O DIREITO À INTIMIDADE E A AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
EL DERECHO A LA INTIMIDAD Y LA ACCIÓN DE INVESTIGACIÓN DE PATERNIDAD
Pedro Luis Piedade Novaes
RESUMO
Desde o advento da Constituição Federal de 1988 não se admite mais a qualquer distinção entre filiação
legítima ou ilegítima, havendo igualdade entre os filhos (art. 227, § 6º). Mesmo com os avanços trazidos
pela nossa lei maior quanto à filiação, percebe-se que o Código Civil de 2002 somente prevê a presunção de
paternidade aos filhos gerados no casamento. Fora da constância das núpcias, o filho pode ser reconhecido
de forma voluntária, administrativa ou judicial. Neste último caso, a via cabível é a ação de investigação de
paternidade, cujo procedimento é previsto na lei nº 8.560/94. Neste contexto, o presente trabalho visa
analisar pontualmente a ação de investigação de paternidade, suas particularidades processuais e o direito à
intimidade das partes litigantes (suposto pai, mãe e pretenso filho).
PALAVRAS-CHAVES: DIREITO À INTIMIDADE. AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE.
SIGILO PROCESSUAL
RESUMEN
Desde el advenimiento de la Constitución Federal de 1988, y la igualdad de los niños (art. 227, § 6), no se
permite más la distinción entre filiación legítima e ilegítima. Mismo con los avances proporcionados por
nuestro derecho con respecto a la filiación, se advierte que el Código Civil de 2002 sólo establece la
presunción de la paternidad de los hijos concebidos en matrimonio. Fuera de la constancia del matrimonio,
el hijo puede ser reconocido de forma voluntaria, administrativa o judicial. En este último caso, la acción
adecuada es a la de investigación de paternidad, cuyo procedimiento está previsto en la Ley Federal nº
8560/94. En esto contexto, el presente estudio tiene como objetivo analizar la acción de investigación de la
paternidad, sus peculiaridades procesales y el derecho a la intimidad de los demandantes (posible padre, la
madre y el pretenso hijo).
PALAVRAS-CLAVE: DERECHO A LA INTIMIDAD. ACCION DE INVESTIGACIÓN DE LA
PATERNIDAD. SIGILO PROCESUAL
1. INTRODUÇÃO.
O direito brasileiro sempre resolveu a questão relacionada à filiação pela presença do casamento,
inspirando-se em dois brocardos latinos: (i) “mater semper certa est” (o simples fato do nascimento
estabelece o vínculo jurídico entre a mãe e o filho); “pater is est quem justae nuptiae demonstrant”
(presume-se a paternidade do marido, no caso de filho gerado por mulher casada).
A filiação, segundo Maria Helena Diniz:
“É o vinculo existente entre pais e filhos. Vem a ser a relação de parentesco consangüíneo em linha
reta de primeiro grau entre um a pessoa e aqueles que lhe deram a vida, podendo ainda (CC, arts.
1593 a 1597 e 1618) ser uma relação socioafetiva entre pai adotivo e institucional e filho adotado
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8034
ou advindo de inseminação artificial heteróloga” (2007, p. 420-421).
Atualmente, não existe distinção entre filhos nascidos na constância do casamento ou fora deste.
Entretanto, essa igualdade de condições entre filhos nem sempre foi assim. Antes da Constituição Federal, o
Código Civil de 1916 distinguia os filhos em legítimos e ilegítimos, conforme os pais fossem ou não
casados. Também havia previsão do filho adotivo que, nos termos do artigo 377 do mesmo Codex, só era
permitido aos maiores de 50 anos, sem prole legítima ou legitimada, sendo que não se integrava o filho
adotado, totalmente, na nova família, permanecendo ligado aos parentes consangüíneos [1]. O filho legítimo
era aquele havido e concebido durante o casamento dos pais, sendo uma presunção de legitimidade disposta
no artigo 338 do Código Civil de 1916 [2]. Já o filho ilegítimo era aquele concebido por pais não casados e
que não chegavam a se casar. O filho ilegítimo poderia ser natural (quando os pais não tivessem
impedimentos para o casamento) ou espúrio (quando os pais tivessem impedimentos para se casar). O filho
ilegítimo espúrio poderia ser adulterino (filho de amantes) ou incestuoso (filho de parentes ou afins em linha
reta). O filho espúrio, de acordo com o artigo 358 do Código Civil de 1916 [3], não poderia ser reconhecido,
não tendo os direitos dos filhos legítimos ou naturais. Essas classificações e restrições, felizmente,
desapareceram com a Constituição Federal de 1988, sendo que, mesmo não recepcionado pela novel ordem
jurídica, o artigo 358 do Código Civil de 1916 foi revogado pela Lei n. 7.841/89 (BRASIL, 2010a).
Portanto, com o advento da Constituição Federal, tal distinção entre filhos legítimos e ilegítimos
foi extirpada de nosso ordenamento jurídico, nos termos do artigo 227, § 6º: “os filhos, havidos ou não da
relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer
designações discriminatórias relativas à filiação”. Como bem ressalta José Sebastião de Oliveira:
“o constituinte pôs fim a uma das maiores heresias prestigiadas pelo Código Civil, ou seja, à
‘punição’ dos filhos não havidos na constância do casamento, por evento natural em relação ao
qual não possuíam nenhuma responsabilidade. Alijou-se, de vez, a diferenciação dos filhos através
de expressões discriminatórias (ilegítimo, adulterino, espúrio, incestuoso, etc)” (2002, p. 253).
Nesta toada, o Código Civil de 2002 se adequou ao texto constitucional, estabelecendo a igualdade
entre filhos:
“Art. 1.596. os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos
direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”
(BRASIL, 2010a).
Sem desmerecer o avanço da Constituição Federal em relação à filiação, o Código Civil de 2002
continuou prevendo expressamente a presunção (relativa) de paternidade dos filhos nascidos durante a
constância do casamento, conforme a redação de seu artigo 1597, continuando a se inspirar no direito
romano: “pater is est quem justae nuptiae demonstrant”:
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8035
“Art. 1597. Presumem-se concebidos na constância do casamento:
I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte,
separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de
concepção artificial homóloga;
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido
(BRASIL, 2010a).
