O DIREITO À INTIMIDADE E A AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE EL DERECHO A LA INTIMIDAD Y LA ACCIÓN DE INVESTIGACIÓN DE PATERNIDAD Pedro Luis Piedade Novaes RESUMO Desde o advento da Constituição Federal de 1988 não se admite mais a qualquer distinção entre filiação legítima ou ilegítima, havendo igualdade entre os filhos (art. 227, § 6º). Mesmo com os avanços trazidos pela nossa lei maior quanto à filiação, percebe-se que o Código Civil de 2002 somente prevê a presunção de paternidade aos filhos gerados no casamento. Fora da constância das núpcias, o filho pode ser reconhecido de forma voluntária, administrativa ou judicial. Neste último caso, a via cabível é a ação de investigação de paternidade, cujo procedimento é previsto na lei nº 8.560/94. Neste contexto, o presente trabalho visa analisar pontualmente a ação de investigação de paternidade, suas particularidades processuais e o direito à intimidade das partes litigantes (suposto pai, mãe e pretenso filho). PALAVRAS-CHAVES: DIREITO À INTIMIDADE. AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE. SIGILO PROCESSUAL RESUMEN Desde el advenimiento de la Constitución Federal de 1988, y la igualdad de los niños (art. 227, § 6), no se permite más la distinción entre filiación legítima e ilegítima. Mismo con los avances proporcionados por nuestro derecho con respecto a la filiación, se advierte que el Código Civil de 2002 sólo establece la presunción de la paternidad de los hijos concebidos en matrimonio. Fuera de la constancia del matrimonio, el hijo puede ser reconocido de forma voluntaria, administrativa o judicial. En este último caso, la acción adecuada es a la de investigación de paternidad, cuyo procedimiento está previsto en la Ley Federal nº 8560/94. En esto contexto, el presente estudio tiene como objetivo analizar la acción de investigación de la paternidad, sus peculiaridades procesales y el derecho a la intimidad de los demandantes (posible padre, la madre y el pretenso hijo). PALAVRAS-CLAVE: DERECHO A LA INTIMIDAD. ACCION DE INVESTIGACIÓN DE LA PATERNIDAD. SIGILO PROCESUAL 1. INTRODUÇÃO. O direito brasileiro sempre resolveu a questão relacionada à filiação pela presença do casamento, inspirando-se em dois brocardos latinos: (i) “mater semper certa est” (o simples fato do nascimento estabelece o vínculo jurídico entre a mãe e o filho); “pater is est quem justae nuptiae demonstrant” (presume-se a paternidade do marido, no caso de filho gerado por mulher casada). A filiação, segundo Maria Helena Diniz: “É o vinculo existente entre pais e filhos. Vem a ser a relação de parentesco consangüíneo em linha reta de primeiro grau entre um a pessoa e aqueles que lhe deram a vida, podendo ainda (CC, arts. 1593 a 1597 e 1618) ser uma relação socioafetiva entre pai adotivo e institucional e filho adotado * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8034 ou advindo de inseminação artificial heteróloga” (2007, p. 420-421). Atualmente, não existe distinção entre filhos nascidos na constância do casamento ou fora deste. Entretanto, essa igualdade de condições entre filhos nem sempre foi assim. Antes da Constituição Federal, o Código Civil de 1916 distinguia os filhos em legítimos e ilegítimos, conforme os pais fossem ou não casados. Também havia previsão do filho adotivo que, nos termos do artigo 377 do mesmo Codex, só era permitido aos maiores de 50 anos, sem prole legítima ou legitimada, sendo que não se integrava o filho adotado, totalmente, na nova família, permanecendo ligado aos parentes consangüíneos [1]. O filho legítimo era aquele havido e concebido durante o casamento dos pais, sendo uma presunção de legitimidade disposta no artigo 338 do Código Civil de 1916 [2]. Já o filho ilegítimo era aquele concebido por pais não casados e que não chegavam a se casar. O filho ilegítimo poderia ser natural (quando os pais não tivessem impedimentos para o casamento) ou espúrio (quando os pais tivessem impedimentos para se casar). O filho ilegítimo espúrio poderia ser adulterino (filho de amantes) ou incestuoso (filho de parentes ou afins em linha reta). O filho espúrio, de acordo com o artigo 358 do Código Civil de 1916 [3], não poderia ser reconhecido, não tendo os direitos dos filhos legítimos ou naturais. Essas classificações e restrições, felizmente, desapareceram com a Constituição Federal de 1988, sendo que, mesmo não recepcionado pela novel ordem jurídica, o artigo 358 do Código Civil de 1916 foi revogado pela Lei n. 7.841/89 (BRASIL, 2010a). Portanto, com o advento da Constituição Federal, tal distinção entre filhos legítimos e ilegítimos foi extirpada de nosso ordenamento jurídico, nos termos do artigo 227, § 6º: “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Como bem ressalta José Sebastião de Oliveira: “o constituinte pôs fim a uma das maiores heresias prestigiadas pelo Código Civil, ou seja, à ‘punição’ dos filhos não havidos na constância do casamento, por evento natural em relação ao qual não possuíam nenhuma responsabilidade. Alijou-se, de vez, a diferenciação dos filhos através de expressões discriminatórias (ilegítimo, adulterino, espúrio, incestuoso, etc)” (2002, p. 253). Nesta toada, o Código Civil de 2002 se adequou ao texto constitucional, estabelecendo a igualdade entre filhos: “Art. 1.596. os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 2010a). Sem desmerecer o avanço da Constituição Federal em relação à filiação, o Código Civil de 2002 continuou prevendo expressamente a presunção (relativa) de paternidade dos filhos nascidos durante a constância do casamento, conforme a redação de