trabalhadores possuem sobre suas condições de vida. Assim, o grau de satisfação e motivação de uma pessoa é uma questão que pode afetar a harmonia e a estabilidade psicológica dentro do local de trabalho em que está inserido. 2. MÉTODOS E TÉCNICAS DA PESQUISA Para o melhor desenvolvimento da pesquisa, e com o intuito de obter resultados satisfatórios sobre o tema 'Satisfação Profissional', optou-se por uma abordagem quantitativa, do tipo descritivo exploratória. A abordagem quantitativa permite a coleta sistemática de informação numérica, mediante condições de muito controle, analisando estas informações através de 155 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 Para análise das respostas referentes aos dados sociodemográficos e o ISP desta pesquisa utilizou-se a análise estatística descritiva. Anteriormente, os resultados foram codificados e digitados em planilha eletrônica, sob a forma de um banco de dados, efetuados no Epi-info®, versão 3.2.2 Windows. O referido trabalho está embasado nas normas e diretrizes da resolução nº 196/96, do Conselho Nacional da Saúde CNS/MS que trata de pesquisa envolvendo seres humanos, garantindo aos participantes o sigilo de suas respostas e o anonimato (BRASIL, 1996), preservando assim, a privacidade e a identificação dos indivíduos-alvo da pesquisa. comunidade, desenvolvendo atividades de promoção, prevenção de doenças, recuperação e reabilitação da saúde, e não como uma profissão previamente reconhecida (OLIVEIRA, 2005). 3.2 Qualidade de vida no trabalho O estudo das relações entre qualidade de vida e satisfação profissional é um campo amplo de pesquisa e notoriamente complexo, incorporando aspectos distintos que incluem a magnitude das relações, a direção de causalidade e os fatores mediadores. A profissão de enfermagem comumente é submetida a diversos fatores que afetam a qualidade de vida. Tal influência pode ter origem em fatores intrínsecos, à natureza de sua atividade laborial, mas também nas condições de trabalho gerados pela organização o que pode influenciar outros aspectos individuais da vida pessoal do profissional, podendo, portanto, comprometer a motivação (PIZOLLI, 2005, p.4). 3 . A S AT I S FA Ç Ã O N O T R A B A L H O : APROXIMAÇÃO COM A TEMÁTICA Sob o ponto de vista de que a vida humana é organizada na sociedade a partir do trabalho, entende-se que ele pode ter significados ambíguos para o trabalhador. Segundo Silva (2008), “o trabalho por um lado pode significar sacrifício, castigo, sofrimento e insatisfação; por outro, libertação, realização, prazer e satisfação” (p. 25). A satisfação é um processo dinâmico que pode ter influência, tanto da organização do trabalho, quanto da vida social, ou seja, o trabalhador não chega ao seu local de trabalho como uma máquina nova; ele possui uma história, o que o torna um indivíduo com características únicas e pessoais (DEJOURS, 2007 apud SILVA, 2008). 3.1 O trabalho e a Enfermagem O trabalho é uma atividade muito antiga e inerente ao ser humano. Ele nem sempre foi uma atividade remunerada, e, por muito tempo, foi utilizado como uma forma de castigo. Entre outras situações, quando remunerado, tratava-se de um valor irrisório, para atender apenas às necessidades de sobrevivência. A Enfermagem por sua vez, surgiu como profissão a partir de Florence Nightingale na segunda metade do século XIX. Florence considerava que a Enfermeira deveria ser delicada, recatada, religiosa e devotada. Assim, a Enfermagem se constitui como uma das profissões da área da saúde cuja essência é vista ainda pela especificidade do cuidado ao ser humano individualmente, na família ou na Estudos entre profissionais de Enfermagem apontam a importância da mensuração da satisfação profissional associada à satisfação no trabalho com a melhor qualidade de vida. Schmidt; Dantas (2008) identificam neste caso menor índice de estresse relacionado ao trabalho, bem como a menor prevalência de sintomas da síndrome de Burnout. 