Os dois primeiros incisos citados se baseiam nos períodos mínimo e máximo de gestação viável,
os quais são hoje de pouca valia, em virtude dos avanços da ciência, principalmente no exame de DNA, que
possibilita definir a paternidade com a certeza necessária. Como bem observa Carlos Roberto Gonçalves:
“somente incide a presunção ‘pater is est’ se houver convivência do casal. Com o desenvolvimento
da ciência e a possibilidade de se realizarem exames que apurem a paternidade com certeza
científica, especialmente por meio de DNA, cuja molécula contém o código genético pela herança
cromossômica de cada indivíduo, prevalecerá a verdade biológica” (2009a, p. 290-291).
Já os incisos III a V do referido dispositivo legal são hipóteses de presunção de filhos concebidos
na constância do casamento, todas elas vinculadas à reprodução assistida, da qual não há relação sexual para
concepção, tema este interessantíssimo que não será tratado no presente estudo, pois não é o foco da
pesquisa [4].
Como já visto acima, desde 1988 não há qualquer distinção entre filhos. Há, entretanto, diferenças
sob o aspecto formal, persistindo ainda uma classificação prevista expressamente pelo Código Civil de
2002, quanto à origem: filhos havidos no casamento e filhos havidos fora do casamento.
2. DOS FILHOS HAVIDOS FORA DO CASAMENTO. FORMAS DE RECONHECIMENTO.
Os filhos gerados na constância do casamento, como visto acima, presumem-se ser dos cônjuges,
nos termos do artigo 1.597, CC/02. Vê-se que, malgrado as disposições do Código Civil de 2002 estarem
em consonância com o artigo 227, § 6º, da Constituição Federal (igualdade entre filhos), em especial o seu
artigo 1.596, também mencionado acima, é nítida a diferenciação no reconhecimento de filho nascido na
constância ou fora do casamento, já que estes não são beneficiados com a presunção legal de paternidade a
que alude o artigo 1597, também supramencionado. Nos termos do artigo 1.607: “O filho havido fora do
casamento pode ser reconhecido pelos pais, conjunta ou separadamente”. Em outras palavras, se gerados
fora do âmbito das núpcias, tais filhos necessitam do reconhecimento dos pais. Para tanto, a doutrina
subdivide o reconhecimento de filhos de três formas: voluntário, administrativo e judicial.
Abrindo-se um parêntese, vale ressaltar que, sendo qualquer forma de reconhecimento de filho,
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8036
seja na constância ou não do casamento ou por via judicial (ação de investigação de paternidade), a sua
eficácia é ex tunc, ou seja retroativa desde a data do nascimento, em virtude de seu caráter declaratório,
gerando, inclusive efeitos erga omnes (alcança a todos). Esta força declaratória é tão forte que Caio Mario
da Silva Pereira entende que “uma vez pronunciada a declaração volitiva de reconhecimento, ela se
desprende do foro interior do agente, para adquirir a consistência jurídica de um ato jurídico perfeito” (1996,
p. 66). O ato de reconhecimento de filho atinge, inclusive a denominada “adoção à brasileira”, quando a
pessoa registra filho que sabe não ser biologicamente o seu. Neste sentido, é o precedente do Superior
Tribunal de Justiça:
“Quem adota à moda brasileira não labora em equívoco. Tem pleno conhecimento das
circunstâncias que gravitam em torno de seu gesto e, ainda assim, ultima o ato. Nessas
circunstâncias, nem mesmo o pai, por arrependimento posterior, pode valer-se de eventual ação
anulatória, postulando desconstituir o registro. Da mesma forma, a reflexão sobre a possibilidade
de o pai adotante pleitear a nulidade do registro de nascimento deve levar em conta esses dois
valores em rota de colisão (ilegalidade da adoção à moda brasileira, de um lado, e, de outro,
repercussão dessa prática na formação e desenvolvimento do adotado). Com essas ponderações,
em se tratando de adoção à brasileira a melhor solução consiste em só permitir que o pai adotante
busque a nulidade do registro de nascimento quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de
socioafetividade com o adotado” (RESP nº 1.088.157-PB, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em
23/6/2009) (BRASIL, 2010b).
A questão envolvendo a paternidade socioafetiva, de grande relevo no nosso direito, também não
será tratada neste estudo, mas deixamos o registro de entendimento doutrinário de que esta deve ser
predominante, inclusive, sobre a paternidade biológica [5]:
“além disso, merece ser observado que nem sempre a obtenção da verdade biológica, mesmo que
ancorada em esmerada técnica, é o resultado justo para a ação de prova de filiação, bastado
relembrar as hipóteses do parentesco fictamente criado pela denominada adoção à brasileira,
quando alguém, sabidamente oriundo de progenitura diversa, é inserido no registro civil como filho
de outrem, consolidando uma indisputável paternidade socioafetiva indiferente à ascendência
consangüínea” (OLIVEIRA FILHO, 2007, p. 339).
Fechando-se o parêntese, passamos a analisar as três formas de reconhecimento de filho concebido
fora do casamento: a voluntária, a administrativa e a judicial.
O reconhecimento voluntário é aquele que se dá por vontade do genitor e está previsto no artigo
1.609, CC/02. Tal manifestação de vontade pode ocorrer nas seguintes hipóteses: a) registro civil: o pai vai
ao cartório e registra o filho; b) testamento: pode reconhecer o filho por testamento, como ato de última
vontade; c) escritura pública: o genitor vai ao tabelionato e reconhece o filho no Registro Civil; d)
documento particular: o pai pode reconhecer o filho por um documento particular autêntico e e) declaração
judicial: o filho pode ser reconhecido por meio de qualquer declaração, em qualquer processo judicial.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8037
Já o reconhecimento administrativo é regido pela lei nº 8.560/92 e ocorre quando a mãe registra a
criança sem indicar o nome do pai; nestas condições, a genitora é obrigada a apontar o nome do suposto pai,
assinando um termo, que é enviado ao Juiz-corregedor do Cartório, onde é instaurado um procedimento
administrativo. Em seguida, notifica-se o suposto pai para comparecer em Juízo em 30 dias, para aceitar ou
não o reconhecimento do seu pretenso filho. Em caso positivo, o juiz faz um termo e manda reconhecê-lo no
cartório competente. Se não há o reconhecimento administrativo do suposto pai, o juiz manda os autos ao
Ministério Público para que se promova uma ação de investigação de paternidade.
