Uso de modelos agrometeorológicos na estimativa do rendimento de lavouras Denise Cybis Fontana (UFRGS) Ricardo Wanke de Melo (UFRGS) Eliana Veleda Klering (UFRGS) Moacir Antonio Berlato (UFRGS) Jorge Ducati (UFRGS) Resumo A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) tem participado do projeto de revitalização da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), denominado Geosafras, propondo desenvolvimentos e testes de metodologias que possam ser repassadas à CONAB e incorporadas ao programa de acompanhamento e previsão de safras no Brasil. Os trabalhos estão dirigidos para os três segmentos que compõem um programa de previsão de safras: a estimativa de área cultivada, a estimativa de rendimento e o monitoramento ao longo do período de desenvolvimento das culturas. Algumas das experiências desenvolvidas no segmento de estimativa de rendimento de arroz e soja no Estado, são descritas neste documento. Para a estimativa do rendimento de arroz o modelo proposto é o de Carmona (2001), cujas variáveis consideradas são a insolação relativa e o número de dias com temperatura menor ou igual a 15oC. Já para a cultura da soja, tem sido utilizado o modelo de Bianchi et al. (2006), o qual é composto por dois termos: o agrometeorológico (evapotranspiração relativa) e o espectral (imagens de índice de vegetação - NOAA/AVHRR). Apesar dos bons resultados até agora obtidos, é imprescindível a realização de alguns testes visando à melhoria constante dos métodos que geram as estimativas de rendimento. Também, é necessário estabelecer comparações com dados reais de rendimento, dado que até o momento, os testes têm tido feitos com base nas estatísticas oficiais, também obtidas por amostragem e com caráter subjetivo. 1 1. Introdução: o projeto Geosafras na UFRGS A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), através do Centro Estadual de Pesquisas em Sensoriamento Remoto e Meteorologia (CEPSRM) e da Faculdade de Agronomia, em parceria com a Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (FEPAGRO-RS), tem participado do projeto de revitalização da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), denominado Geosafras, propondo desenvolvimentos e testes de metodologias que possam ser repassadas à CONAB e incorporadas ao programa de acompanhamento e previsão de safras no Brasil. As atividades conjuntas CONAB-UFRGS tiveram início na safra 1998/99 em uma experiência piloto no Estado do Rio Grande do Sul, na qual foi utilizada somente uma cena Landsat cobrindo parte do noroeste do Estado. Em 1999/2000 o trabalho foi realizado novamente, mas com uma expressiva ampliação da área de cobertura. Neste caso, a área analisada abrangeu parte dos estados do RS, SC, PR, SP, MG, MS, MT,GO, TO, MA, BA e PI, com cerca de 50% da área cultivada com soja no Brasil. Apesar dos resultados promissores, os trabalhos foram interrompidos e foi somente a partir da safra 2003/2004 que a parceria foi estabelecida novamente. Durante o período de interrupção, foram realizados três workshops (Porto Alegre em março de 2002, Campinas em setembro de 2002 e Belo Horizonte em abril de 2003), os quais proporcionaram a elaboração de um novo arranjo institucional de colaboração. Neste novo arranjo, atualmente vigente, participam um grupo de instituições de pesquisa de vários estados brasileiros, que trabalham de forma integrada desenvolvendo e testando metodologias que envolvem modelos agrometeorológicos, técnicas de sensoriamento remoto e geoprocessamento. Na UFRGS os trabalhos vinculados ao Geosafras estão dirigidos para os três segmentos que compõem um programa de previsão de safras: a estimativa de área cultivada, a estimativa de rendimento e o monitoramento ao longo do período de desenvolvimento das culturas. Algumas das experiências desenvolvidas no segmento de estimativa de rendimento de arroz e soja no Estado do Rio Grande do Sul, serão descritas neste documento. Todo este trabalho tem sido possível pela oportunidade de montar e manter um grupo de trabalho na área de previsão de safras, através de bolsas concedidas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), assim como uma infra-estrutura de computadores e programas necessários para a realização das atividades, adquiridos através de recursos provenientes do Programa das Nações Unidas 2 para o Desenvolvimento (PNUD). Na equipe, agrega-se ao pessoal permanente da UFRGS (Denise Cybis Fontana, Jorge Ducati, Mônica Kreling Moacir A Berlato, Homero Bergamaschi e Laurindo Guasselli), e da FEPAGRO (Ronaldo Matzenauer e Jaime Maluf), bolsistas de mestrado (Eliana V. Klering e Amanda H. Junges), iniciação científica (Ana Paula A. Cordeiro, Fernando T. Machado, Laurie F. Cunha, Lucas S. Borne e Márcia dos Santos), desenvolvimento