3.3 Prazer e sofrimento no trabalho O trabalho algumas vezes pode ser considerado como uma fonte de sofrimento e não traz satisfações, alegrias ou prazer. O sentido habitual de prazer está associado à descarga gerada por uma situação de aumento de tensão do sistema. O prazer vem como situação ideal a ser conquistada como um estado de plenitude. Para Martins, (1999) apud Lino, (2004), a busca pelo prazer no trabalho é interpretada como “um instrumento de crescimento e serve de ligação entre a consciência e o mundo material”, podendo ser considerado (o prazer no trabalho) como “um estado de satisfação total ou quase total, particular em cada indivíduo” (p.9). Por fim, a imagem do trabalhador é construída por ele próprio e desfazer a relação dor-desprazer-trabalho passa a ser um desafio a ser enfrentado por todos. 156 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 3.4 Criando um ambiente motivador Levando-se em conta que os profissionais passam muitas horas dentro do ambiente de trabalho, Gil, (2000) apud Pizzoli, (2005) fundamenta que se “este local puder ser agradável, as pessoas vão se sentir mais motivadas e, consequentemente, mais envolvidas com os objetivos da empresa” (p.3). Para tanto, esse envolvimento é importante não só para a produção, mas, principalmente, para a qualidade do trabalho e do aprimoramento profissional. Dessa forma, aumentar o grau de autonomia, segundo Santos-Filho; Barros (2009), bem como ampliar o grau de abertura nos processos de criação dentro do processo do trabalho em saúde, permite transitar da dor ao prazer do trabalho sem que ocorra a banalização do sofrimento e a idealização do saber. 3.5 O estresse e o trabalho da Enfermagem Pode se perceber que o estresse também está ligado fundamentalmente a questões psicológicas. Dependendo da predisposição orgânica do indivíduo, o estresse pode causar desde transtornos psicológicos como a falta de vontade de fazer as coisas, ansiedade, até as manifestações mentais como tentativa de suicídio. De acordo com Carvalho; Serafim (2002), os conflitos diários no trabalho também podem levar os funcionários da empresa ao estresse, pois o principal motivo desse estado pode estar no corpo do empregado. O estresse envolve, além dos aspectos de desgaste emocional e físico, o ritmo de vida no mundo contemporâneo. qualidade e produtividade. Para abordar os resultados desta pesquisa e discuti-los, optou-se por dividir a apresentação em etapas. Inicialmente, para compreender quem são os Enfermeiros pesquisados deste estudo, foi necessário caracterizá-los com relação ao local de atuação, sexo, faixa etária, situação conjugal, entre outros aspectos que dizem respeito aos dados sociodemográficos, um dos objetos do estudo. Em seguida se trouxe à tona a Parte A do Índice de Satisfação Profissional, que contém as comparações “pareadas” entre os seis componentes da satisfação no trabalho que são: autonomia, interação, status profissional, requisitos no trabalho, normas organizacionais e remuneração, resultando na importância atribuída pelo profissional a cada um desses componentes. A Parte B, segunda parte do ISP, corresponde aos dados da escala de atitudes na qual se identificou a importância percebida pelo profissional em relação ao seu trabalho (satisfação atual). E, por último, será demonstrado o real nível de satisfação profissional, calculado através do escore do componente ajustado (Parte A X Parte B). 4.1 Caracterização sociodemográfica dos pesquisados Identificada uma população de 75 profissionais atuantes no município, participaram efetivamente da pesquisa 69 Enfermeiros das diferentes áreas de atuação, conforme mostra o gráfico. Figura 1: Gráfico da distribuição da população estudada, de acordo com a área de atuação (n=68), 2010. 4 IDENTIFICANDO E ANALISANDO A SATISFAÇÃO PROFISSIONAL A satisfação no trabalho é um tema de especial importância na Enfermagem, sendo esta uma profissão que lida permanentemente com situações estressantes, o modo pelo qual responde em seu cotidiano à doença, ao sofrimento e principalmente à morte de pessoas, influencia de forma marcante no desenvolvimento e desempenho de seu trabalho. Desta forma, a satisfação no trabalho passa então a ser considerada uma ferramenta indispensável na busca da Analisando o gráfico explicitado, evidencia-se que a maioria dos profissionais atua na área hospitalar (40%). Estudos indicam que esse resultado pode estar 157 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 