Finalmente, temos a forma de reconhecimento judicial de filho, por intermédio da ação de
investigação de paternidade, cujo rito é previsto pela Lei nº 8.560/92 e subsidiariamente, no Código de
Processo Civil, que será abordado no item seguinte.
3.
DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – ASPECTOS PROCESSUAIS
Tal ação é imprescritível, salvo quanto aos efeitos patrimoniais da petição de herança (súmula nº
149, STF) (BRASIL, 2010c). A legitimidade ativa é do filho (direito personalíssimo, nos termos do artigo
27, da lei nº 8.069/90) [6]; se este é menor de idade, será representado pela mãe ou tutor. Entretanto “a
inadvertida propositura da ação em nome da representante legal não implica o reconhecimento forçoso da
ilegitimidade, caso o pedido permita entrever, com clareza, que o proveito buscado se direciona ao filho”
(OLIVEIRA FILHO, 2007, p. 314). O Ministério Público também poderá ajuizar a ação, nos termos do
artigo 2º, § 4º, da lei nº 8.560/92. Tal legitimidade é “extraordinária deferida aos membros do Parquet, na
defesa dos interesses do investigando” (Gonçalves, 2009b, p. 321).
O nascituro também tem legitimidade ativa para propositura da ação de investigação de
paternidade, desde que representado por sua genitora (art. 1609, parágrafo único, CC/02): “o
reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar
descendentes”.
No que se refere à legitimidade passiva, a ação é intentada em relação ao suposto pai; se este é
falecido, em face dos seus herdeiros. Se a mãe manteve relações sexuais com dois ou mais homens no
período provável da concepção, poderá o filho promover a ação investigatória contra todos os supostos pais.
Neste sentido, Zeno Veloso: “tendo a mãe coabitado com vários homens durante o tempo possível da
concepção do filho, a ação de investigação de paternidade pode ser intentada, separada ou conjuntamente,
contra os mesmos” (1997, p. 35).
Em tese, é cabível nestas demanda a concessão de tutela antecipada quando, por exemplo, houver
também cumulação de pedido de alimentos para o pretenso filho. Ressalte-se que mesmo que os artigos 5º
da Lei 883/49 e 7º da Lei 8.560/92 prevejam o cabimento dos alimentos provisionais em favor do autor da
investigatória de paternidade somente após a sentença procedente, nada impede a fixação, pelo juiz do caso,
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8038
em tutela antecipada, desde que presentes os requisitos legais estabelecidos pelo artigo 273 do Código de
Processo Civil.
É possível, inclusive, fixação de alimentos gravídicos (em favor do nascituro), nos termos do
artigo 6º, da lei nº 11.804/2008, cabendo ao juiz do caso concreto verificar os requisitos legais para
concessão da tutela antecipada:
Art. 6º Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos
gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte
autora e as possibilidades da parte ré.
Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos
em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão
(BRASIL, 2010a).
É competente para processar e julgar a ação de investigação de paternidade o Juízo do domicílio
do filho, nos termos do artigo 94 do Código de Processo Civil. Se houver cumulação de pedidos,
envolvendo alimentos, prevalece o foro do autor da ação, matéria objeto de Súmula nº 01 do STJ [7]; se a
cumulação do pedido envolver petição de herança, o foro é do juízo do inventário, pelo caráter universal da
sucessão.
Não pode haver desistência do pedido se o autor for menor de idade, pois há interesse de
incapazes, devendo, inclusive, o Ministério Público atuar no feito como “custos legis”, caso não tenha
ajuizado ele próprio a ação de investigação de paternidade (art. 2º, § 4º, lei nº 8.560/92) (BRASIL, 2010a).
O rito processual a ser seguido é o ordinário (artigos 282 e seguintes do CPC), já que este tipo de
demanda requer produção de provas, observando-se, ao máximo, o princípio constitucional da ampla defesa
e do contraditório.
Citado, o suposto pai, se assim querendo, poderá contestar o pedido do autor (pretenso filho).
Antes dos avanços da ciência, era comum a negativa do fato por parte do suposto pai, ou seja, argumentavase da inexistência de relação sexual com a genitora do requerente. Havia também a alegação da “exceptio
plurium concubentium” (exceção do concubinato plúrimo), no sentido de que a mulher, na época da
concepção, mantinha relações sexuais com outro(s) homem(ns). Entretanto, atualmente, com a possibilidade
de realização de exame de DNA, a incerteza trazida aos autos pela exceção oposta pelo réu já não conduz,
necessariamente, à improcedência da ação, pois mesmo comprovado o plurium concubentium, tal exame
demonstrará, com elevado grau de certeza, quem é o verdadeiro pai.
Os meios de prova admitidos em ação de investigação de paternidade são vários, tais como: posse
do estado de filho (“nomem”, “tractatus”, “fama”) [8]; provas orais (testemunhas); documentos (exames
prosopográfico – foto do filho e suposto pai); exames hematológicos (exame de sangue); exame
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8039
odontológico; exame de DNA. Quanto a este último, é considerado atualmente a rainha das provas, ou seja,
a mais importante neste tipo de ação. O DNA quer dizer “ácido desoxirribunucléico”, e tem por objeto a
tradução do código genético que determina as características de cada indivíduo, sendo que tal exame
permite a probabilidade de paternidade superior a 99%. O exame também afasta, em 100%, a paternidade,
como observa Salmo Raskin:
“um resultado de exclusão significa com 100% de certeza que o suposto pai não é o pai
biológico. Um resultado de inclusão vem acompanhado de probabilidade que o suposto pais
seja o pai biológico, que são números acima de 99,99%, resolvendo inequivocadamente todas
as disputas” (1999, p. 37).