seu artigo 1597, continuando a se inspirar no direito romano: “pater is est quem justae nuptiae demonstrant”: * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8035 “Art. 1597. Presumem-se concebidos na constância do casamento: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido (BRASIL, 2010a). Os dois primeiros incisos citados se baseiam nos períodos mínimo e máximo de gestação viável, os quais são hoje de pouca valia, em virtude dos avanços da ciência, principalmente no exame de DNA, que possibilita definir a paternidade com a certeza necessária. Como bem observa Carlos Roberto Gonçalves: “somente incide a presunção ‘pater is est’ se houver convivência do casal. Com o desenvolvimento da ciência e a possibilidade de se realizarem exames que apurem a paternidade com certeza científica, especialmente por meio de DNA, cuja molécula contém o código genético pela herança cromossômica de cada indivíduo, prevalecerá a verdade biológica” (2009a, p. 290-291). Já os incisos III a V do referido dispositivo legal são hipóteses de presunção de filhos concebidos na constância do casamento, todas elas vinculadas à reprodução assistida, da qual não há relação sexual para concepção, tema este interessantíssimo que não será tratado no presente estudo, pois não é o foco da pesquisa [4]. Como já visto acima, desde 1988 não há qualquer distinção entre filhos. Há, entretanto, diferenças sob o aspecto formal, persistindo ainda uma classificação prevista expressamente pelo Código Civil de 2002, quanto à origem: filhos havidos no casamento e filhos havidos fora do casamento. 2. DOS FILHOS HAVIDOS FORA DO CASAMENTO. FORMAS DE RECONHECIMENTO. Os filhos gerados na constância do casamento, como visto acima, presumem-se ser dos cônjuges, nos termos do artigo 1.597, CC/02. Vê-se que, malgrado as disposições do Código Civil de 2002 estarem em consonância com o artigo 227, § 6º, da Constituição Federal (igualdade entre filhos), em especial o seu artigo 1.596, também mencionado acima, é nítida a diferenciação no reconhecimento de filho nascido na constância ou fora do casamento, já que estes não são beneficiados com a presunção legal de paternidade a que alude o artigo 1597, também supramencionado. Nos termos do artigo 1.607: “O filho havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente”. Em outras palavras, se gerados fora do âmbito das núpcias, tais filhos necessitam do reconhecimento dos pais. Para tanto, a doutrina subdivide o reconhecimento de filhos de três formas: voluntário, administrativo e judicial. Abrindo-se um parêntese, vale ressaltar que, sendo qualquer forma de reconhecimento de filho, * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8036 seja na constância ou não do casamento ou por via judicial (ação de investigação de paternidade), a sua eficácia é ex tunc, ou seja retroativa desde a data do nascimento, em virtude de seu caráter declaratório, gerando, inclusive efeitos erga omnes (alcança a todos). Esta força declaratória é tão forte que Caio Mario da Silva Pereira entende que “uma vez pronunciada a declaração volitiva de reconhecimento, ela se desprende do foro interior do agente, para adquirir a consistência jurídica de um ato jurídico perfeito” (1996, p. 66). O ato de reconhecimento de filho atinge, inclusive a denominada “adoção à brasileira”, quando a pessoa registra filho que sabe não ser biologicamente o seu. Neste sentido, é o precedente do Superior Tribunal de Justiça: “Quem adota à moda brasileira não labora em equívoco. Tem pleno conhecimento das circunstâncias que gravitam em torno de seu gesto e, ainda assim, ultima o ato. Nessas circunstâncias, nem mesmo o pai, por arrependimento posterior, pode valer-se de eventual ação anulatória, postulando desconstituir o registro. Da mesma forma, a reflexão sobre a possibilidade de o pai adotante pleitear a nulidade do registro de nascimento deve levar em conta esses dois valores em rota de colisão (ilegalidade da adoção à moda brasileira, de um lado, e, de outro, repercussão dessa prática na formação e desenvolvimento do adotado). Com essas ponderações, em se tratando de adoção à brasileira a melhor solução consiste em só permitir que o pai adotante busque a nulidade do registro de nascimento quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de socioafetividade com o adotado” (RESP nº 1.088.157-PB, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 23/6/2009) (BRASIL, 2010b). A questão envolvendo a paternidade socioafetiva, de grande relevo no nosso direito, também não será tratada neste estudo, mas deixamos o registro de entendimento doutrinário de que esta deve ser predominante, inclusive, sobre a paternidade biológica [5]: “além disso, merece ser observado que nem sempre a obtenção da verdade biológica, mesmo que ancorada em esmerada técnica, é o resultado justo para a ação de prova de filiação, bastado relembrar as hipóteses do parentesco fictamente criado pela denominada adoção à brasileira, quando alguém, sabidamente oriundo de progenitura diversa, é inserido no registro civil como filho de outrem, consolidando uma indisputável paternidade socioafetiva indiferente à ascendência consangüínea” (OLIVEIRA FILHO, 2007, p. 339). Fechando-se o parêntese, passamos a analisar as três formas de reconhecimento de filho concebido fora do casamento: a voluntária, a administrativa e a judicial. O reconhecimento voluntário é aquele que se dá por vontade do genitor e está previsto no artigo 1.609, CC/02. Tal manifestação de vontade pode ocorrer nas seguintes hipóteses: a) registro civil: o pai vai ao cartório e registra o filho; b) testamento: