Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 MOVIMENTOS DE TRANSLAÇÃO EM UMA AULA DE CIÊNCIAS PARA OS ANOS INICIAIS: CONSTRUINDO UM OBJETO CIENTÍFICO Débora Souza Fogaça Dominique Ohasi Queiroz Soares Danusa Munford Luiz Gustavo Franco Silveira Vanessa Ferraz Almeida Neves Kely Cristina Nogueira Souto Francisco Ângelo Coutinho Resumo: O presente artigo ressalta a importância do ensino de ciências na educação infantil e a atenção necessária ao profissional docente para prover ambientes de ensino propícios à representação das vozes dos estudantes, viabilizando deste modo a construção de diferentes objetos de estudo. Em nossa pesquisa acompanhamos uma turma dos anos iniciais, onde alguns dos estudantes encontraram no parquinho da escola um inseto que consideraram como "Grilo". Embasando-nos em uma perspectiva Latouriana e utilizando o referencial teóricometodológico da teoria ator-rede examinamos os movimentos de translação pelos quais o inseto tornou-se um objeto de estudos científicos da classe. Palavras-chave: Ensino de ciências; educação infantil; teoria ator-rede. 1. Introdução O ensino de ciências para os anos iniciais do Ensino Fundamental nem sempre existiu e por muito tempo fora considerado dispensável, cedendo espaço para áreas tidas como mais relevantes ao aprendizado, como a Matemática e o Português. Contudo, essa realidade modifica-se à medida em que se percebe a necessidade de se ensinar Ciências também nessa etapa da educação básica, como uma estratégia de formação de cidadãos que vivem em um mundo povoado pelos resultados das ciências naturais. A importância da alfabetização científica e tecnológica é ratificada e explicada também nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 2000, p. 24), que afirmam ser a ciência: 1592 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 “(...) um conhecimento que colabora para a compreensão do mundo e suas transformações, para reconhecer o homem como parte do universo e como indivíduos, é meta que se propõe para o ensino da área na escola fundamental. A apropriação de seus conceitos e procedimentos pode contribuir para o questionamento do que se vê e ouve, para a ampliação das explicações acerca dos fenômenos da natureza, para a compreensão e valorização dos modos de intervir na natureza e de utilizar seus recursos, para a compreensão dos recursos tecnológicos que realizam essas mediações, para a reflexão sobre questões éticas implícitas nas relações entre Ciências, Sociedade e Tecnologia.” Nesse contexto de mudança, fora promulgada em 1961 a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei n. 4061/61, que estabelecia a obrigatoriedade do ensino de ciências para os anos finais do Ensino Fundamental. A inclusão e normatização do ensino de ciências também para os anos iniciais do Ensino Fundamental vieram somente em 1971, com a Lei n. 5692 e nova edição da LBD (KRASILCHIK, 1987; DELIZOICOV e SLONGO, 2011), sendo portanto incipiente os conhecimentos sobre a trajetória da disciplina nos anos iniciais de instrução. Por ser tão recente, o ensino de ciências para os anos iniciais ainda apresenta alguns problemas e contrassensos relacionados ao plano discursivo e pedagógico, no qual deve ser apresentando e o plano em que o ensino de ciências realmente acontece no cotidiano escolar (DELIZOICOV e SLONGO, 2011). Como explica Fumagalli: [...] o conhecimento científico e tecnológico é subestimado [...], seu ensino ocupa um lugar residual, principalmente nas primeiras e segundas séries nas quais chega a ser incidental" (FUMAGALLI, 1998, p. 15). Consideramos que o ensino de ciências nessa etapa é importante no desenvolvimento das crianças, já que oferece a elas a oportunidade de compreender o mundo em que vivem (COLOMBO JÚNIOR et al, 2012) e auxilia o estudante a reconhecer seu papel como participante de decisões individuais e coletivas (BRASIL, 1997). Porém, o ensino de Ciências nas séries iniciais do Ensino Fundamental ainda é pautado em um modelo tradicional, baseado na memorização de vocabulários científicos (LONGHINI, 2008). Nesse sentido, pesquisas buscam desenvolver novas abordagens