Quanto à prova do DNA “impende cautela na realização do exame, desde a escolha do laboratório
até a escorreita redação do laudo, passando pela formação acadêmica do profissional. Sobreleva evitar,
assim, uma sacralização ou divinização do DNA, que, repita-se, não se tornou prova exclusiva em tais
ações” (FARIAS, 2002, p. 91). Portanto, deve haver “cuidado na verificação de uma regularidade na
nomeação do perito incumbido do estudo, genético, na coleta, manuseios e conservação do material
orgânico submetido à perícia” no sentido de evitar questionamento sobre a idoneidade dos pesquisadores
que realizaram a análise do exame de DNA (OLIVEIRA FILHO, 2007, p. 339).
Se posteriormente, a ação é julgada improcedente, o suposto pai poderá tomar as seguintes
providências: a) pedir em face da mãe a repetição do indébito, no caso de não se confirmar a paternidade
requerida; b) ajuizar uma ação contra a mãe do menor, pleiteando danos morais e materiais, desde que
presente a má-fé da genitora, ou seja, desde que esta tenha ingressado com a ação sabendo que o réu não era
pai de seu filho. Neste sentido Fernando Simas Filho (1999, p. 464):
“a comunicação enviada pelo juiz ao suposto pai é pública e, só por esse fato, coloca
o destinatário em má posição. Considerem-se que se for homem casado, sua família
logo inquirirá a respeito do que, seu pai ou esposo, andou fazendo para ser chamado
pelo juiz. Se for solteiro empregado ou funcionário, e recebe uma comunicação no
emprego, poderá haver suspeitas provenientes de companheiros de trabalho e até do
chefe. Notem bem que há a possibilidade de o destinatário não ser o pai da criança,
contudo, a suspeita, por parte de familiares e colegas de trabalho, permanecerá. E.
nesse caso, de quem esse homem se ressarcirá?”.
Aliás, esta última providência quase passou a ser dispositivo legal: o então artigo 10, da lei
11.804/2008 foi vetado pelo Presidente da República, cuja redação era a seguinte: “em caso de resultado
negativo do exame pericial de paternidade, o autor responderá, objetivamente, pelos danos materiais e
morais causados ao réu”. As razões do veto foram as seguintes:
Trata-se de norma intimidadora, pois cria hipótese de responsabilidade objetiva pelo
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8040
simples fato de se ingressar em juízo e não obter êxito. O dispositivo pressupõe que o
simples exercício do direito de ação pode causar dano a terceiros, impondo ao autor o
dever de indenizar, independentemente da existência de culpa, medida que atenta contra o
livre exercício do direito de ação. (BRASIL, 2010a).
Nada obsta que o pretenso pai, demonstrando o abuso do direito de ação por parte da genitora do
filho que não é seu, ingresse com ação por danos morais, conforme Viviani Giovanete Ramos Ferreira
(2004, p. 413):
“Quando se propõe a ação de investigação de paternidade contra alguém que ela sabe
não ser o pai da criança, tratando-se de hipótese de abuso do direito de ação. O
imputado tem ação contra a mãe, para ser indenizado pelo dano que, eventualmente,
tenha sofrido”.
Entretanto, se procedente o pedido, “a sentença na ação de investigação de paternidade (ou
maternidade) é de carga de eficácia declaratória e tem efeitos erga omnes. Ao reconhecer a paternidade, a
sentença declara fato preexistente, qual seja, o nascimento” (VENOSA, 2006, p. 273).
Após esta breve explanação sobre aspectos processuais da ação de investigação de paternidade,
cabe discorrer sobre o direito à intimidade do suposto pai e sua observância em demandas desta natureza.
4.
DO DIREITO À INTIMIDADE DAS PARTES E O SIGILO PROCESSUAL
O direito à intimidade é uma das garantias previstas expressamente no artigo 5º, X, CF: “são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (Grifos nossos). Em linhas gerais,
podemos afirmar que dentro da privacidade está abrangida a intimidade do ser humano:
“Poderíamos ilustrar a vida social como um grande círculo, dentro da qual um menor, o da
privacidade, em cujo interior seria aposto um ainda mais constrito e impenetrável, o da
intimidade. Assim, o conceito de intimidade tem valor exatamente quando oposto ao de
privacidade, pois se se cogita da tirania da vida privada, aduz-se exatamente à tirania da
violação da intimidade, como, por exemplo, o pai que devassa o diário da filha
adolescente ou viola o sigilo de suas comunicações” (ARAÚJO & NUNES JÚNIOR, 2009,
p. 152).
Nota-se que não é tão simples separar o que é privacidade e intimidade. Como assevera Manoel
Jorge e Silva Neto:
“Não há como identificar, portanto, intimidade e vida privada, quando é certo que a
primeira corresponde ao conjunto de informações, hábitos, vícios, segredos, doenças,
aventuras amorosas, até mesmo desconhecidos do tecido familiar e dos amigos. Cogitandose de direito à intimidade, menciona-se a porção mais escondida da individualidade da
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8041
pessoa. Logo, tudo que puder ser mantido na esfera do segredo pessoal é tutelado pelo
direito à intimidade. Subtrair ao conhecimento público o que se atém à porção secreta da
pessoa é o modo encontrado para respeitar a individualidade do ser humano” (2006, p.
190).
Neste contexto, vale ressaltar outra garantia constitucional prevista no artigo 5º da Constituição
Federal, qual seja, a publicidade dos atos processuais (inciso LX): “a lei só poderá restringir a publicidade
dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou do interesse social o exigirem” (grifos nossos). Em
outras palavras, “a Constituição Federal estabelece a possibilidade de restrição (mas não de eliminação) da
publicidade” (DIDIER JÚNIOR, 2008, p. 62), autorizando a elaboração de leis infraconstitucionais neste
sentido. Conseqüentemente, o artigo 155 do Código de Processo Civil, foi recepcionado pelo artigo 5º, LX,
ao estabelecer o sigilo processual para demandas específicas:
“Art. 155. Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os
processos:
I - em que o exigir o interesse público;
II - que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em
divórcio, alimentos e guarda de menores.
