Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
MOVIMENTOS DE TRANSLAÇÃO EM UMA AULA DE CIÊNCIAS PARA OS
ANOS INICIAIS: CONSTRUINDO UM OBJETO CIENTÍFICO
Débora Souza Fogaça
Dominique Ohasi Queiroz Soares
Danusa Munford
Luiz Gustavo Franco Silveira
Vanessa Ferraz Almeida Neves
Kely Cristina Nogueira Souto
Francisco Ângelo Coutinho
Resumo:
O presente artigo ressalta a importância do ensino de ciências na educação infantil e a atenção
necessária ao profissional docente para prover ambientes de ensino propícios à representação
das vozes dos estudantes, viabilizando deste modo a construção de diferentes objetos de
estudo. Em nossa pesquisa acompanhamos uma turma dos anos iniciais, onde alguns dos
estudantes encontraram no parquinho da escola um inseto que consideraram como "Grilo".
Embasando-nos em uma perspectiva Latouriana e utilizando o referencial teóricometodológico da teoria ator-rede examinamos os movimentos de translação pelos quais o
inseto tornou-se um objeto de estudos científicos da classe.
Palavras-chave: Ensino de ciências; educação infantil; teoria ator-rede.
1. Introdução
O ensino de ciências para os anos iniciais do Ensino Fundamental nem sempre existiu
e por muito tempo fora considerado dispensável, cedendo espaço para áreas tidas como mais
relevantes ao aprendizado, como a Matemática e o Português. Contudo, essa realidade
modifica-se à medida em que se percebe a necessidade de se ensinar Ciências também nessa
etapa da educação básica, como uma estratégia de formação de cidadãos que vivem em um
mundo povoado pelos resultados das ciências naturais.
A importância da alfabetização científica e tecnológica é ratificada e explicada
também nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 2000, p. 24), que afirmam
ser a ciência:
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“(...) um conhecimento que colabora para a compreensão do mundo e suas
transformações, para reconhecer o homem como parte do universo e como
indivíduos, é meta que se propõe para o ensino da área na escola fundamental.
A apropriação de seus conceitos e procedimentos pode contribuir para o
questionamento do que se vê e ouve, para a ampliação das explicações acerca
dos fenômenos da natureza, para a compreensão e valorização dos modos de
intervir na natureza e de utilizar seus recursos, para a compreensão dos
recursos tecnológicos que realizam essas mediações, para a reflexão sobre
questões éticas implícitas nas relações entre Ciências, Sociedade e
Tecnologia.”
Nesse contexto de mudança, fora promulgada em 1961 a primeira Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB), Lei n. 4061/61, que estabelecia a obrigatoriedade do ensino de
ciências para os anos finais do Ensino Fundamental. A inclusão e normatização do ensino de
ciências também para os anos iniciais do Ensino Fundamental vieram somente em 1971, com
a Lei n. 5692 e nova edição da LBD (KRASILCHIK, 1987; DELIZOICOV e SLONGO,
2011), sendo portanto incipiente os conhecimentos sobre a trajetória da disciplina nos anos
iniciais de instrução.
Por ser tão recente, o ensino de ciências para os anos iniciais ainda apresenta alguns
problemas e contrassensos relacionados ao plano discursivo e pedagógico, no qual deve ser
apresentando e o plano em que o ensino de ciências realmente acontece no cotidiano escolar
(DELIZOICOV e SLONGO, 2011). Como explica Fumagalli:
[...] o conhecimento científico e tecnológico é subestimado [...], seu ensino
ocupa um lugar residual, principalmente nas primeiras e segundas séries nas
quais chega a ser incidental" (FUMAGALLI, 1998, p. 15).