pode reconhecer o filho por testamento, como ato de última vontade; c) escritura pública: o genitor vai ao tabelionato e reconhece o filho no Registro Civil; d) documento particular: o pai pode reconhecer o filho por um documento particular autêntico e e) declaração judicial: o filho pode ser reconhecido por meio de qualquer declaração, em qualquer processo judicial. * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8037 Já o reconhecimento administrativo é regido pela lei nº 8.560/92 e ocorre quando a mãe registra a criança sem indicar o nome do pai; nestas condições, a genitora é obrigada a apontar o nome do suposto pai, assinando um termo, que é enviado ao Juiz-corregedor do Cartório, onde é instaurado um procedimento administrativo. Em seguida, notifica-se o suposto pai para comparecer em Juízo em 30 dias, para aceitar ou não o reconhecimento do seu pretenso filho. Em caso positivo, o juiz faz um termo e manda reconhecê-lo no cartório competente. Se não há o reconhecimento administrativo do suposto pai, o juiz manda os autos ao Ministério Público para que se promova uma ação de investigação de paternidade. Finalmente, temos a forma de reconhecimento judicial de filho, por intermédio da ação de investigação de paternidade, cujo rito é previsto pela Lei nº 8.560/92 e subsidiariamente, no Código de Processo Civil, que será abordado no item seguinte. 3. DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – ASPECTOS PROCESSUAIS Tal ação é imprescritível, salvo quanto aos efeitos patrimoniais da petição de herança (súmula nº 149, STF) (BRASIL, 2010c). A legitimidade ativa é do filho (direito personalíssimo, nos termos do artigo 27, da lei nº 8.069/90) [6]; se este é menor de idade, será representado pela mãe ou tutor. Entretanto “a inadvertida propositura da ação em nome da representante legal não implica o reconhecimento forçoso da ilegitimidade, caso o pedido permita entrever, com clareza, que o proveito buscado se direciona ao filho” (OLIVEIRA FILHO, 2007, p. 314). O Ministério Público também poderá ajuizar a ação, nos termos do artigo 2º, § 4º, da lei nº 8.560/92. Tal legitimidade é “extraordinária deferida aos membros do Parquet, na defesa dos interesses do investigando” (Gonçalves, 2009b, p. 321). O nascituro também tem legitimidade ativa para propositura da ação de investigação de paternidade, desde que representado por sua genitora (art. 1609, parágrafo único, CC/02): “o reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes”. No que se refere à legitimidade passiva, a ação é intentada em relação ao suposto pai; se este é falecido, em face dos seus herdeiros. Se a mãe manteve relações sexuais com dois ou mais homens no período provável da concepção, poderá o filho promover a ação investigatória contra todos os supostos pais. Neste sentido, Zeno Veloso: “tendo a mãe coabitado com vários homens durante o tempo possível da concepção do filho, a ação de investigação de paternidade pode ser intentada, separada ou conjuntamente, contra os mesmos” (1997, p. 35). Em tese, é cabível nestas demanda a concessão de tutela antecipada quando, por exemplo, houver também cumulação de pedido de alimentos para o pretenso filho. Ressalte-se que mesmo que os artigos 5º da Lei 883/49 e 7º da Lei 8.560/92 prevejam o cabimento dos alimentos provisionais em favor do autor da investigatória de paternidade somente após a sentença procedente, nada impede a fixação, pelo juiz do caso, * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8038 em tutela antecipada, desde que presentes os requisitos legais estabelecidos pelo artigo 273 do Código de Processo Civil. É possível, inclusive, fixação de alimentos gravídicos (em favor do nascituro), nos termos do artigo 6º, da lei nº 11.804/2008, cabendo ao juiz do caso concreto verificar os requisitos legais para concessão da tutela antecipada: Art. 6º Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré. Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão (BRASIL, 2010a). É competente para processar e julgar a ação de investigação de paternidade o Juízo do domicílio do filho, nos termos do artigo 94 do Código de Processo Civil. Se houver cumulação de pedidos, envolvendo alimentos, prevalece o foro do autor da ação, matéria objeto de Súmula nº 01 do STJ [7]; se a cumulação do pedido envolver petição de herança, o foro é do juízo do inventário, pelo caráter universal da sucessão. Não pode haver desistência do pedido se o autor for menor de idade, pois há interesse de incapazes, devendo, inclusive, o Ministério Público atuar no feito como “custos legis”, caso não tenha ajuizado ele próprio a ação de investigação de paternidade (art. 2º, § 4º, lei nº 8.560/92) (BRASIL, 2010a). O rito processual a ser seguido é o ordinário (artigos 282 e seguintes do CPC), já que este tipo de demanda requer produção de provas, observando-se, ao máximo, o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório. Citado, o suposto pai, se assim querendo, poderá contestar o pedido do autor (pretenso filho). Antes dos avanços da ciência, era comum a negativa do fato por parte do suposto pai, ou seja, argumentavase da inexistência de relação sexual com a genitora do requerente. Havia também a alegação da “exceptio plurium concubentium” (exceção do concubinato plúrimo), no sentido de que a mulher, na época da concepção, mantinha relações sexuais com outro(s) homem(ns). Entretanto, atualmente, com a possibilidade de realização de exame de DNA, a incerteza trazida aos autos pela exceção oposta pelo réu já não conduz, necessariamente, à improcedência da ação, pois mesmo comprovado