Parágrafo único. O direito de consultar os autos e de pedir certidões de seus atos é restrito
às partes e a seus procuradores. O terceiro, que demonstrar interesse jurídico, pode
requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e partilha
resultante do desquite”. (Grifos nossos) (BRASIL, 2010a)
Por ser demanda referente à filiação, a ação de investigação de paternidade deve correr em total
sigilo processual, nos termos do artigo 155, II, do Código de Processo Civil. Cumpre esclarecer que este
sigilo dos atos processuais não alcança as partes e seus procuradores, como expresso no parágrafo único do
mesmo artigo 155, CPC, supramencionado. Neste sentido, o advogado não constituído nos autos não pode
ter acesso às ações de investigação de paternidade, nos termos do artigo 7º, inciso XIII, da Lei nº 8.906/94:
“Art. 7º São direitos do advogado:
(...)
XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da
Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo
sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de
cópias, podendo tomar apontamentos; (Grifos nossos) (BRASIL, 2010a)
Tais cuidados do legislador e do constituinte de 1988 quanto ao sigilo das demandas que envolvam
a defesa da intimidade tem razão de ser, para que não haja exposição das partes litigantes, escancarando-se
suas vidas privadas para a coletividade. E pelas circunstâncias que envolvem as ações de investigação de
paternidade, há realmente grande constrangimento para as partes: a mãe, que já é cobrada pela sua família e
pela sociedade pela sua prole sem genitor; do filho, que busca a sua verdade biológica; e do suposto pai, que
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8042
irá se defender de um fato que, se procedente, lhe ocasionará consequências patrimoniais e sentimentais,
fato este agravado se o pretenso pai já é casado.
Portanto, é necessária muita cautela e total sigilo neste tipo de ação, para preservar a privacidade
de todas as partes litigantes. Afinal, a privacidade e a intimidade, são garantias constitucionais, as quais não
podem ser violadas. Esta cautela é elogiada pela melhor doutrina:
“Aliás, toda precaução há de ser tomada contra a exaperação do princípio da publicidade.
Os modernos canais de comunicação de massa podem representar um perigo tão grande
como o próprio segredo. (...) Publicidade como garantia política – cuja finalidade é o
controle da opinião pública nos serviços da justiça – não pode ser confundida com
sensacionalismo que afronta a dignidade humana. Cabe à técnica legislativa encontrar o
justo equilíbrio e dar ao problema a solução mais consentânea em face da experiência e dos
costumes de cada povo” (CINTRA, GRINOVER & DINAMARCO, 2001, p. 70).
Assim, “justifica-se a imposição de restrições para que estranhos, em determinadas circunstancias,
não tenham acesso ao que se passa no processo” (GONÇALVES, 2009b, p. 36), como ocorre nas ações de
investigação de paternidade. Se porventura houver a quebra do sigilo processual em processos de natureza
civil, há a tipificação de crime previsto no artigo 325, do Código Penal, punindo tanto o servidor público
(caput) e o terceiro que obtiver a informação sob segredo de justiça (§ 1º. I e II):
Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em
segredo, ou facilitar-lhe a revelação:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais
grave.
§ 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem:
I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou
qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou
banco de dados da Administração Pública;
II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito.
§ 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa (BRASIL, 2010a).
Há também no nosso ordenamento jurídico a previsão de sanções quando houver violação ao sigilo
do processo penal e processo administrativo fiscal [9]; no âmbito da Justiça Federal, a resolução nº 58, de
25 de maio de 2009, do Conselho da Justiça Federal, estabelece diretrizes para membros do Poder Judiciário
e integrantes da Polícia Federal no que concerne ao tratamento de processos e procedimentos de
investigação criminal sob publicidade restrita, no âmbito da Justiça Federal de primeiro e segundo graus.
[10] (BRASIL, 2010d).
Infelizmente, mesmo com tanto cuidado para preservar a não divulgação de dados dos processos
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8043
que envolvam segredo de justiça, como é o caso das ações de investigação de paternidade, nem sempre este
rigor é vivenciado na prática, principalmente quando a acusação de filiação advém de uma personalidade
famosa, situação esta que atiça a curiosidade da coletividade, fazendo com que os veículos de imprensa
obtenham, sabe lá de que forma, informações sigilosas, geralmente utilizando como escudo a garantia do
sigilo de fonte (art. 5º, XIV, in fine, CF).
Inobstante, este dispositivo constitucional estabelece que é garantido o sigilo de fonte “quando
necessário ao exercício profissional”. Portanto, se o jornalista invocar tal garantia para divulgação de um
fato, sem que haja necessidade de resguardar a sua atividade profissional, haverá extrapolação da proteção
constitucional. A dificuldade, na prática, será estabelecer se houve realmente esse excesso pelo profissional
de imprensa. De qualquer sorte, a doutrina [11] e a jurisprudência [12] (BRASIL, 2010e) pátrias têm
entendido que os direitos e garantias fundamentais não são absolutos, sofrendo limitações, mormente
quando há interesse público relevante ou preservação da intimidade maior em conflito com o sigilo de fonte
jornalístico. Ademais, não pode servir o sigilo de fonte jornalística como escudo para acobertar condutas
ilegais, como é o caso de violação de sigilo processual para descobrir dados de ação de investigação de
paternidade. Caberia, em tese, a responsabilização da empresa jornalística por danos morais causados pela
divulgação indevida de dados da ação de investigação de paternidade, nos termos do artigo 5º, incisos V e
X, CF.
De qualquer forma, como já observado acima, não há qualquer celeuma na doutrina ou na
jurisprudência quanto ao caráter sigiloso que deve recair em todos os processos que envolvam filiação, nos
termos dos artigos 155, CPC e 5º, LV, CF, sendo que a sua violação deve ser enfrentada e punida com rigor
pelo Poder Judiciário.
