A Mesa de Sensações: uma proposta de aprendizagem e socialização pelo
toque
Amanda Fernandes Dayrell; Danielle Martins Rezende; Fernanda Alves Martins; Solange
Aparecida Brienza de Abreu; Renata Carmo-Oliveira
Quando crianças, somos muito estimulados pelos nossos pais e/ou cuidadores, a tocar
e explorar os objetos utilizando nossas mãos. “Maria Montessori defendia que “o caminho do
intelecto passa pelas mãos, porque é por meio do movimento e do toque que as crianças
exploram e decodificam o mundo ao seu redor. ‘A criança ama tocar os objetos para depois
poder reconhecê-los’, disse certa vez.” (NOVA ESCOLA, 2006, p. 32).
A ausência da visão exige formas alternativas de desenvolvimento para alimentar a
inteligência e promover capacidades sócio-adaptativas. Essas formas alternativas exploram o
desenvolvimento tátil. O desenvolvimento tátil leva os cegos, principalmente crianças a um
reconhecimento simples de uma interpretação complexa do ambiente. Pais e educadores
estimulam essas crianças desde cedo, dando a elas base para um desenvolvimento intelectivo
de alto nível (GRIFIN; GERBER, 1996; CAMPOS, 2006).
No contexto escolar, o tato continua sendo estimulado nas séries iniciais. Mas, nas
séries do ensino fundamental II, percebemos que o tocar com as mãos torna-se menos
incentivado, inclusive no contexto social. Os educadores controlam o tocar, principalmente
com o público da faixa etária entre 9 a 16 anos, pois temem os perigos que os objetos possam
oferecer aos seus alunos e ainda que os objetos possam ser danificados. Assim, a falta de
incentivo e orientação para utilização deste sentido, com a finalidade de descobrir o
conhecimento, atrapalha o aprendizado e a interação com o que se estuda, uma vez que
utilizar a curiosidade e capacidade de explorar os arredores, através dos sentidos ajuda a
promover o desenvolvimento integral das crianças (RYBACHUK; FREEMAN, 2006).
Ainda assim, é de comum entendimento entre os professores que o uso de recursos e
atividades para que as pessoas possam interagir é importante para desenvolver habilidades e
propiciar um ambiente de troca de vivências. Gerar um ambiente assim é também propiciar a
inclusão, a partir de ações simples que possuam uma intencionalidade bem delineada. A
inclusão demonstra a necessidade de transformar os espaços para que todos possam usufruir
igualmente. Por isso, no contexto escolar, a Educação Inclusiva significa um novo modelo de
escola em que é possível o acesso e a permanência de todos os alunos, e onde os mecanismos
de seleção e discriminação, até então utilizados, são substituídos por procedimentos de
identificação e remoção de barreiras para a aprendizagem (GLAT e BLANCO, 2007).
Dentro da perspectiva de estimular o uso do tato para a apropriação do conhecimento,
buscamos desenvolver uma Mesa de Sensações que se configure como um modelo de recurso
e atividade didática que propicie a interatividade e a inclusão em espaços formais e nãoformais de ensino. Nossos objetivos são de avaliar o potencial didático da Mesa e seu aceite
pelo público escolar e não escolar.
Nossa proposta da Mesa de Sensações explora o tema “Revestimento do corpo dos
animais”. Foram escolhidas peles e penas dos seguintes animais: cascavel - Crotalus durissus,
sucuri - Eunectes murinus, papagaio do mangue - Amazona amazonica, papa lagarta de asa
vermelha - Cocyzus americanus (Linnaeus,1758), pirarucu – Arapaima gigas , traíra –
Hoplias malabaricus, lebre – Lepus sp. , e gato mourisco – Herpailurus yaguaroundi. Esse
material compõe parte da coleção didática de taxidermizados do Laboratório de Ensino de
Ciências e Biologia do Instituto de Biologia. Utilizou-se partes de peles com cerca de 10 cm
de largura e 12 cm comprimento e penas completas de animais adultos.
As amostras foram colocadas em pranchas confeccionadas com papelão e revestidas
com papel camurça preto para destacá-las. Cada prancha era composta pela pele ou pena com
a imagem e um texto com informações sobre o respectivo animal. Cobrindo a imagem e o
texto foi colocado uma transparência com o texto traduzido na escrita Braille.
A Mesa de Sensações foi apresentada em dois locais diferentes, com públicos
completamente distintos. A primeira apresentação foi realizada no Museu de Biodiversidade
do Cerrado do Parque Municipal Victorio Siquierolli em Uberlândia – Minas Gerais, para um
grupo de pessoas cegas e de baixa visão, participantes da Associação de Deficientes Visuais
de Uberlândia – ADEVIUDI. A segunda exposição, apesar de não ocorrer em um espaço
formal, foi realizada durante a Semana de Ciência e Tecnologia para alunos, com 09 a 15
anos, das escolas públicas de Uberlândia.
No parque Siquierolli, durante a visita a exposição local, as pessoas cegas e de baixa
visão, bem como os videntes puderam ter contato com as peles e penas da Mesa de Sensações
e se mostraram muito atentos e curiosos a proposta. Os cegos tocaram as peças e sentiram
cada revestimento animal com cuidado e suavidade, e na medida em que exploravam as peças
compartilhavam muito a vontade, experiências de vida e histórias sobre tais animais. O
ambiente do Museu, de liberdade e oportunidade de aprendizado, somado as orientações das
apresentadoras da atividade e monitores do local, favoreceram o sentimento de interação e de
conversa. Considerando que como interação entende-se não só manipular módulos, acionar
botões, acender lâmpadas, ler informações, contemplar vitrines e dioramas, mas também fazer
associações e comentários, reagir com expressões verbais ou não e trocar impressões entre
pares (Cazelli et al, 1996), acompanhamos durante a visita que tanto a Mesa de Sensações
quanto as coleções do Museu estabeleceram essa comunicação com o grupo.