técnico (Ricardo W. Melo, Anibal Gusso e Gilca M. Alves) e consultores (Ana Paula L. Wagner e Eliseu Weber) que atuam exclusivamente no projeto. Do ponto de vista metodológico, as ações apresentam um conjunto de técnicas e métodos, alguns já consagrados e outros em fase de desenvolvimento, nas áreas de sensoriamento remoto, geoprocessamento e agrometeorologia. O sensoriamento remoto possibilita a mensuração de características da superfície terrestre a partir de dispositivos sensores em grandes altitudes, a bordo de aviões ou satélite. As imagens de satélite, em particular, têm permitido estudos em escala regional cada vez mais detalhados, devido à possibilidade de visualizar o mesmo território em intervalos regulares de tempo. Essa característica evidencia seu potencial no acompanhamento das alterações que ocorrem na superfície terrestre ao longo do tempo. Além disso, as imagens permitem a mensuração das características da superfície em diferentes bandas, tanto na região do visível quanto do infravermelho. A análise destas bandas permite o mapeamento dos diferentes tipos de cobertura do solo incluindo as culturas agrícolas. No quadro da análise dos dados espaciais através do geoprocessamento é possível localizar geograficamente e quantificar as áreas cultivadas, integrando informações regionais ou nacionais. Na área de agrometeorologia, já estão disponíveis modelos que quantificam a relação lima-planta através do uso de dados de estações meteorológicas de superfície aliadas a imagens de satélite, visando estabelecer a previsão do rendimento. 2. Modelagem de rendimento O rendimento, conceituado aqui como a produção de grãos por unidade de área, é uma informação extremamente útil na medida em que fornece subsídios para a tomada de decisões em diversos segmentos ligados ao agronegócio e a instituições governamentais. O rendimento de grãos é decorrência da complexa interação entre condições de solo (características físicas e químicas), de manejo (cultivar, espaçamento, ...) e das condições meteorológicas (hídricas, térmicas, ...). Por outro lado, a modelagem do 3 rendimento pode ser concebida como a representação simplificada da relação existente entre a cultura e o ambiente. Na literatura estão disponíveis diversos tipos de modelos, os quais, segundo citação de Berlato (1987) podem ser agrupados em três categorias: • Modelos estatísticos empíricos: são aqueles que utilizam séries históricas de dados meteorológicos e de rendimento das culturas ou das plantas de uma região e, através de técnicas estatísticas de regressão linear, são produzidas equações que podem ser usadas a para a estimativa do rendimento. A maior restrição ao uso deste tipo de modelo é o caráter local das equações. • Modelos de simulação: são aqueles que simulam, de forma simplificada, os mecanismos físicos, químicos e biológicos que determinam o crescimento e desenvolvimento das plantas. Este tipo de modelo apresenta restrições pela falta de informações detalhadas, tanto de fisiologia das plantas, quanto do ambiente. • Modelos de relação clima-planta (ou agrometeorológicos): são aqueles que fazem uma simplificação das relações existentes entre a resposta da planta e as variáveis meteorológicas durante as diversas etapas do ciclo da cultura. Esses modelos têm, pois, uma orientação fenológica . 3. Modelos agrometeorológicos Os modelos agrometeorológicos apresentam características de precisão, objetividade, facilidade de implementação e baixo custo, as quais são muito úteis para um adequado entendimento das relações clima-planta e também podem servir para prognósticos de comportamento das plantas dada uma determinada condição. Em um programa de previsão de safras, estes modelos podem atender a demanda dos órgãos nacionais, responsáveis pelo acompanhamento de safras, que necessitam de instrumentos objetivos e com adequado grau de detalhamento temporal e espacial. Este tipo de modelagem fundamenta-se no estabelecimento de relações do crescimento e desenvolvimento da vegetação com variáveis que descrevem as condições meteorológicas durante o ciclo. As funções consideram as diferenças de sensibilidade das culturas aos estresses ao longo do ciclo, os denominados “períodos críticos”. Em geral, os períodos críticos estão associados aos momentos em que a cultura está definindo os componentes do rendimento: emergência, florescimento e enchimento de grãos. Na maior parte dos modelos estudados, para as culturas de primavera-verão não irrigadas, são consideradas variáveis meteorológicas que caracterizam as condições hídricas, enquanto 4 que para as culturas de primavera-verão irrigadas, são utilizadas as variáveis meteorológicas que caracterizam as condições térmicas e de radiação solar ou insolação. 