Consideramos que o ensino de ciências nessa etapa é importante no desenvolvimento
das crianças, já que oferece a elas a oportunidade de compreender o mundo em que vivem
(COLOMBO JÚNIOR et al, 2012) e auxilia o estudante a reconhecer seu papel como
participante de decisões individuais e coletivas (BRASIL, 1997). Porém, o ensino de Ciências
nas séries iniciais do Ensino Fundamental ainda é pautado em um modelo tradicional, baseado
na memorização de vocabulários científicos (LONGHINI, 2008). Nesse sentido, pesquisas
buscam desenvolver novas abordagens no ensino de ciências, dentre elas, o ensino de ciências
por investigação, que aparece como uma alternativa para orientar a prática na educação em
ciências (CHINN & MALHOTRA, 2002).
Apesar de Sá (2009) apontar que o uso da expressão “ensino de ciências por
investigação” não ser consensual entre os pesquisadores da área, consideramos que atividades
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investigativas são aquelas que levam o estudante a refletir, discutir e explicar seu trabalho aos
colegas de classe e não sejam apenas observação ou manipulação de dados (CARVALHO et
al. 2004). Essas atividades, como alguns podem pensar, não são necessariamente práticas ou
experimentais (MUNFORD e LIMA, 2007) e podem assumir configurações diversas, como
atividades teóricas, simulações em computador; atividades com bancos de dados; avaliação de
evidências; demonstrações; pesquisas; atividades com filme; dentre outras (SÁ et al., 2007).
Munford e Lima (2007) citam um documento norte-americano do National Research Council
(NRC, 2000) que propõe alguns pontos essenciais na abordagem investigativa: os estudantes
devem engajar-se com perguntas de orientação científica, dar prioridade às evidências ao
responder questões, formular explicações a partir das evidências, avaliar suas explicações à
luz de outras alternativas, comunicar e justificar as explicações propostas.
Portanto, de nossa perspectiva, consideramos ensino de ciências por investigação
como uma abordagem pedagogicamente flexível, pois, além de poder ser desenvolvida através
de atividades diversas, o professor pode organizar essas atividades em diferentes níveis de
abertura ou controle, dando maior ou menor direcionamento aos estudantes, o que possibilita
a aprendizagem de estudantes com faixas etárias e perfis diferentes (MUNFORD e LIMA,
2007), inclusive quando se tratam de crianças. Dessa forma, essa abordagem constitui uma
alternativa para o ensino de ciências nos anos iniciais, já que pode proporcionar um ensino
mais dialógico, que possibilite às crianças desenvolver a capacidade de negociar, trocar ideias,
colaborar e resolver problemas com seus pares e também com o seu professor (JENNINGS &
MILLS, 2009).
No presente artigo, com o intuito de contribuir para a produção de conhecimentos
sobre o ensino de ciências nas séries iniciais do Ensino Fundamental, procuramos
compreender os movimentos que transformam um determinado assunto introduzido pelos
estudantes em um objeto científico. Isso porque, um objeto científico não se apresenta como
tal ao primeiro contato com um sujeito conhecedor. Desde Hanson (1965) nós sabemos que
existe sempre a intermediação de estruturas teóricas entre a observação e o mundo. Tal
postura pode ser expressa pela fórmula de Hanson: "A observação de X é moldada pelo
conhecimento prévio de X" (HANSON, 1965, p. 19). De modo similar, Polanyi (1973, p.
101) argumenta que a experiência perceptiva envolve expectativas e conhecimentos prévios.
No entanto, uma vertente de especial importância para nós são os trabalhos que
demonstram que a constituição dos objetos científicos se dá pelo enraizamento em um campo
de cultura e prática matérias. Latour (2000, pp. 146-147), por exemplo, argumenta que a
realidade dos objetos científicos se dá na imbricação de uma rede que envolve instituições,
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práticas, humanos e não-humanos. Nesse sentido, a constituição de um objeto científico exige
um esforço, a que Latour chama de movimento de translação, e que torna aquilo que, em um
primeiro momento, só pode ser definido por uma longa lista de provas – pelos testes a que
resiste – em um legítimo objeto. Estudando a descoberta do polônio pelo casal Curie, Latour
argumenta que, no início da investigação, a "substância X" não tinha um status de novo
elemento. Podia ser outro qualquer (urânio, tório ou bismuto). Somente por uma série de
testes, argumentos, provas e contraprovas essa substância se tornou “polônio”, um objeto
legítimo de investigação científica. Assim, de nossa perspectiva latouriana, procuramos
acompanhar esses movimentos de translação e de provas de força que transformaram um grilo
no objeto “científico grilo”, em uma aula de ciências no segundo ano do ensino fundamental.