Gostaríamos de mencionar que percebemos que apesar de se sentirem também
convidados a tocarem as peças da Mesa os videntes exploraram sua curiosidade de maneira
cautelosa, com certa resistência de ceder ao toque e quando finalmente se rendiam ao
manuseio não o faziam com a mesma delicadeza e cuidado que os cegos ou os de baixa visão.
Essa pouca habilidade nos remete ao fato dos videntes serem muitas vezes impedidos de tocar
os objetos por contarem com a visão. A pouca habilidade no manuseio afeta muitas vezes a
capacidade de relacionar o que estamos sentindo, com o tato, e com o que aprendemos com as
descrições ou imagens. Ao entender que o tato é um modo de observação, Ferrara (1999)
relata que, “a linguagem ambiental e a percepção que dela se têm, pode ser identificada na
observação que capta e registra as imagens e as associa”.
Na segunda apresentação da Mesa de Sensações, para alunos da educação básica,
pudemos novamente acompanhar as dificuldades deste público e até de seus professores em
ceder a interação com as peças por meio das mãos. Aproximadamente 350 alunos e cerca de
15 professores tiveram acesso a Mesa. Os professores muitas vezes ao se aproximarem
chamavam atenção dos alunos para que não tocassem nas peças. Orientados pelos
apresentadores da atividade que poderiam e deveriam tocar para sentir as peles e penas
demoravam um pouco para se convencerem dessa possibilidade demonstrando certo receio e
dúvidas. Após nossa insistência convencemos algumas crianças e professores, que em alguns
momentos demonstraram sentimentos de rejeição pelos répteis e afeto pelos mamíferos e
aves. Os mais curiosos se aventuraram em sentir a escrita em Braille e tocar por mais tempo
as amostras. Também acompanhamos comentários sobre as informações a respeito dos
animais representados na Mesa. Toda essa comunicação corporal, que expressou os
sentimentos do público, bem como as impressões expressas ao tocarem as peças nos revelou o
potencial da Mesa para estimular a comunicação entre os alunos e destes com seus
professores.
Avaliando a Mesa de Sensações como um modelo didático estamos convencidos que
esta pode propiciar uma interatividade efetiva entre o conhecimento e o público, seja este
formado por visitantes de um Museu, estudantes e professores e ainda aqueles com algum
comprometimento visual. Apesar de um primeiro estranhamento em poder tocar e manusear
pelos videntes, acreditamos que a Mesa foi bem aceita por estes assim como pelos cegos o
que a torna um modelo que pode ser explorado tanto em Museus como na escola.
Uma atividade com objetivos claros e que explore os sentidos pode aprimorar o
processo de ensino-aprendizagem facilitando a comunicação entre o professor e o aluno, pois
como afirmam Tafner e Fischer (2004, p. 144) “há uma simbiose do corpo e do
conhecimento, porque a ação, mediada pelo corpo, ativa outros canais além do visual e do
auditivo. O corpo como um todo é um canal de convergência sensória”.
Apesar de apresentar esse potencial temos que considerar algumas dificuldades que os
professores podem encontrar se considerarmos que são peles de animais silvestres e de difícil
aquisição. Alternativamente, é possível usar peles de animais mais facilmente obtidas, como
pele de boi e peixes, hoje utilizados na indústria de sapatos e acessórios. As penas podem ser
facilmente adquiridas em um passeio pelos parques e zoológicos e identificadas por
especialistas que trabalham nestes locais.
Acrescentamos ainda que a Mesa de Sensações pode ser confeccionada para explorar
outros temas como a diversidade das estruturas vegetais ou até mesmo o corpo humano por
meio de modelos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMPOS, T. Q. A tecnologia de computação para deficiente visual – um olhar na inclusão.
2006. 67 f. Monografia de Conclusão de Curso, Universidade Federal de Mato Grosso,
Cuiabá, 2006.
CAZELLI, S.; GOUVÊA, G.; SOUZA, C. N.; FRANCO, C. Padrões de Interação e
Aprendizagem Compartilhada na Exposição Laboratório de Astronomia. Trabalho
apresentado na 19ª Reunião Anual da ANPED, GT Comunicação e Educação, Caxambu,
1996.
FERRARA, L. Olhar periférico: linguagem, percepção ambiental. 2 ed. São Paulo: Editora da
USP, 1999.
GLAT, R.; BLANCO, L. M. V. Educação especial no contexto de uma educação inclusiva. In
GLAT, R. (org.) Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de Janeiro: 7 Letras,
p. 15-35, 2007.
GRIFIN, H. C.; GERBER, P. J. Desenvolvimento tátil e suas implicações na educação de
crianças cegas. Revista Benjamin Constant. nº 05, Dezembro: 1996. Tradução: Ilza Viegas;
revisão da tradução Paulo Felicíssimo e Vera Lúcia de Oliveira Vogel. Disponível em: <
www.deficientesvisuais.org.br >. Acesso em: 05 nov. 2012.
NOVA ESCOLA, edição especial, Grandes Pensadores. São Paulo: Abril, v.2, n.10, ago.
2006. ISSN 0103-0116.
RYBACHUK, R.; FREEMAN, D. Inclusion and the Five Senses. SpeciaLink: The National
Centre
For
Child
Care
Inclusion.
Disponível
em
http://www.specialinkcanada.org/assistance/Inclusion%20and%20the%20Five.pdf.
Acesso
em: 16 out. 2012.
TAFNER, M. A.; FISCHER, J. O cérebro e o corpo no aprendizado. Indaial: ASSELVI,
2004.
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