o plurium concubentium, tal exame demonstrará, com elevado grau de certeza, quem é o verdadeiro pai. Os meios de prova admitidos em ação de investigação de paternidade são vários, tais como: posse do estado de filho (“nomem”, “tractatus”, “fama”) [8]; provas orais (testemunhas); documentos (exames prosopográfico – foto do filho e suposto pai); exames hematológicos (exame de sangue); exame * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8039 odontológico; exame de DNA. Quanto a este último, é considerado atualmente a rainha das provas, ou seja, a mais importante neste tipo de ação. O DNA quer dizer “ácido desoxirribunucléico”, e tem por objeto a tradução do código genético que determina as características de cada indivíduo, sendo que tal exame permite a probabilidade de paternidade superior a 99%. O exame também afasta, em 100%, a paternidade, como observa Salmo Raskin: “um resultado de exclusão significa com 100% de certeza que o suposto pai não é o pai biológico. Um resultado de inclusão vem acompanhado de probabilidade que o suposto pais seja o pai biológico, que são números acima de 99,99%, resolvendo inequivocadamente todas as disputas” (1999, p. 37). Quanto à prova do DNA “impende cautela na realização do exame, desde a escolha do laboratório até a escorreita redação do laudo, passando pela formação acadêmica do profissional. Sobreleva evitar, assim, uma sacralização ou divinização do DNA, que, repita-se, não se tornou prova exclusiva em tais ações” (FARIAS, 2002, p. 91). Portanto, deve haver “cuidado na verificação de uma regularidade na nomeação do perito incumbido do estudo, genético, na coleta, manuseios e conservação do material orgânico submetido à perícia” no sentido de evitar questionamento sobre a idoneidade dos pesquisadores que realizaram a análise do exame de DNA (OLIVEIRA FILHO, 2007, p. 339). Se posteriormente, a ação é julgada improcedente, o suposto pai poderá tomar as seguintes providências: a) pedir em face da mãe a repetição do indébito, no caso de não se confirmar a paternidade requerida; b) ajuizar uma ação contra a mãe do menor, pleiteando danos morais e materiais, desde que presente a má-fé da genitora, ou seja, desde que esta tenha ingressado com a ação sabendo que o réu não era pai de seu filho. Neste sentido Fernando Simas Filho (1999, p. 464): “a comunicação enviada pelo juiz ao suposto pai é pública e, só por esse fato, coloca o destinatário em má posição. Considerem-se que se for homem casado, sua família logo inquirirá a respeito do que, seu pai ou esposo, andou fazendo para ser chamado pelo juiz. Se for solteiro empregado ou funcionário, e recebe uma comunicação no emprego, poderá haver suspeitas provenientes de companheiros de trabalho e até do chefe. Notem bem que há a possibilidade de o destinatário não ser o pai da criança, contudo, a suspeita, por parte de familiares e colegas de trabalho, permanecerá. E. nesse caso, de quem esse homem se ressarcirá?”. Aliás, esta última providência quase passou a ser dispositivo legal: o então artigo 10, da lei 11.804/2008 foi vetado pelo Presidente da República, cuja redação era a seguinte: “em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor responderá, objetivamente, pelos danos materiais e morais causados ao réu”. As razões do veto foram as seguintes: Trata-se de norma intimidadora, pois cria hipótese de responsabilidade objetiva pelo * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8040 simples fato de se ingressar em juízo e não obter êxito. O dispositivo pressupõe que o simples exercício do direito de ação pode causar dano a terceiros, impondo ao autor o dever de indenizar, independentemente da existência de culpa, medida que atenta contra o livre exercício do direito de ação. (BRASIL, 2010a). Nada obsta que o pretenso pai, demonstrando o abuso do direito de ação por parte da genitora do filho que não é seu, ingresse com ação por danos morais, conforme Viviani Giovanete Ramos Ferreira (2004, p. 413): “Quando se propõe a ação de investigação de paternidade contra alguém que ela sabe não ser o pai da criança, tratando-se de hipótese de abuso do direito de ação. O imputado tem ação contra a mãe, para ser indenizado pelo dano que, eventualmente, tenha sofrido”. Entretanto, se procedente o pedido, “a sentença na ação de investigação de paternidade (ou maternidade) é de carga de eficácia declaratória e tem efeitos erga omnes. Ao reconhecer a paternidade, a sentença declara fato preexistente, qual seja, o nascimento” (VENOSA, 2006, p. 273). Após esta breve explanação sobre aspectos processuais da ação de investigação de paternidade, cabe discorrer sobre o direito à intimidade do suposto pai e sua observância em demandas desta natureza. 4. DO DIREITO À INTIMIDADE DAS PARTES E O SIGILO PROCESSUAL O direito à intimidade é uma das garantias previstas expressamente no artigo 5º, X, CF: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (Grifos nossos). Em linhas gerais, podemos afirmar que dentro da privacidade está abrangida a intimidade do ser humano: “Poderíamos ilustrar a vida social como um grande círculo, dentro da qual um menor, o da privacidade, em cujo interior seria aposto um ainda mais constrito e impenetrável, o da intimidade. Assim, o conceito de intimidade tem valor exatamente quando oposto ao de privacidade, pois se se cogita da tirania da vida privada, aduz-se exatamente à tirania da violação da intimidade, como, por exemplo, o pai que devassa o diário da filha adolescente ou viola o sigilo de suas comunicações” (ARAÚJO & NUNES JÚNIOR, 2009, p. 152). Nota-se que não é tão simples separar