2. Quando um inseto entra na sala de aula
O estudo aqui apresentado foi realizado em uma Escola de Aplicação de uma
universidade pública de Minas Gerais. Refere-se a um processo de ensino que teve início
quando estudantes do segundo ano do ensino fundamental coletaram no parquinho de sua
escola insetos que definiram a priori como “Grilos”. O surgimento de dúvidas e a curiosidade
em relação ao modo de vida do inseto encontrado fizeram com que estes estudantes o
levassem para a sala de aula a fim de mostrá-lo à professora e aos colegas.
Em um primeiro momento o que é introduzido em sala de aula é um “ser vivente” que
as crianças denominam como “Grilo” a partir de concepções pré-estabelecidas do que
caracteriza um grilo. No trecho 1 temos o momento de recolhimento do animal e os primeiros
processos de tentativa de identificação, ainda baseados apenas nas impressões dos estudantes
sobre o ser que foi coletado.
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02’ 36’’ Trecho 1
Emanuel. “Assim oh... Eu tava bem procurando grilo, é... com o Matheus”...
Matheus. “É porque eu queria”...
Professora. “Um só de cada vez gente!”
Emanuel. “Aí , o João Vitor olhou um trem, assim... pulando. Ai eu fui lá, éhh.... vi uma
perninha e uma asinha pra voar, aí eu peguei e falei assim: Matheus eu achei um grilo! Aí ele
falou (*Estudante Matheus) : _ Valeu cara... Valeu! Aí o Matheus achou um copo e achou
uma folha, e o grilo foi e sentiu o cheiro da folha”...
Professora. “Como que você sabe que o Grilo sentiu o cheiro da folha?”
Emanuel. “Porque a folha, ela cheira a comida do grilo”...
Professora. “Você pegou a folha pra colocar aonde?”
Emanuel. “Aqui dentro do copo!”
Professora. “Você colocou a folha ai pra quê?”
Emanuel. “Pra ele comer”...
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Professora. “Ah porque você ficou com medo de colocar ele aí e ele passar fome?”
Emanuel. “É!”
Matheus. “Professora e também... é, eu quis colocar uma coisa qualquer, porque ele não tinha
nada”...
Professora. “Eu quero saber agora, quem tem uma opinião sobre a alimentação de
Grilo...porque o Matheus falou assim oh, vou colocar ele no copo, tenho que colocar uma
coisa pra ele comer, deixe eu pegar uma folha, vocês dois (Estudantes Emanuel e Matheus)
mas o que que grilo come? Quem quiser falar levanta a mão”...
Bruno. “Folha!”
Nessa transcrição vemos que o estudante Emanuel encontra um inseto e, baseando-se
em sua perna e sua asa, o identifica como um “Grilo” e determina a sua alimentação. Emanuel
socializa com a classe o seu achado e sua opinião de que se trata de um Grilo.
A professora, tal qual grande parte dos estudantes, concorda com a opinião de
Emanuel de que o inseto encontrado trata-se de um Grilo, abrindo espaço para
questionamentos a respeito de sua alimentação. A partir disto, a professora torna-se a
mediadora de processos de purificação e de translação que tornarão os insetos efetivamente
um objeto de estudos da classe. Seu primeiro passo foi acolher o interesse dos estudantes, daí
em diante assumira o papel de guiar diferentes discussões em torno do “grilo” encontrado.