5. DA RECUSA DO SUPOSTO PAI A SE SUBMETER AO EXAME DE DNA
Muito se discute se o suposto pai pode recusar a fazer o exame de DNA em ação de investigação
de paternidade. Para os defensores desta conduta do réu, há pelo menos três fundamentos jurídicos: a)
ninguém é obrigado a fazer prova contra si próprio (corolário do direito ao silêncio - art. 5º, LXIII, CF); b)
garantia do direito à intimidade, já que o exame de DNA revelará o componente genético do indivíduo; c)
violação ao direito à inviolabilidade do próprio corpo.
Tais argumentos são rebatidos pelos seguintes argumentos: a) o interesse suposto pai em omitir a
informação que seria necessária e suficiente para estabelecer a verdade sobre a paternidade é enfraquecido
perante a relevância do direito do filho de saber sua origem genética, que traduz no princípio da dignidade
da pessoa humana (art. 1º, III, CF); b) no que se refere ao direito à intimidade, é cediço que a ação de
investigação de paternidade segue em sigilo absoluto (art. 5º, LV, CF), devendo sempre ser respeitada essa
garantia constitucional; c) o exame de DNA não gera qualquer sacrifício corpóreo considerável, não
havendo violação à integridade física da pessoa que se submete ao mesmo, já que pode haver a coleta do
dado por amostra de sangue ou mesmo de alguns fios de cabelo do investigado.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8044
De acordo com a pesquisa feita por Antonio Darienso Martins e José Sebastião de Oliveira (2006,
p. 329), no direito comparado há previsão de condução coercitiva do suposto pai para a realização do exame
de DNA: na França e na Alemanha é admitida a prova nestas condições “porque aquelas legislações
disciplinam que a sujeição da integridade do indivíduo está num plano inferior a um interesse coletivo
decorrente da ordem pública” (MARTINS & ZAGANELLI, 2000, p. 160). Em Portugal, o Superior
Tribunal de Justiça – órgão máximo do Poder Judiciário – há precedente no sentido de que “comparência
sob custódia, da mãe do menor, acompanhada deste, no Instituto de Medicina Legal, para os exames de
sangue, mesmo contra a vontade da mãe, não viola o direito à liberdade” (MORAES, 2000, p. 228). No
Canadá e nos Estados Unidos da América existem normas legais dispondo sobre a obrigatoriedade do
exame de DNA “em benefício da comunidade, que não pode tolerar o abandono de menores e a
irresponsabilidade dos pais em nome de um suposto malferimento de direito fundamental, qual seja, o
direito à integridade física” (GAMA, 2001, p. 92).
Quanto à invocação de intimidade para não sujeição ao exame de DNA, Humberto Theodoro
Junior esclarece o seguinte:
“se a intimidade é tutelada como garantia fundamental, também goza do mesmo status a garantia
de pleno acesso à justiça. Impedir o demandado que a verdade seja esclarecida em juízo é conduta
que implicaria negativa ao direito fundamental de ter a justa e adequada prestação de tutela jurídica
a que o Estado se obrigou perante todos, no terreno dos direitos fundamentais.
(...)
Na hipótese de exame médico pericial, a garantia de intimidade (intangibilidade corporal) é
observada, porque a lei civil não o constrange à medida invasora da privacidade. O direito de
recusar-se à perícia, portanto, lhe é assegurado. Do lado do investigante, a quem a garantia
fundamental assegura justa composição do conflito e da plena defesa em juízo de seu direito
subjetivo perante o investigado, a medida de implementação do seu direito de personalidade dá-se
por meio da admissão da prova indiciária (presunção legal. Dessa maneira, portanto, os dois
direitos fundamentais, do autor e do réu, são igualmente levados em conta pela lei civil e, segundo
o princípio da razoabilidade, ambos são postos em atuação dentro do processo em que o exame
médico seria necessário, mas não foi efetivado por deliberação unilateral de uma das partes”
(2005, p. 40).
No nosso ordenamento jurídico podemos afirmar que é possível a recusa do suposto pai ao exame
de DNA, em face à garantia de não produção de provas contra si mesmo, mas a consequência deste ato é a
presunção juris tantum (relativa) de paternidade. O próprio Código Civil de 2002 dispõe isto nos seus
artigos 231 e 232:
“Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se
de sua recusa.
Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8045
com o exame” (BRASIL, 2010a).
Assim sendo, o Código Civil atual “vem sintetizar os avanços jurisprudenciais citados
anteriormente, no sentido de que a parte que se recusa imotivadamente a se submeter à perícia médica deve
ter contra si o peso da presunção daquilo que o exame poderia provar” (MARTINS, 2003, p. 4). No mesmo
sentido:
“se o suposto pai não está obrigado a submeter-se ao exame, sua recusa não lhe traz
conseqüência fatal, não passando de indução da presunção da paternidade a ele imputada,
permitindo-lhe a produção de prova em contrário e exigindo a existência de outros
elementos de convencimento e de sustentação para a procedência do reconhecimento da
filiação biológica” (MARTINS & OLIVEIRA, 2006, p. 332-333).
Há quem entenda, entretanto, pela obrigatoriedade do exame de DNA em nosso direito “através do
princípio da proporcionalidade de valores, axioma do Direito Constitucional, a identidade de um filho há de
preponderar sobre os direitos dos pais” (SILVA, 2007, p. 28). Para Maria Helena Diniz “limitar a obtenção
da verdade sobre a paternidade ou maternidade é ato que não mais se coaduna com os avanços científicos
capazes de determinar a real filiação. Por que, então, não exigir a efetivação do exame?” (2007, p. 471).
De qualquer forma, “mesmo com a recusa à perícia médica, se existir outras provas capazes de
contestar persuasivamente a alegação do autor, deverá o juiz, na motivação da sentença, buscar apoio nessas
provas e decidir desfavoravelmente ao pedido formulado na inicial” (MASCARENHAS, 2006, p. 8).
No mesmo sentido, Carlos Roberto Gonçalves:
“é necessário frisar que ninguém pode ser constrangido a fornecer amostras do seu sangue
para a realização da prova pericial. No entanto, a negativa do réu pode levar o juiz, a quem
a prova é endereçada, a interpretá-la de forma desfavorável àquele, máxime havendo
outros elementos indiciários” (2009, p. 327)
Este entendimento pela não obrigatoriedade da submissão do exame de DNA foi sumulado pelo
Superior Tribunal de Justiça: Súmula nº 301: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se
ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade” (BRASIL, 2010b).