o que é privacidade e intimidade. Como assevera Manoel Jorge e Silva Neto: “Não há como identificar, portanto, intimidade e vida privada, quando é certo que a primeira corresponde ao conjunto de informações, hábitos, vícios, segredos, doenças, aventuras amorosas, até mesmo desconhecidos do tecido familiar e dos amigos. Cogitandose de direito à intimidade, menciona-se a porção mais escondida da individualidade da * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8041 pessoa. Logo, tudo que puder ser mantido na esfera do segredo pessoal é tutelado pelo direito à intimidade. Subtrair ao conhecimento público o que se atém à porção secreta da pessoa é o modo encontrado para respeitar a individualidade do ser humano” (2006, p. 190). Neste contexto, vale ressaltar outra garantia constitucional prevista no artigo 5º da Constituição Federal, qual seja, a publicidade dos atos processuais (inciso LX): “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou do interesse social o exigirem” (grifos nossos). Em outras palavras, “a Constituição Federal estabelece a possibilidade de restrição (mas não de eliminação) da publicidade” (DIDIER JÚNIOR, 2008, p. 62), autorizando a elaboração de leis infraconstitucionais neste sentido. Conseqüentemente, o artigo 155 do Código de Processo Civil, foi recepcionado pelo artigo 5º, LX, ao estabelecer o sigilo processual para demandas específicas: “Art. 155. Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos: I - em que o exigir o interesse público; II - que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores. Parágrafo único. O direito de consultar os autos e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e a seus procuradores. O terceiro, que demonstrar interesse jurídico, pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e partilha resultante do desquite”. (Grifos nossos) (BRASIL, 2010a) Por ser demanda referente à filiação, a ação de investigação de paternidade deve correr em total sigilo processual, nos termos do artigo 155, II, do Código de Processo Civil. Cumpre esclarecer que este sigilo dos atos processuais não alcança as partes e seus procuradores, como expresso no parágrafo único do mesmo artigo 155, CPC, supramencionado. Neste sentido, o advogado não constituído nos autos não pode ter acesso às ações de investigação de paternidade, nos termos do artigo 7º, inciso XIII, da Lei nº 8.906/94: “Art. 7º São direitos do advogado: (...) XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos; (Grifos nossos) (BRASIL, 2010a) Tais cuidados do legislador e do constituinte de 1988 quanto ao sigilo das demandas que envolvam a defesa da intimidade tem razão de ser, para que não haja exposição das partes litigantes, escancarando-se suas vidas privadas para a coletividade. E pelas circunstâncias que envolvem as ações de investigação de paternidade, há realmente grande constrangimento para as partes: a mãe, que já é cobrada pela sua família e pela sociedade pela sua prole sem genitor; do filho, que busca a sua verdade biológica; e do suposto pai, que * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8042 irá se defender de um fato que, se procedente, lhe ocasionará consequências patrimoniais e sentimentais, fato este agravado se o pretenso pai já é casado. Portanto, é necessária muita cautela e total sigilo neste tipo de ação, para preservar a privacidade de todas as partes litigantes. Afinal, a privacidade e a intimidade, são garantias constitucionais, as quais não podem ser violadas. Esta cautela é elogiada pela melhor doutrina: “Aliás, toda precaução há de ser tomada contra a exaperação do princípio da publicidade. Os modernos canais de comunicação de massa podem representar um perigo tão grande como o próprio segredo. (...) Publicidade como garantia política – cuja finalidade é o controle da opinião pública nos serviços da justiça – não pode ser confundida com sensacionalismo que afronta a dignidade humana. Cabe à técnica legislativa encontrar o justo equilíbrio e dar ao problema a solução mais consentânea em face da experiência e dos costumes de cada povo” (CINTRA, GRINOVER & DINAMARCO, 2001, p. 70). Assim, “justifica-se a imposição de restrições para que estranhos, em determinadas circunstancias, não tenham acesso ao que se passa no processo” (GONÇALVES, 2009b, p. 36), como ocorre nas ações de investigação de paternidade. Se porventura houver a quebra do sigilo processual em processos de natureza civil, há a tipificação de crime previsto no artigo 325, do Código Penal, punindo tanto o servidor público (caput) e o terceiro que obtiver a informação sob segredo de justiça (§ 1º. I e II): Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave. § 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública; II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. § 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa (BRASIL, 2010a). Há também no nosso ordenamento jurídico a previsão de sanções quando houver violação ao sigilo do processo penal e processo administrativo fiscal [9]; no âmbito da Justiça Federal, a resolução nº 58, de 25 de maio de 2009, do Conselho da Justiça Federal, estabelece diretrizes para membros do Poder Judiciário e integrantes da Polícia Federal no que concerne ao tratamento de processos e procedimentos de investigação criminal sob publicidade restrita, no âmbito da Justiça Federal de primeiro e segundo graus. [10] (BRASIL, 2010d). Infelizmente, mesmo com tanto cuidado para preservar a não divulgação de dados dos processos * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8043 que envolvam segredo de justiça, como