3. Primeiro movimento de translação: o “grilo” pode ser outro inseto
A professora pede que os estudantes Emanuel, João Vitor e Matheus mostrem o
inseto encontrado aos demais estudantes da turma, e que todos comentem mais a respeito da
anatomia do inseto, eles contam o número de patas, observam a presença de asas e antenas.
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09’00’’ Trecho 2
Professora. “Como que são as pernas dele? Pernas”...
Estudante. “Uma”.
Professora. “Uma só? Vai lá na mesa, conta com o seu grupo, só tem uma perna? Quantas
pernas que tem? Ohh Matheus tenta contar quantas pernas que tem”...
Matheus. “Tem quatro”..
Professora. “Quatro???”
Matheus. “Peraí, Professora, as antenas dele é duas”...
Professora. “Antenas são duas”...
Matheus. “E as pernas pro lado é quatro... É seis! É Seis! É seis!”
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No decorrer da aula, os estudantes procuram o significado de grilo no dicionário:
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01’08” Trecho 3
Professora. “É ortóptero, que vem de “que voa”, ortóptero é inseto que voa”...
Bruno. “Do-ta-do”...
Professora. “dotado”...
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Bruno. “De órgão”
Professora. “De órgão...”
Bruno. “Que pró-duz-es-tri-do”
Professora. “Que produz estrido... sabe o que é estrido? Barulho estridente! Ponto final”.
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O inseto encontrado passa pelo primeiro estágio de translação: segundo o dicionário,
Grilo é um inseto da ordem ortóptera que produz um barulho estridente. Então, como saber se
o inseto encontrado emite som? Se ele não tiver esta capacidade, logo não será um grilo. E se
ele não for um Grilo, o que ele poderia ser? Um dos colegas sugere que poderia então ser um
gafanhoto.
O uso do dicionário põe em duvida a opinião que antes fora acatada por todos, agora o
que os estudantes concordam que tem é um inseto que eles próprios constataram apresentar
duas antenas, seis patas, pode ser “gordo ou magro” e de diversas cores e que pertence,
conforme a pesquisa no dicionário, a ordem orthoptera e produz um barulho estridente. Mas
nada disso comprova se ele é um grilo ou um gafanhoto, então como responder esta questão?
4. Segundo movimento de translação: insetos e humanos são diferentes
A forma encontrada pelos estudantes para entender mais sobre que inseto tinham em
mãos, foi acompanhar o seu modo de vida por meio da montagem de uma “casa dos grilos”:
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11’40’’ Trecho 4
Rodrigo. “O Pablo falou comigo que ele fez uma casinha e um carro”...
Professora. “Vem cá... ( Dirigindo-se a Rodrigo), o que que você falou?”
Rodrigo. “É porque o Pablo, ontem ele me mostrou o grilo e ele me falou que ia fazer um
carro e UMA CASA”...
Professora. “Uma casa pra ele? Que interessante!”
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A turma discute o que seria necessário para a sobrevivência dos insetos nesta “casa” e
a professora anota no quadro as sugestões:
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36’26’’ Trecho 5
Professora. “Pablo”...
Pablo. “Sombra”...
Professora. “Sombra! Rodrigo”...
Rodrigo. “Comida”...
Professora. “Comida, já tem! João Paulo”...
João Paulo. “Água!”
Professora. “Água ... Olha se água já tem”...
Bruno. “Lar!”
Rodrigo. “Um lar... Pra morar!”
Professora. “Lar? O que que é um lar?”
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Rodrigo. É um lugar que a gente tem que fazer pra ele morar!
Professora. “Caroline...”
Caroline. “Uma cama!”
Professora. “Porque que ele precisa de uma cama?”
Caroline. “Pra ele dormir”...
53’59’’ Estudante não identificado. “Ele precisa de festa, de família e de uma Namorada!”
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Podemos perceber que os estudantes atribuem características humanas aos grilos, o
que mostra que ele ainda não está situado na sala de aula como um objeto científico, mas
como um ser que tem antenas, patas, pula, precisa de família, amigos, companheiro e um lar.