Recentemente a lei nº 8.560/92 foi alterada para incluir o artigo 2º-A, que dispõe:
“Art. 2º-A. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os
moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos. (Incluído pela Lei nº
12.004, de 2009).
Parágrafo único. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA
gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8046
(Incluído pela Lei nº 12.004, de 2009). (BRASIL, 2010a)
Nem era necessário tal dispositivo legal, já que, como já explicitado acima, os artigos 231 e 232 do
Código Civil já previam esta presunção relativa, sendo que este artigo 2º-A da Lei nº 8.560/92 veio apenas a
acrescentar e especificar tal posicionamento nas ações de investigação de paternidade.
Há, portanto, o entendimento pacífico de que a presunção de paternidade pela não realização do
exame de DNA pelo suposto pai é relativa, merecendo ser desconsiderada quando contrariar outros
elementos indiciários constantes dos autos, os quais deverão ser comprovados pelo réu.
Aliás, a recusa na submissão ao exame de DNA não gera para o requerido efeitos criminais, como
por exemplo, crime de desobediência (art. 330, CP) e nem a procedência do pedido inicial:
“não significa que a insubordinação da partes investigada ocasiona, por si, um juízo bastante de
procedência do pedido, porque a recusa reforça a convicção do parentesco quando a ela se
adicionam outros informes que, assim reunidos, são indicativos probatórios robustos para a
revelação da ascendência biológica” (OLIVEIRA FILHO, 2007, p. 359)
Independentemente da realização ou não do exame de DNA, a importância desta prova nas ações
de investigação de paternidade chegou a tal ponto que hoje se discute sobre a relativização da coisa julgada
em processos que finalizaram sem a sua realização. Assim, parte da jurisprudência vem mitigando os efeitos
da coisa julgada, permitindo a investigação da paternidade quando a anterior ação foi julgada improcedente
por insuficiência de provas, sem o exame do mérito (RT 767/302). Neste contexto, nada impede que a parte
interessada, dentro do prazo legal, ajuíze ação rescisória, nos termos do art. 482, II, CPC (documento novo
capaz por si só de lhe assegurar pronunciamento favorável), justificando-se na busca da verdade real (TJSP,
JTJ, LEx 220/275).
Entretanto, findo o prazo de propositura de ação rescisória (2 anos – art. 495, CPC), o Superior
Tribunal de Justiça entende que não há mais como reabrir a questão, mesmo com a existência de exame de
DNA contrário à decisão dos autos (REsp n. 706.987-SP, Rel. para acórdão Min. Ari Pargendler, 2ª Seção,
DJe de 10.10.2008). Em sentido contrário, o TJSP já reconheceu a possibilidade de nova ação: RT 803/212
(garantir o direito ao respeito à dignidade humana, à identidade genética e à filiação).
Para finalizar, há que se mencionar o projeto de lei 116/2001, de autoria do Senador Waldir
Amaral, que pretende incluir o parágrafo único no art. 8º, parágrafo único, da lei 8.560/92:
“art. 8º. (...)
Parágrafo único. A ação de investigação de paternidade, realizada sem a prova do pareamento
cromossômico (DNA), não faz coisa julgada, que, se aprovado, será alvo de discussões intermináveis em
nossa doutrina e jurisprudência”. (BRASIL, 2010a)
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8047
De qualquer sorte, a recusa do suposto pai à submissão do exame de DNA gera a presunção
relativa de paternidade, sendo que o ônus de prova em contrário é do próprio réu, o qual deverá trazer aos
autos provas lícitas no sentido de derrubar a presunção de paternidade.
6. CONCLUSÃO
A classificação entre filhos legítimos e ilegítimos em nosso direito não existe mais em face do
artigo 227, § 6º, CF. Entretanto, para fins de reconhecimento, os filhos havidos na constância do casamento
presume ser dos cônjuges (art. 1597, CC), sendo que os gerados fora do casamento somente são
reconhecidos pelo pai de forma voluntária ou administrativamente. Se o pai se nega a registrar o filho, a
única via judicial cabível é a ação de investigação de paternidade.
Tal demanda, por envolver reconhecimento de filiação, deve ser sempre processada sob segredo de
justiça, a fim de preservar a intimidade das partes litigantes (mãe, filho e suposto pai), garantia esta prevista
no artigo 5º, LV, CF e regulamentada pelo artigo 155, do Código de Processo Civil. Caso haja violação ao
segredo de justiça, há previsão de crime (art. 325, CPP), além de responsabilização do funcionário público
que divulgar dados do processo, bem como do veículo de imprensa que publicar dados relativos à
intimidade dos litigantes.
Apesar da importância da realização do exame de DNA nas ações de investigação de paternidade,
o suposto pai não pode ser obrigado a realizá-lo (súmula nº 301, STJ); entretanto, a consequência lógica
deste ato é a presunção relativa de paternidade, cujo ônus da prova em descaracterizar esta ‘quasepaternidade’ é do próprio réu. De um lado, preserva-se o direito do suposto pai de não fazer prova consigo
mesmo; de outro, garante-se a dignidade do pretenso filho de ter, pelo menos, a presunção de sua verdade
biológica.
_______________________
NOTAS
[1] Não será tratada pontualmente a questão do filho adotivo neste estudo. Para maior esclarecimento deste
assunto, indicamos a leitura da obra de Maria Helena Diniz, obra citada, 2007, p. 483-509)
[2] Código Civil de 1916 – “Art. 338. Presumem-se concebidos na constância do casamento: I - os filhos
nascidos 180 (cento e oitenta) dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal (art. 339); II
- os nascidos dentro nos 300 (trezentos) dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal por morte,
desquite, ou anulação”.
[3] Código Civil de 1916 – “Art. 358. Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos”.