E tendo como propósito garantir um melhor entendimento e visualização dos resultados, seguem os dados sociodemográficos na tabela 1. relacionado a fatores culturais enraizados na população durante muitas décadas, que identificam a profissão como uma função essencialmente hospitalar. A ancoragem dessas representações vem basicamente de contatos e vivências com familiares hospitalizados, na administração de medicações e da relação médico-Enfermeiro (KEMMER; SILVA, 2007). Na visão da autora deste estudo, a diversidade de qualificações e a complexidade dos processos de trabalho podem ser consideradas um polo atrativo na organização hospitalar. Tal resultado também pode ser evidenciado em razão da grande demanda de usuários nesta área e sua complexidade, necessitando mais profissionais na assistência, o que desencadeia uma elevada oferta de trabalho. Na sequência, o setor primário absorve 20% dos profissionais em estudo. Respaldado em diversos estudos, o Enfermeiro da Saúde Pública/PSF atua com mais autonomia, conferindo uma maior independência no desempenho profissional (ARAÚJO; OLIVEIRA, 2009). O mesmo autor complementa que Tabela 1 - Dados sociodemográficos dos Enfermeiros (n= 69), 2010. DADOS SOCIODEMOGRAFICOS SEXO masculino feminino FAIXA ETÁRIA de 20 a 30 anos de 31 a 40 anos de 41 a 50 anos mais de 50 ESTADO CIVIL Solteiro casado/companheiro separado/divorciado POSSUI FILHOS Sim Não TEMPO DE SERVIÇO NA INSTITUÇAO de 0 a 5 anos de 6 a 10 anos de 11 a 15 anos acima de 15 anos POSSUI OUTRO EMPREGO Sim Não SE SIM, EM QUAL ÁREA Hospital atenção primária ensino saúde Outros RENDA LÍQUIDA MENSAL APROXIMADA de 3 a 5 salários mínimos de 6 a 10 salários mínimos acima de 10 salários mínimos FORMACAO COMPLEMENTAR Especialização completa ou incompleta mestrado completo ou incompleto Nenhuma Total ligada à progressiva credibilidade do profissional, a ação do Enfermeiro no ESF, contribui o despertar dos profissionais na luta por mais conquistas para a categoria, bem como aprofundar conhecimentos na busca do respaldo da prática profissional (ARAÚJO; OLIVEIRA, 2009). N % 12 57 17,39 82,61 23 24 18 4 33,33 34,78 26,09 5,80 21 38 10 30,43 55,07 14,50 42 27 60,87 39,13 33 21 5 10 47,83 30,43 7,25 14,49 26 43 37,68 62,32 2 3 14 4 3 7,67 11,54 53,85 15,38 11,55 40 25 4 57,97 36,23 5,80 56 12 1 69 81,16 17,39 1,45 100 O estudo identificou uma presença majoritária de mulheres na Enfermagem. Avançando nas reflexões, a Enfermagem e as Enfermeiras não são mulheres na sua maioria por acaso. A percentagem expressiva dessas profissionais é fato histórico de domínio público: a Enfermagem é uma profissão predominantemente feminina (LINO, 1999). Ao refletir sobre o assunto da divisão sexual do trabalho na sociedade, considerase um princípio organizador da produção capitalista. Esta constatação pode assumir alguns pressupostos conceituais na área da Enfermagem. Mesmo que a profissão de Enfermagem ainda é constituída por um grande contingente de mulheres, o aumento de homens na Enfermagem é gradual e estável. Existem áreas da Enfermagem que, tradicionalmente, concentram ou deveriam concentrar maior número de mão-de-obra masculina. Destacam-se a assistência psiquiátrica, a ortopedia, o cuidado intensivo, como o prestado pelo SAMU, os serviços Neste sentido, constata-se que a busca por parte dos Enfermeiros nesta área pode estar relacionada à estabilidade no emprego e à jornada de trabalho diferenciada do ambiente hospitalar. Por fim, os demais grupos apresentados, compostos por profissionais da Instituição de Ensino, Órgãos Fiscalizadores, Suporte Avançado Móvel de Urgência e o grupo que incluem as clínicas, empresas, etc., apresentam respectivamente, 12%, 10%, 9% e 9% de profissionais atuantes. Conquanto a atuação do Enfermeiro ainda se concentre na área curativa, tem-se observado particularmente um aumento significativo atuando na área de prevenção, saúde da família, cuidado domiciliar, atuação em consultórios de Enfermagem, clínica, empresas privadas e na comunidade. 