A biógrafa de Clarice Relendo a entrevista que fiz com Clarice Lispector e que está no livro “Uma vida que se conta”, de Nádia Battella Gotlib, vi que tinha feito a mesma pergunta a Joaquim Cardozo e que está reproduzida na “Obra Completa” do poeta, organizada pelo escritor Everardo Norões. Perguntei: O que mais lhe marcou a vida? Clarice respondeu: "Acho que meu nascimento e o seu mistério". Para o poeta do “Congresso dos ventos”, também foi "o nascimento e o seu mistério, pois a gente sabe que vai morrer, mas não sabia que iria nascer." O espaço entre uma entrevista e outra é de mais ou menos 20 anos. Esta constatação me veio a propósito dos livros de Nádia, que esteve entre nós, recentemente, por ocasião do Fliporto que agora olindanou-se. Tivemos encontros demorados - eu e a jornalista Ivana Moura - com a biógrafa que escreveu “Clarice Fotobiografia”, publicada pela Imprensa Oficial de São Paulo. Um livro à altura da grande escritora ucraniana/brasileira que se criou no Recife. Subimos e descemos ladeiras, almoçamos, jantamos e, sobretudo, compartilhamos confidências que estreitaram nossas amizades. Nádia percorreu os caminhos da família Lispector e durante quase 30 anos de pesquisa formatou a sua obra. Professora de Literatura da USP acabou por realizar um livro indispensável para quem quiser seguir os trilhos dessa mulher que cresceu mais depois de sua morte. Há escritores que a morte só faz aumentar a fama. Quando ela esteve aqui, trazida por mim e o contista Augusto Ferraz, que já era seu amigo, o registro fotográfico só foi possível porque o meu primo Teo fez umas fotos de sua palestra no auditório do Bandepe. Em relação a Joaquim Cardozo as imagens também são pouquíssimas. O que salva são umas fotos nos arquivos do JC, um documentário feito pelo escritor Marcos Cordeiro e uma matéria realizada pela Globo, por ocasião dos 80 anos do poeta que articulei na extinta Galeria Nêga Fulô. Volto à entrevista. Clarice, você conheceu a paixão? Conte-nos, se possível? "Eu sou besta de contar minhas paixões. Eu tenho uma vida íntima que não revelo a ninguém. Nem a Deus". E continuei perguntando como se quisesse retirar os segredos do leito movediço do rio. Era do conhecimento de todos a dificuldade de se entrevistar a autora da Paixão segundo GH. Ela não dava abertura para um conversa descontraída e muito menos reveladora. Minha última pergunta: Recife continua existindo em Clarice? "Existe todo dentro de mim.", respondeu. A seriedade da biógrafa Nádia Gotlib nos encanta. Sensacionalismo não foi, verdadeiramente, o seu material de trabalho. É ela mesma quem diz: "Num universo em que o documental e o fictício se misturam, procuro examinar como os ingredientes dessa narrativa de vida e da obra se organizam..." Mergulhando na vida e na produção literária dessa mulher personagem de si mesma, Nádia escreveu uma obra pioneira, que serviu de fonte para outros livros que saíram sobre a autora, e será sempre referência para a navegação do mar clariciano e de sua longa e penosa aprendizagem.