[4] Sobre reprodução assistida, recomendamos a leitura do livro de Juliane Fernandes Queiroz: Paternidade
– aspectos jurídicos e técnicas de inseminação artificial. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
[5] Sobre paternidade socioafetiva, recomendamos a leitura do livro de Jacqueline Filgueras Nogueira: A
filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica
Editora. 2001.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8048
[6] Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei nº 8.069/90. “Art. 27. O reconhecimento do estado de
filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou
seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça”.
[7] Súmula nº 01, STJ: “O foro do domicílio ou da residência do alimentando é o competente para a ação de
investigação de paternidade, quando cumulada com a de alimentos”.
[8] A posse do estado de filho implica três situações: nominatio (utiliza-se o nome do pai); tractus (é tratado
pelo pai como filho); reputatio (todos enxergavam o sujeito como filho).
[9] A título de exemplo: arts. 8º, 9º e 10 da Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996; 5º e 7º, parágrafo único, da
Lei n.11.111, de 5 de maio de 2005; 198, inciso I, da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966; 1º, § 4º, da Lei
Complementar n. 105, de 10 de janeiro de 2001 e 153, § 1º-A, do Código Penal.
[10] Disponível em:
[11] “Os direitos fundamentais não são absolutos (relatividade), havendo, muitas vezes, no caso concreto,
confronto, conflito de interesses. A solução ou vem discriminada na própria Constituição (ex.: direito de
propriedade versus desapropriação), ou caberá ao intérprete, ou magistrado, no caso concreto, decidir qual
direito deverá prevalecer, levando em consideração a regra da máxima observância dos direitos
fundamentais envolvidos, conjugando com a sua mínima restrição” (LENZA, 2008, p. 590).
[12] Processo: 200371000281924, Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, data de
publicação: DJ 05/10/2005, p. 1010; relator Desembargador Federal Néfi Cordeiro.
_______________________
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 13ª. Ed.
São Paulo: Saraiva, 2009.
BRASIL, Presidência da República. Constituição Federal de 1988, Leis Complementares e Leis Ordinárias
Federais. Disponível em <. Acesso em 03/02/2010a.
________, Superior Tribunal de Justiça. Acompanhamento processual. Disponível em . Acesso em
04/02/2010b.
________, Supremo Tribunal Federal. Acompanhamento processual. Disponível em . Acesso em
02/02/2010c.
________, Conselho da Justiça Federal. Disponível em: . Acesso em 10/02/2010d.
_________, Tribunal Regional Federal da 3ª. Região. Acompanhamento processual. Disponível em . Acesso
em 31/01/2010e.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini & DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria Geral do Processo. 17ª. Ed., São Paulo: Atlas, 2001.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8049
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de
conhecimento. Vol. 1, 10ª. Ed., Salvador: Editora Jus Podivm, 2008.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 5, 22a. Edição, Saraiva: São Paulo, 2007.
FARIAS, Cristiano Chaves de. Investigação de Paternidade – Um alento ao Futuro: Novo Tratamento da
Coisa Julgada nas Ações relativas à Filiação. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre:
Síntese, IBDFAM, v.4, n.13, p.85-101, abr./jun. 2002.
FERREIRA, Viviani Giovanete Ramos. A Indenização por Dano Moral na Ação Investigação de
Paternidade Revista Jurídica Cesumar, v. 4, n. 1, 2004, p. 407-423.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito de Família brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira,
2001.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. v. 6: direito de família. 6ª. Ed., Saraiva: São Paulo,
2009a.
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 6ª. Ed. São Paulo:
Saraiva, 2009b.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
MARTINS, Antonio Darienso & OLIVEIRA, José Sebastião de. A prova na investigação de paternidade e
a súmula nº 301 do STJ. In: Revista Jurídica Cesumar, v. 6, nº 1, p. 301-338, 2006.
MARTINS, José Renato Silva; ZAGANELLI, Margareth Vetis. Recusa à realização do exame de DNA na
investigação de paternidade: direito à intimidade ou direito à identidade? In: LEITE, Eduardo de Oliveira
(Coord.). Grandes temas da atualidade: DNA como meio de prova da filiação. Rio de Janeiro: Fosense,
2000.
MARTINS, Marcus Vinicius Silva. Recusa à submissão a exame de DNA em processos de investigação de
paternidade. Jus Navegandi, Teresina, ano 7, nº 64, abr. 2003. Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3987>. Acesso em 08/02/2010.
MASCARENHAS, Ana Carolina Fernandes. Recusa á prova pericial nas ações de investigação de
paternidade e conhecimento de ascendência genética. Revista Forense. Julho-agosto de 2006.
MORAES, Maria Celina Bodin de. O direito personalíssimo à filiação e a recusa ao exame de DNA: uma
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8050
hipótese de colisão de direitos fundamentais. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Grandes temas da
atualidade: DNA como meio de prova da filiação. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 2002.
OLIVEIRA FILHO, Bertoldo Mateus de. Alimentos e investigação de paternidade. 4ª. Ed. Belo Horizonte:
Del Rey Editora, 2007.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Reconhecimento de paternidade e seus efeitos. 5ª. Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1996.
RASKIN, Salmo. Manual prático do DNA para investigação de paternidade. Curitiba: Juruá, 1999.
SIMAS FILHO, Fernando. Investigação de paternidade: peculiaridades, panorama atual, futuro.
Repensando o direito de família: anais do I Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: Del
Rey, 1999.
SILVA, Raquel Veloso da Silva. Colisão de direitos fundamentais e aplicação do princípio da
proporcionalidade na investigação de paternidade. Biblioteca Digital Jurídica STJ. Data da publicação:
12/06/2007. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/9980>. Acesso em 09/02/2010.
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Direito à intimidade e à liberdade de informação jornalística após a EC nº
45/04. Revista Brasileira de Direito Público (RBDP) nº 13, ano 04. Belo Horizonte: Editora Fórum, abr/jun
2006, p. 187-194.
THEODORO JUNIOR, Humberto. A prova indiciária no novo Código Civil e a Recusa ao Exame de DNA.
RDCPC, nº 33, jan./fev. 2005, p. 28-42.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. Vol. 6, 6ª. Ed., São Paulo: Atlas, 2006.
VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010
8051
Download

o direito à intimidade e a ação de investigação de paternidade el