Com a discussão para a montagem desta “casa de Grilos” os estudantes começam a perceber
que existem diferenças anatômicas entre o inseto observado e os humanos.
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55’59’’ Trecho 6
Bruno. “No caso de um companheiro, como nós vamos saber se ele é homem ou mulher?”
01’00” Pablo. “Eu acho que o macho é aquele que sobe em cima da fêmea”...
Matheus. “Eu acho que é a fêmea que sobe em cima do Macho!”
Bruno. “O Macho é o mais forte!!!”
Rodrigo. “Claro né, homem é mais forte que MUIÈ!”
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Agora o problema é outro; os estudantes não compreendem como irão diferenciar
machos e fêmeas, e vemos que reproduzem um conceito presente em nossa sociedade: O
“Macho/homem” é o mais forte, o dominador e as “Fêmeas/ Mulheres” frágeis e fracas. A
grande relevância desta etapa, é que houve um processo de purificação em que ficou evidente
que os insetos são diferentes dos humanos.
5. Terceiro movimento de translação: diferenciando os insetos
Houve efetivamente a montagem da “casa dos grilos”, conforme sugerido pelos
estudantes, contendo: ar, comida, água, sol, escuro para dormir, sombra, espaço para o grilo
pular, mato para alimentação e diversos “grilos” coletados por eles para que tivessem amigos,
família e um lar. Posteriormente um dos estudantes (Matheus) traz um “inseto Verde” e a
Professora questiona:
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01’ 23’’ Trecho 7
Professora. “Matheus eu vou te fazer uma pergunta; Quando você achou este verde (o
inseto), você pensou que este verde era do mesmo que aqueles pequenininhos marrons? Ou
tinha uma diferença?”
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Matheus. “É porque esse daqui era verde, ele tem asa, ele voa e também ele tem um ferro
aqui”...
Professora. “Você acha que este verde voa? Você viu ele voar?”
Matheus. “Já!”
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A teoria ator-rede descreve a ciência e a tecnologia (tecnociência) como uma produção
coletiva que ocorre por meio de uma rede de elementos heterogêneos (humanos e não
humanos), a que ele chama de rede sociotécnica.
O “inseto verde” trazido por Matheus leva os estudantes a considerarem outras
possibilidades, sendo que alguns o consideram semelhante aos insetos que estavam na casa
dos grilos. Contudo, Matheus viu o seu inseto verde voar. No entanto, os insetos presentes na
casa dos grilos que estavam sendo acompanhados pela turma não voaram. Eles saltavam.
Logo qual deles seria um Grilo?
Podemos perceber que o grilo encontrado no parquinho tem mobilizado outros
actantes e que os estudantes estão estabelecendo translações para outros insetos:
O processo de translação está em andamento e os insetos sendo submetidos a testes e
provas de força tal qual a “substância X” descoberta pelo casal Currie. É o momento de
comparar o inseto verde de Matheus com os insetos marrons que estão na casa dos grilos.
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02’ 55’’ Trecho 8
Professora. “ Neste aqui, você viu o que mais de diferente?”
Matheus. “É os marrons é pequeno, esse aqui é maior... e o corpo dele é todo verde e os
outros é marrom”...
03’58’’ Matheus. “O verde tem um ferrão atrás”...
Professora. “O verde tem um ferrão”...
04’29” Professora. “ Um ferrão vermelho...Uma coisa vermelha ai de baixo, não é isso? “O
marrom tem isso”?
Matheus. “Não, ele não tem!”
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Segundo os estudantes as principais diferenças são em relação ao tamanho, pois o
corpo do inseto verde, assim como suas antenas e asas são maiores em relação aos insetos
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marrons. Há ainda a presença do que os estudantes chamam de “ferrão” e dizem que foi
observado saindo do abdômen do inseto verde que é ausente nos insetos marrons. Esse
“Ferrão” na verdade trata-se de um ovipositor.