no ensino de ciências, dentre elas, o ensino de ciências por investigação, que aparece como uma alternativa para orientar a prática na educação em ciências (CHINN & MALHOTRA, 2002). Apesar de Sá (2009) apontar que o uso da expressão “ensino de ciências por investigação” não ser consensual entre os pesquisadores da área, consideramos que atividades 1593 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 investigativas são aquelas que levam o estudante a refletir, discutir e explicar seu trabalho aos colegas de classe e não sejam apenas observação ou manipulação de dados (CARVALHO et al. 2004). Essas atividades, como alguns podem pensar, não são necessariamente práticas ou experimentais (MUNFORD e LIMA, 2007) e podem assumir configurações diversas, como atividades teóricas, simulações em computador; atividades com bancos de dados; avaliação de evidências; demonstrações; pesquisas; atividades com filme; dentre outras (SÁ et al., 2007). Munford e Lima (2007) citam um documento norte-americano do National Research Council (NRC, 2000) que propõe alguns pontos essenciais na abordagem investigativa: os estudantes devem engajar-se com perguntas de orientação científica, dar prioridade às evidências ao responder questões, formular explicações a partir das evidências, avaliar suas explicações à luz de outras alternativas, comunicar e justificar as explicações propostas. Portanto, de nossa perspectiva, consideramos ensino de ciências por investigação como uma abordagem pedagogicamente flexível, pois, além de poder ser desenvolvida através de atividades diversas, o professor pode organizar essas atividades em diferentes níveis de abertura ou controle, dando maior ou menor direcionamento aos estudantes, o que possibilita a aprendizagem de estudantes com faixas etárias e perfis diferentes (MUNFORD e LIMA, 2007), inclusive quando se tratam de crianças. Dessa forma, essa abordagem constitui uma alternativa para o ensino de ciências nos anos iniciais, já que pode proporcionar um ensino mais dialógico, que possibilite às crianças desenvolver a capacidade de negociar, trocar ideias, colaborar e resolver problemas com seus pares e também com o seu professor (JENNINGS & MILLS, 2009). No presente artigo, com o intuito de contribuir para a produção de conhecimentos sobre o ensino de ciências nas séries iniciais do Ensino Fundamental, procuramos compreender os movimentos que transformam um determinado assunto introduzido pelos estudantes em um objeto científico. Isso porque, um objeto científico não se apresenta como tal ao primeiro contato com um sujeito conhecedor. Desde Hanson (1965) nós sabemos que existe sempre a intermediação de estruturas teóricas entre a observação e o mundo. Tal postura pode ser expressa pela fórmula de Hanson: "A observação de X é moldada pelo conhecimento prévio de X" (HANSON, 1965, p. 19). De modo similar, Polanyi (1973, p. 101) argumenta que a experiência perceptiva envolve expectativas e conhecimentos prévios. No entanto, uma vertente de especial importância para nós são os trabalhos que demonstram que a constituição dos objetos científicos se dá pelo enraizamento em um campo de cultura e prática matérias. Latour (2000, pp. 146-147), por exemplo, argumenta que a realidade dos objetos científicos se dá na imbricação de uma rede que envolve instituições, 1594 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 práticas, humanos e não-humanos. Nesse sentido, a constituição de um objeto científico exige um esforço, a que Latour chama de movimento de translação, e que torna aquilo que, em um primeiro momento, só pode ser definido por uma longa lista de provas – pelos testes a que resiste – em um legítimo objeto. Estudando a descoberta do polônio pelo casal Curie, Latour argumenta que, no início da investigação, a "substância X" não tinha um status de novo elemento. Podia ser outro qualquer (urânio, tório ou bismuto). Somente por uma série de testes, argumentos, provas e contraprovas essa substância se tornou “polônio”, um objeto legítimo de investigação científica. Assim, de nossa perspectiva latouriana, procuramos acompanhar esses movimentos de translação e de provas de força que transformaram um grilo no objeto “científico grilo”, em uma aula de ciências no segundo ano do ensino fundamental. 