é o caso das ações de investigação de paternidade, nem sempre este rigor é vivenciado na prática, principalmente quando a acusação de filiação advém de uma personalidade famosa, situação esta que atiça a curiosidade da coletividade, fazendo com que os veículos de imprensa obtenham, sabe lá de que forma, informações sigilosas, geralmente utilizando como escudo a garantia do sigilo de fonte (art. 5º, XIV, in fine, CF). Inobstante, este dispositivo constitucional estabelece que é garantido o sigilo de fonte “quando necessário ao exercício profissional”. Portanto, se o jornalista invocar tal garantia para divulgação de um fato, sem que haja necessidade de resguardar a sua atividade profissional, haverá extrapolação da proteção constitucional. A dificuldade, na prática, será estabelecer se houve realmente esse excesso pelo profissional de imprensa. De qualquer sorte, a doutrina [11] e a jurisprudência [12] (BRASIL, 2010e) pátrias têm entendido que os direitos e garantias fundamentais não são absolutos, sofrendo limitações, mormente quando há interesse público relevante ou preservação da intimidade maior em conflito com o sigilo de fonte jornalístico. Ademais, não pode servir o sigilo de fonte jornalística como escudo para acobertar condutas ilegais, como é o caso de violação de sigilo processual para descobrir dados de ação de investigação de paternidade. Caberia, em tese, a responsabilização da empresa jornalística por danos morais causados pela divulgação indevida de dados da ação de investigação de paternidade, nos termos do artigo 5º, incisos V e X, CF. De qualquer forma, como já observado acima, não há qualquer celeuma na doutrina ou na jurisprudência quanto ao caráter sigiloso que deve recair em todos os processos que envolvam filiação, nos termos dos artigos 155, CPC e 5º, LV, CF, sendo que a sua violação deve ser enfrentada e punida com rigor pelo Poder Judiciário. 5. DA RECUSA DO SUPOSTO PAI A SE SUBMETER AO EXAME DE DNA Muito se discute se o suposto pai pode recusar a fazer o exame de DNA em ação de investigação de paternidade. Para os defensores desta conduta do réu, há pelo menos três fundamentos jurídicos: a) ninguém é obrigado a fazer prova contra si próprio (corolário do direito ao silêncio - art. 5º, LXIII, CF); b) garantia do direito à intimidade, já que o exame de DNA revelará o componente genético do indivíduo; c) violação ao direito à inviolabilidade do próprio corpo. Tais argumentos são rebatidos pelos seguintes argumentos: a) o interesse suposto pai em omitir a informação que seria necessária e suficiente para estabelecer a verdade sobre a paternidade é enfraquecido perante a relevância do direito do filho de saber sua origem genética, que traduz no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF); b) no que se refere ao direito à intimidade, é cediço que a ação de investigação de paternidade segue em sigilo absoluto (art. 5º, LV, CF), devendo sempre ser respeitada essa garantia constitucional; c) o exame de DNA não gera qualquer sacrifício corpóreo considerável, não havendo violação à integridade física da pessoa que se submete ao mesmo, já que pode haver a coleta do dado por amostra de sangue ou mesmo de alguns fios de cabelo do investigado. * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8044 De acordo com a pesquisa feita por Antonio Darienso Martins e José Sebastião de Oliveira (2006, p. 329), no direito comparado há previsão de condução coercitiva do suposto pai para a realização do exame de DNA: na França e na Alemanha é admitida a prova nestas condições “porque aquelas legislações disciplinam que a sujeição da integridade do indivíduo está num plano inferior a um interesse coletivo decorrente da ordem pública” (MARTINS & ZAGANELLI, 2000, p. 160). Em Portugal, o Superior Tribunal de Justiça – órgão máximo do Poder Judiciário – há precedente no sentido de que “comparência sob custódia, da mãe do menor, acompanhada deste, no Instituto de Medicina Legal, para os exames de sangue, mesmo contra a vontade da mãe, não viola o direito à liberdade” (MORAES, 2000, p. 228). No Canadá e nos Estados Unidos da América existem normas legais dispondo sobre a obrigatoriedade do exame de DNA “em benefício da comunidade, que não pode tolerar o abandono de menores e a irresponsabilidade dos pais em nome de um suposto malferimento de direito fundamental, qual seja, o direito à integridade física” (GAMA, 2001, p. 92). Quanto à invocação de intimidade para não sujeição ao exame de DNA, Humberto Theodoro Junior esclarece o seguinte: “se a intimidade é tutelada como garantia fundamental, também goza do mesmo status a garantia de pleno acesso à justiça. Impedir o demandado que a verdade seja esclarecida em juízo é conduta que implicaria negativa ao direito fundamental de ter a justa e adequada prestação de tutela jurídica a que o Estado se obrigou perante todos, no terreno dos direitos fundamentais. (...) Na hipótese de exame médico pericial, a garantia de intimidade (intangibilidade corporal) é observada, porque a lei civil não o constrange à medida invasora da privacidade. O direito de recusar-se à perícia, portanto, lhe é assegurado. Do lado do investigante, a quem a garantia fundamental assegura justa composição do conflito e da plena defesa em juízo de seu direito subjetivo perante o investigado, a medida de implementação do seu direito de personalidade dá-se por meio da admissão da prova indiciária (presunção legal. Dessa maneira, portanto, os dois direitos fundamentais, do autor e do réu, são igualmente levados em conta pela lei civil e, segundo o princípio da razoabilidade, ambos são postos em atuação dentro do processo em que o exame médico seria necessário, mas não foi efetivado por deliberação unilateral de uma das partes” (2005, p. 40). No nosso ordenamento jurídico podemos afirmar que é possível a recusa do suposto pai ao exame de DNA, em face à garantia de não produção de provas contra si mesmo, mas a consequência deste ato é a presunção juris tantum (relativa) de paternidade. O próprio Código Civil de 2002 dispõe isto nos seus artigos 231 e 232: “Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa. Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8045 com o exame” (BRASIL, 2010a). Assim sendo, o Código Civil atual “vem sintetizar os avanços jurisprudenciais citados anteriormente, no sentido de que a parte que se recusa imotivadamente a se submeter à perícia médica deve ter contra si o peso da presunção daquilo que o exame poderia provar” (MARTINS, 2003, p. 4). No mesmo sentido: “se o suposto pai não está obrigado a submeter-se ao exame, sua recusa não lhe traz conseqüência fatal, não passando de indução da presunção da paternidade a ele imputada, permitindo-lhe a produção de prova em contrário e exigindo a existência de outros elementos de convencimento e de sustentação para a procedência do reconhecimento da filiação biológica” (MARTINS & OLIVEIRA, 2006, p. 332-333). Há quem entenda, entretanto, pela obrigatoriedade do exame de DNA em nosso direito “através do princípio da proporcionalidade de valores, axioma do Direito Constitucional, a identidade de um filho há de preponderar sobre os direitos dos pais” (SILVA, 2007, p. 28). Para Maria Helena Diniz “limitar a obtenção da verdade sobre a paternidade ou maternidade é ato que não mais se coaduna com os avanços científicos capazes de determinar a real filiação. Por que, então, não exigir a efetivação do exame?” (2007, p. 471). De qualquer forma, “mesmo com a recusa à perícia médica, se existir outras provas capazes de contestar persuasivamente a alegação do autor, deverá o juiz, na motivação da sentença, buscar apoio nessas provas e decidir desfavoravelmente ao pedido formulado na inicial” (MASCARENHAS, 2006, p. 8). No mesmo sentido, Carlos Roberto Gonçalves: “é necessário frisar que ninguém pode ser constrangido a fornecer amostras do seu sangue para a realização da prova pericial. No entanto, a negativa do réu pode levar o juiz, a quem a prova é endereçada, a interpretá-la de forma desfavorável àquele, máxime havendo outros elementos indiciários” (2009, p. 327) Este entendimento pela não obrigatoriedade da submissão do exame de DNA foi sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça: Súmula nº 301: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade” (BRASIL, 2010b). Recentemente a lei nº 8.560/92 foi alterada para incluir o artigo 2º-A, que dispõe: “Art. 2º-A. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos. (Incluído pela Lei nº 12.004, de 2009). Parágrafo único. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório. * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8046 (Incluído pela Lei nº 12.004, de 2009). (BRASIL, 2010a) Nem era necessário tal dispositivo legal, já que, como já explicitado acima, os artigos 231 e 232 do Código Civil já previam esta presunção relativa, sendo que este artigo 2º-A da Lei nº 8.560/92 veio apenas a acrescentar e especificar tal posicionamento nas ações de investigação de paternidade. Há, portanto, o entendimento pacífico de que a presunção de paternidade pela não realização do exame de DNA pelo suposto pai é relativa, merecendo ser desconsiderada quando contrariar outros elementos indiciários constantes dos autos, os quais deverão ser comprovados pelo réu. Aliás, a recusa na submissão ao exame de DNA não gera para o requerido efeitos criminais, como por exemplo, crime de desobediência (art. 330, CP) e nem a procedência do pedido inicial: “não significa que a insubordinação da partes investigada ocasiona, por si, um juízo bastante de procedência do pedido, porque a recusa reforça a convicção do parentesco quando a ela se adicionam outros informes que, assim reunidos, são indicativos probatórios robustos para a revelação da ascendência biológica” (OLIVEIRA FILHO, 2007, p. 359) Independentemente da realização ou não do exame de DNA, a importância desta prova nas ações de investigação de paternidade chegou a tal ponto que hoje se discute sobre a relativização da coisa julgada em processos que finalizaram sem a sua realização. Assim, parte da jurisprudência vem mitigando os efeitos da coisa julgada, permitindo a investigação da paternidade quando a anterior ação foi julgada improcedente por insuficiência de provas, sem o exame do mérito (RT 767/302). Neste contexto, nada impede que a parte interessada, dentro do prazo legal, ajuíze ação rescisória, nos termos do art. 482, II, CPC (documento novo capaz por si só de lhe assegurar pronunciamento favorável), justificando-se na busca da verdade real (TJSP, JTJ, LEx 220/275). Entretanto, findo o prazo de propositura de ação rescisória (2 anos – art. 495, CPC), o Superior Tribunal de Justiça entende que não há mais como reabrir a questão, mesmo com a existência de exame de DNA contrário à decisão dos autos (REsp n. 706.987-SP, Rel. para acórdão Min. Ari Pargendler, 2ª Seção, DJe de 10.10.2008). Em sentido contrário, o TJSP já reconheceu a possibilidade de nova ação: RT 803/212 (garantir o direito ao respeito à dignidade humana, à identidade genética e à filiação). Para finalizar, há que se mencionar o projeto de lei 116/2001, de autoria do Senador Waldir Amaral, que pretende incluir o parágrafo único no art. 8º, parágrafo único, da lei 8.560/92: “art. 8º. (...) Parágrafo único. A ação de investigação de paternidade, realizada sem a prova do pareamento cromossômico (DNA), não faz coisa julgada, que, se aprovado, será alvo de discussões intermináveis em nossa doutrina e jurisprudência”. (BRASIL, 2010a) * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8047 De qualquer sorte, a recusa do suposto pai à submissão do exame de DNA gera a presunção relativa de paternidade, sendo que o ônus de prova em contrário é do próprio réu, o qual deverá trazer aos autos provas lícitas no sentido de derrubar a presunção de paternidade. 