6. Quarto movimento de translação: insetos como objetos de estudos científicos da classe
A próxima intervenção da Professora é levar os estudantes à biblioteca para que
pesquisem mais informações sobre os insetos. Além disso, ela entrega à turma um texto que
explica as diferenças entre grilos, gafanhotos e esperanças, contendo um desenho esquemático
de cada um dos insetos.
Nesta etapa, percebemos que “insetos” e, principalmente, os “Grilos” se firmaram
nesta sala de aula como objetos de estudos científicos. O que inicialmente tratava-se de um
ser vivo que despertava a curiosidade de um grupo de estudantes, agora é alvo de pesquisa
bibliográfica e leitura textual de toda a turma, tal qual outras temáticas que compõem o
currículo da respectiva série. Agora as pesquisas em torno dos insetos, e mais especificamente
dos grilos, gafanhotos e esperanças, passam a constituir estudos entomológicos, tendo em
vista a mudança de foco dos estudantes que se atentam mais a questões como: "a que espécies
pertencem os insetos que foram coletados no parquinho?", "o inseto encontrado por Matheus
é da mesma espécie, e portanto é o mesmo animal, daqueles que estavam vivendo na 'casa dos
grilos'?".
Por meio do texto os estudantes descobrem que existem diferenças entre estes três
tipos de insetos, e que o tamanho das antenas pode ser usado como forma de identificação:
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37’ 07’’ Trecho 9
Professora. “Clarice olhe para o gafanhoto e olhe o grilo me fale aonde você vê diferença
entre grilo e gafanhoto”...
Clarice. “É porque o grilo ele tem um negocio aqui assim”...
Professora. “Que negocio”?
Clarice. “Uma antena. A do grilo é comprida e a do gafanhoto não”.
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Os estudantes compreendem que os gafanhotos possuem antenas curtas, os grilos
possuem antenas tão longas quanto o seu corpo e as esperanças possuem antenas ainda
maiores que a dos grilos, porem as asas da esperança são semelhantes a uma folha o que
facilita ainda mais a diferenciação entre esperanças e grilos.
Sendo assim, a turma conclui que os insetos que coletaram no parquinho não eram
Grilos e sim Gafanhotos, identificam também e que o inseto verde encontrado por Matheus
era uma esperança.
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7. Considerações finais
Por meio do conceito latouriano de translação, vimos os movimentos que constituíram
um objeto científico em uma aula de ciências para as séries iniciais da educação básica. Desde
modo, um primeiro apontamento diz respeito à construção de metodologias para o ensino de
ciências para essa etapa de formação. Acompanhando o que um objeto é capaz de performar
na sala de aula, vimos a importância de se dar voz aos estudantes e seus achados.
Um segundo apontamento diz respeito à atuação da professora, que permitiu que a
curiosidade dos estudantes fosse direcionada para uma investigação mais profunda. Nesse
sentido, a professora disponibiliza vários recursos que permitem aos estudantes situarem-se
em um processo no qual os estudantes devem observar, contar, medir, diferenciar, levantar
hipóteses, buscar bibliografia competente e consultar especialistas. Acreditamos, assim, que
as estratégias utilizadas pela professora apontam para a construção de modelos de ensino de
ciências por investigação na etapa de formação aqui analisada.
Finalmente, um terceiro apontamento diz respeito a introdução de objetos em sala de
aula que possam servir-se como fontes de curiosidades, questionamentos e investigações.
Assim, o que foi aqui analisado aponta para a necessidade de um enriquecimento do espaço
de sala de aula pelo seu povoamento com legítimos objetos de investigação. Porém, não
devemos nos esquecer que quem introduz os grilos na aula são os próprios estudantes. Essa
constatação impõe a necessidade de investigações subsequentes que visem delinear os efeitos
da proposta de temas de ensino que se originem do docente ou dos próprios estudantes.
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