2. Quando um inseto entra na sala de aula O estudo aqui apresentado foi realizado em uma Escola de Aplicação de uma universidade pública de Minas Gerais. Refere-se a um processo de ensino que teve início quando estudantes do segundo ano do ensino fundamental coletaram no parquinho de sua escola insetos que definiram a priori como “Grilos”. O surgimento de dúvidas e a curiosidade em relação ao modo de vida do inseto encontrado fizeram com que estes estudantes o levassem para a sala de aula a fim de mostrá-lo à professora e aos colegas. Em um primeiro momento o que é introduzido em sala de aula é um “ser vivente” que as crianças denominam como “Grilo” a partir de concepções pré-estabelecidas do que caracteriza um grilo. No trecho 1 temos o momento de recolhimento do animal e os primeiros processos de tentativa de identificação, ainda baseados apenas nas impressões dos estudantes sobre o ser que foi coletado. _____________________________________________________________________ 02’ 36’’ Trecho 1 Emanuel. “Assim oh... Eu tava bem procurando grilo, é... com o Matheus”... Matheus. “É porque eu queria”... Professora. “Um só de cada vez gente!” Emanuel. “Aí , o João Vitor olhou um trem, assim... pulando. Ai eu fui lá, éhh.... vi uma perninha e uma asinha pra voar, aí eu peguei e falei assim: Matheus eu achei um grilo! Aí ele falou (*Estudante Matheus) : _ Valeu cara... Valeu! Aí o Matheus achou um copo e achou uma folha, e o grilo foi e sentiu o cheiro da folha”... Professora. “Como que você sabe que o Grilo sentiu o cheiro da folha?” Emanuel. “Porque a folha, ela cheira a comida do grilo”... Professora. “Você pegou a folha pra colocar aonde?” Emanuel. “Aqui dentro do copo!” Professora. “Você colocou a folha ai pra quê?” Emanuel. “Pra ele comer”... 1595 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Professora. “Ah porque você ficou com medo de colocar ele aí e ele passar fome?” Emanuel. “É!” Matheus. “Professora e também... é, eu quis colocar uma coisa qualquer, porque ele não tinha nada”... Professora. “Eu quero saber agora, quem tem uma opinião sobre a alimentação de Grilo...porque o Matheus falou assim oh, vou colocar ele no copo, tenho que colocar uma coisa pra ele comer, deixe eu pegar uma folha, vocês dois (Estudantes Emanuel e Matheus) mas o que que grilo come? Quem quiser falar levanta a mão”... Bruno. “Folha!” Nessa transcrição vemos que o estudante Emanuel encontra um inseto e, baseando-se em sua perna e sua asa, o identifica como um “Grilo” e determina a sua alimentação. Emanuel socializa com a classe o seu achado e sua opinião de que se trata de um Grilo. A professora, tal qual grande parte dos estudantes, concorda com a opinião de Emanuel de que o inseto encontrado trata-se de um Grilo, abrindo espaço para questionamentos a respeito de sua alimentação. A partir disto, a professora torna-se a mediadora de processos de purificação e de translação que tornarão os insetos efetivamente um objeto de estudos da classe. Seu primeiro passo foi acolher o interesse dos estudantes, daí em diante assumira o papel de guiar diferentes discussões em torno do “grilo” encontrado. 3. Primeiro movimento de translação: o “grilo” pode ser outro inseto A professora pede que os estudantes Emanuel, João Vitor e Matheus mostrem o inseto encontrado aos demais estudantes da turma, e que todos comentem mais a respeito da anatomia do inseto, eles contam o número de patas, observam a presença de asas e antenas. ___________________________________________________________________________ 09’00’’ Trecho 2 Professora. “Como que são as pernas dele? Pernas”... Estudante. “Uma”. Professora. “Uma só? Vai lá na mesa, conta com o seu grupo, só tem uma perna? Quantas pernas que tem? Ohh Matheus tenta contar quantas pernas que tem”... Matheus. “Tem quatro”.. Professora. “Quatro???” Matheus. “Peraí, Professora, as antenas dele é duas”... Professora. “Antenas são duas”... Matheus. “E as pernas pro lado é quatro... É seis! É Seis! É seis!” ___________________________________________________________________________ No decorrer da aula, os estudantes procuram o significado de grilo no dicionário: ___________________________________________________________________________ 01’08” Trecho 3 Professora. “É ortóptero, que vem de “que voa”, ortóptero é inseto que voa”... Bruno. “Do-ta-do”... Professora. “dotado”... 