4. Uso de modelos agrometeorológicos no Rio Grande do Sul 4.1. Cultura do arroz Cerca de 150 milhões de hectares de arroz são cultivados anualmente no mundo, produzindo 590 milhões de toneladas, sendo que mais de 75% desta produção é oriunda do sistema de cultivo irrigado. No Brasil a produção de arroz é originária, principalmente, das lavouras irrigadas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina que contribuem com aproximadamente 60% da produção nacional, sendo que somente o Rio Grande do Sul, com 25% da área cultivada, contribui com cerca de 46% da produção. No Estado do Rio Grande do Sul, são produzidas anualmente cerca de cinco milhões de toneladas, sendo considerado estabilizador da safra nacional. Esta produção representa 3,1% do PIB (Produto Interno Bruto) e gera R$ 175 milhões em ICMS (Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços) e 250 mil empregos no Estado (IBGE, 2004). Cultivado em cerca de 950 mil hectares, apresenta uma produtividade média em torno de 5.500 kg/ha, próxima das obtidas em países tradicionais no cultivo de arroz irrigado, ficando pouco abaixo das obtidas nos EUA, Austrália e Japão. Em relação à modelagem de rendimento do arroz, Carmona (2001) propôs um modelo de rendimento baseado na regressão linear múltipla do rendimento em função da insolação relativa (n/N) e o número de dias com temperatura igual ou inferior a 15°C (N°tm). O modelo foi ajustado para as diferentes regiões orizícolas e para o Estado do Rio Grande do Sul, utilizando o período de 1960 a 2000. Entretanto, a partir do início da década de 80 houve uma mudança no perfil das variedades cultivadas no Estado, passando a predominar variedades de porte baixo, folhas eretas e alta capacidade de perfilhamento, atributos esses que confeririam a estas novas variedades alto potencial produtivo (Nedel et al., 1998), principalmente por serem mais eficientes na interceptação da radiação solar global. Dada esta situação, o Carmona (2001) optou por refazer o ajuste do modelo de regressão linear múltipla do rendimento somente para o período de 19802000. O modelo proposto por Carmona (2001) para a estimativa do rendimento de arroz no Rio Grande do Sul é o que está sendo testado dentro do âmbito do projeto 5 Geosafras/UFRGS para as últimas cinco safras. Os resultados mostraram que, apesar do desempenho razoável do modelo, existe espaço para a melhoria das estimativas. 4.2. Cultura da soja O Estado do Rio Grande do Sul é um dos maiores produtores e exportadores de grãos do Brasil, sendo que a cultura da soja contribui consideravelmente para esta situação, visto que o Estado é o terceiro maior produtor nacional deste grão. Apesar do bom desempenho demonstrado pela cultura da soja no Rio Grande do Sul, verifica-se alta variabilidade na produção entre as safras, principalmente em razão da ocorrência de estiagens. A freqüência e o total das precipitações pluviais normais no Estado são insuficientes para atender as necessidades hídricas da cultura, fazendo com que esta não expresse seu potencial produtivo. No Rio Grande do Sul, alguns estudos, como os realizados por Berlato (1987) e Fontana et al. (2001), prepuseram o uso de modelos de predição de rendimento da soja (semelhante a outras culturas de primavera-verão não irrigadas), tendo como variável independente alguma expressão da disponibilidade hídrica. Os resultados obtidos têm sido muito satisfatórios. Nestes modelos, são atribuídos pesos diferentes aos diferentes estádios de desenvolvimento da cultura de acordo com a sensibilidade relativa da planta ao déficit hídrico. Posteriormente, Mello et al. (2003) adicionaram ao modelo agrometeorológico um termo espectral. A hipótese para a introdução de técnicas de sensoriamento se baseia no fato de que o crescimento e desenvolvimento das plantas podem ser monitorados por sensores remotos orbitais; de que a medição remota da biomassa pode ser um estimador complementar do rendimento de grãos e finalmente de que as medições por satélites permitem melhor detalhamento das variações espaciais do rendimento. O termo espectral proposto por Melo et al. (2003) é dado por Combinações de Máximo Valor (CMV) do Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI), obtido de imagens de satélites com baixa resolução espacial, porém alta resolução temporal como é o caso do AVHRR/NOAA (Advanced Very High Resolution Radiometer/National Oceanic and Atmospheric Administration). A técnica de CMV tem como objetivos reduzir a influência da atmosfera (nuvens) e permitir estudos multitemporais através dos perfis temporais de NDVI. Já o NDVI representa uma medida radiométrica da quantidade, estrutura e condição da vegetação, sendo obtido a partir de combinações lineares das bandas