158 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 apud Silva (2008), aponta a relação positiva entre tais elos, expondo que, no momento em que o indivíduo tem a possibilidade de escolha em relação ao local de atuação, ele vivência situações agradáveis, desenvolvendo mecanismos que facilitam superar dificuldades advindas do seu trabalho. No que se refere aos motivos alegados pelos profissionais por estarem atuando cada qual em sua área, verifica-se que apenas dois participantes (2,90%) não optaram por este campo de trabalho, afirmando estarem desenvolvendo suas atividades por falta de oportunidade em outro local. Em contrapartida, vinte profissionais relataram terem passado em concurso público, identificando, também, a livre opção de escolha. Para tanto, 97,10% dos entrevistados estão atuando na área que escolheram. Por fim, todos os profissionais pesquisados dizem estar satisfeitos com a área de trabalho em que atuam. Esta satisfação condiz com a opção de escolha. Acredita-se que, no momento em que se tem oportunidade em optar por um ambiente de trabalho, o profissional se sente influenciado positivamente a realizar suas tarefas de forma produtiva e com satisfação. 4.2 Análise estatística do nível de satisfação profissional A análise estatística do ISP se apresenta em três momentos. Primeiramente será demonstrado o Coeficiente de Ponderação da Escala, ou seja, serão apresentados e discutidos os dados referentes à Parte A do ISP, identificando a importância atribuída pelos participantes em relação a cada componente da Satisfação Profissional. A seguir, o Escore Médio e Total dos componentes da escala, dados referentes à Parte B (Escala de Atitudes), que avaliou a satisfação percebida por esses profissionais em relação ao seu trabalho atual. E, por fim, o Escore do Componente Ajustado (Parte A x Parte B), demonstrando e discutindo o real nível de satisfação profissional. 4.3 Importância atribuída aos componentes do ISP Para visualizar melhor as áreas de atuação, estas foram identificadas pela letra G, seguida de ordem numérica crescente da radiológicos, entre outros. A faixa etária que predominou aponta para um grupo de jovens adultos, perfazendo 68,11% da população com idade de 20 a 40 anos. Lino (2004), considera como sendo profissionais com parâmetros suficientes de avaliação da sua profissão. Esses achados condizem com os encontrados nas pesquisas de Campos (2005) e Schmidt (2004). Os dados referentes ao estado civil e a prole identificaram neste estudo profissionais casadas e com filhos. Dados também encontrados nos trabalhos de Cura; Rodrigues (1999), Schmidt (2004), Campos (2005), Rosa; Carlotto (2005) e Silva (2008). Tanto sob o ponto de vista da saúde do trabalhador, quanto da satisfação no trabalho, o tempo de atuação representa uma variável importante. A pesquisa de Cura; Rodrigues (1999), realizado em um hospital geral verificou esta relação e os resultados identificaram que, quanto mais elevado o tempo de serviço, maior era a satisfação destes profissionais. No presente estudo, a maioria dos profissionais possui menos de cinco anos de serviço, podendo-se dizer que ainda estão em processo de adaptação no que se refere ao trabalho. Outro dado importante representa o percentual de profissionais que possui um único emprego (62,32%). Mesmo assim, considera-se expressivo o número de profissionais que exerce dupla jornada de trabalho (37,68%), a maioria atuante na área hospitalar e na docência. Esses dados são semelhantes aos achados de Lino (2004) e Schmidt (2004), em que, respectivamente, 36,9% e 27% dos profissionais possuíam contrato em outra instituição. A necessidade de ter múltiplos vínculos empregatícios está diretamente associada aos baixos salários e aspirações a um determinado padrão de vida, também evidenciado por Schmidt; Dantas (2006), ao constatar que, em virtude dos baixos salários, a maioria dos trabalhadores é obrigada a optar por mais de um emprego, levando-os a permanecer no ambiente dos serviços de saúde a maior parte do tempo de suas vidas. A opção do trabalhador quanto à área de atuação foi considerada um aspecto relevante quanto à satisfação no trabalho. Nesse entendimento, Dal Bem et al. (2004) 159 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 representados na Figura 3. seguinte forma: área hospitalar (G1); SALVAR/SAMU (G2); instituição de ensino (G3); órgãos fiscalizadores (G4); clínicas, empresas, etc. (G5) e a atenção primária (G6). Os resultados obtidos por meio desta análise identificam o Coeficiente de Ponderação, valor que faz parte do cálculo do real nível de satisfação profissional. Frente aos valores encontrados, foi possível classificar a importância atribuída pelos Enfermeiros a cada um dos componentes do ISP, conforme mostra a Figura 2. Figura 2: Representação da importância atribuída aos componentes do ISP, 2010. Figura 3: Representação da satisfação percebida dos componentes do ISP, 2010. STATUS PROFISSIONAL Maior satisfação REMUNERAÇÃO (G1,G2,G3,G4,G6) REQUISITO DO TRABALH O (G5) Menor satisfação A partir do escore médio por componente foi possível identificar a percepção quanto à sua satisfação no trabalho. O status profissional foi o componente que os entrevistados dos diferentes grupos perceberam como maior influência na sua satisfação profissional. Ponto relevante pelo fato de que este componente foi classificado como o de menor importância atribuída pelos pesquisados. Dados encontrados nas pesquisas de Lino (1999), Campos (2005) e Silva (2008), identificaram que os Enfermeiros estão mais satisfeitos com os aspectos intrínsecos do trabalho como reconhecimento, realização e autonomia. Em contrapartida, um desequilíbrio em relação à importância atribuída e à satisfação percebida em relação ao componente remuneração é um achado expressivo, porém não surpreendente em relação à situação econômica do país. Este componente foi classificado em quase todas as áreas de atuação em último lugar quanto à percepção da satisfação profissional. Em evidência os profissionais das clínicas e empresas percebem que o componente requisitos do trabalho apresenta mínima influência quanto à satisfação profissional. Os demais domínios, como a autonomia, a interação, os requisitos do trabalho e as normas organizacionais ocuparam lugares alternados nas diferentes áreas de atuação. 4.5 Nível real de satisfação profissional O verdadeiro nível de satisfação no trabalho é uma média ponderada entre o quanto de importância os profissionais atribuíram aos componentes e o quanto se perceberam satisfeitos em relação a eles, apoiando a premissa de que o fenômeno satisfação é multivariado e influenciado por diversos fatores (LINO, 1999). AUTONOMIA (G1,G2,G3,G4,G6) INTERAÇÃO(G3,G5) Maior satisfação STATUS PROFISSIONAL Menor satisfação Verifica-se que em quase todas as áreas de atuação o componente considerado mais importante pelos participantes, na sua satisfação profissional, foi a autonomia. Esse achado é semelhante aos estudos de Lino (1999), Lino (2004), Campos (2005) e Silva (2008). A partir desses dados supõe-se que o Enfermeiro que tem oportunidades de exteriorizar suas opiniões, atuando de forma efetiva no processo de tomada de decisão, tem retorno do seu trabalho, o que pode contribuir para a sua satisfação pessoal e profissional (SILVA, 2008, p. 86). Inversamente, o componente status profissional, destacou-se como aquele ao qual foi atribuída menor importância, dado similar encontrado no estudo de Campos (2005) e Silva (2008). Discorrendo acerca deste componente, Araújo; Oliveira (2009), identificam sua necessidade para que o Enfermeiro se sinta importante no seu processo de trabalho, no qual evidencia esforços para seu aperfeiçoamento e melhor atuação, tendo em vista a obtenção de reconhecimento e valorização. 4.4 Satisfação profissional percebida Ao se comparar a ordem hierárquica dos componentes quanto aos níveis de importância e satisfação, percebe-se que existem congruências e estas têm impacto sobre o nível de satisfação dito real, 160 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 status profissional, o menos importante. Em relação ao nível atual de satisfação profissional entre os pesquisados, identificou-se que percebem estar mais satisfeitos com o status profissional, seguidos pela autonomia e interação, bem como percebiam a remuneração como o componente que menos influenciava na satisfação. Já o nível real de satisfação profissional, mediado pela importância atribuída aos componentes e pelo nível atual de satisfação percebido, verificou-se que os entrevistados estão mais satisfeitos com a