1596 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Bruno. “De órgão” Professora. “De órgão...” Bruno. “Que pró-duz-es-tri-do” Professora. “Que produz estrido... sabe o que é estrido? Barulho estridente! Ponto final”. ________________________________________________________________________ O inseto encontrado passa pelo primeiro estágio de translação: segundo o dicionário, Grilo é um inseto da ordem ortóptera que produz um barulho estridente. Então, como saber se o inseto encontrado emite som? Se ele não tiver esta capacidade, logo não será um grilo. E se ele não for um Grilo, o que ele poderia ser? Um dos colegas sugere que poderia então ser um gafanhoto. O uso do dicionário põe em duvida a opinião que antes fora acatada por todos, agora o que os estudantes concordam que tem é um inseto que eles próprios constataram apresentar duas antenas, seis patas, pode ser “gordo ou magro” e de diversas cores e que pertence, conforme a pesquisa no dicionário, a ordem orthoptera e produz um barulho estridente. Mas nada disso comprova se ele é um grilo ou um gafanhoto, então como responder esta questão? 4. Segundo movimento de translação: insetos e humanos são diferentes A forma encontrada pelos estudantes para entender mais sobre que inseto tinham em mãos, foi acompanhar o seu modo de vida por meio da montagem de uma “casa dos grilos”: ___________________________________________________________________________ 11’40’’ Trecho 4 Rodrigo. “O Pablo falou comigo que ele fez uma casinha e um carro”... Professora. “Vem cá... ( Dirigindo-se a Rodrigo), o que que você falou?” Rodrigo. “É porque o Pablo, ontem ele me mostrou o grilo e ele me falou que ia fazer um carro e UMA CASA”... Professora. “Uma casa pra ele? Que interessante!” ___________________________________________________________________________ A turma discute o que seria necessário para a sobrevivência dos insetos nesta “casa” e a professora anota no quadro as sugestões: ___________________________________________________________________________ 36’26’’ Trecho 5 Professora. “Pablo”... Pablo. “Sombra”... Professora. “Sombra! Rodrigo”... Rodrigo. “Comida”... Professora. “Comida, já tem! João Paulo”... João Paulo. “Água!” Professora. “Água ... Olha se água já tem”... Bruno. “Lar!” Rodrigo. “Um lar... Pra morar!” Professora. “Lar? O que que é um lar?” 1597 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Rodrigo. É um lugar que a gente tem que fazer pra ele morar! Professora. “Caroline...” Caroline. “Uma cama!” Professora. “Porque que ele precisa de uma cama?” Caroline. “Pra ele dormir”... 53’59’’ Estudante não identificado. “Ele precisa de festa, de família e de uma Namorada!” ___________________________________________________________________________ Podemos perceber que os estudantes atribuem características humanas aos grilos, o que mostra que ele ainda não está situado na sala de aula como um objeto científico, mas como um ser que tem antenas, patas, pula, precisa de família, amigos, companheiro e um lar. Com a discussão para a montagem desta “casa de Grilos” os estudantes começam a perceber que existem diferenças anatômicas entre o inseto observado e os humanos. ___________________________________________________________________________ 55’59’’ Trecho 6 Bruno. “No caso de um companheiro, como nós vamos saber se ele é homem ou mulher?” 01’00” Pablo. “Eu acho que o macho é aquele que sobe em cima da fêmea”... Matheus. “Eu acho que é a fêmea que sobe em cima do Macho!” Bruno. “O Macho é o mais forte!!!” Rodrigo. “Claro né, homem é mais forte que MUIÈ!” ___________________________________________________________________________ Agora o problema é outro; os estudantes não compreendem como irão diferenciar machos e fêmeas, e vemos que reproduzem um conceito presente em nossa sociedade: O “Macho/homem” é o mais forte, o dominador e as “Fêmeas/ Mulheres” frágeis e fracas. A grande relevância desta etapa, é que houve um processo de purificação em que ficou evidente que os insetos são diferentes dos humanos. 