espectrais do vermelho e do infravermelho. O uso deste 6 índice visa inferir sobre parâmetros biofísicos (cobertura verde, biomassa, índice de área foliar (IAF), conteúdo de clorofila…). No caso deste tipo de modelos, o termo agrometeorológico responde pelas condições térmicas e hídricas, enquanto o termo espectral introduz no modelo outros fatores também determinantes do crescimento e não considerados no termo agrometeorológico, como diferenças de práticas de manejo, cultivares e outros estresses. Mais recentemente, Bianchi et al. (2006) introduziram algumas melhorias espaciais e temporais ao modelo proposto por Melo et al. (2003) e se constritui na metodologia atualmente utilizada para a obtenção das estimativas feitas para as últimas safras dentro do contexto do projeto Geosafras/UFRGS. Os resultados têm mostrado o potencial de uso do mesmo, atendendo grandemente a demanda dos órgãos responsáveis pelo levantamento de safras no Brasil. 7 5. Considerações Finais A parceria estabelecida entre a UFRGS e a Conab, através do projeto Geosafras, tem propiciado um excelente ambiente de troca de experiências entre as duas instituições, bem como com as demais instituições parceiras. A Universidade, além do teste e desenvolvimento de técnicas e métodos, tem como vocação a formação de recursos humanos, disponibilizando profissionais treinados que poderão ser incorporados às instituições responsáveis pelo levantamento de informações sobre safras agrícolas. Por outro lado, nesta parceria a Conab estabelece uma oportunidade de realização de pesquisas voltadas a um tópico de aplicação, o que tem determinado a constituição e manutenção deste grupo de pesquisa. No que se refere às pesquisas de modelagem de rendimento, apesar dos bons resultados até agora obtidos, é imprescindível a realização de alguns testes visando à melhoria constante dos métodos que geram as estimativas de rendimento. Exemplos de alguns destes desenvolvimentos são: a introdução de imagens MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer), visando a melhoria do detalhamento espacial das estimativas; o desenvolvimento de técnicas para a delimitação de máscara de cultura, para obtenção de dados mais apropriados da situação das lavouras em estudo; a análise de métodos de interpolação de dados meteorológicos, o que é especialmente importante devido à esparsa densidade da rede de estações meteorológicas atualmente em operação no Estado; e, por fim, o ajuste de novos modelos, com diferentes concepções teóricas. Tomando como base a experiência adquirida nos estudos realizados neste período, enfatiza-se como fundamental a melhoria da abrangência (maior número de estações), confiabilidade (testes de qualidade e homogeneidade) e agilidade na coleta e transferência de dados meteorológicos. Também, deve-se avaliar a utilização, como variável de entrada dos modelos de estimativa de rendimento, dados obtidos a partir de modelos numéricos de previsão de tempo. Outro aspecto fundamental é o estabelecimento de comparações dos dados estimados pelos modelos com dados reais de rendimento, através da uma adequada e representativa amostragem em lavouras. Até o momento, os testes dos modelos têm tido feitos com base nas estatísticas oficiais, também obtidas por amostragem e com forte caráter subjetivo. Por fim, é necessário avaliar o impacto da introdução das variedades transgênicas no desempenho dos modelos atuais, visto que pouco se conhece a interação clima-planta deste tipo de material genético. 8 Bibliografia BERLATO, M. A Modelo de relação entre o rendimento de grãos e soja e o déficit hídrico para o Estado do Rio Grande do Sul. 1987. 103f. Tese (Doutorado em Meteorologia) – Curso de Pós-Graduação em Meteoroloiga, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. BIANCHI, C.A.M.; FONTANA, D.C.F.; MELO, R.W. Estimativa do rendimento da soja no Rio Grande do Sul, usando um modelo agrometeorológico-espectral regionalizado. Ciência Rural, 2006 (no prelo). CARMONA, L. Efeitos associados as fenômenos El Niño e La Niña no rendimento do arroz irrigado no Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2001. 77f. Dissertação (Mestrado em Fitotecnia) – Programa de Pós-Graduação em Fitotecina. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001. FONTANA, D.C.; BERLATO, M.A.; MELO, R.W. Modelo de estimativa de rendimento de soja no Estado do Rio Grande do Sul, Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 26, n.3 , p. 399-403, 2001. MELO, R. W. Modelo agrometeorológico-espectral de estimativa do rendimento da soja para o Estado do Rio Grande do Sul. 2003. 88f. Dissertação (Mestrado em Fitotecnia, Agrometerologia) – Programa de Pós-Graduação em Fitotecnia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 9