autonomia e menos satisfeitos com o status profissional. Os resultados mostraram as diferentes dimensões que compõem a satisfação profissional e em que níveis se encontravam a dos Enfermeiros nas diferentes áreas de atuação. O resultado do ISP indicou em ordem decrescente de satisfação nas diferentes áreas, os seguintes resultados: G5 com 13,66 de ISP; G6 com 12,73; G2 com 12,35; G1 com 10,95; G4 com 10,74 e G3 com 10.69. Frente a isso, e considerando que a variação do ISP é de 0,9 a 37,1, pode-se presumir que os pesquisados deste estudo estão pouco satisfeitos profissionalmente. Para tanto, os dados encontrados em pesquisas brasileiras anteriores, indicam que a satisfação tem aumentado gradativamente ao longo dos anos. Os dados apontam ainda que a real satisfação profissional dos Enfermeiros esteja diretamente ligada à possibilidade de tomada de decisão e de liberdade de escolha, e inversamente relacionada à não valorização no trabalho. Reafirma-se, no entanto, o enfoque para a necessidade de organização da categoria, a fim de desenvolver o senso de valorização e luta por melhores condições para o desempenho das atividades cotidianas, mostrando que o trabalho do Enfermeiro é importante, necessário, clamando por reconhecimento e remuneração digna. Neste sentido, ao se constatar que muitos são os fatores de insatisfação no trabalho que se relacionam a tais dimensões, estas podem, consequentemente, afetar a prestação de serviços e a qualidade do cuidado oferecido, já que afeta diretamente o cuidador. É necessário para tanto, a busca de A relação comparativa dos gráficos nas diferentes áreas de atuação aponta para um resultado congruente. Em análise, foi possível identificar que os Enfermeiros em sua totalidade apresentavam maior nível real de satisfação profissional com a autonomia frente à tomada de decisão no desenvolvimento de suas ações. Contudo, os profissionais do Grupo 5 (empresas, clínicas, presídio e hemocentro), apontaram estarem realmente mais satisfeitos profissionalmente com o componente, interação. Esta classificação confere os resultados no que se refere à importância atribuída (Parte A), em que o componente julgado ser o mais importante frente à satisfação no trabalho, condiz com o qual realmente estão mais satisfeitos. A autonomia, no entanto, não foi o principal componente com o qual os profissionais percebiam maior influência na satisfação profissional. Foi percebido o grupo estar mais satisfeito no trabalho com o status profissional, porém, foi o componente atribuído por eles que menos influenciava nesta satisfação. Estes dados indicam que os menores níveis reais de satisfação profissional estão atrelados ao domínio status profissional, pelo não reconhecimento da profissão e não valorização frente ao trabalho realizado, evidenciados no quadro da Figura 13. O fraco desempenho do componente requisitos do trabalho foi destaque nos profissionais da área hospitalar. Este foi apresentado como sendo o de menor nível real da satisfação profissional, fato este que pode ser justificado em razão da lacuna no que se refere ao dimensionamento do tempo e das atividades diárias. Por fim, os dados relativos aos componentes com os quais os pesquisados se sentiram, intermediariamente, mais ou menos satisfeitos, variam de acordo com as áreas de atuação frente às atividades desempenhadas, às normas da organização e ao rendimento mensal. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS No que diz respeito ao nível de importância atribuída aos componentes da satisfação profissional, verificou-se que a maioria dos Enfermeiros considera a autonomia o domínio mais importante, e o 161 REVISTA SETREM - Ano XI nº 21 JUL/DEZ 2012 ISSN 1678-1252 [online]. V. 7, n 4, p. 21-28, Ribeirão Preto: out/1999. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v7n4/13485.pdf Acessado em: 20 de março de 2010. KEMMER, L. F.; SILVA, M. J. P. da. Como escolher o que não se conhece? Um estudo da imagem do enfermeiro por alunos do ensino médio. Acta paulista de enfermagem. [online]. 2007, vol.20, n.2, pp. 125-130. ISSN 0103-2100. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ape/v20n2/a03v20n 2.pdf . 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