5. Terceiro movimento de translação: diferenciando os insetos Houve efetivamente a montagem da “casa dos grilos”, conforme sugerido pelos estudantes, contendo: ar, comida, água, sol, escuro para dormir, sombra, espaço para o grilo pular, mato para alimentação e diversos “grilos” coletados por eles para que tivessem amigos, família e um lar. Posteriormente um dos estudantes (Matheus) traz um “inseto Verde” e a Professora questiona: ___________________________________________________________________________ 01’ 23’’ Trecho 7 Professora. “Matheus eu vou te fazer uma pergunta; Quando você achou este verde (o inseto), você pensou que este verde era do mesmo que aqueles pequenininhos marrons? Ou tinha uma diferença?” 1598 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 Matheus. “É porque esse daqui era verde, ele tem asa, ele voa e também ele tem um ferro aqui”... Professora. “Você acha que este verde voa? Você viu ele voar?” Matheus. “Já!” ___________________________________________________________________________ A teoria ator-rede descreve a ciência e a tecnologia (tecnociência) como uma produção coletiva que ocorre por meio de uma rede de elementos heterogêneos (humanos e não humanos), a que ele chama de rede sociotécnica. O “inseto verde” trazido por Matheus leva os estudantes a considerarem outras possibilidades, sendo que alguns o consideram semelhante aos insetos que estavam na casa dos grilos. Contudo, Matheus viu o seu inseto verde voar. No entanto, os insetos presentes na casa dos grilos que estavam sendo acompanhados pela turma não voaram. Eles saltavam. Logo qual deles seria um Grilo? Podemos perceber que o grilo encontrado no parquinho tem mobilizado outros actantes e que os estudantes estão estabelecendo translações para outros insetos: O processo de translação está em andamento e os insetos sendo submetidos a testes e provas de força tal qual a “substância X” descoberta pelo casal Currie. É o momento de comparar o inseto verde de Matheus com os insetos marrons que estão na casa dos grilos. ___________________________________________________________________________ 02’ 55’’ Trecho 8 Professora. “ Neste aqui, você viu o que mais de diferente?” Matheus. “É os marrons é pequeno, esse aqui é maior... e o corpo dele é todo verde e os outros é marrom”... 03’58’’ Matheus. “O verde tem um ferrão atrás”... Professora. “O verde tem um ferrão”... 04’29” Professora. “ Um ferrão vermelho...Uma coisa vermelha ai de baixo, não é isso? “O marrom tem isso”? Matheus. “Não, ele não tem!” ___________________________________________________________________________ Segundo os estudantes as principais diferenças são em relação ao tamanho, pois o corpo do inseto verde, assim como suas antenas e asas são maiores em relação aos insetos 1599 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 marrons. Há ainda a presença do que os estudantes chamam de “ferrão” e dizem que foi observado saindo do abdômen do inseto verde que é ausente nos insetos marrons. Esse “Ferrão” na verdade trata-se de um ovipositor. 6. Quarto movimento de translação: insetos como objetos de estudos científicos da classe A próxima intervenção da Professora é levar os estudantes à biblioteca para que pesquisem mais informações sobre os insetos. Além disso, ela entrega à turma um texto que explica as diferenças entre grilos, gafanhotos e esperanças, contendo um desenho esquemático de cada um dos insetos. Nesta etapa, percebemos que “insetos” e, principalmente, os “Grilos” se firmaram nesta sala de aula como objetos de estudos científicos. O que inicialmente tratava-se de um ser vivo que despertava a curiosidade de um grupo de estudantes, agora é alvo de pesquisa bibliográfica e leitura textual de toda a turma, tal qual outras temáticas que compõem o currículo da respectiva série. Agora as