6. CONCLUSÃO A classificação entre filhos legítimos e ilegítimos em nosso direito não existe mais em face do artigo 227, § 6º, CF. Entretanto, para fins de reconhecimento, os filhos havidos na constância do casamento presume ser dos cônjuges (art. 1597, CC), sendo que os gerados fora do casamento somente são reconhecidos pelo pai de forma voluntária ou administrativamente. Se o pai se nega a registrar o filho, a única via judicial cabível é a ação de investigação de paternidade. Tal demanda, por envolver reconhecimento de filiação, deve ser sempre processada sob segredo de justiça, a fim de preservar a intimidade das partes litigantes (mãe, filho e suposto pai), garantia esta prevista no artigo 5º, LV, CF e regulamentada pelo artigo 155, do Código de Processo Civil. Caso haja violação ao segredo de justiça, há previsão de crime (art. 325, CPP), além de responsabilização do funcionário público que divulgar dados do processo, bem como do veículo de imprensa que publicar dados relativos à intimidade dos litigantes. Apesar da importância da realização do exame de DNA nas ações de investigação de paternidade, o suposto pai não pode ser obrigado a realizá-lo (súmula nº 301, STJ); entretanto, a consequência lógica deste ato é a presunção relativa de paternidade, cujo ônus da prova em descaracterizar esta ‘quasepaternidade’ é do próprio réu. De um lado, preserva-se o direito do suposto pai de não fazer prova consigo mesmo; de outro, garante-se a dignidade do pretenso filho de ter, pelo menos, a presunção de sua verdade biológica. _______________________ NOTAS [1] Não será tratada pontualmente a questão do filho adotivo neste estudo. Para maior esclarecimento deste assunto, indicamos a leitura da obra de Maria Helena Diniz, obra citada, 2007, p. 483-509) [2] Código Civil de 1916 – “Art. 338. Presumem-se concebidos na constância do casamento: I - os filhos nascidos 180 (cento e oitenta) dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal (art. 339); II - os nascidos dentro nos 300 (trezentos) dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, desquite, ou anulação”. [3] Código Civil de 1916 – “Art. 358. Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos”. [4] Sobre reprodução assistida, recomendamos a leitura do livro de Juliane Fernandes Queiroz: Paternidade – aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. [5] Sobre paternidade socioafetiva, recomendamos a leitura do livro de Jacqueline Filgueras Nogueira: A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica Editora. 2001. * Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8048 [6] Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei nº 8.069/90. “Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça”. [7] Súmula nº 01, STJ: “O foro do domicílio ou da residência do alimentando é o competente para a ação de investigação de paternidade, quando cumulada com a de alimentos”. [8] A posse do estado de filho implica três situações: nominatio (utiliza-se o nome do pai); tractus (é tratado pelo pai como filho); reputatio (todos enxergavam o sujeito como filho). [9] A título de exemplo: arts. 8º, 9º e 10 da Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996; 5º e 7º, parágrafo único, da Lei n.11.111, de 5 de maio de 2005; 198, inciso I, da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966; 1º, § 4º, da Lei Complementar n. 105, de 10 de janeiro de 2001 e 153, § 1º-A, do Código Penal. [10] Disponível em: [11] “Os direitos fundamentais não são absolutos (relatividade), havendo, muitas vezes, no caso concreto, confronto, conflito de interesses. A solução ou vem discriminada na própria Constituição (ex.: direito de propriedade versus desapropriação), ou caberá ao intérprete, ou magistrado, no caso concreto, decidir qual direito deverá prevalecer, levando em consideração a regra da máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos, conjugando com a sua mínima restrição” (LENZA, 2008, p. 590). [12] Processo: 200371000281924, Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, data de publicação: DJ 05/10/2005, p. 1010; relator Desembargador Federal Néfi Cordeiro. _______________________ REFERÊNCIAS ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 13ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. BRASIL, Presidência da República. Constituição Federal de 1988, Leis Complementares e Leis Ordinárias Federais. Disponível em <. Acesso em 03/02/2010a. ________, Superior Tribunal de Justiça. Acompanhamento processual. Disponível em . Acesso em 04/02/2010b. ________, Supremo Tribunal Federal. Acompanhamento processual. Disponível em . Acesso em 02/02/2010c. ________, Conselho da Justiça Federal. Disponível em: . Acesso em 10/02/2010d. _________, Tribunal Regional Federal da 3ª. Região. Acompanhamento processual. Disponível em . Acesso em 31/01/2010e. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini & DINAMARCO, Cândido Rangel. 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