pesquisas em torno dos insetos, e mais especificamente dos grilos, gafanhotos e esperanças, passam a constituir estudos entomológicos, tendo em vista a mudança de foco dos estudantes que se atentam mais a questões como: "a que espécies pertencem os insetos que foram coletados no parquinho?", "o inseto encontrado por Matheus é da mesma espécie, e portanto é o mesmo animal, daqueles que estavam vivendo na 'casa dos grilos'?". Por meio do texto os estudantes descobrem que existem diferenças entre estes três tipos de insetos, e que o tamanho das antenas pode ser usado como forma de identificação: ___________________________________________________________________________ 37’ 07’’ Trecho 9 Professora. “Clarice olhe para o gafanhoto e olhe o grilo me fale aonde você vê diferença entre grilo e gafanhoto”... Clarice. “É porque o grilo ele tem um negocio aqui assim”... Professora. “Que negocio”? Clarice. “Uma antena. A do grilo é comprida e a do gafanhoto não”. ___________________________________________________________________________ Os estudantes compreendem que os gafanhotos possuem antenas curtas, os grilos possuem antenas tão longas quanto o seu corpo e as esperanças possuem antenas ainda maiores que a dos grilos, porem as asas da esperança são semelhantes a uma folha o que facilita ainda mais a diferenciação entre esperanças e grilos. Sendo assim, a turma conclui que os insetos que coletaram no parquinho não eram Grilos e sim Gafanhotos, identificam também e que o inseto verde encontrado por Matheus era uma esperança. 1600 SBEnBio - Associação Brasileira de Ensino de Biologia Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014 V Enebio e II Erebio Regional 1 7. Considerações finais Por meio do conceito latouriano de translação, vimos os movimentos que constituíram um objeto científico em uma aula de ciências para as séries iniciais da educação básica. Desde modo, um primeiro apontamento diz respeito à construção de metodologias para o ensino de ciências para essa etapa de formação. Acompanhando o que um objeto é capaz de performar na sala de aula, vimos a importância de se dar voz aos estudantes e seus achados. Um segundo apontamento diz respeito à atuação da professora, que permitiu que a curiosidade dos estudantes fosse direcionada para uma investigação mais profunda. Nesse sentido, a professora disponibiliza vários recursos que permitem aos estudantes situarem-se em um processo no qual os estudantes devem observar, contar, medir, diferenciar, levantar hipóteses, buscar bibliografia competente e consultar especialistas. Acreditamos, assim, que as estratégias utilizadas pela professora apontam para a construção de modelos de ensino de ciências por investigação na etapa de formação aqui analisada. Finalmente, um terceiro apontamento diz respeito a introdução de objetos em sala de aula que possam servir-se como fontes de curiosidades, questionamentos e investigações. Assim, o que foi aqui analisado aponta para a necessidade de um enriquecimento do espaço de sala de aula pelo seu povoamento com legítimos objetos de investigação. Porém, não devemos nos esquecer que quem introduz os grilos na aula são os próprios estudantes. Essa constatação impõe a necessidade de investigações subsequentes que visem delinear os efeitos da proposta de temas de ensino que se originem do docente ou dos próprios estudantes. 8. Bibliografia BRASIL. (1997). Parâmetros curriculares nacionais: Ciências Naturais. Brasília: MEC. Acesso em 15 abr, 2014. http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro04.pdf CARVALHO, A. M. P; (org) - Ensino de Ciências: unindo a pesquisa e a prática - São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2004. CHINN, C., & MALHOTRA, B. (2002). Epistemologically authentic inquiry in schools: A theoretical framework for evaluating inquiry tasks. Science Education, 86, 175 – 218. COLOMBO JUNIOR, P. D.; LOURENÇO, A. B.; SASSERON, L. H.; CARVALHO, A. M. P. de. (2012). Ensino de Física nos Anos Iniciais: Análise da Argumentação na Resolução de uma "Atividade de Conhecimento Físico". 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